𝟭𝟬. it's not my house, it's not my life
𝗠𝗔𝗬 𝟭𝟵, 𝟮𝟬𝟯𝟰
ᥫ᭡𝐌𝐀𝐓𝐓...
Eu ainda estou em um estado de negação absoluta quando pego um porta-retrato na mesa de cabeceira do meu lado da cama. Ou melhor dizendo, do lado direito da cama em que acordei. Isso tudo é bizarro!
Não consigo desviar o olhar do porta-retrato. Nele, vejo uma foto que, à primeira vista, parece um desses momentos capturados em filmes românticos, com o casal perfeito em uma noite perfeita. Eles estão em uma cobertura, com luzes decorativas brilhando ao fundo e drinks cintilantes em mãos. A mulher repousa a cabeça no peito do homem, enquanto ele a envolve pela cintura com uma intimidade que faz meu estômago revirar. Sinto um calor estranho no rosto quando percebo que esses dois... somos nós. Eu e Lilith.
Me pergunto se essa foto foi tirada na noite em que coloquei o anel de noivado no dedo dela, e pelos olhos marejados do casal – que somos nós dois –, posso dizer que esta foi uma noite especial.
Tento me convencer de que isso é apenas um sonho muito louco, mas a forma como a minha mão parece quase instintivamente saber o que fazer quando está envolta na cintura dela me deixa louco.
Passo a mão na minha barba, que por um momento sinto vontade de puxar para ver se é mesmo de verdade, mas a sessão de esfregamento que Lilith deu no meu braço já é dor o suficiente. Coloco o porta-retrato de volta no lugar e observo como tudo ao meu redor parece ter saído de um sonho surreal. O quarto é enorme, há uma dessas chiques portas duplas de vidro com acesso a uma varanda arejada, o closet se abre atrás do espelho, que ocupa totalmente o espaço da parede menor, a cama é macia como eu só imagino ser nos hotéis cinco estrelas, e Lilith é… minha noiva?
Meu cérebro tenta a todo custo encontrar uma lógica, uma explicação racional para o que está acontecendo. Talvez eu esteja em um coma induzido por um acidente estranho que sofri na biblioteca. Talvez isso seja algum tipo de alucinação.
Preciso de ar, de clareza – e ainda há uma varanda que se estende atrás da janela desse quarto. Meus pés me levam automaticamente para o closet amplo e aberto.
— O que você está fazendo? — Lilith pergunta, com os braços cruzados na frente do peito. Ela me olha como se eu devesse parar de me mover e esperar que o chão se parta, nos enviando de volta à biblioteca de onde não me lembro de ter saído.
— Vou me vestir — digo, óbvio, mesmo em meio a toda essa loucura. — E você deveria fazer o mesmo…
Gesticulo vagamente em direção ao corpo dela, que está pouco coberto por um conjunto bonito e deveras adulto de pijamas.
— Para de olhar! — Ela alcança a coberta e se envolve nela como um vestido conceitual e bufante para noivas modernas.
Reviro os olhos e me concentro no closet, encontrando fileiras de roupas perfeitamente organizadas, divididas em dois lados. Eu sei, sem precisar pensar muito, que uma parte é minha e a outra... de Lilith.
Passo os olhos rapidamente pelo que deve ser o meu lado: camisas, suéteres, jeans — nada parece fora do comum, tudo no meu estilo, até onde eu me conheço. Algumas roupas sociais destoam diante dos meus olhos, mas é de se esperar que um homem adulto tenha gravatas e ternos para ocasiões especiais. Não perco tempo analisando cada peça, só pego a primeira combinação que faz sentido e me visto rápido, saindo do closet como se estivesse invadido o espaço pessoal de um desconhecido.
O banheiro da suíte é luxuoso, claro, mas isso nem me surpreende mais – mesmo que eu queira sentir a textura do mármore e do porcelanato no chão que parecem mais caros que toda a minha casa. Eu estou meio que no automático enquanto lavo o rosto, tentando absorver tudo isso enquanto o jato de água fria me refresca.
Ao sair do banheiro, vejo Lilith na janela, olhando fixamente para fora. Me aproximo, e quando olho para a paisagem lá fora, minha respiração ficou presa na garganta por um segundo.
— Reconhece esse lugar? — pergunta ela, tentando manter a voz estável.
Balanço a cabeça lentamente.
— É Beacon Hill. Estamos do outro lado da cidade.
— Beacon Hill — ela repete, quase para si mesma.
As casas de tijolinhos vermelhos, as ruas de paralelepípedos, as janelas coloniais. Eu vivo em Massachusetts a minha vida inteira, e sei que estamos em um dos bairros mais nobres de Boston. Arrisco dizer até que estamos dentro de um condomínio, pela forma como vejo os carros estacionados despreocupadamente pela rua, o que indica se tratar de um espaço residencial onde ninguém se preocupa com garagens.
Lilith caminha para dentro do closet, se rendendo aos minutos que se passam em que nada volta ao normal. E eu saio no corredor, percebendo que este andar é dedicado à suíte master e a uma espécie de escritório aberto. As três paredes em formato de U são revestidas de estantes com livros que vão do chão ao teto. Parece um exagero, até para quem sonha em ter uma biblioteca em casa, mas não posso negar que dá vontade de passar horas conferindo os volumes guardados aqui.
No centro do escritório, sobre um tapete velpudo, uma mesa com pés cruzados de ferro sustenta uma tampa de vidro que reluz à luz de um lustre majestoso. Papéis organizados e um porta-canetas repousam sobre a superfície, ao lado de um notebook muito mais moderno, sugerindo que este escritório é realmente usado e não apenas decorativo. Uma poltrona de couro, sutilmente desgastada, está posicionada atrás da mesa, como um espectador do mundo literário ao redor.
Para ser sincero, é como imagino um escritório na casa de Lilith.
Chego ao parapeito da escada de madeira e vejo duas espirais descendo em direção ao térreo. O corrimão é polido e liso ao toque, acompanhado por colunas esculpidas com detalhes intrincados, refletindo o cuidado em cada aspecto desta casa. Cada degrau parece impecável, sem um rangido sequer, como se tivessem sido projetados para suportar uma eternidade de passos silenciosos. Olho para baixo e vejo a profundidade dos três andares da casa se revelando em patamares que oferecem vislumbres de diferentes espaços. As paredes ao redor são decoradas com quadros emoldurados, retratos e pequenas luminárias com o mesmo design do lustre no escritório.
Me aproximo dos retratos e sou atingido por uma nova onda de desespero quando vejo registros da minha família, meus amigos e Aspen, que consigo reconhecer pelo jeito em que seu sorriso é exatamente igual aos que Lilith também esboça nessas fotos. Ela aparenta ter uns doze ou treze anos agora, e o olhar doce permanece na garotinha que conheci há poucos meses.
— Photoshop nenhum seria tão preciso assim, não é? — pergunto para mim mesmo, pouco processando os detalhes que vejo.
Continuo descendo as escadas, e pouco me atento ao segundo andar, onde uma sala de estar elegante se exibe. Acredito que a cozinha também esteja lá, pois quando chego ao primeiro andar, vejo um banheiro social, uma segunda sala de estar menor com uma lareira, um corredor com três portas, que devem pertencer aos outros quartos e olhando para a janela mais próxima, há um jardim exclusivo com uma estufa.
Não é possível que eu seja o dono dessa casa.
Estou quase me convencendo de que, se eu sair na rua e for atingido por um carro, nada acontecerá, pois tudo isso é apenas um sonho maluco, quando ouço um barulho na frente da casa. Caminho em direção à porta, hesitante, mas curioso o suficiente para querer saber o que está acontecendo lá fora. Quando abro a porta, vejo um senhor de boina e bigode grisalho parado na calçada, segurando uma sacola de papel pardo que parece estar cheia de frutas. Ele sorri quando me vê, com um sorriso largo e familiar que me dá arrepios.
— Matt! Bom dia! — ele diz, tentando evitar que uma laranja caída da sacola role para o meio da rua.
— Ah... bom dia — respondo, tentando soar casual, embora por dentro eu esteja em crise existencial.
Me aproximo para pegar a fruta e colocar na sacola do senhor que sorri para mim como se eu fosse seu neto favorito.
— Ah, obrigado, obrigado. — Ele balança a cabeça em agradecimento. — Lilith está? A Sarah queria passar aqui mais tarde para falar sobre a festa do 4 de julho — ele continua, e eu percebo que ele nos conhece muito bem. — Tenho a impressão de que elas estão planejando isso há meses!
4 de julho? Mas estamos em pleno janeiro, penso enquanto mantenho a expressão neutra. Não quero que esse senhor simpático ache que eu enlouqueci completamente.
— Hm... Lilith? Sim, ela está, mas... — tropeço nas palavras, tentando encontrar uma desculpa para sair imediatamente dessa conversa. — Acho que estamos meio ocupados hoje.
Ele parece surpreso por um segundo, mas então dá de ombros.
— Sem problemas! Só avise quando for um bom momento. E ah, boa sorte no jogo de amanhã. Vai, Bruins!
Tomo um susto com a comemoração acalorada e repentina do homem, porém fico ainda mais assustado com o que ele acaba de dizer.
— Desculpe, o que você disse? — pergunto, minha voz saindo mais aguda do que eu gostaria. O que ele quer dizer com 'boa sorte no jogo'?
— O jogo de amanhã, contra o Toronto Maple Leafs — o homem responde, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Essa rodada é no Canadá, né? Acho que você precisará mesmo de sorte estando na casa deles, capitão.
Ele me dá uma piscadinha antes de virar e seguir seu caminho, deixando-me parado ali, tentando processar o que acabou de acontecer. Capitão? Jogo? Bruins?
De repente, me lembro da camisa de hóquei emoldurada no quarto em que acordei e de uma foto específica nas paredes enquanto eu descia as escadas, onde um time de jogadores de hóquei celebrava uma vitória. Eu estava tão distraído com a loucura da situação que não prestei muita atenção, mas agora as peças começam a se encaixar de forma alarmante.
Volto correndo para dentro de casa e paro diante dessa foto. Um grupo de jogadores está reunido, sorrindo de orelha a orelha, alguns ainda com os capacetes, outros com os cabelos suados e despenteados, todos usando o mesmo uniforme preto e amarelo dos Bruins. No centro da imagem, um jogador é carregado nos ombros dos outros, segurando a Stanley Cup acima da cabeça com uma expressão de pura euforia.
Minha respiração acelera quando percebo que aquele jogador sou eu. Eu estou lá, nos ombros dos outros, erguendo a taça mais importante do esporte que pratico no ensino médio, não no profissional.
Meu queixo despenca quando finalmente ligo os pontos. Eu, Matt, sou o capitão do Boston Bruins, e essa casa luxuosa, as fotos nas paredes, tudo isso… é minha vida. Mas, como, porra?
Passos na escada chamam minha atenção. Lilith – agora vestindo uma legging de corrida e uma blusa rosa bebê que cobre até as coxas – para ao meu ver e logo depois de trocarmos um olhar, ela salta e torna a descer os degraus. Vou atrás dela.
— Aonde você está indo? — grito, parando na porta quando ela passa correndo para fora.
— Pra casa!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro