Capítulo 12
Capítulo dedicado aos queridos do grupo de leitores da Elany_Araujo, e aos que estão lendo essa história tão real e significativa para mim.
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Hospital
Para Ana a escuridão apenas começara. Quando chegara no quarto, vira que Lúcio havia entrado em coma. Ana sempre fora uma médica fria, mas ao saber que a única boa lembrança do seu passado estava morrendo, se desesperou completamente. Mal havia se lembrado de onde conhecia Lúcio e agora sua única chance escapava das mãos. Mas que chance? O que ela estava pensando?
A médica mandou Ana cuidar dos soros e avaliar o coma. Ana o fez rapidamente. Quando finalmente se dera conta de que Lúcio estava na tênue linha entre a vida e a morte, deixou o cansaço abatê-la. Ele ia morrer. E ela ia ficar com aquela eterna dúvida, a dúvida que ela esquecera e agora a atormentava mais do que nunca. A dúvida do que aquele beijo significara... do que aquele homem significava.
Pela primeira vez, se deixou envolver pela emoção. Quando a médica saíra, Ana se pegou fitando o corpo adormecido. Não chorou, mas não conseguiu se manter fria. Sabia que o que fazia era uma tolice... mas ia tentar mesmo assim.
− Lúcio, você não teve um sonho. Você também se lembrou, como eu me lembrei de você. Talvez... talvez aquele beijo tenha significado alguma coisa. Mas se você morrer agora... nunca saberemos. Então pense nisso antes de escolher o fácil caminho da morte.
Saiu do quarto e escondeu as mãos no rosto. Tola, foi o que pensou. Agira como uma sentimental. Mas ao menos tentara. E de acordo com os cientistas, certas coisas estavam além da medicina... alguns diriam que estava na mão de Deus... Ana diria que estava nas mãos da sorte.
***
"Eu ainda não era apaixonado pela Livia naquele momento. Ainda não a amava quando a beijei naquela noite e quando amanhecemos deitados juntos no jardim.
Me lembro que ela acordou e tentou me afastar. Eu senti que a mente dela voltava a raciocinar e seus medos voltavam a afetá-la. A apertei com força contra mim, tentando apagar aqueles pensamentos que apenas a afastavam.
Entretanto, ainda não a amava.
Só descobri que a amava um mês depois daquele dia. E sem dúvida não foi a suave descoberta dos apaixonados, que todos gostariam de dizer o 'eu te amo' espontâneo e doce. Eu disse que a amava de repente, tremendo, afim de não deixá-la fugir.
Nunca me esquecerei daquele dia, o dia em que quase a perdi novamente... e de vez. E tudo por culpa de uma mulher ruiva, com os cabelos lisos, olhar de pura inocência, mas a mente mais perversa pela qual eu podia imaginar.
O nome da mulher era Alana Deino."
***
Universidade
Livia caminhava com os livros empilhados nos braços. Pedro carregava outra leva de livros. Ela se sentou em um banco e começou a organizar os livros.
− Você definitivamente assaltou a biblioteca hoje.
− Estou atrasada na matéria. Tenho que estudar.
− Livia... você tem certeza de que está bem? Que as aulas não vão te esgotar? Você viu que a médica disse...
− Pedro, você está na minha vida há um mês e parece meus pais falando. Eu vou ficar bem. A médica me disse para fazer o que gosto, e ter aulas de Literatura na quinta de manhã é o meu conceito de diversão.
− Você é doida. - Pedro deu um beijo no rosto dela, estavam ambos em uma relação que parecia uma confortável amizade. − Mas acho que sabe o que faz. Vamos almoçar juntos?
− Se você puder se livrar do trabalho...
− Acredito que posso. Te pego aqui ao meio dia. −deu um beijo na testa dela, detestando a ideia de ter de deixa-la para trás.
− Odeio atrasos, então... - Livia fingia uma irritação que nunca poderia ter existido entre eles, ao menos não quando viviam aquela história, aqueles momentos tão lindos.
− Serei pontual. Bastante pontual.
Os dois sorriram. Livia ergueu a pilha de livros.
− Nos vemos no almoço então.
Ela já ia sair, sob o olhar atento de Pedro quando viu um vulto indo na sua direção. Abaixou a pilha de livros para olhar quem se aproximava e seu sorriso se desfez.
Alana Deino. Nunca havia gostado dela. Alana e ela viviam disputando o brilhantismo na universidade. Alana a detestava e tentava a todo custo tornar a sua vida miserável. Ela sabia da doença de Livia e até aquilo usava para intimidá-la.
− Ora, ora o que temos aqui? Livia querida, como está? Sumiu da sala de aula... pensei que tinha morrido.
Livia fechou a cara.
− Ainda tenho seis meses querida.
Alana lançou um olhar irônico para Livia e seus olhos se desviaram para Pedro.
− Não apresenta mais os amigos querida?
Livia suspirou. Havia se esquecido de mencionar seus problemas com Alana para Pedro. Ele olhava para as duas intrigados e tudo o que Livia menos queria era armar um barraco. Resolveu ser simpática com ela e depois contaria a Pedro a relação tumultuada das duas... e o que ela lhe fizera.
− Alana Deino, Pedro. Pedro Alana.
− Prazer. - disse Alana dando três beijinhos no rosto de Pedro.− É o novo namorado da Livia?
Novo? Livia apenas suspirou. Nunca havia tido um namorado e ela e Pedro podiam se classificar no quesito de amigos coloridos. Pedro sorriu.
− Não somos namorados. Somos amigos. Bons amigos.
"Apenas amigos" foi o pensamento que ecoou na mente de Livia.
− Bom, muito bom. Também somos boas amigas, não Livia? Sou uma das poucas amigas que ela tem. Livia não é muito sociável... devido ao... problema.
Pedro acenou em sinal de compreensão. Em sua opinião, Alana era uma moça encantadora, simpática e cordial. Estranhava o fato de Livia nunca tê-la mencionado.
− Que bom que ela tem você como amiga. Me parece uma garota adorável. Tenho que ir. Foi um prazer Alana. - Pedro se despediu novamente de Livia com um casto beijo em seu rosto.
− Até logo Sr. Pedro.
− Me chame de apenas de Pedro... e até logo Alana.
As duas observaram ele sumir no campus. Livia recolheu os livros novamente e fitou Alana, que sorria.
− O que ganhou com esse teatro Alana?
− Ainda nada. Mas provavelmente ganharei algo. Bonito o seu "amigo". Ele tem namorada?
Livia nada respondeu.
− Foi o que eu pensei. Acha que ele gosta das ruivas?
− Acredito que ele não curta seu tipo. Pedro não é do tipo que gosta de mulheres falsas, hipócritas, mentirosas e atiradas.
− Você esqueceu de mencionar saudável querida. Acha que ele prefere você? Uma loira sem sal, doente, perfeita, santa? Não querida, os homens procuram diversão, não romantismo.
− Por que tanto interesse no meu amigo? Arthur não é o suficiente para você? Achei que você o amasse. Foi o que você me disse quando o fez desistir de mim para ficar com você.
− Arthur foi e é apenas um passatempo. Assim como seu amigo Pedro. Sabe Livia, essa história me é tão familiar... Arthur era seu amiguinho, você gostava dele... um dia se beijaram e depois ele veio correndo para mim. Prosaico não?
− Ele me deixou porque era um idiota que não sabia lidar com o meu câncer. E você o acolheu em seus braços porque sabia que isso me magoaria.
− Não apenas por isso. Arthur é um homem e tanto se você quer saber... não, você não sabe. Não sabe nada a respeito disso não é querida? Como poderia saber se nunca nenhum homem a quis por mais de cinco minutos?
− Você está enganada. Alguém me quer. Alguém que sabe da minha doença me quer mesmo assim e fará tudo por mim.
− Se refere ao seu novo amigo? Vai sonhando Livia. Por acaso não viu como ele a tratou? Ele lhe deu beijos meigos na testa. Viu desejo e paixão nisso? 'Pois eu vi apenas pena e compaixão.
− Não é verdade.
Ela se assustou quando notou que havia gritado. Alana abriu um sorriso.
− Se não é verdade por que está com medo? Ah sim, você acha que ele tem vergonha de beijar você em público não? Que ele tem vergonha de ser visto com uma doente... sabe Livia, é possível. Está claro para mim que esse homem sente que tem algum compromisso com você. Se sente preso por você de alguma maneira. Mas não gosta de você nem ama você. Apenas sente gratidão.
Livia tremia. De raiva e de medo. E se Alana estivesse certa?
− Quando você acordar, verá que você nada significa para ele. E quando esse dia chegar, me dê o telefone dele Livia...
− Pode apostar querida que se ele ficar completamente doido por você e me pedir o telefone, não o negarei. Mais alguma coisa?
− Acho que nada não? Já lhe dei as boas vindas o suficiente.
Alana saiu se pavoneando e Livia ficou parada no mesmo lugar. Odiava admitir, mas o que Alana dizia tinha sentido. Pedro a havia tratado como um irmão, não como uma pessoa repleta de desejo e paixão por ela. Ela suspirou e pensou naquele mês. Eles haviam ficado juntos, se beijado..., mas ela ainda não conhecera aquela paixão e desejo de que tanto ouvira falar. Conhecera a amizade, a ternura, mas nada além daquilo.
− Talvez... talvez eu tenha confundido as coisas. Talvez os beijos sejam apenas de carinho... ele me ofereceu amizade e eu vi paixão e desejo...
Se amaldiçoou por isso. Se amaldiçoou por estar começando a se apegar a Pedro. Ela o afastara porque temia que ele se machucasse quando o pior viesse e agora teria que afastá-lo porque ela queria mais do que ele podia lhe dar. Tentou a todo custo sentir a sensação de desejo e desespero, aquilo que apenas o amor proporciona, mas não conseguiu.
Pedro se mantinha um nível afastado dela... como se refreasse para não se entregar completamente, como ela estava fazendo. Mas claro, por que ele entregaria seu coração e seu futuro para uma condenada? Que tola era ela. Pedro queria sua companhia, lhe dar apoio... ela era grata a ele por isso, mas... Não era o suficiente. Não mais. Se é que algum dia fora.
***
Já era uma da tarde quando Ana chegara novamente no hospital. Ela trocou de roupa rapidamente, colocando a roupa tradicional branca e prendendo os cabelos.
Um mês havia passado. Um novo residente já cuidava de Lúcio enquanto ela voltava para a sua área. Um mês angustiante para ela. Logo para Ana, que jurara nunca se angustiar. Lúcio ainda não havia acordado. Por que ela se preocupava tanto com um homem que havia visto há nove anos atrás e uma única vez? Ela não sabia. Nem ninguém poderia responder. Quando Amanda chegou, encontrou Ana preenchendo uma ficha de um novo paciente, fitou Ana com atenção, enquanto ela escrevia de forma mecânica.
−Por que não vai vê-lo?
Ana sequer levantou a cabeça.
− Nada mudou. Por que deveria vê-lo?
− Ana, você pode não falar, pode me odiar e pode tentar me enganar. Mas eu sei que você sente algo por esse paciente que está em coma. Sei que se preocupa com ele e sei como lamentou quando precisou abandonar sua cabeceira.
Silêncio. Puro e completo.
− A verdade é que eu não sei porque você não admite isso. Vá vê-lo querida... vá curar a angústia que tanto a aflige. Não sei o que houve, mas é claro que você e esse homem tem algo pendente...
− Amanda por Deus. Não sou uma paciente querendo ter esperança. Sou uma médica. Sei que pessoas em coma não ouvem nada, não sentem nada. Apenas vegetam. Por que vou perder meu tempo falando com um vegetal quando tenho mais o que fazer?
Amanda se calou ante as palavras duras. Mas sorriu ao ver Ana virar o rosto e voltar a preencher a ficha.
−Médicos também são seres humanos querida... e os seres humanos desconhecem tudo o que você falou. Seres humanos tem esperança e colocam a emoção acima de toda a razão. Você é um ser humano Ana... aja como tal.
Ana nada disse. Apenas largou a ficha preenchida na mesa e saiu da sala. Amanda sorriu. Era capaz de apostar sua cabeça que Ana iria ver Lúcio. Agradeceu aos céus por ela ser uma mulher bem casada e feliz e não passar por tantos problemas. E torceu para que as suas duas pupilas, Livia e Ana se dessem bem na vida. As duas eram muito diferentes... e ao mesmo tempo muito parecidas.
Ana caminhou com lentidão até o quarto de Lúcio. Muitas vezes ela recuou, pensando em desistir. Mas as palavras de Amanda ainda ecoavam pela sua mente. Até que ponto ela deveria ser racional? E por que ela questionava tanto? O que ela queria provar? Ou descobrir?
Quando ela se deparou na frente da cama dele estremeceu. Havia ido longe demais. Ainda havia tempo para dar meia volta e apagar Lúcio da sua memória... havia feito isso uma vez.
"Não, não fiz", foi o que ela pensou enquanto se sentava na cadeira e fitava os aparelhos que mantinham Lúcio vivo. "Se o tivesse feito, me lembrar daquele beijo não teria me afetado tanto... teria ele acertado? Seriam aquelas árvores mágicas a ponto de eu nunca esquecer esse homem? Nove anos.... E ainda sinto o sabor daquele beijo".
Ela suspirou. Mas não chorou. Apenas fitou o corpo inerte com melancolia. E falou o que a mente não conseguia mais guardar.
− Fugi como uma covarde naquele dia porque já havia decidido nunca me entregar a ninguém... e perdi talvez a única chance de conhecer o que as pessoas mais procuram: o amor verdadeiro, a paixão arrebatadora. E eu me neguei a conhecer isso. Me neguei quando saí de perto antes de você poder saber meu nome...
Ana apenas suspirou.
− Mas o destino foi cruel comigo... agora você reaparece nove anos depois e eu descubro que aquele beijo sempre esteve guardado comigo. E meu Deus... agora que me dou conta você pode morrer... e eu não posso fazer nada... por que a vida está fazendo isso comigo?
Então ela chorou. Chorou como naquele dia há nove anos atrás. Como não chorava há muito tempo.
Uma voz masculina soou na sala, abafando os soluços audíveis de Ana.
−Eu não tenciono morrer. Então talvez tenhamos tempo de descobrir o que aconteceu há nove anos atrás.
Ela estremeceu quando o ouviu falar. Ergueu o rosto e limpou os olhos vermelhos.
− Achei que você tinha partido... ou que estava a caminho de partir.
− Eu nunca saí daqui... eu sempre estive aqui... só não conseguia acordar.
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