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Capítulo 9

Ana acordou sobressaltada quando o telefone tocou. Quem diabos a incomodava as quatro horas da manhã, quando conseguira conciliar o sono? Bufando, atendeu o telefone, tentando não falar com a voz enrolada.

− Alô?
− Alô? Ana?
− É ela. Quem fala?
− Aqui é Brunna, enfermeira do hospital onde você trabalha... lembra de mim?
− Sim. O que houve?

− O paciente Lúcio Molina teve uma recaída... está muito mal e vai ser operado de novo. Precisamos de você aqui.
− Não posso. Amanda ameaçou me demitir se eu voltasse antes das duas horas da manhã. Cadê o residente da noite?
− Não sei. Passou mal ao ver o estado de Molina e sumiu. Quanto a Amanda, não se preocupe. Liguei para ela antes de ligar para você. Ela levou em conta que é uma emergência e prometeu não causar problemas para você.
− Sendo assim, estou indo. Me dê meia hora.
− Obrigada Ana. Estamos aguardando você.

Brunna desligou e Ana foi lavar o rosto. Inferno, como havia gente incompetente no mundo. Certas pessoas não nasceram para serem médicas, aquilo era fato. Ela se vestiu rapidamente e ligou para o táxi. Não tinha carro e estava tarde demais para pegar um ônibus. Ao mesmo tempo, ficou feliz em rever Lúcio. Poderia descobrir da onde o conhecia e por que ele a afetava tanto.

***

Quando o beijo terminou, ele a apertou contra si, afim de não deixá-la pensar, nem raciocinar. Não queria que Livia o afastasse dela, não queria que ela repetisse que fora um erro deixar ele se aproximar... seria aquilo o famoso amor que ele tanto ouvira falar, tanto buscara e nunca conseguira encontrar. Ela recostou a cabeça no ombro dele e ele sentiu que ela tremia. Afastou-a por um momento e a encarou.

− Livia?

− Não Pedro. Me perdoe por tê-lo envolvido nisso..., mas não quero que se machuque mais por minha culpa. Eu... não posso te oferecer nada, exceto angústia e dor. Por favor, vá embora... esqueça que eu apareci na sua vida, esqueça que me conheceu... é o melhor.

Ele lhe lançou um olhar desesperado.

− Você ainda não entendeu que não é pena ou compaixão?
− Entendi. E isso me apavora. Se fosse pena ou compaixão, tudo bem, você não iria sofrer..., mas sendo um sentimento como o que você está sentindo nesse momento... você apenas terá dor Pedro, e eu não quero isso.

Ele recuou um passo dela e ela enxugou uma lágrima que caiu.

− Me perdoe... nunca devia tê-lo conhecido e feito se envolver... me perdoe, por favor.
− A perdoo por isso. Mas não a perdoo por me afastar de você sem compaixão. Você não entende que eu não ligo se sofrer ou não?
− Você diz isso agora. Mas quando a verdadeira angústia começar... quando eu for internada, os cem dias do coma, as dores de cabeça, meus momentos de depressão... você me odiará por não ter feito isso. E eu me odiarei por isso. É o melhor Pedro... você pode sair disso tudo sem se machucar. Mal nos conhecemos... você vai se esquecer de mim, embora eu ache que nunca esquecerei de você.

− Você está enganada. Você que acredita em outras vidas deveria entender que... eu sinto como se a conhecesse desde sempre. E sofro mais com você me afastando do que me mantendo ao seu lado, sabendo o que me aguarda. Mas respeitarei sua vontade. Se você quer fingir que nada aconteceu... então também fingirei. Adeus Livia.

Ele saiu porta afora. Ela suspirou.

− Adeus Pedro .


***

Pedro havia saído e Livia havia ficado completamente sozinha. Os pais não estavam lá, Ana aparentemente não estava em plantão... sentiu um vazio que só ela mesma compreendia.

Pedro... a vontade de aceitar o que ele lhe oferecia fora imensa. Ter um amigo, um companheiro..., mas não. Ela se importava demais com ele para permitir que ele sacrificasse sua vida e seus sentimentos com ela.

Ela suspirou e deixou as lágrimas caírem. As vezes amaldiçoava a sua vida. Se pudesse viver em paz... mas olhou para os símbolos que usava e um consolo renasceu em seu peito. Ela vivia o que tinha de viver e passava pelo que tinha de passar.

Ela observou pela porta a movimentação no hospital. Aparentemente alguém também estava com os problemas. Foi quando viu Ana, passar correndo pela porta. Parecia cansada e abatida.
− Ana?

− Livia. Querida, você está bem? Uma das dores de cabeça? E por que está chorando?

Ana era assim. Um turbilhão. Nunca parava quieta.

− Estou bem, e sim foi uma dor de cabeça. Estou chorando por outros motivos. Mas o que está acontecendo?

− Emergência. Um paciente teve uma terrível recaída. Preciso cuidar dele. Mas depois venho aqui e você me contará tudo o que lhe aconteceu.
− Não fale nesse tom. Não tenho nenhuma obrigação com você. Ou pensa que me esqueci que não me conta nada?
− Querida, nossa amizade pode ser unilateral, mas eu a ajudo, coisa que você não pode fazer por mim. Por isso pare e se conforme com a nossa estranha amizade.

Ela deu um beijo no rosto de Livia.

Livia apenas sorriu e deixou sua mente se perder por aí.


***

Ana chegou no quarto de Lúcio quase correndo. Ela colocou a máscara e se aproximou dele, devagar. Se assustou ao observar a mudança nele. Ao mesmo tempo que a barba havia desaparecido, revelando um rosto jovem e bonito, a palidez em sua pele refletia que ele não estava bem. Ela se aproximou e viu que ele dormia. Mas gemia um pouco em sua angústia.

Ana passou suavemente a mão pelo rosto de Lúcio, limpando o suor. Ele abriu os olhos e ela se deparou com os olhos dele. Onde, onde meu Deus ela havia sido encarada daquela maneira antes? Quando? Ela não conseguia se lembrar.

− A... Ana?
− Sim, sou eu. Você precisa dormir... vamos ter que te operar de novo.
− O que houve comigo?
− Você está tendo uma recaída..., mas vamos cuidar de você.
− Você me disse isso da primeira vez.
− Eu sei. Lamento fazê-lo passar por isso de novo.
− Eu confio em você... se diz que eu tenho que passar por isso de novo, eu entendo.

Ana o observou enquanto o colocava na maca e o levava para a cirurgia. Ele ainda olhava para ela. Quando ele foi colocado na cama cirúrgica, ele ainda sorriu uma última vez para ela.

− Tive um sonho estranho com você essa noite... sonhei que já a tinha visto antes... em um banco de uma praça, perto de uma castanheira... há muitos anos... não sei se foi um sonho ou uma lembrança.

Ele foi anestesiado naquele momento e não pôde ver o rosto surpreso de Ana. Castanheira? Praça? Não, aquilo não poderia ser verdade. Não era possível.

Ela tinha a impressão de que acabara de descobrir da onde conhecia Lúcio Molina .

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