Reginne
"Quando estiver chorando, pense em mim"
14/03/2023
Ela está a minha frente, minha mãe está me encarando enquanto lágrimas escorrem seu rosto. Olho para o lado e avisto meu pai e minha irmã com um olhar estranho. Sei o nome dela porque me lembro. Reginne Kukuriczka. Ela é um pouco baixa, possuí cabelos longos loiros e ondulados, seus olhos são claros, usa roupas elegantes (lógico) e exala um perfume cujo preço aparenta ser mais caro que esta casa.
—Você está lindo! Lindo! Eu esperei tanto por esse momento! —Ela diz enquanto acaricia meus cabelos. —Eu já sei o que aconteceu, sei que está sem suas memórias, vamos fazer o possível para que tudo se resolva.
Ela desvia o olhar de mim e limpa as lágrimas. Não sinto nada com sua presença sinceramente.
—Olá Robert! —Ela encara meu pai. Ele a cumprimenta com a cabeça. —Olá Abby.
Estranho, Abby a olhou e bufou uma risada leve, sem dizer nada.
—Amanhã é um recomeço, eu e seu pai nos divorciamos. Mas, ele concordou em que eu estivesse por perto durante sua recuperação. Planejei muitas coisas, tudo ficará bem meu Esteban! Meu menino! —A cada palavra ela para pôr um segundo e abre um sorriso para mim.
Bom aparentemente seu sobrenome não é mais Kukuriczka! Não sei se confio nela. Ela esteve longe todo esse tempo, alguma coisa aconteceu.
—Por que está molhado meu bem?
—Junte-se a nós Reginne, deve estar com fome depois da viagem. —Meu pai a chama.
—Claro, o banquete me chama!
Ela finalmente me larga e se senta à mesa. Ainda estou me recuperando do surto que tive, acho que estou sendo dominado por essa incerteza dos fatos e deixando o ódio subir à cabeça. Quem é essa Alina? Por que eu sinto uma necessidade de lembrar principalmente dela?
—Já comeu meu docinho? Sente ao meu lado vamos conversar, temos muito o que conversar.
—É..., temos muito o que conversar! Perdi a fome, vou dormir. —Digo e saio dali, ignorando-a na tentativa de me convencer a ficar.
Quando percebo que os corredores para o hall de entrada estão vazios e William não está por perto decido voltar. Sem aproximar muito tento escutar algo da conversa deles. É difícil escutar pois estou a uma distância propícia a uma fuga se for necessário, mas escuto.
—O que ele lembra? —É a voz de Reginne.
Para minha sorte eles possuem vozes e tons diferentes e únicos.
Reginne: voz elegante e aveludada.
Abby: voz de nojenta, sempre vai bufar no final de cada frase.
Robert: diabo.
As vezes paro e penso, penso e paro, será que no passado eu me dava bem com essa família?
—Ele perguntou dela. —Robert diz.
Alina? Sim perguntei e como sempre não tive respostas!
—Foi mais rápido do que eu imaginava. E você tem feito?
—Você é patética Reginne. —Escuto risadas. —O que eu tenho feito? O que você tem feito piranha?
Mano????????????????????????????????????????????????
—Eu voltei Robert, aceitei suas condições, mas não vou aceitar esse desaforo!
—É sério? —A voz nojenta, e a bufada em seguida. —Vocês dois são tão idiotas que chega a ser engraçado caralho! Perdi a fome.
—Você não comeu nada Abby.
—Foda-se, foda-se vocês, foda-se o Esteban. Amanhã tenho que posar de novo, tenho mais com o que me preocupar.
—Ele é seu irmão garota! —Escuto Reginne aumentar o tom de voz.
—E eu sou sua filha. Onde você estava durante todo esse tempo? Anos, anos Reginne.
—Você sabe que eu...
—Cala a boca, não me importo, deixei de importar depois de dois anos chorando com saudade da minha mãe e do meu irmão. Você e o Esteban morreram pra mim.
Um silêncio estabelece o lugar, o que foi isso? Escuto Abby se aproximar com passos rápidos e assim como ela corro para meu quarto. Queria ter escutado mais, mas isso foi o bastante para ter certeza que minha família está escondendo mais do que apenas o acidente.
15/03/2023
Acordo olhando para os borrões azuis e verdes nas paredes. Isso anda me intrigando muito. William disse que minhas pinturas foram queimadas, mas Pipe disse que foram roubadas, preciso perguntar para mais alguém.
Quando me levanto percebo um bilhete em cima da mesinha ao lado da minha cama.
"Se arrume, fique bem bonito –R"
Reginne. Me arrumar pra que? Fique bem bonito? FIQUE? Minha própria mãe me chamando de feio.
Acho que vou assumir esse personagem, melhor do que tentar enfrentá-los de novo, fingindo que estou sendo acolhido por eles que eles vão me ajudar a lembrar de tudo e blablabla. Então, a obedeço e visto uma roupa que gostei no meu guarda-roupas e vou até o banheiro.
Meu cabelo anda bem bagunçado, estou preocupando tanto em descobrir coisas que esqueço de cuidar de mim. Começo a pentear o cabelo e me assusto com algo.
O que é isso?
Tem uma cicatriz enorme na minha cabeça, escondida por trás dos cabelos. Apenas a sinto com a mão, não consigo vê-la pois está totalmente atrás. É sério? Mais perguntas? Meu Deus!
Acabo de me arrumar e desço. Está uma zona aqui! Luzes pra todos os lados, fundos pretos e brancos feitos com forros. Escutei Abby dizer que iria posar, seria pra isso essa bagunça?
—Meu docinho! —Aveludada.
—Oi Reginne. Bom dia.
—Bom dia meu amor, como está? Acho que não leu meu bilhete, pedi para que você se arrumasse!
Ah sim.
—Eu me arrumei.
—Ah! Me perdoe. Está lindo assim querido.
—O que tá acontecendo aqui?
—Vamos fazer fotos, trocar as fotografias da casa. Quem sabe você pode usar uma foto de inspiração pra pintar?
Tento disfarçar, mas acaba surgindo uma feição estranha na minha cara. Essa mulher é louca, eles são loucos, são todos loucos!
—Bom dia. O mais bonito da casa chegou.
Sim, ele.
—Bom dia filho. Bom dia, Reginne.
—Olá Robert, sabe onde está Abby?
—Vi ela saindo do quarto, deve estar chegando. Os anos se passam e ela sempre é a última.
De trás de um dos forros surge uma figura. Demoro a perceber, mas é um homem com barba de cabelo médio, não chega a bater nos ombros. Ele usa roupas pretas, seus cabelos são escuros e seus olhos também. Ele se aproxima, pega uma câmera profissional em uma mobília e nos cumprimenta.
—Bom dia. Eai Esteban!
Conheço ele?
—Querido, este é nosso novo fotógrafo, Fernando.
—Prazer Fernando! —Digo o cumprimentando.
Ele me olha estranho, acho que realmente nos conhecemos. Seu olhar não me é irreconhecível, mas só o olhar. Ele solta uma leve risada e se afasta.
—Bom vamos começar?
—CHEGUEI! —Abby grita descendo as escadas. Eu olho para ela e me assusto, um vestido elegante digno de casamento ou formatura, super exagerado.
—Bom então vamos. —Fernando dobra um pouco o joelho e coloca um dos olhos na câmera. —Se aproximem, primeiro quero rostos sérios.
Passam-se alguns minutos, alguns flashes e diversas poses.
Não suporto mais sinceramente. Esse Fernando está me intrigando muito não consigo me concentrar.
Quando ele acaba com as fotos e começa a desmontar os equipamentos eu me aproximo dele, estamos sozinhos.
—Olá, Fernando?
—Sim. Pois não?
—Nós nos conhecemos?
Ele me ignora, desvia o olhar e começa a rir.
—É uma pergunta sincera, eu perdi as memórias em um acidente.
—Você não vai me enganar com esse papinho Kuku, não de novo! —Ele volta a rir.
—O que? Estou falando sério eu estive em coma por...
—Sete anos! Sim eu sei. Como tem coragem de usar essa abordagem? Eu sei que está mentindo, para de tentar!
—Quem é você?
—Eles ainda não descobriram. Pode contar se quiser não ligo. Não esperava o ver acordado na verdade, pensava que ainda estava no hospital. Mas as coisas não mudaram Kuku, nunca mudaram! Conte, mas eu vou arrumar outro jeito. Estou convicto de mim, nunca tive tanta vontade de agir. Você duvidou de mim, pode ter demorado, mas estou aqui.
—Eu não sei quem você é idiota.
—Que pena que você esqueceu, porque eu me lembro de cada detalhe. Nos vemos por aí Kuku.
Ele termina de juntar as tralhas e sai da casa. Eu não aguento mais. Agir como? Mais uma pessoa do passado, bem que eu percebi que lembrava do olhar dele.
Fernando. Fernando? Fernando!
16/03/2023
Segundo dia comparecendo em refeições e dinâmicas com toda a família, como xadrez. Descobri o que eram as "poses" de Abby, ela é modelo, bem famosa, possuí muitos seguidores na internet. Hoje de manhã recebi cartas de fãs meus, tinha esquecido dessa parte.
Enquanto passo pelo corredor em direção ao meu quarto escuto meu nome ser dito por de trás de uma porta dupla. Verifico que se há alguém por perto e em seguida colo meu ouvido na madeira da porta.
—Não, na verdade não concordo. —É mais difícil de identificar atrás das paredes, mas esse é meu pai.
—Tudo bem, não vai mudar em nada. —Reginne, minha mãe. Estranho, seu tom de voz está diferente do qual ela costuma usar comigo.
—Reginne você esteve longe, não sabe o que aconteceu, eu cuidei de tudo!
—Ainda existem pontas soltas. Precisamos matá-lo!
Matar quem?
—Matar quem?
—Blas, Blas Polidori. Ele precisa morrer, é uma necessidade que já era para ser resolvida, mas você não consegue pensar!
Quem é esse Blas?
—Ele só falsificou uns documentos, nem falamos para o que foi! Poupe o menino. —Robert diz.
—Se você for poupar tudo bem para mim, mas não vou deixar isso solto, ele pode ir atrás dele, pode saber da existência desse moleque!
—E se souber? O que demais aconteceria, Esteban é mais inofensivo do que um grilo!
EIII!
—Não importa Robert faça o que quiser. Darei um jeito por mim mesma.
—Isso..., usa o dinheiro da sua prostituição para pagar alguém para matar ele! Ou será que aqueles putos não te pagaram bem? Se quiser te dou um trocado. —Escuto sua risada.
Não demorou muitos segundo de silêncio até eu escutar um tapa, um tapa muito forte, parece ter sido no rosto.
—O que foi prefeito? Quer um lenço para enxugar o sangue?
Meu Deus! Ela fez a boca dele sangrar!
—Você pode ser o prefeito Robert, pode ter diversas organizações, mas lembre-se, eu tenho tanto poder quanto você. Não me teste, não me teste porra! Se eu digo que alguém tem que morrer, é porque essa pessoa irá morrer! Não me teste.
Ela se aproxima da porta, corri rapidamente de forma silenciosa até que virasse o corredor e saísse do campo de visão quando ela saísse.
Meu coração está muito acelerado, este lugar, esta casa, não é nem um pouco segura para mim e talvez nem para Abby! Não sei se vou conseguir fingir por muito tempo sinceramente.
Estou em meu quarto a horas olhando os borrões, vagamente me lembro de uma frase.
"Te chamar de pintor seria óbvio, para mim você..."
Não consigo me concentrar. Meu coração e minha mente estão muito conturbados. Foi muita informação nos últimos dias. Preciso conversar com Pipe de novo! Talvez ele conheça o Fernando. E ele precise me dizer mais sobre Alina, foi o único que disse.
Desvio meu olhar dos borrões da parede ao escutar uma batida na porta.
—Entre.
—Olá meu docinho! —É Reginne, realmente, seu tom de voz muda.
—Oi mãe, o que quer? —Digo me levantando da cama.
—Pode se assentar na cama! —Ela diz e vem em minha direção, em seguida se senta ao meu lado.
—Está bem?
—Sim. —Minto. Tomara que ela não verifique meus batimentos cardíacos.
—Ótimo..., estava pensando e..., bom decide organizar algo!
—E seria?
—Uma festa. Uma grande festa. Aqui mesmo, para receber sua família, seus amigos e todos que quiser convidar. Seria uma festa de boas-vindas a você! Você voltou da morte filho, precisamos comemorar.
Comemorar o que exatamente?
—Mãe, não tenho amigos.
—Você tem o Felipe, tem sua noiva Mariane, é isso que importa!
Primeira vez que ela fala de Mariane.
—Inclusive ela me ligou, perguntou se você já se recuperou totalmente. Ela está com saudades e quer te ver!
Bom, não ligo.
—Ah sim. Posso ver ela sim, mas como todas as outras coisas, eu não me lembro dela.
—Com o tempo você lembrará, meu querido. Já estou organizando a cerimônia de casamento de vocês. Será algo lindo e majestoso. Quero que pinte um pouco, pelo menos tente, para expor no casamento e na festa, isso ajudará você a voltar a fama!
Essa é minha oportunidade.
—Onde estão minhas pinturas antigas?
—Oh! Não te contaram? Foram roubadas.
Agora me encontro em um paradoxo. Depois das últimas duas conversas que escutei escondido me aparenta que Reginne é a pessoa mais suspeita e não confiável desse lugar. Só que ela e Pipe falaram a mesma coisa. Já William disse que foram queimadas, por que ele mentiria? Pipe e Reginne estão certos? Ou será que o mordomo está falando a verdade?
Não sei, mas confio em Pipe.
—Bom, vou deixar você sozinho Esteban. A festa será daqui dois dias, esteja preparado. —Ela diz e me deixa sozinho novamente.
Não sei o que pensar, preciso reunir as informações em um papel. Levanto da cama e sigo e direção a minha escrivaninha. Pego uma folha de papel meio amassada e começo a escrever tudo o que lembro, puxando palavras chaves, uso vários tipos de canetas, afinal eu sou um artista, meu quarto é repleto de pinceis, canetas, tintas e essas coisas.
Acabo de fazer as anotações e me deito novamente. Tenho medo, estou com medo de sair do quarto.
Volto a olhar os borrões, sem perceber começo a chorar. Por que verdes e azuis? Tenho tantas dúvidas e não sei em quem confiar. Quero gritar, quero morrer, quero..., quero sumir.
"Te chamar de pintor seria óbvio, para mim você..."
Você...
Pin..., pincel! Pincel!!!
"Te chamar de pintor seria óbvio, para mim você será o pincel!"
Estou jogando poker mais uma vez com Pipe. Ele arrasta para esses lugares e me deixa ansioso, mesmo sabendo que não iremos perder dinheiro. Estamos esperando mais concorrentes. Já chegou um velho um pouco gordo com cabelos grisalhos, ele usa roupas chiques e está fumando charuto. Chegou mais alguém. Alguém se aproxima da mesa de poker.
É uma menina, uma jovem. Consigo ver seus cabelos de longe pois são muito característicos. Ruiva. Ela se aproxima e percebo que possuí olhos verdes lindos. Ela é linda!
—Olá, prontos para perder? —Ela diz se escorando na mesa.
Ela é perfeita. Estamos em lugar elegante e renomado, um cassino popular e chique, e ela não se preocupa em se vestir bem. Uma camisa, que inclusive está rasgada no final, com uma estampa de flor e uma calça jeans barata. Ela é muito bonita, muito. Seus cabelos são cacheados, mas não estão definidos, ela não se preocupa em deixá-los baixos, estão volumosos e isso a deixa mais linda!
—Oi, você é? —Pipe pergunta a cumprimentando.
—Alina. E vocês?
Alina!
—Me chamo Felipe, e esse é meu amigo Kuku.
—Kuku? Seu nome é Kuku? —Ela diz me encarando.
—Não..., Esteban, me chamo Esteban. Kuku vem de meu sobrenome, é um apelido.
—Entendi. Diferente Kuku! —Ela abre um sorriso e me olha.
O velho resmunga e pede para começarmos logo. Começamos a jogar algumas rodadas e a cada minuto a encaro por um tempo, ela é tão linda, é tão bom reparar cada detalhe de sua beleza.
—Nunca te vi aqui. —Pipe se torna para Alina. —Primeira vez apostando?
—Minha mãe está muito doente, precisa passar por uma cirurgia, estou apostando todo meu dinheiro.
O que? Além de bonita é ousada! Tem chances de ela perder todo seu dinheiro, e ela age como se estivesse brincando de apostar. Enquanto jogamos trocamos algumas perguntas e conversamos.
—O que você faz? —Pergunto a ela.
—Sou dançarina, nada demais. Não ganho muito dinheiro com isso. Atuo em teatros, em algumas peças, mas raramente, umas três vezes por ano! E vocês?
Preciso vê-la dançar!
—Não faço nada, apenas apostas, meu pai me banca! —Pipe diz. —E o Kuku é pintor, está começando agora a vender quadros.
—Pintor?
—Sim..., eu, bom..., eu sempre gostei de desenhar. Aí passei a pintar quadros e agora os vendo, meu sonho é ter uma exposição.
—Vou te chamar de pintor, não gostei de Kuku para ser sincera! —Ela sorri, e em seguida abro um sorriso para ela também.
—Bom, me chamo Esteban.
—E qual a graça e diferença em te chamar pelo próprio nome? Nunca mais vamos nos ver, talvez você ganhe de mim hoje e eu irei desejar sua morte! Quero te chamar de algo diferente.
Ela se prova ser mais interessante com essas falas.
—Na verdade...
Ela me olha, se aproxima um pouco se escorando na mesa, e me surpreendendo ela encosta sua mão na minha, sinto o calor de sua pele.
—Te chamar de pintor seria óbvio, para mim você será o pincel!
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