I. First Night Adventures
AVENTURAS DA PRIMEIRA NOITE
——————— capítulo um.
'você me tocou sem nem precisar me tocar'
Scarlett conseguia entender a situação em que estava.
Não se sentia revoltada e nem nada do tipo. Sabia bem o motivo de nunca acordar com um bom dia de sua mãe ou dormir com um boa noite. Ela trabalhava o suficiente para dar tudo o que poderia dar de melhor para ela e para sua irmãzinha.
Era um dos principais motivos pelos quais Scarlett admirava e gostaria de ser como sua mãe.
Mas, ao mesmo tempo, conseguia enxergar a decepção no olhar de sua irmã quando tinha que tomar café da manhã lendo um bilhete dizendo as instruções do dia. Quase podia sentir o que Fate sentia quando tudo o que tinha da mãe por uns dias era a letra.
Scarlett fazia de tudo para ser mais presente e para ajudar sua mãe com as suas responsabilidades.
Como quando ela ia nas reuniões de pais da irmã quando sua mãe não podia ir — que era nunca. Acordava uma
hora mais cedo do que precisava para preparar o café da manhã de sua irmã, como também escrevia notas com a letra semelhante de sua mãe, para que Fate não pensasse que Addison não se importava.
Ela sabia que era bem ao contrário.
Se importar era o que fazia Addison Kreese não tomar café da manhã, almoçar ou jantar com suas filhas.
Scarlett tentava ser a melhor irmã que conseguia ser para que Fate não precisasse sentir a falta da mãe — ou do pai — como ela mesma sentia.
Por isso estava ali, em uma loja do outro lado da cidade, no bairro mais simples, apenas porque Fate tinha adorado o sanduíche de carne daquele lugar. Não era todos os dias que ela podia comer coisas das quais se agradava, que variava muito das suas verduras e sopas, mas aquele dia sim.
Sua irmã tinha menstruado pela primeira vez.
Scarlett faria de tudo para que ela se sentisse bem.
— Boa noite — ela cumprimentou o atendente atrás do balcão, junto com os dois homens que estavam ali, sendo atendidos.
Um era consideravelmente mais alto e mais velho do que o outro e muito mais rabugento também.
Mas ela nem deu importância para isso e seguiu diretamente para agarrar alguns chocolates. Quando chegou no balcão, o atendente estava discutindo alguma coisa com o loiro, em espanhol.
— Como se fala: "Me dá logo essa pizza"? — O loiro perguntou, apressado.
O atendente se levantou, com um pedaço de pizza na mão. Scarlett mordeu o lábio inferior para evitar uma careta de nojo. Sem querer ser mimada ou nojenta, mas quem servia uma comida com a própria mão?
— O que você disse? — O loiro voltou a perguntar quando o atendente terminou de falar uma coisa em espanhol que apenas o garoto mais baixo e, olhando de agora, mais novo, riu. — O que ele disse?
O garoto desviou o olhar para Scarlett que retirou os lábios dos dentes e desviou o olhar para o atendente.
— Esquece — o garoto moreno disse.
— Boa noite — ela tentou novamente, dessa vez diretamente para o atendente, que a olhou. — Pode me fazer um sanduíche com carne? — Ele concordou, dando o pedaço de pizza para o loiro. — Pode colocar para a viagem — ela adicionou, ficando na ponta dos pés e se apoiando no balcão para conseguir dizer mais alto.
— Sei que é algo ruim — o loiro afirmou. — Me fala.
O atendente voltou após fazer o pedido para a cozinha e anotou algo na calculadora, provavelmente o preço da pizza do loiro, que esperava para pagar.
— Ele disse que o seu é pequeno... — Informou, hesitantemente, mas divertido também.
As bochechas de Scarlett esquentaram e ela deixou o queixo cair, junto com a cara e o cabelo que escondeu relativamente o seu rosto.
— Que tenho pinto pequeno? Diga que é ele quem tem.
— Eu falo inglês, babaca — o atendente diz.
— Sério? — Ele joga uma nota qualquer no atendente, que desvia o olhar para o chão.
Quando o mais velho sai, Scarlett observa de boca entreaberta a ousadia e ignorância.
— Pode ir primeiro — ela encarou o rapaz, que parecia ter uma idade perto da dela.
— Ah, não precisa — negou. — Você chegou primeiro.
— El chico es un caballero — disse o atendente, propositalmente em espanhol para ela não entender. — O tal vez quieras algo más, eh — apontou para ela, com um olhar de aviso.
Scarlett não tinha entendido nada, mas só pôde deduzir que não foi nada de bom quando as bochechas do garoto arderam e ele murmurou algo em espanhol, que ela não conseguiu entender direito.
No momento seguinte, um grupo de rapazes conversando entrou na loja.
Scarlett olhou de relance enquanto o garoto pagava pelo seu remédio, decidido a contrariar qualquer coisa que o atendente escolherá falar em espanhol para ela não entender. Odiava ficar curiosa, mas também não teria coragem para perguntar.
O sanduíche dela chegou no momento seguinte e o atendente entregou a ela, que pegou e, pelas contas que já tinha feito na cabeça desde que chegará no caixa, pagou.
Ela saiu primeiro da loja do que o rapaz, que hesitou em sair enquanto encarava aqueles garotos que enchiam o carrinho de bebidas alcoólicas.
O homem velho de mais cedo estava lá fora, sentado na calçada, comendo sua pizza. Seus olhos subiram para encontrá-la assim que passou por ele para chegar até o seu carro.
Algo fez com que seu estômago se remexesse, inquieto, mas ela ignorou e guardou suas compras no banco do passageiro antes de abrir a porta do motorista e entrar. Estava ligando o carro quando um corpo bateu no capô do seu carro.
Scarlett pulou no banco, soltando o volante do carro e desligando no momento em que o corpo deslizou para o chão. Pela camisa cinza com as mangas vermelhas, era o garoto mexicano dentro da loja.
Ainda sentada no banco do motorista, através do vidro, ela observou aqueles garotos de antes se aproximando do corpo caído do rapaz que se levantou.
— Ei, vamos chamá-lo de Reia — um deles deu a ideia, o que tinha descendência asiática.
O mexicano tentou pegar algo da mão do valentão, mas ele simplesmente jogou na cabeça dele.
Aquilo era o bastante para a garota, que abriu a porta do carro com tudo e saiu, seus braços se apoiando em cima do carro.
— Ei, idiotas! — Todos eles se viraram para ela, que reconheceu um deles imediatamente. — Se acham durões por conseguir bater em um garoto com quatro de vocês? — Ela se dirigia a todos, mas encarava diretamente Kyler. — Por que não tenta sozinho e vê como borra nas calças?
Os garotos que acompanhavam ele arquearam as sobrancelhas e soaram um coro com "oh", fazendo as bochechas de Kyler esquentar de raiva.
— Calem a boca — ele rosnou para os amigos, que se silenciaram-se como se fossem cães. Ele sorriu e apontou para ela com um dedo. — Estão se lembrando dela? Porque eu estou! É a vadia da Scarlett Kreese. A que acha que é boa demais para nós.
Ela revirou os olhos para Kyler e encolheu os ombros, com um sorriso que não era totalmente habitual para o seu rosto.
— Eu realmente sou melhor que você, Ky. — Se vangloriou. — Mas obrigada pelo elogio a mais.
— Elogio? — Um dos brutamonte dos amigos de Kyler questionou, se mexendo de um lado para o outro. — Ele te chamou de vadia.
— Gosto que pessoas horríveis como vocês não gostem de mim.
E estava tudo indo bem. A atenção de todos já tinham se desviado do moreno lambuzado pelo remédio rosa, mas ele insistiu:
— Babaca.
Kyler escureceu seu olhar e se voltou para ele, fazendo Scarlett murmurar em desgosto e deixar a testa cair até estar batendo no capô frio do seu carro.
— O que você disse, Reia?
Ele tentou escapar, mas Kyler foi certeiro no soco bem na boca do estômago dele, que caiu no chão imediatamente, sem ar. Os garotos o rodearam, deixando-o meio desesperado por uma saída.
Ainda de cabeça baixa, debatendo contra si mesma para não fazer aquilo, ela bateu com o punho no próprio carro e se desencostou, rodeando o carro e se aproximando de Kyler, que empurrou o garoto.
— Você sempre foi um babaca, Ky.
Ele parou no lugar e se virou lentamente. Seus olhos se fecharam com pesar.
— Vai embora, Scar.
— Deixa o garoto em paz — retrucou.
— Virou defensora de nerd agora?
Sem pensar, ela o empurrou agressivamente e de forma alguma esperava que o ataque fosse devolvido. Recuar sem pudor até bater em um carro vermelho foi o que deixou isto claro.
— Ei! — O velho levantou da calçada. — Cuidado com o meu carro.
Os garotos começaram a zoar o velho, mas a atenção de Scarlett se voltou para o rapaz que fora apelidado de Reia, que se aproximou dela e a ajudou se firmar no chão.
— Está tudo bem?
Ele parecia genuinamente preocupado.
— Sim, está. E você?
Ele abriu a boca para responder, mas resmungos chamaram a atenção deles novamente, fazendo-os observarem boquiabertos a cena do velho batendo descaradamente em quatro adolescentes com técnicas que lembravam muito o Karatê que ela aprendeu.
Alguém deve ter chamado a polícia tardiamente, pois não demorou para que eles chegassem e neutralizassem o mais velho.
O garoto, ao lado de Scarlett, tentou ajudá-lo, mas de nada adiantou, pois os quatro adolescentes continuavam no chão se contorcendo com dor.
Kyler e todos os outros mereceram, mas Scarlett não poderia fazer nada por ele e, sinceramente, nem sequer se interessou por isso. O velho não parecia alguém que merecia ser defendido, mesmo que ele tenha tentado defender unicamente seu carro no final.
Até que era um carro maneiro, Scarlett pensou, enquanto via ele sendo colocado na viatura da polícia.
— Ei, você! — Ele desviou o olhar para os dois lado dele antes de avançar para ver o que ela queria. — Mora por aqui por perto? Quer uma carona?
— A-ah... — Ele gagueja e observa o carro da polícia indo embora. — Não quero incomodar.
— Não vai — ela disse e sorriu para ele, encostado na sua porta. — Vem, entra.
Ele hesitou pelo tempo que precisava para falhar em tentar se convencer de que não precisava daquela carona, mas por fim, avançou balançando a cabeça negativamente.
Abriu a porta do motorista e resmungou algo baixinho.
— Eu vou manchar o seu banco — ele se justificou quando ela o encarou, prestes a perguntar o motivo de tamanha demora.
Ela franziu o cenho e encolheu os ombros, exclamando como se fosse absurdamente óbvio:
— É só tirar a blusa, cara.
— Aqui? — Ele gritou. — Na sua frente?
Ela suspirou audivelmente e ligou o carro. O garoto gritou um "tá" rápido demais e puxou a camisa pelos ombros antes de sentar no banco acolchoado, colocando suas compras no painel do carro. Scarlett olhou de relance para ele, conseguindo enxergar o constrangimento em sua face.
Tinha senso o suficiente para evitar aumentar aquela vergonha que reinava sobre eles, então só deu ré e saiu do estacionamento do shopping do centro.
O rapaz deu a direção para ela, que percebeu que não era nada longe. Em menos de três minutos, o carro já estava estacionado em frente a um prédio com várias casas. Scarlett conhecia aquele bairro.
Daniel LaRusso, pai da sua melhor amiga, vivia falando em suas antigas aulas de Karatê sobre como ele morou ali quando chegou em San Valley.
Reseda.
Parecia um lugar tranquilo.
— Está entregue — ela disse, distribuindo um sorriso gentil. — Quem imaginaria a aventura que você ia passar pra sair pra comprar um remédio de dor de barriga, hein, cara?!
Ele riu negando com a cabeça, deixando com que o seu sorriso de aparelho aparecesse. Scarlett o achou assustadoramente fofo naquele momento e até esqueceu que ele estava sem camisa.
— Muito obrigada pela carona — ele agradeceu. — Foi um prazer te conhecer, apesar dos esforços para a noite ser estragada — adicionou, baixinho.
— Não ligue pro Kyler, ele é um imbecil. Não cresce em cima das pessoas que ele sabe que não vai abaixar a cabeça, então... Só seja essa pessoa.
— Você parece conhecer bem ele.
Ela desviou o olhar para o painel, pensativa.
— Um pouco — admitiu e encarou o horário. — Eu preciso ir agora, sinto muito.
— Ah, claro! — Ele soou e se atrapalhou para descer do carro. Scarlett o encarou com um sorrisinho divertido, a cabeça levemente inclinada para baixo para conseguir ver além da pele bronzeada visível. — Obrigada, novamente. Espero que eu não tenha estragado seus planos. — apontou para a sacola de compras.
— Tá tudo bem — ela o tranquilizou. — Melhoras pra sua avó.
Ele sorriu sem deixar que os dentes aparecessem.
— Obrigada. — Então ele recuou até subir na calçada e ela acenou para ele, se preparando para sair com o carro. Tinha acabado de pisar no acelerador quando ele gritou: — Espera!
— Ah, meu Deus! Que susto.
— Desculpa — ele correu para se inclinar para dentro da janela do passageiro. — Me desculpa. Eu só... — perdeu as palavras quando ela o encarou, intrigada. — Como é o seu nome?
— Scarlett — respondeu, então estreitou os olhos. — Mas você ouviu Kyler dizendo.
— Verdade — ele maneou com a cabeça para baixo. — Mas você não sabia o meu. Sou o Miguel. Miguel Diaz.
— Muito prazer, Miguel Diaz.
Os dois sorriram um para o outro.
*
West Valley High School sempre foi comentada pelos alunos diversos que ali se encontravam e se estabeleciam. Não era uma escola ruim, com péssimos professores ou estrutura ruim.
Era uma das mais bem comentadas de Los Angeles, como a única da cidade pequena de San Francisco Valley.
Mas Addison Kreese sabia o real ensinamento por debaixo dos lençóis. Talvez por ter estudado a vida inteira naquelas salas ou por ser filha do maior motivo, mas ela sabia que West Valley era o principal portal de ingresso para o mundo do Karatê, algo que ela queria bem longe de suas filhas.
Fazendo, então, as meninas estudarem sua vida inteira em North Hills, na cidadezinha do lado.
Scarlett nunca gostou muito da ideia, talvez pelo fato de que sua melhor amiga, Emma LaRusso, não estava em North Hills, mas quando sua mãe acreditava e queria uma coisa, mudar sua cabeça era uma chance em um milhão.
Tudo, de certa forma, mudou quando Emma foi jogada para um intercâmbio no México.
Sem qualquer motivo para querer mudar para West Valley, Scarlett teve que se ajustar na escola, depois de tanto tempo. Fez algumas amizades ou o mais perto disso que podia chamar de amizade.
Mas tudo isso mudou no último ano, quando Fate Kreese, sua irmã mais nova, começou sofrer severamente bullying por causa do seu estado grave.
Fate era uma garota bem especial. Com seus cabelos caramelos e lisos, sua pele de porcelana e seus olhos claros, ela conseguia chamar atenção de muita gente. Para Scarlett, Fate chamava atenção apenas por ser do jeito que ela era; gentil e amável.
Para Fate, a situação tende a ser diferente. Ela diz que só chama atenção por ser uma garota doente.
Scarlett queria fazer algo para que ela não se sentisse assim sempre que saia, mas nada parecia resolver. Mesmo com seus cabelos intactos, todos sabiam do seu problema com o câncer.
Ela teve problemas quando nasceu de forma imatura, com sete meses. Foi uma gravidez difícil para Addison, que sofria pelo abandono pela segunda vez consecutiva. Ela se afundou nas drogas e bebidas alcoólicas. Foi a pior época delas juntas e, por azar, Fate também estava lá; dentro de sua barriga.
Ingerindo todo o mal.
Apesar das dificuldades por ela ter nascido de apenas 25/28 semanas de gestação, ela conseguiu sair da incubadora e levaram ela pra casa.
Addison tomou um jeito na vida quando pegará Scarlett de apenas cinco anos tentando fazer a pequena Fate dormir, completamente despreparada. Elas ficaram bem depois disso. Addison se reergueu profissionalmente, Scarlett se apaixonou por patinação no gelo e foi colocada na academia.
Isso até Fate completar seu primeiro ano de vida e ter a sua primeira gripe. Era pra ser uma gripe normal. Qual criança não pegava uma gripe ou outra no começo da infância?
Mas as tosses eram agressivas, machucavam tanto a garganta da pequena Fate que ela tossia sangue e suas febres queimavam tanto sua pele que a deixava assada. Quando levaram ela pro hospital pelo o que deveria ser a sexta vez na semana, foi diagnosticada com Leucemia Linfoide Crônica (LLC).
Era o começo e dava para ser tratado com quimioterapia adequada. Apesar de ser caro demais, Addison duplicou seu trabalho e arranjou um jeito de pagar a primeira parcela.
Na segunda, ela já estava endividada, seu nome sujo e tendo que vender coisas da casa onde cresceu com seus pais.
Mas as coisas melhoraram a partir do terceiro aniversário de Fate, onde Addison teve a ideia de reabrir uma antiga clínica em San Francisco Valley e como os hospitais sempre deixavam a desejar, não foi difícil que decolasse rápido, sendo tão comentado e visitado que, meses depois, ela já estava com projetos para abrir outras filiais por Los Angeles.
Fate melhorou significativamente e suas crises diminuíram. Ela começou na escola com quatro anos, sendo uma das garotas mais espertas de sua turma.
Scarlett sempre teve muito orgulho da irmã.
Tudo ficou bem por muito tempo.
Addison havia superado seu problema com substâncias ilícitas, estava se dando bem como médica, sua vida se tornou perfeita pelos próximos anos. Mas o ensino médio chegou para Scarlett e ela percebeu o quão podre os adolescentes podiam ser.
Ela defendia o máximo que conseguia sua irmã daquela escola, mas em partes diferentes do prédio, ela não tinha tanto poder sobre Fate antes ou depois do único momento em que ficavam juntas, no intervalo.
Até que um mês antes do verão começar, Fate chegou em casa e teve sua primeira crise depois de muito tempo.
Scarlett sentiu todo o seu mundo desabar enquanto Addison corria para socorrer Fate, que mal chegou em casa bem antes de iniciar uma convulsão. Foi o maior susto da vida dela nos últimos anos, mas ficou absurdamente alegre quando tudo se estabilizou e Addison a deu certeza de que ia ficar tudo bem.
Agora, um verão depois, Addison fez uma escolha difícil, porém completamente precisa.
— Tenha um bom dia, Fadinha. — Addison acariciou o rosto da filha mais nova, deixando um beijo rápido nas bochechas rosadas. — Eu já deixei meu telefone pra contato com os diretores, pode anunciar se sentir alguma coisa.
— Mãe... — Fate murmurou, envergonhada. — Não quero que pensem que sou... especial.
— Não tem motivo para se envergonhar disso — Scarlett murmurou, de braços cruzados e encostada no carro de sua mãe.
Ela simplesmente odiava ver que tinham conseguido fazer com que Fate se sentisse mal por estar doente. Não era sua culpa. E ela não se tornava um animal com sete cabeças por causa disso.
Scarlett abriria a cabeça de cada um para entenderem, se pudesse.
— Claro que não — Addison concordou. — Mas... Deixei os professores e instrutores a par da sua situação e eles prometeram que seriam discretos.
Fate selou os olhos e suspirou aliviada, abaixando os ombros cobertos com a manga amarela de sua camisa.
— Obrigada, mãe.
Addison sorriu, imprensando os lábios e desejando um ótimo dia para a filha, que sorriu e desviou os olhos para a irmã ligeiramente antes de virar as costas e começar a se dirigir para a entrada da escola.
— É errado — Scarlett disse, se inclinando para dentro do carro para agarrar sua bolsa.
— Eu sei, meu anjo.
— Ela não deveria se sentir envergonhada por isso.
— Mas ela sente — Addison contrabateu, ganhando um olhar demorado da filha mais velha. — Olha só, Scar... West Valley nunca foi uma opção para mim, tá bem? Gostaria de manter vocês longe daqui, mas até que eu resolva e estabeleça melhor o hospital em outra cidade, não temos opções.
— Eu entendo, mãe. Vou tomar conta das coisas — garantiu, mesmo que se sentisse um tanto quanto inútil.
Addison encarou a sua cópia fiel.
Scarlett conseguia enxergar que sua mãe, as vezes, se enxergava em si. Assim como conseguia reconhecer o medo e a aspereza por fazer tal coisa.
Por ela ser assim.
Talvez, por mais que aparentasse odiar o seu pai, Addison gostaria que ela fosse mais como ele.
— Confio em você, querida.
Scarlett sorriu, da mesma forma que sua mãe sorria quando não tinha certeza de alguma coisa, prensando seus lábios um no outro.
Sem qualquer despedida calorosa, a adolescente começou a caminhar para dentro da escola, sua mão segurando nervosamente a alça da mochila branca. Era o primeiro dia como novata de uma escola que sempre esteve há alguns quilômetros da sua casa.
Era estranho caminhar por ela, de certa forma.
Emma costumava comentar sobre a escola, que não tinha nada de interessante, tipo, nunca. Mas, ao mesmo tempo, estudar na mesma escola sempre fora um sonho entre as melhores amigas.
Antes de Emma ser enviada para o Mexico pelos pais, elas se viam quase todos os dias, depois das aulas. Nunca tinham nenhuma novidade sobre nenhum dos lados, mas elas curtiam aproveitar o tempo juntas.
Então, Scarlett pegava seus fiéis sapatos de patinação, enquanto Emma agarrava sua bolsa com seu caderno de desenho e seu único lápis.
Elas só trocavam uns risos conforme Scarlett fazia alguns passos errados e acabava derrapando no gelo de bunda por isso, mas a amizade delas sempre fora assim. Eram raros os momentos em que elas precisavam se comunicar absurdamente entre si.
Scarlett sorriu sozinha, sentindo uma raiva absurda do destino que parecia gostar de driblar sua felicidade.
Justo quando ela tinha, finalmente, entrado na escola que praticamente todos os adolescentes de sua cidade estudavam, mas o mais importante, seus dois melhores amigos, Emma não estava lá.
Mas, se suas contas estavam certas, não demoraria para que sua melhor amiga voltasse.
Isso se ela não preferisse lá e escolhesse terminar o ensino médio por lá mesmo.
— Escalate?
Ela parou entre os corredores com os armários, ainda na mesma posição segurando a alça das bolsas, tentando encontrar o que podia ser a secretária para pegar a enumeração do seu armário e seus horários.
Havia apenas uma pessoa que a chamava assim, em referência a uma personagem da Marvel.
Scarlett já sorria alegremente antes de encarar o qual a chamará, mas seu sorriso aumentou relativamente quando seus olhos se trombaram.
— Dyl!
Eles compartilharam um sorriso rápido antes de se encaixarem em um abraço.
— Eu não acredito que a tia Addi finalmente abriu a cabeça! — Dylan exclamou, desfazendo o abraço e a puxando para voltarem a andar.
— É, nem eu — Scarlett suspirou. — Mas estou feliz por isso.
— Nem me fale. — Dylan soltou uma respiração longa. — Finalmente alguém relativamente interessante por esses corredores.
— Relativamente? — Questionou, brincando.
Dylan deu de ombros.
— Nenhum adolescente é totalmente interessante, Scar. — Ela maneou com a cabeça, estreitando um dos olhos conforme pensava na frase do amigo. — Nenhum.
*
— Espera, então, a Emma vai voltar? — Dylan perguntou, horas depois quando se encontraram no intervalo. — Quando?
— Se tudo der certo, este final de semana. — Scarlett sorriu animada. — Estou pensando em fazer uma festa surpresa para ela. Anima?
O rapaz balançou a cabeça, pensativo e sentou em uma mesa vazia. Scarlett passou os olhos pelo refeitório, procurando sua irmãzinha, mas não a encontrará. Será que estava tudo bem?
Era o primeiro dia de aula.
Fate era tímida; quais eram as chances dela estar almoçando no banheiro?
— Tem certeza que é o momento certo para a surpresa?
Isso atraiu a atenção da Scarlett, que sentou-se na frente do amigo e exclamou:
— O quê? Claro que é! — Abriu a lata de coca-cola. — Faz um ano que eu não a vejo. Uma festa surpresa é o ideal, pode acreditar.
Dylan hesitou, encarando a amiga, mas por fim deu de ombros e disse que podia contar com a presença dele. Scarlett logo começou a contar os preparativos, as ideias que teve que já guardava desde o momento em que Emma entrou em um avião e decolou pra longe.
Ela ainda conseguia ver que Dylan não estava totalmente por dentro dessa ideia, mas Emma merecia ser recepcionada de um bom jeito.
E se fosse por Scarlett, ela seria recepcionada do melhor jeito possível.
Uma bandeja bateu no lugar ao lado dela, assustando-a. Dylan revirou os olhos quando viu que era Kyler e cruzou os braços, encostando as costas na cadeira, claramente interrogando o que diabos ele queria.
— Finalmente está pelo meio de meros mortais, Scar. — Ela sorriu falsamente para o asiático. — O que foi, está fazendo caridade?
— Fazer caridade seria lhe dar o mínimo de atenção, Kyler, o que eu me recuso a fazer, então... — Deu a brecha para ele, obviamente, ir embora.
Mas ele escolheu fazer ao contrário ao se inclinar para baixo, bem próximo ao ouvido dela.
— Aquilo daquela noite não vai ficar assim, tá?
Ela revirou os olhos, sem lhe dar atenção.
Ele, por fim, cansado de ser ignorado na frente de seus amigos, agarrou a bandeja novamente que só servirá para causar som de efeito e partirá para longe.
— O que houve aqui? — Dylan perguntou, se inclinando para frente novamente.
— Kyler é um idiota — ela deu de ombros, comendo seu pedaço de pizza. — Nada anormal.
Ela preferiu evitar mencionar a cena da noite anterior, com o tal de Miguel Diaz e aquele velho rabugento. Não se orgulhava de ter quase se metido em alguma briga e se sua mãe soubesse, Scarlett seria trancada no seu quarto pelo resto de sua vida.
Tudo o que ela queria era viver normalmente, o que ficaria muito mais fácil com sua amiga ali.
Suspirando de forma baixinha, ela recomeçou a contar suas ideias, até chegar em um foco central.
*
Não foi muito difícil convencer sua mãe de que Emma deveria ser recepcionada com uma surpresa. Addison amava a LaRusso e, Scarlett tinha a sensação que se a mais velha pudesse, não deixaria ela sair com ninguém além e exclusivamente dela.
Mas essa parte não preocupava Scarlett, que também pensava da mesma forma.
— Eu estou chegando! — Dylan gritou do outro lado da linha ao atender a centésima ligação da última hora de Scarlett. — Caramba, você vai me fazer bater o carro.
— Conseguiu pegar tudo? — Perguntou, retirando a pele seca do lado de suas unhas. — A faixa é importante, Dyl.
— Eu consegui pegar a faixa, Scar.
— E os doces?
Ele desligou na cara dela, fazendo a mesma bufar. Sabia bem que estava sendo chata desde que sexta-feira chegou e com uma ligação rápida para Amanda — mãe de Emma —, confirmou que a amiga chegaria no sábado de tardezinha.
A última vez que Scarlett conversou com Emma foi há uma semana atrás para confirmar se ela viria mesmo. Após isso, ela ficou tentando confirmar por mensagem quase todos os dias.
Sabia que possivelmente a primeira coisa que Emma poderia lhe dar seria um peteleco na testa pela insistência. Mas ela não tinha culpa...
Era culpa da sua ansiedade que a fazia pensar que Emma estava muito mais feliz no México, com seus novos amigos. Sabia que ela poderia sentir sua falta, mas era o suficiente para voltar? Para não... abandonar ela?
Cortou os pensamentos de forma rápida ao encarar o celular acender com uma mensagem de Dylan dizendo que chegou na mansão dos LaRusso, onde seria a festa.
Ela já tinha tomado banho há duas horas, escolherá uma roupa simples para o evento; um short jeans escuro apertado e uma camiseta preta que mal cobria inteiramente sua barriga.
Ela desceu seus degraus de casa de dois em dois, chamando por sua mãe e sua irmã.
— Por que estão vestidas com pijamas? — Ela murchou quando chegou na sala e pegou as duas deitadas em seus respectivos sofás, olhando pra televisão, nadas arrumadas. — Eu avisei que a Emma chega hoje, né?
— Avisou, meu anjo. — Addison se sentou, então se ergueu para ir até sua filha, puxando-a para afastá-la um pouco da sala. De Fate. — Sua irmã não está muito bem. Ela diz que sim, mas quando acordou hoje estava tão branca quanto uma folha de papel e sem dizer que mal comeu direito ainda.
— Ela está bem? — Perguntou, sentindo seu coração bater mais lentamente. — Quer que eu fique aqui?
— Não, não. — Addison negou fielmente. — Sei o quão importante Emma é pra você, anjinho. E eu a amo também, podemos combinar um jantar, o que acha?
Um sorriso verdadeiro demorou para se formar em sua face, mas ela piscou, desviando todas as nuvens entre sua mente e seus olhos.
— Tudo bem, mãe.
— Ótimo. Sabia que você entenderia. — Ela selou a testa da filha com um beijo rápido. — Agora pegue o carro e vá. Quero fotos!
Scarlett sorriu, concordando e foi se despedir de Fate com um abraço, sentindo muito por ela não poder ir para a festa. Sua irmã não saía muito; não tinha oportunidades para tal coisa.
E justo quando chegava uma, ela tinha que ficar em observação médica.
Talvez não fosse tão ruim assim, Scarlett pensou conforme saia da sala e ouvia Addison perguntando qual filme Fate queria assistir. Elas precisavam daquele momento entre si.
Sem que fossem médica e paciente.
Com este pensamento, dirigiu por cinco minutos para chegar na mansão dos LaRusso. Eles moravam no mesmo bairro, há algumas quadras de distância. Scarlett ainda lembrava de quando elas eram crianças e corriam uma para a casa da outra conversando entre si.
Ela se perguntava se esses momentos voltariam ou apenas ficariam onde estão; na memória.
— Scar, oi! — Amanda a recepcionou assim que ela passou pelo gramado e, depois, pela piscina. — Como você esta, querida? Fiquei sabendo que se mudou para a mesma escola que a Sam.
— Sim — ela assentiu, as mãos dentro do bolso do short. — É uma nova... experiência.
— Aposto que é. Tem aulas juntas? — Scarlett franziu o cenho, confusa. Amanda logo tratou de esclarecer. — Você e a Sam. Andam juntas, não andam?
Felizmente a própria mencionada chegou na mesma hora para livrar Scarlett do constrangimento.
— Oi, Scar.
Elas sorriram uma para a outra, sem os dentes.
— Oi, Sam.
Amanda olhou entre as duas e evitou comentar qualquer coisa a mais conforme gritava para Anthony que comia os doces da mesa que já estava completamente preparada, provavelmente pela própria família LaRusso.
As duas continuaram uma na frente da outra, sem saber muito o que falar.
Scarlett costumava ser amiga de Sam na infância. Com uma idade aproximada da Emma e com a mesma dela própria, as brincadeiras se mesclavam muitas vezes. Mas, conforme Scarlett se aprofundava na patinação e Emma no desenho, Sam se voltou para festas com pessoas populares.
Quando tinha eventos em que Addison e os LaRusso eram chamados, em vez de ficar com elas, Sam corria para Kyler e para suas novas amigas, Moon e Yasmine.
Elas nunca conseguiram entender o motivo para Sam querer ser aceita por eles, mas fora uma escolha dela desde o início e as meninas ficaram desfalcadas sem ela. Scarlett sentia muito a falta de Sam, mas abandono era uma parcela que estava inclusa em cada ponto da sua vida.
Ela o esperava de todos, só não desejava.
Mas esperava.
Ficava mais fácil quando, de fato, acontecia.
— Então... — Sam começou, sorrindo com seus dentes de coelhinho. — A Emma deve estar super feliz que vocês vão estudar juntas.
— Ela ainda não sabe, na verdade. — Sam ficou visivelmente surpresa. Ela sabia o quanto as duas eram inseparáveis e conversavam todos os dias. — Quero que seja uma das surpresas.
— Ela vai amar.
Scarlett sorriu, em concordância.
— Scar! — Daniel desceu as escadas e a garota se virou para ele, sorrindo e aceitando o abraço rápido. — Como está sua mãe e sua irmã?
— Estão bem — ela respondeu, desfazendo o abraço. — Sentiram muito que não puderam vir. Minha mãe falou para combinarmos um jantar.
— Ah, seria ótimo — Amanda se aproximou, ao lado do marido. — Vou conversar com ela para combinarmos.
Daniel assentiu, sorrindo.
Então começaram a arrumar o resto das coisas quando Dylan desceu com a faixa e os balões nas cores roxa — a preferida de Emma. Como a mesa já estava completamente arrumada com seus doces favoritos e um bolo pequeno, escrito o nome dela, a maior luta foi pendurar aquela faixa em cima da parede.
Dylan quase infartou com as quase quedas de Scarlett, mas no final, quando Daniel tomou o lugar para subir a escada, tudo deu certo.
O celular dela vibrou no seu bolso e quando pegou e acendeu a tela, deu uns pulinhos ao ver o nome da Emma brilhando na tela, embaixo sua mensagem curta.
M&Ms
Cheguei. Estou no uber indo pra casa, nos vemos mais tarde?
Bobinha, pensou Scarlett, sorrindo enquanto digitava sua mensagem de volta. É lógico que ela não tardaria o reencontro delas. Não sabia como Emma podia sequer pensar que elas não se veriam, tipo, no momento em que passasse por aquela porta.
O que pareceu demorar uma eternidade para acontecer.
Com tudo pronto, a noite chegando e sua amiga não, Scarlett já andava de um lugar para o outro, os outros no sofá, esperando como pessoas normais sem qualquer ansiedade.
Um barulho de carro estacionando fez com que Scarlett retirasse a mão da boca e corresse até a janela, vendo uma pessoa ruiva de costas, pagando o uber.
— Ela chegou — gritou baixinho, enquanto os outros se arrumavam atrás da mesa. — Certo, as luzes.
Dylan estava mais perto do interruptor e apagou. Scarlett caminhou até atrás do sofá, deixando que os pais e os irmãos de Emma ficassem no centro da surpresa. Ela aguentaria esperar Emma dar uns abraços nos pais primeiro antes de chegar até ela.
Quase tendo um treco de ansiedade, ela ouviu a porta se abrindo.
O coração de Scarlett batia rápido e ela só esperava a luz se ligar para pular do seu lugar e gritar:
— Supresa!
Emma pulou levemente no lugar, os olhos arregalados enquanto olhava os balões voarem para fora da caixa que Dylan estava controlando. Ela pareceu pausar nos pensamentos antes de, finalmente, piscar.
Emma sorriu com vergonha e procurou Scarlett na multidão.
Quando as duas se encararam, o baque de que finalmente estavam juntas chegou até elas, fazendo o sorriso da Scarlett renascer e o da Emma se tornar mais verdadeiro e brilhante.
Para a surpresa, porém alegria, de Scarlett, Emma abandonou suas malas e sua mochila no chão cuidadosamente antes de atravessar a sala diretamente para ela.
Scarlett não demorou para reagir e tomar a amiga em um abraço. Emma era um tanto quanto mais alta, então seus braços rodearam o pescoço de Scarlett enquanto os dela rodeava a cintura de Emma.
— Ah, meu Deus, você está aqui! — Exclamou Scarlett, sem acreditar.
Emma, parecendo sentir isso, a abraçou um pouco mais forte antes de soltá-la.
— Você parece que sentiu minha falta, pascal.
Scarlett revirou os olhos pelo apelido, mas em seus lábios o sorriso tranquilizante ainda residia, sem qualquer sombra de dúvidas de que estava adorando aquele momento.
— Eu? — Ela questionou, com uma cara irônica. — Claro que não, vaca. Deveria ter passado mais tempo no México, eu soube que os gatinhos estão de arrasar nesta época do ano.
Emma inclinou a cabeça para trás e riu, fazendo os ouvidos da Scarlett se abrirem novamente, depois de muito tempo.
Em seguida, Emma foi cumprimentar Dylan que estava mais próximo e que disse alguma coisa no ouvido dela, que a fez rir baixinho. A família ficou por último, mas não pareceu que foi de propósito ou que eles se importaram pela ordem dos fatos quando recepcionaram a filha.
Scarlett sorria observando tudo, sentindo-se em casa.
Não por causa daquele teto ou por causa daquelas paredes. Mas por causa dela.
Emma estava ali agora e tudo ficaria bem.
Espero que tenham gostado do primeiro capítulo.
A Emma e a Scarlett são desse tamanho aqui 🤏🏻
Amo a amizade delas, criamos filhas perfeitas itssslua
Não esqueçam de VOTAR e COMENTAR.
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