𝟲. l'ordine del tempo
𝗝𝗔𝗡𝗨𝗔𝗥𝗬 𝟭𝟵, 𝟮𝟬𝟮𝟰
ᥫ᭡𝐌𝐀𝐓𝐓...
É sexta-feira, e o peso de todas as decisões que adiei durante a semana parece se acumular nos meus ombros enquanto caminho em direção à biblioteca municipal. A tarefa de escrever um artigo para o jornal da escola, que deveria ter sido concluída há dias, tornou-se uma sombra constante, pairando sobre mim como uma ameaça silenciosa. Eu sei o que está em jogo. A visita anual do reitor da universidade está próxima, e esse artigo pode ser minha única chance de garantir uma bolsa de estudos — além do hóquei, mas minha temporada está muito abaixo do esperado, pior que a de qualquer outro jogador do time. Meus pais têm algum dinheiro guardado, destinado justamente para a faculdade, mas sei que não é o suficiente para sustentar meus estudos e os dos meus irmãos.
A ansiedade que sinto é como um nó que se aperta cada vez mais. O irônico é que, quanto mais ansioso fico para terminar o artigo, mais difícil se torna colocar as palavras no papel. É um ciclo vicioso que me paralisa, me impede de avançar. Mas hoje, algo precisa mudar. Não posso mais deixar que esse bloqueio me impeça de agir.
Decido então que o artigo será sobre o conceito de tempo. É uma ideia que surgiu na minha mente depois de reler "A Ordem do Tempo", do autor italiano Carlo Rovelli. Eu penso em cursar física na faculdade, e não há assunto que me fascine mais do que o tempo. Talvez, se eu conseguir capturar a complexidade e a beleza desse assunto, consiga também chamar a atenção do reitor.
O vento frio deixa meus dedos dormentes enquanto empurro as portas da biblioteca. Boston é uma cidade grande e se destaca pelo grande fluxo de estudantes que vêm por conta do ensino de excelência das faculdades da região, então não é de se surpreender que um espaço público tão frequentado seja também bem cuidado.
Também não é surpresa encontrar as mesas ocupadas por diversos universitários, e a área de pesquisa, com todos os computadores disponíveis, sendo usada.
Vou até a seção de astronomia, e encontrar este departamento vazio – exceto pelas prateleiras abarrotadas de livros grossos de capa dura – é um alívio. Jogo minha mochila no chão e procuro atentamente o livro que quero.
A verdade é que, além do livro, não procurei nenhuma outra fonte de referência para o artigo, que irei me obrigar a terminar até domingo à tarde e enviar para ser publicado na manhã de segunda-feira. Ainda me desestabiliza ter confundido as datas, ou melhor, não ter percebido os dias passando até me dar conta que estamos entrando nas duas últimas semanas de janeiro — como um mês se passou tão rápido?
E onde está aquele maldito livro?
Solto um suspiro irritado quando, após olhar no corredor de estantes pela terceira vez, não encontro o exemplar que quero. E olha que me distraí com muitos outros livros de física ao longo do caminho, fazendo anotações no meu caderninho do que eu posso citar de outros autores, mas ainda não é o suficiente. Não é possível que um lugar enorme como esse não tenha justamente o livro que preciso.
Acabo me rendendo a pedir ajuda para um dos bibliotecários quando o lustre acima da minha cabeça começa a falhar. Pego minha mochila e volto para a recepção, onde encontro nada menos que a garota que é nova demais para o que espero de uma bibliotecária.
É claro que tem que ser ela.
Lilith Nadin é uma incógnita atraente. Existe algo nela que parece fugir à minha compreensão, como se estivesse sempre um passo à frente, envolta em um mistério que ela provoca para deixar todo mundo intrigado.
Desde o primeiro momento em que nos cruzamos, não consigo deixar de notar como suas ações e reações são imprevisíveis. Quando ela bateu no meu carro e pediu ajuda para levar suas crianças na escola, achei que iria querer também que eu pagasse o conserto do seu carro – porque ela pensa que foi minha culpa ter estacionado na esquina. Mas, minha solicitação na caixa de mensagens do Instagram oferecendo-lhe o dinheiro necessário para cobrir o prejuízo, ainda está lá e não a vejo nos corredores da escola por mais de alguns segundos. É como se ela não quisesse que eu me aproximasse, como se eu não devesse perturbar sua aura enigmática.
Mesmo sem conhecê-la bem, há uma intensidade em seu olhar, uma combinação de força e vulnerabilidade, que me deixa intrigado. Ela parece esconder algo sob essa fachada de indiferença, como se estivesse sempre em guarda, pronta para se proteger de um mundo que talvez não compreenda o que se passa em sua mente. Isso a torna fascinante, um enigma que desperta minha curiosidade e que é difícil de ignorar.
Sei que estou tempo demais olhando para Lilith quando ela me lança um olhar descontente, e por uma fração de segundos, seguramos o contato visual até que a garota volta ao que está fazendo atrás do balcão. Uau. Para alguém que trabalha e se esconde aqui há muito tempo, posso dizer que o forte dela não é o atendimento ao público.
— Eu queria ajuda para encontrar um livro. A Ordem do Tempo, de Carlo Rovelli — peço, esperando a reação compreensiva de uma bibliotecária, mas a garota apenas ergueu uma sobrancelha.
Ela é tão irritante.
— Carlo Rovelli. Astrofísica. O tempo não existe de verdade. — Ela não parece estar falando comigo quando começa a digitar habilidosamente no teclado do computador à sua frente. — Você tem vinte minutos para retirá-lo antes que o sistema feche para o dia. Vou te mostrar onde está.
— Espera, vinte minutos? — Procuro meu celular esquecido no bolso de trás do jeans e olho as horas – também tenho inúmeras ligações perdidas dos meus irmãos e Angelina, a quem prometi que encontraria depois daqui.
Droga. A biblioteca fecha às dez da noite, o que significa que o sistema de entrada e saída dos livros deve registrar a última baixa até às nove e quarenta. E tudo isso significa que, aparentemente, estou aqui há quase quatro horas.
Caramba, o tempo realmente não existe.
— Sim, não me ouviu? — A resposta de Lilith não me passa despercebida.
— Só estou surpreso de não ter notado o tempo passar. E de nem ter visto as pessoas irem embora.
— Não há motivos para tanta surpresa. — Ela sobe na escada de correr que permite o alcance das prateleiras mais altas das enormes estantes assim que cruzamos o corredor da seção de astrofísica – e é quando descubro a existência de mais uma categoria de gêneros literários nesta biblioteca. — A previsão marcava uma nevasca para esta madrugada, e todas as pessoas com um pouco de bom senso decidiram voltar mais cedo para casa.
Ignoro a indireta, focando no ambiente aquecido ao meu redor. A biblioteca se ajusta ao clima extremo de Boston com eficiência; ninguém aqui passa muito calor ou frio. Tenho que admitir que Lilith encontrou um ótimo local de trabalho, se realmente gosta de livros.
— Você também não deveria voltar para casa mais cedo, então?
Ela me lança um olhar com a sobrancelha erguida novamente, dessa vez mais severo, como se eu tivesse ultrapassado uma linha perigosa da conversa fiada que estamos tendo.
— Aqui está o seu livro. — Ela joga o livro para mim lá de cima, como se tivesse certeza de que eu o pegaria. Arfo quando o exemplar de capa dura bate no meu peito, e seguro-o firmemente nos braços. — Vamos registrar logo, preciso fechar a biblioteca.
Não questiono mais nada enquanto a sigo de volta para a recepção e forneço meus dados para que ela insira na minha ficha. Tenho quinze dias para devolver o livro antes que comece a acumular juros e gere uma multa digna de empréstimo estudantil.
Estou pegando minhas coisas para ir embora quando vejo-a passar um cachecol pelo pescoço e desligar as luzes da sala dos funcionários. Desvio o olhar quando ela retorna à recepção.
— Pegou tudo o que precisa? — pergunta ela casualmente, como se tivéssemos vindo aqui juntos e com a mesma finalidade. Nem parece a pessoa que estava me expulsando da biblioteca há poucos minutos atrás.
Confirmo com um balançar de cabeça e decido perguntar se ela precisa de carona – só porque minha mãe me deu a devida educação e porque terei tempo de criar coragem para perguntá-la sobre o conserto da minivan no caminho.
— Você quer uma corona?
Quando ela abre a boca para responder, ouvimos um barulho alto romper pelas portas de madeira quando o segurança da biblioteca entra rapidamente. É o som do vento açoitando as árvores, e pelo breve instante em que a porta fica aberta, consigo ver as ruas já tomadas pela neve implacável.
Oh, não. A nevasca parece ter chegado mais cedo.
— Senhorita Lilith, receio que estamos presos aqui por pelo menos uma hora. Aguentei o máximo que pude do lado de fora, mas está impossível ficar ou transitar pelas ruas. Não é seguro para você sair também, garoto — o segurança explica, trocando um olhar de pena entre eu e a garota.
Ela deixa a mochila, que estava apoiada em um ombro, cair no chão e suspira ruidosamente.
— Ótimo!
Eu me viro para encarar Lilith, percebendo a frustração estampada em seu rosto. Ela cruza os braços, como se estivesse se preparando para enfrentar mais do que apenas o frio lá fora. A situação é desconfortável para nós dois, e a ideia de passar a próxima hora preso aqui com ela não ajuda.
— Bem... parece que vamos precisar fazer algumas ligações — comento, tentando quebrar o silêncio que se forma entre nós.
Ela me lança um olhar rápido, avaliando se vale a pena responder, mas acaba se contentando com um suspiro de resignação. O silêncio volta, pesado e carregado, interrompido apenas pelo som ocasional do vento do lado de fora.
Lilith se agacha para pegar a mochila que deixou cair, mas em vez de colocá-la de volta no ombro, ela a abraça, como se procurasse conforto em algo familiar. Eu me pergunto o que está passando pela sua cabeça, se ela está tão desconfortável quanto eu, ou se talvez exista algo mais por trás dessa expressão impassível.
— Pelo menos, a biblioteca está aquecida — arrisco, meio que para mim mesmo, meio que esperando que ela morda a isca e diga algo para não me deixar no vácuo.
Ela finalmente se vira para mim, seu olhar carregado de uma mistura de exasperação e algo que não consigo decifrar.
— Você não precisava fazer isso — diz ela, com uma ponta de acusação na voz.
— Fazer o quê?
— Preencher o silêncio, falar qualquer besteira que venha à cabeça...
— Só estou tentando me compadecer da situação. Você estaria aqui sozinha se eu tivesse ido embora mais cedo.
— Tem razão, e teria sido melhor porque eu conseguiria ficar em silêncio!
Algo entre meu coração e meus pulmões se rompe com um estalo, e o sangue sobe tão rápido que chega a me causar dor de cabeça. Sempre que meu pai assiste aos meus jogos, ele diz que talvez eu tenha problemas com a raiva, mas nem quando sou injustamente penalizado durante uma partida de hóquei me sinto tão furioso quanto agora.
— Por que você tem que ser tão desagradável, garota? Deve ser por isso que anda moribunda e sozinha pelos corredores da escola — respondo, tentando ser irônico, mas percebendo que talvez não tenha saído como esperado.
— E por que você tem que ser tão insuportável? Talvez seja por isso que as pessoas só se aproximam de você por causa dessa popularidade idiota — ela rebate, o olhar dela queimando de frustração.
Eu reviro os olhos, irritado com a forma como tudo está saindo do controle. A nevasca lá fora parece pequena em comparação ao frio que Lilith projeta. Tento acalmar a onda de frustração, mas a tensão entre nós só aumenta.
— Olha, você não me conhece — digo, tentando manter o tom neutro. — E eu não faço ideia do que você pensa que sabe sobre mim, mas talvez não seja uma má ideia ficarmos em silêncio. Assim, ninguém diz mais nada de que possa se arrepender depois.
Ela cruza os braços e me encara por um momento, como se decidisse se vale a pena continuar discutindo. Finalmente, Lilith suspira e desvia o olhar, parecendo lutar contra a vontade de continuar brigando.
Quando ela desaparece atrás do balcão da recepção, eu me viro na direção das mesas, decidido a ignorá-la enquanto tento escrever meu artigo.
O silêncio se instala novamente, tenso e carregado, e sinto que será uma longa hora de espera até que possa ir embora e nunca mais pensar em Lilith.
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