Capítulo 2
20 anos depois
"Nunca me esquecerei daquele dia. Era quente e uma brisa calma soprava. Nunca me esquecerei do cheiro que o ar tinha naquele momento.
Ainda não sei o que me atraiu para aquele jardim naquela vez. Me lembro que era aniversário de morte da minha mãe e eu queria levar flores para ela. Mas ainda não compreendo porque fui exatamente naquele jardim, onde eu nunca havia me dado sequer o trabalho de observar as rosas, que diziam que eram lindas.
Só me lembro que acabei indo para lá. Precisava de um pouco de paz, precisava acalmar a dor que eu sentia e a minha revolta... não sei o que eu realmente queria, só sei que acabei naquele jardim, onde a minha vida mudou completamente.
Me pergunto se foi o acaso ou o destino. Não acreditava em nenhum dos dois. E agora que acredito, ainda não sei a resposta.
Só sei que a minha vida mudou completamente depois daquele dia."
***
Livia estava deitada na grama, deixando o Sol iluminar seu rosto. Ela tirou uma mecha de cabelo dos olhos e suspirou. Hospital no dia seguinte. A cada ano que passava, as visitas no hospital se tornavam mais e mais frequentes. Quando era criança, era uma visita de uma semana. Adolescente, as visitas começaram a se tornar mais longas e mais frequentes. Agora era o grand finale, o dia em que ela começaria a se preparar para a cirurgia que aconteceria dentro de 7 meses.
O jardim estava bastante florido, exceto pelas rosas. Só havia restado uma. Livia suspirou novamente. Amava as rosas mais do que tudo, especialmente aquelas que exalavam um perfume maravilhoso e tinha as pétalas mais brilhantes e lindas. Ela queria colher um ramalhete, mas... a primavera já havia acabado e junto com ela as rosas.
Ela se levantou da grama, curtindo o pouco de paz que ainda lhe restava. Curtia a vida o máximo que podia, pois sabia que pelo menos a sua acabaria a qualquer momento. E no hospital no dia seguinte, queria ter algo colorido e belo no seu quarto. Aquela rosa. O seu símbolo de esperança.
Ela se levantou do chão e fitou a última rosa que havia. Avançou até ela com passos vacilantes. Fitou as mãos um momento. A pele anormalmente branca... as olheiras que não via, mas sabia que estavam ali... sabia que aparentava doença, mas não havia o que fazer. Não ia perder minutos preciosos para esconder a palidez. Não se importava com isso e sequer via motivos.
Balançou a cabeça novamente. Como ela se perdia em seus pensamentos. A corrente em seu pescoço contendo uma cruz, uma lua, um pentagrama, uma estrela de Davi e outros símbolos brilhou no Sol. Ninguém nunca entendeu aquela corrente e nem ela havia se dado o trabalho de explicar. No momento.
Livia finalmente alcançou a rosa. Estendeu os dedos para pegá-la. Se perguntou se estava sendo egoísta em privar o mundo daquela beleza, mas... sabia que ninguém ligava. E aquela rosa tinha muita importância para ela. Uma importância que ninguém entenderia... somente uma pessoa com a vida frágil entenderia o significado daquilo tudo para ela. Ela ainda tinha as mãos estendidas, sem tocar a rosa... finalmente se decidiu e resolveu pegá-la.
O gesto morreu no ar quando uma mão masculina entrou em seu campo de visão e colheu a rosa sem vacilar. Livia ainda tinha a mão estendida quando ergueu os olhos e fitou um rapaz. Ele era loiro, olhos azuis e brilhantes.
Era um rapaz bonito, incrivelmente lindo. Mas aquilo não chamara a atenção de Livia no momento. Ela prestava atenção na rosa e prestava atenção no rosto do rapaz. Nunca vira tanta amargura na vida.
− Eu tencionava pegar essa rosa. - Procurava se manter séria e dar à voz um tom de neutralidade, que intimamente, estava longe de sentir.
− Tencionava. Agora não tenciona mais. Sinto muito se fui mais rápido.
Ele disse isso girando a rosa nos dedos.
− Certo. Acho que terei que convencê-lo a dar ela para mim. - Livia mantinha uma nesga de sorriso em sua face.
− Não acredito que qualquer coisa que você falar me convencerá a te dar essa rosa. Isso tem muita importância para mim.
− Aposto que sim. Como é o seu nome?
− Perdão?
Livia: Nome. Você tem um nome não tem?
− Meu nome é Pedro Nogueira.
− Pedro Nogueira ... não tem um apelido?
− Não tenho. Mas não acredito que sejamos íntimos a ponto de você usá-lo. Caso eu tivesse algum.
− Céus, outra pessoa que perde tempo com bobagens. A intimidade se conquista, não se nasce com ela. Se eu serei íntima sua ou não, depende apenas de você. Se você não me deixa se aproximar, nunca seremos íntimos.
− Você é louca.
− Alguns dizem isso. Apelido?
− Não tenho, mas se vai fazer você ficar quieta, pode me chamar só de Pedro.
− Muito melhor. Meu nome é Livia Giovane Oliveira, mas meus amigos me chamam só de Livia. Muito prazer.
Ele nada disse enquanto Livia apenas o encarava.
− Ainda não entendi o que quer.
− Simples. Estamos aqui brigando pela última rosa. Acho que pelo menos devemos saber os nossos nomes.
− Não há o que discutir. Não sei para que quer a rosa, mas deduzo que seja para uma besteira de mulher. E eu preciso dela por coisas mais importantes.
− Você não está de todo errado. É uma besteira. Mas ao mesmo tempo não é. Não sei se você entenderia, mas... isso é importante demais para mim. Por favor.
− Não. Provavelmente você a quer para enfeitar um diário ou outra bobagem assim. Já eu... vou levá-la para o túmulo da minha mãe. É tudo que eu posso fazer por ela. Minha mãe amava as rosas e quero dar uma para ela no dia do seu aniversário.
Livia piscou.
− Sinto muito... pela sua mãe.
− Você não sente. Você não me conhece. Como lamentaria?
− Eu realmente lamento. Não sei como é a dor de perder alguém,... mas sei como é a dor de alguém que vai perder. Você não entende, mas... entendo você. Vejo isso todos os dias da minha vida.
Pedro a olhou intrigado. Não entendia nada. Mas aquela mulher o desconcertava completamente. Falava com tanta candura, mantinha um fino sorriso em seus lábios enquanto tocava em assuntos de perdas.
− Ainda não entendi onde quer chegar senhorita Livia Giovane Oliveira.
− Pelos deuses, me chame de Livia. Senhorita Livia, e blá blá blá é tão formal... parece minha mãe quando quer me dar bronca.
Pedro ficou em silêncio. Onde ele havia parado? Era ali, na verdade, a entrada para o hospício?
− Se sei como você se sente, há um motivo. O fato Pedro... é que eu quero essa rosa para... para...
Ela se sentiu desfalecer e teria caído no chão se Pedro não a tivesse segurado. No momento seguinte, Livia colocou as mãos na cabeça e se segurou para não gritar de dor. Apertava os olhos com força, as lágrimas caíam embora ela não chorasse. Parecia sentir uma enorme agonia. Pedro esqueceu que ela era uma completa estranha e se preocupou. Nunca havia visto uma pessoa sentindo tanta dor. Livia respirou com força até que a dor passou e ela tirou as mãos da cabeça. Pedro a observou bem. Ela era incrivelmente branca e tinha olheiras fundas. Mas isso não impedia que ela fosse uma das mulheres mais lindas que ele já havia visto na vida. Era uma beleza diferente das esculturais da mídia, era uma beleza muda, uma que se escondia no brilho do olhar daquela estranha. Tão frágil. Tão quebradiça. Mas com um olhar tão determinado.
− Você está bem?
− Não, não estou. -Livia se desvencilhou dele gentilmente, parecia não mais querer encará-lo.
− A cada minuto que passa essas dores ficam piores... não sei porque eu insisto em lutar,... mas preciso.
Ela falava aquilo tudo muito baixo e Pedro mal a ouvira.
Livia olhava para o nada e parecia abatida. Como se a moça que havia confrontado e brincado com ele houvesse sumido por um momento. E como ele desejava que ela retornasse, ele desejava, e muito ver aquele brilho de determinação e força.
− O que houve com você?
− Aparentemente você já esqueceu as formalidades nesse momento. Isso é muito bom. Digamos que tive uma crise. Nada sério, mas ao mesmo tempo algo muito dolorido.
Pedro agora prestava muita atenção naquela moça estranha e distante, que havia cruzado o seu caminho. E a curiosidade o tomou.
− Para que você quer a rosa?
− Você se importa em saber? Ou é apenas a educação?
Pedro ficou pensando na resposta. Livia aos poucos se recuperava, embora a sua cabeça ainda doesse um pouco.
− Confesso que estou preocupado. Você estava tão bem e.... de repente quase desmaiou.
− Você está sendo capaz de demonstrar preocupação por uma estranha. Interessante.
E lá estava aquele sorriso. Um simples.
Pedro ficou em silêncio observando ela ainda distante, pensando em alguma coisa. Depois, viu aquele par de olhos azuis fixando o seu olhar nele. Se sentiu invadido... se sentiu estranho. E perdido.
− Tencionava levar a rosa para meu quarto no hospital. Serei internada amanhã e.... queria um pouco de alegria.
− E eu dizendo que era besteira...
− Não deixa de ser. Uma rosa para alguns é apenas uma rosa e não traz alegria ou nada. Para mim, é um símbolo. Enfim, tem muito significado, mas... não sei se você entenderia.
Ele ficou em silêncio. Ela também.
− O hospital é... pelo que aconteceu agora?
− Sim.
Ele respirou fundo. Parecia tomar uma decisão.
− Fique com a rosa. Você parece precisar mais dela do que minha mãe. Afinal, minha mãe está morta... você ainda está viva. Poderá apreciar a beleza e ter o seu símbolo.
Ele colocou a rosa delicadamente nas mãos dela. Livia sorriu.
− Obrigada. E... a sua mãe?
− Acho que ela não ficará tão triste em receber margaridas. E depois, eu me sentiria mal em deixá-la sem nada depois do que aconteceu.
Livia apenas assentiu. Pegou a rosa e com suavidade retirou três pétalas e entregou para Pedro que deixara um curto sorriso lhe curvar os lábios e a olhou espantado.
− Isso é apenas um gesto. Leve as pétalas para a sua mãe. O perfume ainda é intenso e ela poderá sentir que há rosas perto dela.
− Não vejo sentido nisso.
− O significado e o sentido apenas existem quando nós acreditamos neles. Então... se você acreditar que fará a diferença, fará a diferença. Leve-as e acredite que isso trará alegria para a sua mãe. Entenderá o que eu quero dizer.
Ele duvidava disso. Duvidava conseguiria entendê-la.
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