Capítulo 9.
POV Ludmilla Oliveira
Havia acabado de trancar a porta do meu apartamento quando senti meu celular vibrando no bolso de trás da minha calça.
Deixei o molho de chaves em cima da mesa e andei em direção ao sofá, enquanto tirava o celular do bolso para atender à ligação.
Me surpreendi ao ver o nome de Brunna brilhando no visor do aparelho. Sem pensar duas vezes, atendi a ligação:
— Brunna?
— Oi, Lud... — sua voz estava um pouco rouca.
— Você está bem? — perguntei.
- Você está ocupada? - ela me respondeu com outra pergunta.
— Não muito, acabei de entrar em casa. Aconteceu alguma coisa? Você está bem?
Ou o que faria Brunna Gonçalves me ligar às 21:30 de uma sexta-feira?
— Vai ficar se você pode vir aqui em casa. Aconteceu uma coisa e eu não quero ficar sozinha.
Arregalei os olhos quando uma latina terminou de falar.
Ela estava realmente me convidando para ir até sua casa? À noite?
Ouvi o barulho de algo pesado atingindo o chão e quando me dei conta, percebi que tinha deixado meu celular cair.
— Merda! — resmunguei ao virar o aparelho e perceber que sua tela estava parcialmente rachada.
— Ludmilla? — ouvi uma voz feminina em um tom bem baixinho por não estar perto ou suficiente do auto falante do celular.
— Desculpe, meu celular escorregou da minha mão e caiu com tudo no chão. A tecido rachou.
- Oh meu Deus, cuidado! Eu ... - silêncio. - Tudo bem se você não pode vir, ok? Só pensei que...
Não ir?
Essa definitivamente não era uma opção.
— Estou a caminho. Uma tela rachada não vai me impedir de te ver. Chego aí em menos de 20 minutos. — levantei-me do sofá e fui em direção ao balcão para pegar minhas chaves.
— Mesmo? — ela parecia animada.
— Mesmo. Estou saindo de casa agora. — tranquei a porta e apertei o botão, chamando o elevador.
— Porra! — ela disse após ficar alguns segundos em silêncio.
— Tudo bem por aí? — perguntei preocupada.
— Sim. Eu só tropecei aqui.
— Tente se manter viva até eu chegar, ok? — brinquei.
— Não posso prometer nada. — ela riu.
O barulho do elevador anunciou que ele finalmente havia chegado até meu andar, então resolvi encerrar a chamada antes de perder o sinal:
— Até daqui a pouco, Brunna. — me despedi.
— Até! — ela respondeu.
[...]
O trajeto até o apartamento de Brunna foi tranquilo. O trânsito era quase inexistente naquele horário.
Estacionei meu carro no mesmo lugar onde havia estacionado na primeira vez que a trouxe até sua casa. Tranquei-o e atravessei a rua com cuidado.
Chegando ao outro lado, subi alguns degraus até chegar ao portão, onde apertei o botão do interfone:
— Olá, boa noite! — falei.
— Boa noite, senhorita. Como posso ajudá-la? — uma voz masculina respondeu.
— Estou aqui para visitar uma amiga.
— E qual o número do apartamento dela?
Droga. Brunna não havia mencionado esse detalhe.
Peguei meu celular para tentar ligar pra ela, mas a tela rachada não me ajudava em muita coisa.
— Perdoe-me, senhor. Eu não sei dizer qual o número do apartamento dela, mas seu nome é Brunna. Brunna Gonçalves.
— A Senhorita Gonçalves? Oh, sim! Acabo de me lembrar que ela ligou para liberar sua entrada.
O portão fez um barulho e logo em seguida foi aberto. Entrei e parei ao lado de uma porta preta, que se abriu assim que eu passei por ela, revelando um senhor de cabelo e bigode grisalho.
— Ludmilla, não é? — o senhor perguntou.
— Sim. — sorri.
— Prazer, meu nome é Jamie. Bom, a senhorita vai seguir adiante até entrar no hall onde há dois elevadores. Pegue o elevador da esquerda, pois ele levará até os apartamentos com final par. O apartamento da sua amiga fica no sétimo andar, porta 72.
— Muito obrigada, Sr. Jamie! Tenha uma boa noite de trabalho. — acenei com a cabeça e segui as informações dadas por ele.
Em poucos minutos estava no andar de Brunna. Do meu lado direito havia duas portas: a 74 e a 76, enquanto do lado esquerdo, isolada das outras duas, estava a porta de número 72.
Respirei fundo e cocei a garganta antes de tocar a campainha, que tinha som de passarinho.
A cara dela.
Ouvi alguém se aproximando poucos segundos depois.
A porta se abriu, revelando uma Brunna totalmente diferente daquela que eu estava acostumada a ver.
Apesar de estar com a mesma roupa com a qual havia a encontrado na loja de vestidos, seu semblante não era o mesmo alegre e sorridente de horas atrás. Seus olhos estavam sem brilho algum e levemente avermelhados, como se tivesse chorado.
— Obrigada por ter vindo. — ela abriu a porta permitindo com que eu entrasse.
— Não precisa agradecer, você teria feito o mesmo. — sorri, tentando animá-la.
Ela sorriu fraco.
Olhei ao meu redor. Seu apartamento era muito bem decorado.
Logo na entrada, seguindo reto, notei que havia uma cozinha. À minha direita, uma mesa de jantar com uma toalha rendada branca e um arranjo de lírios no centro. No mesmo cômodo, um pouco a frente da mesa, havia um sofá cinza com algumas almofadas da mesma cor e um painel de madeira com uma televisão suficientemente grande fixada em seu meio. As paredes eram cobertas por um papel estampado com arabescos de flores em tom pastel. No teto, uma sanca de gesso com alguns focos de luz.
— Seu apartamento é lindo! — olhei-a.
— Obrigada, Lud. — ela sorriu. — Tudo aqui foi escolhido por mim, eu morava sozinha antes de ficar noiva.
— Você tem muito bom gosto.
— Talvez para decorações, mas certamente não para homens. Venha, vamos nos sentar aqui. — ela segurou delicadamente em minha mão e me levou até seu sofá.
Mas certamente não para homens? O que ela queria dizer com isso?
— O que aconteceu? Você está diferente... Parece triste. — falei.
Brunna me encarou e levou uma das almofadas até seu colo.
— Eu e Matthew brigamos. — ela disse e pude notar sua voz falhar. — Brigamos feio.
Ela se encolheu agarrada à almofada. O som de seu choro era abafado.
Aproximei-me dela e a envolvi com meu braço direito. Ela me encarou e pude ver de perto que o castanho claro de seus olhos havia sido tomado por um tom bem mais escuro, opaco e sombrio.
Senti seu corpo sendo apoiado ao meu. Estávamos em um abraço um pouco torto.
— Quer conversar sobre isso? — perguntei, levando uma mão até seu cabelo e iniciando um carinho.
— Quero só esquecer que esse cara existe. — sua voz ainda estava embargada.
Ficamos abraçadas por alguns minutos.
— Tive uma ideia! — falei, ainda envolvendo-a com meu braço.
— Uma ideia? — ela me olhou.
Seus olhos estavam vermelhos e molhados. Algumas lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto, levei minha mão até elas e, com cuidado, sequei-as.
Brunna fechou os olhos com o contato.
— Quero te levar em um lugar. — observei-a.
— Onde? — ela perguntou.
— Isso é surpresa.
— E como eu vou saber que você não vai me levar pro meio do mato e me matar? — ela semicerrou os olhos.
— Vai ter que confiar em mim. — respondi arqueando uma sobrancelha.
Lentamente seus olhos foram se abrindo e, o tom escuro e opaco do castanho que até então preenchia sua íris, foi sendo substituído pelo tom de mel com o qual eu estava acostumada.
— Você confia? — perguntei ficando de pé e estendendo minha mão para ela.
— Confio. — nossas mãos se juntaram e ela também se colocou de pé.
[...]
O relógio no painel do carro já marcava 22:30 quando dei a partida. Brunna não havia falado nada sobre horários, então presumi que não teria que deixá-la em casa tão cedo.
Depois de algum tempo dirigindo pelas ruas em absoluto silêncio, procurei iniciar um assunto casual, para conhecer um pouco mais sobre a latina sentada ao meu lado e também, para saber se meu plano para animá-la funcionaria.
— Você gosta de pizza? — perguntei.
— Tá brincando? É a minha comida preferida! — ela falou animada.
Ludmilla 1 x Possíveis Falhas no Plano 0
— Mentira? É a minha preferida também! — respondi no mesmo tom.
— Ok, espera... — ela virou-se em minha direção. — Isso é alguma dica de para onde estamos indo?
— Eu não direi nada até chegarmos lá. — olhei-a e sorri.
— Tudo bem. Eu gosto de surpresas. — ela me encarou de volta e sorriu com o canto dos lábios.
— Sabe o que está faltando para deixar a noite ainda melhor? — perguntei.
Nós nos encaramos e, como se ela pudesse ler a minha mente, respondeu à minha pergunta:
— Música! — falamos juntas.
Apertei o botão para ligar o rádio e sorri ao reconhecer a batida da música que estava começando.
(Inicie: There Is A Light That Never Goes Out - The Smiths)
— Take me out... — Brunna começou a cantar e eu me surpreendi ao perceber que ela também conhecia a música.
— Tonight! — continuei a cantar.
— Where there's music and there's people, who are young and alive...
Me permiti desviar a atenção do trânsito por alguns segundos para admirá-la.
Ela havia aberto o vidro e agora seus cabelos estavam esvoaçantes, trazendo o cheiro único de morango até mim. Suas mãos batiam em suas coxas conforme a batida da música tocava.
— Driving in "my" car... — ela riu ao perceber que eu havia mudado a letra.
— I never never want to go home... — seu sorriso cobria seus lábios.
— Because I haven't got one anymore...
Brunna era dona de uma voz indescritível. Era doce e um pouquinho aguda, mas ainda assim perfeita.
— Não sabia que você cantava tão bem. — comentei. A música ainda tocava.
— Existem muitas coisas sobre mim que você não sabe, Ludmilla. — ela me encarou.
— Espero conhecê-las algum dia. — encarei-a de volta.
Estacionei o carro em uma vaga próxima a alguns comércios.
— Chegamos? — ela perguntou.
— Ainda não. — tirei meu cinto de segurança. — Vamos fazer uma pequena parada antes.
Saímos do carro e andamos juntas na calçada até sairmos em uma rua grande e larga, cheia de pessoas e barraquinhas de tenda branca.
— Brunna, seja bem-vinda a maior e melhor feira gastronômica de Nova Iorque!
Seus olhos brilhavam. Ela olhava para cima e parecia encantada com as luzes que iluminavam a feira: milhares de lâmpadas amarelas presas a um fio que, em formato de zig-zag, contornava todo o ambiente.
— Uau! Ludmilla! Esse lugar é incrível! E o cheiro de comida... Hmmm! — observei-a fechar os olhos e gemer em satisfação.
— Sabia que iria gostar. — segurei em sua mão. — Vem, quero te levar até a minha barraca preferida.
Contornando a multidão de pessoas que se dividiam entre as milhares de barracas, consegui enxergar o letreiro da felicidade:
"World of Pizza"
— Chegamos. — nossas mãos ainda estavam juntas.
Brunna estava boquiaberta diante da barraquinha de pizza. Ela parecia surpresa com o cardápio gigante pendurado ao lado de onde faziam-se os pedidos.
— Sabe, Lud... — ela me olhou. — Eu me pergunto em que momento, desde que saímos do meu apartamento, você me matou e eu cheguei até o paraíso.
Ri de sua piada.
— Bom, isso é um segredo que eu não posso te contar. — sorri. — Já sabe o que vai pedir?
— Claro que sei. Pizza havaiana, mais conhecida como a melhor de todas!
— Eu acho que nunca comi desse sabor. — tentei lembrar-me de alguma vez que pudesse ter experimentado e não me recordei.
— Pois então hoje é seu dia de sorte. — ela balançou as duas sobrancelhas e sorriu.
[...]
Depois de muita insistência para deixar com que eu pagasse a conta, Brunna acabou cedendo, com a condição de que da próxima vez seria por conta dela.
Agora, já de volta ao carro, estávamos indo em direção ao destino inicial de todo o meu plano.
A quantidade de pessoas fora de casa, mesmo sendo um pouco tarde, era impressionante. A cada esquina em que virávamos havia pelo menos uma meia dúzia de pubs, bares e clubes abertos. Porém, quando saí do centro da cidade e peguei a rodovia, o fluxo de carros e pessoas reduziu drasticamente.
Alguma música aleatória estava tocando baixinho no rádio e a única coisa que havia em nossa frente era asfalto, iluminado pelos faróis do carro.
Olhei para Brunna que observava atentamente a paisagem que começava a surgir ao nosso redor, já que estava me afastando cada vez mais do centro da cidade.
— Lud... — Brunna disse um pouco hesitante.
— Sim? — olhei-a.
— Lembra quando eu te perguntei como poderia ter certeza de que você não me levaria para o meio do mato e me mataria? — ela me olhou e eu pude ver o desespero em seus olhos.
— Lembro sim. — respondi.
— Então... Nós meio que estamos indo para o meio do mato. — ela falou.
— Eu sei.
— Você não está planejando me matar depois que eu me deliciar nos meus dois pedaços de pizza, está?
— Como foi que você descobriu o meu plano? — perguntei segurando o riso.
Observei seus olhos se arregalando e em seguida comecei a rir.
— Você realmente acha que eu seria capaz de te machucar? — perguntei ainda rindo.
Seu semblante demonstrava alívio e ela se permitiu rir da situação.
— Na verdade não, mas por um minuto achei que pudesse. — ela tentava controlar o riso. — Acho que estou assistindo muito filme.
— Eu também acho! — ri de seu comentário. — Não se preocupe, estamos perto.
Virei o carro em uma estrada de terra e nela segui por poucos minutos, até avistar uma grande árvore, onde estacionei, deixando os faróis acesos.
— Chegamos. — desliguei o carro e olhei para Brunna. — Não se mexa.
Saí do carro e dei a volta até chegar ao lado de Brunna. Abri a porta e estendi a mão para que ela saísse.
— Obrigada. — ela respondeu. — Que lugar é esse?
— Veja você mesma. — segurei em sua mão e caminhamos lado a lado até um pequeno banco de madeira que havia na beira do morro.
Eu havia a levado até o ponto mais alto da cidade. Daquele banquinho era possível enxergar todo e qualquer pontinho de luz de Nova Iorque, até mesmo os faróis dos carros indo e vindo pelas ruas.
Olhei para Brunna e vi seus olhos brilhando diante de toda aquela quantidade de luz.
— Eu... — ela me olhou. — Acho que não existem palavras que conseguem descrever o que estou sentindo agora.
— Gostou? — perguntei.
— Eu amei! É o paraíso, Ludmilla! Como o encontrou?
Sentamos lado a lado no banquinho de madeira, o que permitia o constante toque de sua perna com a minha.
— Às vezes eu tenho o costume de pegar o carro e sair dirigindo sem rumo. Gosto de me aventurar, sabe? Em uma dessas aventuras acabei encontrando esse lugar e desde então, sempre que quero pensar ou me desconectar um pouco do agito da minha rotina, venho aqui. É uma ótima terapia.
— Eu poderia ficar aqui por horas. — ela falou e me olhou.
Perto demais, Ludmilla. Perto demais.
— Que tal pegar as nossas deliciosas fatias de pizza e devorá-las enquanto apreciamos a vista e falamos besteira? — perguntei recobrando a consciência.
— Ótima ideia!
— Fique aqui, eu já volto.
Fui até o banco do carro e peguei as duas caixinhas, junto da garrafa de vinho que também havíamos comprado na feira. Aproveitei para ligar o rádio em um volume baixinho, mas suficiente para não deixar o silêncio se tornar constrangedor.
Voltei até o banco de madeira e Brunna me ajudou a segurar as coisas. Deixamos as caixas com as fatias de pizza ao nosso lado e a garrafa de vinho em pé na grama.
— Eu não consigo entender como você consegue comer pizza com uma fatia de abacaxi no meio. — falei.
— É bom! Doce e salgado juntos, o que mais eu poderia pedir? — ela perguntou.
— É estranho.
— Experimenta. — ela estendeu o pedaço de pizza até mim.
— Eu... — tentei falar, mas ela me cortou.
— Experimenta!
— Ok, só um pedacinho.
Me inclinei e mordi um pedaço da fatia que ela segurava. Seus olhos acompanhavam cada movimento meu.
— E então? — ela perguntou, ansiosa pela resposta.
Mastiguei algumas vezes. O doce do abacaxi trazia uma refrescância e leveza para a massa da pizza, mas ainda assim era estranho quando misturado com queijo e presunto.
— Não é tão ruim. — forcei meu melhor sorriso.
— É seu paladar que ainda não está adaptado a reconhecer coisas gostosas.
Voltamos a apreciar a vista e ficamos em silêncio até terminarmos de comer. O único som que impedia o ambiente de ficar completamente quieto, era a música que vinha diretamente do rádio do carro, em um tom bem suave, e alguns grilos que provavelmente estavam na grama.
— Droga! — falei.
— O que foi? — ela perguntou.
— Esqueci completamente de trazer alguma taça ou copo para colocar o vinho.
— E qual o problema?
— Não temos onde beber.
— Temos sim. — Brunna pegou a garrafa de vinho e colocou em seu colo. — Vamos compartilhar.
— Como assim? — perguntei confusa, não entendendo o que ela queria dizer.
— Vamos beber na própria garrafa. Você tem um saca-rolha?
— Tenho... — peguei meu chaveiro e entreguei para ela, que em poucos segundos abriu a garrafa de vinho.
— O primeiro gole é seu. — ela me entregou a garrafa.
Levei-a até minha boca e tomei um pouco do líquido, apreciando o sabor doce da bebida.
— Minha vez. — entreguei a garrafa para ela, que tomou um pouco mais do que eu. — Você tem um ótimo gosto para vinhos.
— Muito obrigada. — respondi.
Ficamos ali conversando por alguns longos minutos. Brunna acabou me contando algumas histórias sobre a época da faculdade e o porquê havia decidido ser fotógrafa:
— Acho que uma fotografia eterniza o momento, mesmo que ele já seja eterno em nossa memória. É uma forma de ter algo físico para lembrar de um momento especial.
— Isso é muito bonito. Nunca havia pensado dessa forma. — sorri.
A garrafa de vinho já estava na metade. Não estávamos tão sóbrias, mas também não chegávamos ao estado de não conseguir ficar em pé.
— Posso te perguntar uma coisa? — falei.
— Claro, o que quiser. — ela respondeu.
— O que você faria em 20 segundos de coragem insana?
— Como assim?
— Essa pergunta sempre ronda meus pensamentos. É como se, por 20 segundos, o mundo congelasse e você esquecesse de toda e qualquer consequência ruim ou pensamento negativo, e focasse em fazer uma única coisa. Sem medo do que aconteceria em seguida.
— Essa é uma pergunta interessante. — ela deu mais um gole na garrafa de vinho. — O que você faria?
— Não sei ao certo. Tem muita coisa que eu gostaria de fazer.
— Tipo o quê?
Beijar você.
— Falar algumas verdades pro meu pai, por exemplo. — menti.
— Eu acho que você definitivamente deveria fazer isso. — ela riu.
— Talvez eu faça. — ri. — Mas e você? O que faria?
— Essa pergunta realmente me pegou de surpresa. Vou pensar em algo e te respondo.
— Aguardarei ansiosamente pela resposta.
Senti algo caindo em meu braço, como se fosse água, mas ignorei. Continuei a olhar a incrível vista que estava diante de mim.
— Adorei a ideia de ligar o rádio do carro. — ela me cutucou com o braço.
— Ah, é? — olhei-a e ela concordou com a cabeça. — É só pra não deixar um silêncio absoluto e constrangedor surgir entre nós.
— Tem razão, mas só tem um problema nessa sua ideia.
— Qual? — perguntei.
— Você deixou baixinho demais. — ela riu e se levantou indo em direção ao carro.
(Inicie: Oblivion - INDIANS)
— Pronto, agora sim. — Brunna sentou-se ao meu lado.
Novamente senti algo caindo em mim, mas dessa vez acertou minha cabeça.
— Você sentiu isso? — ela perguntou.
— Alguma coisa caiu em você também? — perguntei.
— Sim! — ela olhou para cima. — É chuva! Ludmilla, está chovendo!
Brunna se levantou e começou a girar em torno de si mesma.
Os pingos de chuva tornaram-se mais fortes e frequentes. Aos poucos e eu estaria ensopada.
— Brunna! — ela parou de girar e me encarou. — Acho melhor irmos antes que a chuva aperte.
— O quê? — ela se aproximou. — Ludmilla, olha onde nós estamos! Eu nunca me diverti tanto na minha vida! Vem! — ela me puxou com as duas mãos. — Vamos dançar!
— Na chuva? — segui-a até estarmos de frente para os faróis do carro.
— Na chuva! — ela gritou e fez com que eu a girasse.
Me permiti ser levada pela música calma que estava tocando. A chuva caía sobre nós, mas não nos importávamos.
Observei-a girando com os braços abertos e olhando para cima de olhos fechados. A roupa ficando cada vez mais molhada e grudada em seu corpo. O cabelo castanho bagunçado e encharcado.
Linda.
Ela olhou pra mim e me viu a olhando.
Pega no flagra.
Lentamente, Brunna se aproximou de mim até estar suficientemente perto para dizer:
— Dança comigo.
À essa altura eu já não me importava se era certo ou errado. Levei minhas mãos até sua cintura e ela colocou os braços ao redor do meu pescoço.
Iluminadas apenas pelos faróis do carro, dançávamos lentamente de um lado para o outro, debaixo da chuva forte e acima da cidade que nunca dormia.
Era como se tudo tivesse parado e não existisse ninguém mais no mundo além de nós duas. Ela me olhava e eu retribuía na mesma intensidade.
O castanho se misturava com o castanhos. E o castanho se misturava com o castanho.
Observei quando ela umedeceu os lábios com a ponta da língua. Repeti o gesto em reflexo.
O álcool corria pelas minhas veias, mas eu tinha plena consciência do que estava fazendo.
Puxei-a um pouco mais para perto de mim. Ela encostou a cabeça na minha.
A última coisa que vi antes de fechar meus olhos, foi o castanho dando lugar aos cílios negros e compridos, e sua boca rosada se abrindo lentamente.
E um celular tocando estridentemente.
Brunna tateou os bolsos procurando o aparelho e atendeu.
— CheeChee, calma. Eu estou bem. — silêncio. — Eu sei que te liguei, aconteceu algo mas não se preocupe, depois conversamos sobre isso. Estou com a Ludmilla agora, ela me trouxe para dar uma volta e espairecer os pensamentos. — ela sorriu pra mim. — Até amanhã, então. Mande um beijo para a Ju.
Ela encerrou a chamada e se aproximou de mim.
— Desculpe, era Juliana. Estava preocupada porque não conseguiu me atender quando liguei.
Juliana...
— Tudo bem, sem problemas. — respondi.
A música no rádio havia parado. Talvez por conta da chuva o sinal estivesse fraco.
— Vem cá, quero fazer algo. — ela se aproximou de mim.
Brunna ergueu a câmera do celular em nossa direção.
— No três. — ela me olhou. — Um!
— Dois! — falei.
— Três!
Abracei-a pela cintura e uni meu rosto ao seu. Sorri para a câmera e ouvi o barulho da foto sendo tirada.
— Sempre bom eternizar momentos especiais. — ela sorriu.
☂️
POV Brunna Gonçalves
Ludmilla tinha me levado de volta para casa e agora estávamos estacionados em frente ao meu prédio.
- Tem certeza de que não quer subir e tomar um banho quente? - perguntei.
— Tenho sim, muito obrigada pelo convite. — ela sorriu.
— Tudo bem. Então eu vou deixar você ir porque eu não quero que você fique doente.
- Então suba, porque também quero que você fique doente.
Sorri.
— Muito obrigada pela noite, Lud. Eu nunca me diverti tanto!
— Não precisa agradecer, Bru.
— Bru? — perguntei surpresa com o apelido.
- Eu queria te chamar assim já faz algum tempo, mas estava esperando o momento certo.
— Eu gostei, é diferente.
- Eu queria que fosse algo diferente do comum.
— Pensarei em algo diferente do comum para você também, mas até lá, fico com Lud.
Enfrentamos pela milésima vez em um curto período de tempo. Eu precisava sair daquele carro antes de cometer um erro.
- Me mande mensagem quando chegar em casa. - falei.
— Pode deixar.
Virei-me para abrir a porta, mas fechei os olhos quando minha mão tocou no trinco.
Eu me culparia por sempre se não fizesse ou o que queria fazer.
Virei-me de volta para Ludmilla, que me parecia confusa.
Aproximei meu corpo do dela e senti seu cheiro gostoso invadir meus pulmões. Pressionei meus lábios em sua bochecha por alguns segundos e me afastei.
— Tchau, Lud. — sorri tímida.
— Tchau, Bru. — seu sorriso foi a última coisa que vi antes de fechar a porta do carro e atravessar a rua.
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