𝟱. she needed someone
𝗝𝗔𝗡𝗨𝗔𝗥𝗬 𝟭𝟴, 𝟮𝟬𝟮𝟰
ᥫ᭡𝐋𝐈𝐋𝐈𝐓𝐇...
Boston me odeia com todas as suas forças, e eu a odeio de volta. Detesto seu clima imprevisível e seus habitantes grosseiros.
Logo pela manhã, sou surpreendida pela péssima notícia de que a minivan está com o motor queimado e os freios completamente gastos. O mecânico me detalha o que encontrou durante a revisão minuciosa, enquanto empurro o carrinho de Aspen.
— Sim, o senhor pode trocar os cabos de vela, desde que tudo isso não ultrapasse os trezentos dólares que combinamos — digo ao telefone.
Ontem, quando fui pessoalmente à oficina, senti que era uma presa fácil para o mecânico oportunista. Ele percebeu de imediato que poderia me cobrar um preço abusivo pelo conserto, pois deixei claro que precisava da minivan pronta o quanto antes.
— Suva! Suva! — Aspen grita, esticando o braço para tentar sentir as gotas da chuva gelada que caem sobre a proteção do carrinho.
Embora seja tentador deixá-la se divertir na chuva, dada sua fascinação pelo fenômeno, não posso arriscar que ela adoeça nas próximas semanas. Por isso, antes de sair de casa, a enrolei nas melhores e mais quentes roupas que encontrei no armário e agora tento mantê-la afastada da chuva durante todo o trajeto até a escola, apesar de seus resmungos de protesto.
Maldita seja a Peppa Pig e sua obsessão por chuvas e poças de lama! Agora toda criança quer fazer igual a porquinha do desenho.
— Eu sei que você ama a chuva, garotinha. Mas precisamos chegar secas hoje. Segura firme! — Aperto os dedos no carrinho antes de correr pela calçada que nos leva ao quarteirão da pré-escola.
Ela bate palmas e solta uma risada — dessas que fazem os bebês emitirem barulhinhos adoráveis enquanto gargalham. Eu sorrio em resposta, porque é o tipo de lembrança que quero proporcionar para a infância dela.
Enquanto corremos pela calçada, um pensamento me atinge: daqui a alguns dias, Aspen fará três anos. É difícil acreditar como o tempo passou tão rápido. Parece que foi ontem que eu a segurava pela primeira vez, sentindo o peso de uma responsabilidade que eu nem sabia se estava pronta para assumir. Agora aqui estou, correndo pela chuva, tentando equilibrar as demandas da vida enquanto cuido dessa pequena que, apesar de todas as dificuldades, traz tanta alegria.
Já comecei a pensar no que fazer para o aniversário dela. Não será nada grande, mas quero que seja especial. Talvez uma festinha simples em casa, com alguns dos amiguinhos da escola. Eu só preciso garantir que terei algum dinheiro sobrando para comprar um bolo e alguns enfeites. Nada muito extravagante, apenas o suficiente para ver aquele sorriso iluminando seu rostinho.
O problema é fazer com que minha mãe pareça a mãe dela durante a festa. Não quero que Aspen tenha uma bêbada tentando arruinar sua festa importunando os pais dos convidados mirins.
Mas também não quero pensar na minha mãe. Será o grande dia de Aspen, afinal.
— Você vai adorar seu aniversário, sabia? — murmuro para ela, enquanto o ritmo das nossas passadas diminui ao nos aproximarmos da escola.
— Da Minnie e da sereia.
Dou risada. Ela tem muitas ideias para o próprio aniversário e eu terei que dar um jeito de juntar todas elas.
❄︎ ❄︎ ❄︎
A aula de economia é tão monótona quanto de costume, mas hoje há algo diferente no ar. Angelina Lewis, que normalmente parece bastante concentrada em suas anotações, não para de lançar olhares furtivos na minha direção. Desconfio de que isso tenha a ver com o ocorrido de ontem na festa do Sweet Magnolias, onde a encontrei saindo do corredor dos banheiros enquanto beijava Matt; o que explicaria o porquê dela estar mais preocupada com o que eu tenha visto do que com a aula.
Eu evito ao máximo olhar em sua direção, concentrando-me em qualquer coisa que não seja a figura inquieta sentada a poucas carteiras de distância. O professor explica algo sobre oferta e demanda, mas tudo o que eu consigo pensar é na tensão que cresce ao nosso redor.
Finalmente, quando a aula está prestes a terminar, Angel decide agir. Ela se aproxima da minha mesa, seus movimentos hesitantes para alguém tão decidida.
— Ei, Lilith, não é? — ela começa, sua voz mais baixa do que de costume, quase num sussurro. Eu balanço a cabeça, tentando parecer compreensiva sobre ela precisar confirmar o meu nome. — Sobre a outra noite... Não sei o quanto você viu, mas...
Eu a encaro, esperando que ela continue. Há uma leve ansiedade em seus olhos, como se ela estivesse lutando para manter a compostura.
— Enfim, queria saber se você está afim de ir a uma festa hoje à noite, na minha casa. Vai ser algo bem íntimo, só para alguns amigos. — Sua expressão parece relaxar um pouco depois do convite, mas ainda existe algo desconfortável na maneira como ela fala.
Fico surpresa. Eu e Angelina mal nos falamos na escola, e de repente, ela está me convidando para uma festa particular? Não faz sentido.
— Por que você quer que eu vá? — pergunto, sem conseguir esconder minha desconfiança.
Angelina deu de ombros, forçando um sorriso que parece mais uma careta do que uma verdadeira expressão de alegria.
— Ah, você sabe... Acho que seria legal. Você parece legal. Vai ser divertido.
Algo na maneira como ela diz isso não me convence, mas decidi não insistir. Em vez disso, apenas recolho meu material sob seu olhar, pensando na resposta.
— Na verdade, hoje meu turno na biblioteca será até fechar, às 22h. E amanhã ainda é sexta-feira, então...
Tento não entrar em detalhes, afinal, ela não precisa saber do meu trabalho de meio período ou da correria da minha vida.
— Ah, tudo bem, então. Acho que fica para a próxima!
Eu sorrio, confirmando com a cabeça como se colocasse um ponto final na conversa.
Quando ela se afasta, volto a me perguntar o que realmente está por trás desse convite.
Uma festa íntima, apenas para alguns amigos. Então por que eu fui convidada?
❄︎ ❄︎ ❄︎
Enquanto eu passo as compras pelo caixa, meu celular toca. É minha mãe. Ela havia prometido estar em casa para preparar o jantar, mas sua voz distante do outro lado da linha já me diz o que eu não quero ouvir.
— Lily,, sinto muito, mas vou ter que ficar até tarde no trabalho. Apareceu uma... coisa de última hora que preciso resolver. Mas prometo que amanhã compenso isso, tá bem?
Eu suspiro, mantendo a voz neutra, embora em minha mente esteja revirando os olhos. Eu sei que não é só trabalho – se é que existe um trabalho nesse tal hotel do outro lado da cidade. É raro ela realmente estar ocupada com algo importante.
— Que novidade, né, mãe. Eu já estou comprando o que precisamos para o jantar — respondo, querendo confrontá-la sobre suas desculpas para chegar tarde em casa ou, às vezes, até pela manhã.
— Você é um anjo, querida — ela diz, antes de desligar apressadamente, sem nem me dar a chance de responder.
Oscilações de humor não são novidade quando conheço a mãe alcoólatra que tenho.
Coloco o telefone no bolso e finalizo a compra. Enquanto pego a ecobag de plástico, meus olhos vagam pela fachada do mercado, capturando, de maneira distraída, a figura de uma garota loira do lado de fora.
Demoro alguns segundos para reconhecer quem é. A loira está curvada, apoiando-se sobre os joelhos, tentando recuperar o fôlego, como se tivesse corrido uma maratona. Seus trajes de academia fazem parecer que ela acabou de terminar uma sessão intensa de exercícios.
É a primeira vez que vejo Sadie Wells sem sua postura impecável. Seus cabelos, sempre tão bem arrumados, estão desgrenhados e molhados por conta da chuva, e seu rosto está sem a maquiagem usual, que nunca era exagerada, mas sempre perfeitamente aplicada.
Nós temos algumas aulas juntas, e, ocasionalmente, dividimos o vestiário depois da Educação Física. Nossa interação, no entanto, nunca vai além de sorrisos educados — no meu caso, sempre discretos — e acenos de cabeça. Mesmo assim, é perceptível que ela é mais do que a filha perfeita e intocável da família mais religiosa da cidade. Há uma normalidade nela que, com o tempo, se torna cada vez mais aparente.
Mas agora, vendo-a nesse estado, algo parece errado. Ela está longe de parecer a garota impecável que todos conhecem. Parece apenas... exausta. Uma garota comum que talvez tenha se exercitado além da conta, ou que carrega um peso invisível que está prestes a esmagá-la.
Eu fico parada por um momento, observando-a enquanto tento decidir se devo fazer algo. Sadie nunca me deu motivos para me aproximar, mas neste instante, parece que ela precisa de alguém.
Sou cautelosa ao me aproximar e deixar que ela note minha presença antes de tocar em seu ombro. Seus olhos azuis me analisam, passando de confusos para aliviados e então para assustados, como se ela não quisesse que ninguém a encontrasse desse jeito.
— Oi... Você está bem? — pergunto quando ela aperta os olhos com força e abaixa a cabeça novamente.
— Sim... E-eu estou bem... — ela diz, mas a respiração falhando deixa a mentira evidente.
— Você não me parece nada bem. — Estou quase me abaixando para olhar em seu rosto virado para o chão. — Quer encontrar um lugar para se sentar um pouco? Posso comprar uma água para você... Tem uma cafeteria do outro lado da rua.
— Não. — Seu rosto está muito pálido quando ela se levanta e cambaleia sob os calcanhares. — Eu só preciso de um minuto.
— Você comeu algo antes de se exercitar?
Antes que possa responder, ela coloca a mão sobre a própria boca como se estivesse prestes a vomitar.
— Vamos, a cafeteria é logo ali. — Seguro seu braço, e ela deixa ceder o peso sobre mim. Coloco a sacola no ombro e com a mão que seguro o guarda-chuva, faço o meu melhor para cobrir a mim e a ela enquanto caminhamos devagar.
Atravessamos a rua com certa dificuldade; o trânsito, que já é caótico, fica pior quando chove. Viver na cidade grande é como ouvir uma buzina irritante e constante.
Sadie se senta na área coberta do lado de fora da cafeteria para evitar que vomite no meio do estabelecimento enquanto eu me apresso para comprar uma água para ela. Quando entrego a garrafinha para a garota, ela sorri aliviada por poder beber uma simples água.
— Obrigada pela água — ela diz, quando a garrafinha já está vazia.
— Não é nada. — Olho atentamente para a loira. — Quer que eu pergunte se eles têm um aparelho de pressão? Você ainda não parece recuperada.
— Não precisa. Não vai demorar muito mais a passar.
— Tudo bem. Acho que você só precisa pegar leve na corrida, então.
— Ah, eu apenas me empolgo. — As bochechas de Sadie coram um pouco, como se ela estivesse envergonhada – ou como se o sangue estivesse voltando a circular normalmente em seu rosto. — Começo a correr e quando vejo, já estou a muitos quilômetros de distância de casa. Ainda mais quando venho sozinha.
— Então isso acontece com frequência? — insisto em saber, puxando uma cadeira do conjunto de mesa para me sentar à frente dela. — Correr sozinha e passar mal?
— Não, na verdade. — A hesitação em sua voz é notável. — Hunter e Matt costumam correr também, mas nossos horários não estão mais batendo. Quando eles estão comigo, eu reduzo o ritmo.
— Ok, então por que não ligamos para um dos seus amigos? — pergunto, já tirando meu celular do bolso para emprestá-la.
Eu a ajudei e ainda estou preocupada com ela, mas também preciso voltar logo para casa antes que meu turno na biblioteca comece.
— Meus amigos? — Ela arqueia uma das sobrancelhas como se estivesse surpresa com o fato de eu conhecer seus amigos. Bom, eu não os conheço de fato, mas eles são um dos grupos mais populares da escola, né?
— É. Ou alguém que possa vir te buscar.
— Obrigada, Lilith — ela sussurra ao pegar meu celular.
Sorrio. Primeiro porque ela me chama pelo nome e não de novata, como ouço muitos sussurrem pelos corredores quando falam sobre mim. E segundo porque fico surpresa em como é fácil conversar com ela fora da escola.
Se tivéssemos nos encontrado assim pela primeira vez, talvez à essa altura já seríamos mais do que duas estranhas que dividem mesa nas aulas.
Quando ela termina de falar ao celular, percebo que não prestei atenção o suficiente para saber quem vem buscá-la.
— Eu queria ficar e esperar... Mas ainda preciso trabalhar hoje.
— Claro, claro. — Ela me devolve o celular e dá um sorriso grato. — Não se preocupe. Matt já está vindo.
Levanto da cadeira e ajeito a sacola no ombro, olhando-a sem saber o que mais posso dizer.
— Certo, espero que fique bem, Sadie.
— Obrigada mais uma vez, Lilith — responde ela, rapidamente desviando o olhar. Mas então, parece se lembrar se algo e diz antes que eu possa me afastar: — Ah, Angelina vai dar uma festa hoje. Bem, não será uma feeesta, festa porque ainda temos que estudar amanhã, mas se você quiser aparecer... Eu te passo o endereço.
É o segundo convite que recebo para essa tal festa que não é tão feeesta assim. E, mesmo que não me surpreenda, é o primeiro convite para uma festa que recebo há meses nessa cidade. Não fiz muito esforço para me aproximar das pessoas aqui, é verdade, mas acho que é compreensível quando a escola tem uma coluna de fofocas futucando sua vida.
Isso deveria ser considerado crime, parando para pensar.
— Obrigada pelo convite, mas vou ter que passar. Trabalho até tarde hoje.
Os cantos da boca de Sadie se curvam para cima enquanto seu sorriso confuso aparece. Pertencemos a classes sociais muito diferentes, acho que ela nunca teria pensado que alguém de dezessete anos, que ainda está no ensino médio, precisaria por necessidade trabalhar meio período quando não estamos nas férias de verão.
— Bom, então te vejo na escola — ela diz.
Enquanto vou embora, minha mente fica presa nos encontros inesperados que tive com essas pessoas nos últimos dias – começando pela batida na minivan de Matt.
Ainda estou tentando processar a situação com Matt e Angelina, mesmo sem ter razões claras para me importar tanto. Mas, pelo jeito como reagiram, sei que toquei em algo que preferiam manter escondido. Primeiro, o convite da Angelina para sua festa exclusiva; em seguida, ajudo Sadie e também sou convidada para a mesma festa.
Talvez uma coisa não tenha relação direta com a outra, mas mesmo quando eu não acreditava tanto no destino ou em coincidências, coisas assim raramente aconteciam.
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