𝟭𝟴. it changes the game
𝗠𝗔𝗬 𝟮𝟮, 𝟮𝟬𝟯𝟰
ᥫ᭡𝐋𝐈𝐋𝐈𝐓𝐇...
Parada em frente a escola de Aspen, observo enquanto os alunos saem afobados pelo portão. A agitação da saída é algo que nunca muda e até disso estou sentindo saudades de enfrentar. Meus olhos seguem os grupos de amigos que caminham juntos, conversando animadamente, até que vejo Aspen. Ela se despede de uma menina com um aceno rápido e vem em direção ao carro, um sorriso de pura excitação no rosto.
— Você conseguiu os ingressos? — ela pergunta, mal fechando a porta antes de soltar as palavras.
Tiro meu celular do bolso e coloco no colo dela. Está aberto no aplicativo de mensagens, onde a de Matt se destaca: "Consegui 😎", seguida de uma foto dos ingressos para uma área exclusiva das arquibancadas onde a família e os amigos dos jogadores costumam ficar.
— Matt conseguiu — respondo, observando a expressão de alívio e alegria tomar conta de Aspen enquanto ela examina a imagem com cuidado.
— Ah, que incrível! — Ela não demora a pegar seu próprio celular e começar a digitar freneticamente. Seus dedos mal tocam a tela de tanto entusiasmo.
Olho de lado para a animação dela, a típica curiosidade de irmã mais velha apitando no fundo da minha mente.
— Precisamos passar para buscar o Garrett? — pergunto, tentando parecer casual.
— Não precisa. Ele disse que vai estar na entrada da arena no horário marcado. — Aspen não levanta os olhos do celular, mas seu tom de voz é seguro, como se esse detalhe já tivesse sido decidido há muito tempo. Diante do meu silêncio, ela para de digitar e me olha. — Pode perguntar, Lilith.
— Eu? Não tenho nada para perguntar.
Ela estreitou os olhos.
— Não quer saber quem são os pais dele, com o que trabalham, onde moram e como vivem?
— Eu ficaria mais segura sabendo desses detalhes, sim. Mas, não vou desgrudar os olhos de vocês dois hoje à noite, então o resto fica para depois.
— Lilith!
Dou uma leve risada, balançando a cabeça.
— Você cresceu muito rápido, sabia?
— Ah, não vem com esse papo de novo, não.
E, como se quisesse evitar qualquer tentativa minha de iniciar uma conversa nostálgica sobre os anos que literalmente perdi ao não vê-la crescer, Aspen liga o rádio do carro manualmente. Tento não fazer careta quando Nexa anuncia que a playlist "nostalgia 2020s" está tocando, logo antes de uma música do Louis Tomlinson começar. Não quero nem imaginar em qual playlist o One Direction se enquadra.
Com o rádio preenchendo o silêncio entre nós, o restante do trajeto é tranquilo. Quando chegamos em casa, Aspen mal espera o carro parar completamente para descer.
— Vou me arrumar — ela anuncia, já correndo na direção da porta de entrada.
Observo-a sumir no corredor assim que passamos pela porta, seus passos leves e apressados ecoando pela casa. Solto uma risada baixa, lembrando-me da primeira vez que fiquei empolgada para encontrar com um carinha de quem eu gostava na praça de nossa cidade.
Ao chegar ao meu quarto, vou direto para o closet, buscando uma roupa que faça sentido para a noite de hoje. Se eu tenho algo apropriado para os jogos de Matt, espero encontrar aqui.
Nunca fui a um jogo de hóquei, especialmente um em que meu suposto noivo é o capitão de um dos times. Não faço ideia do que usar, mas passeio pelos cabides, afastando vestidos, saias longas, até que paro em uma calça jeans de cintura alta e um corte solto. Tiro a calça com o cabide e a jogo em cima da cama; parece um bom começo.
Continuo olhando para encontrar uma blusa que combine, quando algo mais me chama a atenção: a jersey do Boston Bruins, pendurada ali no meio das minhas roupas.
Me aproximo, e meus olhos se fixam no número 44 estampado nas costas, logo abaixo do nome Sturniolo. Penso no meu armário na escola, o número 44 que também encontrei no chaveiro. Um sorriso enviesado surge no canto dos meus lábios enquanto me pergunto se realmente me tornei o tipo de pessoa que é brega a esse ponto, ou se tudo não passa de uma coincidência. Ew, não.
Decido usá-la mesmo assim e a tiro do cabide. Quando puxo a jersey, um pequeno baque no chão me faz olhar para baixo. Uma caixinha havia caído junto com a camisa.
— Merda… — murmuro, me abaixando para recolher as coisas que escaparam dela: um hidratante labial, creme para as mãos, óleo para o cabelo. Nada fora do comum, até que um papel desliza para fora da caixa e chama minha atenção.
Alcanço o envelope retangular e vejo que é um exame médico. Sinto um frio na barriga quando vejo meus dados completos: nome, endereço, tudo ali, impresso claramente. Confusa, olho novamente para o nome da clínica, fixando os olhos no logo que não deixa dúvidas sobre o que estou segurando.
O logotipo é composto por duas figuras femininas, formadas por linhas simples. A primeira figura, em roxo, representa uma mulher de perfil, com os cabelos caindo pelo ombro. A segunda figura, em rosa, representa uma mulher grávida, de perfil oposto, destacando a barriga. Ambas as figuras estão voltadas uma para a outra, criando o formato de um coração com o contorno dos corpos. Abaixo do logo e do nome da clínica, há a especificação do que é feito lá: ginecologia, obstetrícia e imagem.
Esse exame não pode ser meu. Mas, mesmo quando pisco repetidas vezes, as minhas informações continuam ali. O envelope está lacrado como nunca tivesse sido aberto e não há data na parte exterior de quando foi feito ou entregue a mim.
Minha respiração fica presa na garganta, e minha mão hesita perto do lacre. Antes que eu possa fazer qualquer coisa, o grito de Aspen me tira do transe.
— Lilith, podemos passar na 7-Eleven antes de ir para a arena?
Nem escuto direito o que ela está dizendo, mas murmuro um "claro" enquanto coloco o envelope de volta onde o encontrei. A urgência em sua voz é um lembrete de que não posso focar em mais uma reviravolta agora, mesmo que todos os meus nervos estejam à flor da pele e minha mente em um looping do momento em que peguei aquele exame do chão.
Dentro do banheiro, enquanto a água morna escorre pelos meus ombros, minha mente não consegue mais escapar. Por qual outro motivo eu teria ido até uma clínica obstétrica? Com as mãos trêmulas, sem pensar, coloco a mão na barriga. Me olho de relance no reflexo do box, e a imagem de uma mulher adulta me encara de volta. Meu rosto está assustado, o olhar perdido, quase suplicando para que eu acorde desse episódio lunático da minha vida.
Grávida? Não, não posso estar grávida. Não sinto nada de diferente… Quer dizer, nada além de tudo no corpo de uma adulta que é diferente da estrutura física de uma adolescente.
Então penso em Matt. Como eu contaria algo dessa magnitude para ele? Ele não pode saber agora, não antes do jogo; porque essa talvez seja a partida mais importante da vida dele. É como se fosse sua estreia no hóquei profissional, e mesmo que o resto do mundo já o conheça e saiba do que ele é capaz, para Matt, ainda é a primeira vez.
Faço outra careta enquanto sou consumida pelos pensamentos e me lembro de como se faz um bebê. Eu e Matt? Absolutamente não. Passo a toalha pelo corpo com um pouco mais de pressa antes de enrolar outra no cabelo e sair do banheiro, deixando para trás a fumaça e a tensão do que ainda é apenas uma hipótese.
Essa noite é importante para Matt, e se eu não abrir esse exame, não terei nada para contar a ele, certo? Não é a solução mais lógica, mas acho que é isso que os adultos fazem, se enganam até que a mentira se torne verdade.
❄︎ ❄︎ ❄︎
A parada na 7-Eleven foi rápida, mas me fez perceber o quanto realmente criei essa menina. Aspen, tão mão fechada quanto eu, insistiu em comprar guloseimas antes de irmos para a arena, já que, segundo ela, "tudo lá dentro custa o dobro". Não pude deixar de sorrir ao vê-la vasculhando as prateleiras com cuidado, escolhendo cada item como se fosse de uma importância vital.
Quando chegamos à arena, Garrett já está nos esperando na entrada. Ele parece no máximo um ano mais velho que Aspen. Alto e magro, com os cabelos castanhos-claros que caem majestosamente sobre os olhos, dando a impressão de ser alguém sempre à beira de um sorriso confiante. Seus olhos verdes brilham em uma mistura de ansiedade e nervosismo enquanto se aproxima de nós.
— Oi, srta. Nadin… Lilith — ele murmura ao estender a mão para me cumprimentar, quase se embolando nas palavras. Apesar da tentativa de parecer confiante, percebi que estava ansioso para que entrássemos logo na arena.
Sorrio e aperto a mão dele de volta, não sabendo bem o que mais poderia dizer. Aspen logo o segura pelo braço e caminha na frente, como se quisesse prevenir que eu bancasse a irmã mais velha super inconveniente.
Depois que verificamos os ingressos e as identidades, somos conduzidos para a área mais restrita das arquibancadas. Surpreendentemente, há um número generoso de pessoas aqui, crianças, mulheres e homens, todas ocupadas com suas próprias conversas. Uma delas, uma mulher alta e muito grávida, acena para mim com entusiasmo, convidando-nos a sentar ao lado dela.
— Lilith! Como é bom te ver. Achei que eu estava condenada a ficar com as jovenzinhas saídas diretamente de uma fraternidade. — Maya me cumprimenta com dois beijinhos na bochecha, enquanto faz um gesto discreto em direção a um grupo de garotas nas arquibancadas abaixo. Nenhuma delas deve ter mais de 23 anos.
A mulher que agora abraça Aspen, como se já fossem velhas conhecidas, não parece ter muito mais que seus 30 e poucos anos, e eu me sinto levemente ofendida pelo fato de ela preferir minha companhia à das garotas que estão nos primeiros anos dos seus 20.
Quando ela olha para Garrett, arqueia uma sobrancelha e pergunta com um sorriso gentil:
— E quem é esse mocinho?
Antes que qualquer um de nós possa responder, ela se adianta, estendendo uma das mãos para ele:
— Sou Maya Bedard.
Dou graças aos céus por não precisar perguntar o nome dela, soltando um suspiro aliviado enquanto finjo compartilhar o mesmo nível de intimidade que ela me oferece.
— E-eu sei quem você é — Garrett responde, com fascínio na voz ao encarar Maya. — Eu sou muito fã do Derek. Comecei a jogar como goleiro no time da minha escola por causa dele.
Suponho que Derek seja o marido de Maya e o goleiro do Boston Bruins. Isso explicaria o brilho nos olhos do garoto radiante à nossa frente.
— Ah, isso é muito legal! — Maya exclama, sorrindo. — Vou contar para o Derek. Quem sabe a gente não consegue descer depois do jogo para você tirar uma foto com ele?
— Sério? Fechou, então! — Garrett sorri, mostrando todos os dentes, e se apressa a sentar na cadeira ao lado de Maya, com Aspen no outro lado dele.
Eu me acomodo na cadeira à esquerda da loira, observando o aquecimento dos jogadores lá embaixo e buscando rapidamente por Matt entre eles.
Maya me observa por alguns segundos enquanto estou entretida olhando para os jogadores. De repente, seu olhar se suaviza e, com um sorriso quase conspiratório, ela passa a mão na própria barriga.
— Lilith, você está com um brilho diferente hoje... — ela comenta, com uma expressão sugestiva enquanto me encara de um jeito que não deixa dúvidas do que está insinuando.
Minha reação é imediata.
— O quê? Não! De jeito nenhum, Maya. Isso não está acontecendo — digo, balançando a cabeça veementemente. — Estou longe, bem longe disso.
Maya ri suavemente e ergue as mãos em um gesto de paz.
— Ei, eu não quis sugerir nada, muito menos apressar você a pensar nisso. Acredite, só tive meus filhos depois dos trinta. Mas, confesso... estou um pouco preocupada com essa gravidez aos 36. — Ela passa a mão delicadamente pela barriga saliente, seus olhos ficando um pouco distantes por um momento. E eu reparo em seu rosto, que de forma alguma denuncia a idade que ela tem. — É diferente, sabe?
Eu percebo o leve tom de preocupação na sua voz. Maya olha ao redor, como se não quisesse ser ouvida.
— Para ser honesta, estou meio sem jeito de falar sobre... — Ela faz uma pausa, abaixando o tom de voz. — Aposentadoria. Derek e eu conversamos sobre quase tudo, mas quando o assunto é hóquei... Bom, depois da nossa família, o hóquei é a vida dele. Não sei como abordar isso sem que ele sinta que estou pedindo para ele desistir do que ama. Mas, eu estou mais cansada e mais velha agora para lidar com três crianças abaixo dos cinco anos sem tê-lo ao meu lado em tempo integral.
Eu me inclino um pouco para frente, sentindo a tensão sincera na voz dela.
— Deve ser difícil, Maya, mas acho que se vocês conversarem abertamente, ele vai entender. Talvez ele só precise de tempo para aceitar a ideia, sabe? Transições assim são complicadas... Mas se ele sabe que tem o apoio de vocês, pode ser mais fácil. — Tento oferecer algum conselho, embora o assunto seja novo para mim também.
Uma adolescente oferecendo conselhos para uma adulta de verdade. O universo deve estar dando gargalhadas de mim.
Ela me olha com gratidão, seus olhos brilhando um pouco mais.
— Obrigada, Lilith. De verdade. Acho que precisava ouvir isso de alguém de fora. — Maya me dá um sorriso sincero, respirando um pouco mais leve.
Antes que possamos continuar, as luzes da arena começam a piscar, alternando entre as cores dos times, enquanto o anúncio da entrada dos jogadores ecoa pelas arquibancadas.
— Aí vem eles! — Maya exclama, e eu não posso evitar a busca imediata por Matt lá embaixo, meu coração acelerando como se fosse eu que estivesse prestes a entrar no gelo.
Tomada pela atmosfera, eu me levanto enquanto a torcida vibra com a entrada dos jogadores. E lá está ele, uniformizado com a camisa 44, segurando o stick como se tivesse nascido para isso. A postura é natural, confiante, e me faz esquecer por um segundo que este ainda é o Matt de 17 anos.
Novamente, nunca fui a um jogo dele no colégio, mas os murmúrios pelos corredores me deixavam saber que ele era promissor. Mesmo assim, Hillary Geoffrey – com quem divido algumas aulas de física – diz que Matt está passando por uma fase ruim, que é difícil vê-lo concentrado. E talvez ele apenas estivesse lidando com mais do que os outros sabiam, porque agora, em cima dos patins que o deixam centímetros mais alto e imponente, é evidente que a fase ruim ficou para trás.
No gelo, Matt se move como um capitão nato. Antes de todos os jogadores se posicionarem em suas respectivas áreas, ele já está reunindo o time ao seu redor, dando instruções, acenando com a cabeça, fazendo contato visual com cada um. É nítido que ele não apenas se impõe, mas conquista o respeito de todos ali – mesmo que, para nós dois, é como se tivesse acabado de conhecer essas pessoas.
Então, a poucos segundos do apito inicial, Matt faz algo que me pega completamente de surpresa: ele olha diretamente para o ponto exato onde estou. A distância entre nós é grande, e o capacete esconde boa parte de seu rosto, mas eu consigo enxergar quando ele manda uma piscadinha discreta, e um sorrisinho de lado logo se forma antes de a seriedade da concentração retornar ao seu semblante.
Meu coração bate descompassado, e eu quase rio com a leveza que aquele gesto trouxe. É como se, por um segundo, fossemos apenas nós dois em meio à multidão e ao barulho ensurdecedor da arena.
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