Capítulo 1 - Motel.
primeiro: New.
Os sete adultos que entraram no quarto não demoraram em sorrir com a imagem a sua frente. Seu corpo coberto por um grosso edredom pelo frio, a mulher, deitada na cama, estava de olhos fechados, mas todos sabiam que ela estava acordada.
Cada adulto deu um passo à frente. A primeira a se aproximar de verdade foi a segunda mais velha. Os olhos verdes estavam focados no corpo da mulher deitada. Um pouco de preocupação em sua expressão, mas em seus olhos, compaixão, amor e admiração.
Os olhos castanhos da senhora se abriram e se encontraram diretamente com os verdes profundos. Um sorriso se abriu das duas mulheres.
— Oi, mamãe. — A garota dos olhos verdes disse, se aproximando da cama e tocando na mão enrugada da mulher mais velha. A matriarca sorriu grande e beijou o dorso da mão juvenil.
— Oi, minha filha. Crianças lindas, como estão? — Ela perguntou ao olhar para todos os outros seis adultos ali presentes. Todos sorriram com admiração em seus olhos. Não era mentira, todos amavam estar na presença da mulher mais velha.
Um homem alto com uma barba rala, olhos castanhos e cabelos curtos se aproximou e tocou na mão livre da mulher.
— Estamos bem, mãe. E a senhora? — A voz do homem saiu doce, um pouco tremida por toda a paixão incontida que se explodia em seu peito. A matriarca acenou com a cabeça e fez o mesmo gesto, levando a mão do garoto para próximo de seu rosto e dando um beijo longo no dorso. Ele fechou os olhos com o contato e suspirou, não se contendo, se aproximou e deixou um longo beijo casto sobre a testa da mulher deitada.
—
Lauren Jauregui - 13 de Fevereiro de 2016 - 00h
Há quase quatro anos, comecei a trabalhar na empresa de meus avós.
Diferente do que as pessoas pensam quando eu falo algo como isso, eu não trabalho em uma empresa super fodona, a maior e melhor do país, onde várias empresas jornalísticas pedem para tirar ao menos uma foto comigo ou fazer uma entrevista.
Não trabalho numa das melhores boates da cidade, sendo a mulher mais cobiçada de todo o estado. Não a cafetina fria e calculista, ou seja lá o que todo mundo ache.
Não sou historiadora, nem fotógrafa, nem ao menos stripper ou algo do tipo.
Eu apenas trabalho num Motel de luxo.
Sim, parece algo besta demais. Às vezes, as pessoas até dão risada da minha cara. Talvez seja por isso que decidi não fazer tantas amizades.
Meus pontos firmes são: Ally, minha melhor amiga, baixinha, loira e que adora me xingar, mas que me ajuda em tudo. Normani, que também trabalha na empresa, alta, com um corpo esculpido por deuses e que adora rir de mim. E meu querido diário.
Okay, o último elemento é inanimado, mas ele me segue para todos os lugares. Onde eu utilizo da minha caneta prateada, a tinta preta para escrever nas páginas amareladas. Linhas escuras sendo preenchidas e borradas pelo material fino que eu gostava tanto de segurar nas mãos.
Eu adorava escrever, desde mais nova, quando eu tinha certeza que minha vida era um livro, igual àqueles na minha ex-estante rosa.
Tudo bem, eu não era exatamente boa no papel de escritora, mas não deixava de ser um bom sonho. Eu apenas gostava de fazer aquilo, por esporte.
Foi então que eu entrei na minha vida adulta e ganhei um caderno marrom. Meu pai me disse que aquilo era um diário, mas, sinceramente, eu não acreditava nisso, não naquela época. Eu não podia acreditar que um diário poderia ter o tamanho de um caderno escolar. Eles normalmente teriam o tamanho de uma agenda, aquilo era loucura.
Então, eu descobri que o verdadeiro significado de diário era "caderno ou similar em que se registram os acontecimentos diários" - de acordo com o dicionário. Por tal ignorância, era possível encontrar alguns desenhos de rostos ou flores nas primeiras páginas amareladas.
Sinceramente, quando mais nova, eu gostaria de ser de tudo um pouco. Astronauta, gastronômica, musicista, atriz e até mesmo professora de academia.
Mas fui crescendo, e as idéias foram mudando. Cada uma se tornando outra, tomando caminhos diferentes. Enquanto eu explorava coisas, procurava entender outras. A curiosidade, a verdade, o nervoso. Todos os sentimentos vão mudando. Talvez essa seja a melhor explicação pelo caminho qual segui, me mantendo perto das idéias da minha família, apesar de saber que eles não se importavam muito com aquilo, não era como se eu precisasse realmente trabalhar naquilo. Mas, eu gostava, sinceramente, amava.
Ter vinte e três anos e morar sozinha parecia uma missão muito fácil de se ter, mas sempre visito meus pais e irmãos quando possível. Ou eles vinham me visitar, aproveitando para dar uma olhada em como o Motel estava indo em minhas mãos.
Miami era um lugar muito bom de se estar, mas antes disso, estive em Nova York, morando com meus pais. Não muito distante. Foi apenas uma vez, o suficiente. Passar um mês inteiro em Miami me fez despertar, querer conhecer mais. Não demorou muito para que minha mente, ainda adolescente, me dissesse que um dia eu me mudaria para àquele lugar tão lindo, apesar de quente e mais calmo do que a "cidade que nunca dorme". E eu o fiz.
Assim que larguei a faculdade de Administração, fui escalada para trabalhar na empresa. Meu pai me apoiou na decisão e minha mãe não reclamou tanto quanto eu imaginava. Apesar de estar longe deles, era o meu destino. Minha forma de me desprender. Voar com as minhas próprias asas. Era real.
Digamos que trabalhar num Motel me faça ter uma rotina um pouco cômica. Às vezes, olhar para as câmeras não era algo muito legal. Ver sexo no corredor não era muito atraente e receber esposas furiosas por maridos que traziam suas amantes aqui eram coisas que me apareciam de vez em quando. Algumas discussões me traziam gargalhadas sinceras, mas, nem sempre.
Óbvio que era um Motel de luxo. Mas, assim como a maioria dos Motéis da cidade, ele era voltado à atividades estadísticas. Apesar de, claro, ter uma parte reservada - dentro do próprio prédio - apenas para quartos mais... Calientes.
O casal poderia solicitar um quarto "diferenciado", para fins eróticos. Por isso, nós decidimos abrir uma pequena loja da própria empresa Jauregui's Motel.
Apesar de parecer muito misturado, havia uma diferença grande entre as partes do Motel.
O grande prédio disponibiliza tal ação. Quatro elevadores parecia um grande exagero, - inicialmente, me choquei com o tamanho do local. Mas, parecia muito mais óbvio quando visto de perto.
Dois em cada extremidade, atrás do balcão, - onde eu ficava na maioria das vezes. Cada um tinha sua funcionalidade.
Os dois localizados na extrema direita, serviam para a parte "não-caliente" do Motel. Logo, os dois da extrema esquerda, serviam para a parte "caliente" do Motel.
Inicialmente pensei que os gastos eram de um tamanho absurdos. Mas, assim que o Jauregui mais velho vivo, meu avô paterno, contou sobre como ele mesmo fundou a própria empresa, construiu com muito suor e sangue, e um milhão de adjetivos, deixei de pensar sobre isso e passei apenas a apreciar o local.
Era lindo.
Os quartos enormes com camas Queen Size. As janelas grandes que iluminavam o dia e noite dentro da locação. As banheiras embutidas e os móveis brancos com detalhes em preto.
Eu não conhecia aquele lugar com a palma da mão, claro que não, seria um exagero. Mas, sabia o suficiente para ter certeza que viveria de forma confortável ali.
A recepção era, quase que obviamente, meu lugar favorito.
Os sofás vermelhos, disponíveis em frente a uma pequena mesa branca cilíndrica. Os pedestais brancos com vasos antigos, carregando flores vermelhas e amarelas, alegravam o lugar. A luz branca, vinha do grande lustre bem no centro do salão, no teto acima da mesa. Algumas poltronas estavam espalhadas por perto do grande balcão de vidro, que quase cobria a vista dos elevadores na extrema direita.
Alguns quadros cobriam as paredes brancas e um carpete vermelho estendido pelo chão. Era como o "tapete vermelho" da entrada de premiações grandes e famosas.
Minha divagação se encerrou quando, de longe, ouvi o barulho da porta automática.
Os passos não calculados, mas juntos. Os corpos em sincronia, pisando no carpete vermelho-sangue.
Arrumei minha postura e, rapidamente, abri um sorriso acolhedor - eu acho. Meus olhos correndo pelo local, junto com os sapatos em seus pés.
Primeiro, meus olhos captaram a mulher. Os traços eram finos e me lembravam bastante a beleza latina, tinha aquela coisa encantadora indescritível. Seus cabelos eram num tom de castanho escuro, longos. Os olhos da mulher observaram o lugar. Ao seu lado, um homem alto. Seus cabelos arrumados em um topete baixo, penteado alinhadamente para trás. Seus braços musculosos, me fazendo pensar se academia era um de seus passatempos favoritos. O rosto másculo era bonito, os traços bem marcados, fortes. Uma barba rala e um nariz grande, pareciam ser sua marca, era elegante.
Os dedos do casal estavam entrelaçados. O sorriso no rosto da mulher não saiu de lá. Imaginei que seria impossível vê-la chorando algum dia. Mas, o homem tinha a expressão séria e contida, como se precisasse se manter assim para carregar um ar elegante.
Será que ele não podia perceber que era elegante?
— Olá, boa noite. Sejam bem-vindos, senhor e senhora. — Disse em cumprimento para os dois quando chegaram perto do balcão.
— Boa noite, querida. — Disse a bela mulher, me analisando. Tinha aquele tom de voz educado e calmo, qual se podia enxergar e sentir elegância. Os dois eram muito elegantes.
O olhar do homem ainda era sério, como se ele jamais pudesse sorrir. Não me importei muito. Eram dois extremos, totalmente contrários. Mas, talvez eu estivesse apenas enganada. Eu adorava analisar, mas nada ali poderia ser realmente o que parecia. Nada na vida é exatamente o que parece ser, isso é fato.
Desde mais nova, meu pai adorava me lembrar quão curiosa, bisbilhoteira e observadora eu era. Palavras que, às vezes, pareciam exageradas demais.
Curiosidade carrega um significado que poderia me descrever. "desejo de ver, informar-se, aprender, etc". Coisa que é pura verdade. Não existe, em lugar algum, alguém que carregue uma enorme vontade de aprender maior que a minha.
Bisbilhotar é descrito como "investigar por curiosidade". Onde já se viu... Tenho cara de detetive?
A última palavra, minha favorita, carrega um significado mais genuíno. Essa, diferente das outras, me deixa até feliz. Às vezes, eu mesma preferia me descrever dessa forma. "Notar, verificar, examinar atentamente, vigiar as próprias ações". É muito mais fofo do que dizer que eu era uma "investigadora". - Levando para o lado pessoal e ruim da palavra.
Eu gostava de observar. Absorver coisas e só. Era como se eu pudesse olhar para tudo e nada ao mesmo tempo. Eu gostava de olhar para tudo. Para todos os cantos, sem me conter. Pegando minha memória e fazendo dela o melhor arsenal. Ou até mesmo, um museu de coisas momentâneas.
— Pode nos dar o melhor quarto que tiver, por favor. — Foi a única coisa que ele disse. Parecia ser o tipo de pessoa que é direta. Aquilo era algo normal por ali, sem muitos rodeios, direto ao ponto.
— Por gentileza, preciso do documento de identificação de vocês. — Falei e continuei sorrindo. A mulher mexeu em sua bolsa e me entregou o pequeno documento. Em seguida, o homem pegou sua carteira e entregou o dele.
Não demorei em registrar para eles o melhor quarto. Digitei no computador, em quase completo silêncio, se não fosse por uma conversa entre o casal.
O homem se afastou, falando baixinho que esqueceu algo no carro e que já voltava.
— Sabe, viemos passar a lua de mel aqui... — A mulher se pronunciou, puxando assunto. — Ele é um marido maravilhoso. Um homem perfeito, o que toda mulher gostaria de ter, me sinto sortuda e sou muito feliz em tê-lo comigo. — Ela disse sorrindo, era perceptível o brilho em seu olhar, com orgulho.
Não é como se eu fosse dona de toda a verdade, mas, passar uma lua de mel em um Motel chegava a soar estranho. Talvez casais realmente fizessem isso. Eu jamais poderia me pronunciar sobre, nunca tinha sequer pensado nisso. Parecia apenas uma idéia engraçada, quando todos dizem que a lua de mel é uma das partes mais importantes do casamento.
— Parabéns pelo casamento, espero que tenham longos anos um ao lado do outro, senhorita Cabello. — Eu até pensei em zoar em meus mais profundos pensamentos, mas aquilo parecia infantil demais para mim, então apenas fui sincera e observei a mulher por baixo dos longos cílios.
— Obrigada, moça. Na verdade, eu nem sei o seu nome, perdão... — Ela disse, vincando as sobrancelhas me olhando.
— Jauregui. Lauren Jauregui, prazer em conhecê-la, senhorita Cabello. — Respondi estendendo-lhe a mão, e a mulher, em um aperto fraco, num cumprimento gentil, aceitou de bom grado. O toque quente não durou muito, mas o suficiente para perceber a maciez de sua pele.
— O prazer é meu, senhorita Jaureg...
— Pronto, Camila. Vamos subir? — Matthew apareceu interrompendo a fala da senhorita Cabello. Ela me olhou sorrindo e concordou com seu marido.
— Deixa que eu os acompanho até o elevador. — Falei e saí de trás do balcão, caminhei rapidamente na direção extrema esquerda do salão. O casal em meu alcance até às portas metálicas que dariam o acesso ao elevador. — Já sabem o andar, não é? Caso percam a chave do quarto, estarei à disposição. Se não me encontrarem, Normani estará no meu lugar. Qualquer problema, há um interfone dentro do quarto acima da cômoda, apertando o número um, a ligação cairá diretamente na recepção, certo? — Apertei o botão para chamar o elevador. Não demorou nem um segundo para abrir.
— Certo, senhorita Jauregui. Obrigada pela gentileza, com licença. — Disse Camila com um sorriso. Entrou no elevador e vi Matthew apertar o botão com o número do andar deles. Sorri para os dois, ainda da frente do elevador. Não demorei para me virar e voltar para o balcão.
—
Mais uma vez, a caneta prateada encontrava meus dedos com firmeza. Meus olhos estavam concentrados no papel, manchado de tinta escura. Um preto bárbaro, rude. Não existia delicadeza ali, apenas as minhas palavras. A minha verdade.
Enxergar o mundo era uma tarefa extremamente difícil. Às vezes, é possível criar uma linha de raciocínio sobre. Mas, era tão cruel que meu cérebro se desviava.
Desavisada, a vida me mostrava que tudo poderia ser diferente. Bem, eu sou uma mulher adulta, tenho uma família linda, meus parentes - aparentemente - me amam. Para quê se queixar?
Todo dia, alguém pergunta: para quê se queixar da vida? Você tem uma casa, família, condições financeiras e etc. Pode muito bem viver numa boa.
Mas, quem disse que o material, aquilo que tocamos e vemos, é o suficiente?
O problema são as decepções. Sejam elas amorosas, familiares ou íntimas. Não existe um contentamento direto e inteiro.
Não é igual a minha breve reclamação do quão falante e reclamenta minha mãe poderia ser. Ou, quão palhaço e chato meu pai se mostrava. Meus irmãos, bagunceiros.
Claro que não. Não é isso.
O fato é: não há uma pessoa cem por cento feliz no mundo.
Ou há?
Se existe, preciso conhecê-la e saber qual o segredo.
Não que eu seja uma pessoa depressiva ou algo do tipo, essa fase se foi.
Fase? Isso foi ridículo! Não é uma fase.
A vida não é feita de fases: onde você supera algo e passa de nível. Iupi!
Isso não rola, não mesmo.
Mas, o que eu quero dizer é: estou num lugar um pouco mais calmo do que uma depressão (?)
Okay, estou viajando.
— Oi! — Me sobressalto com a voz grossa. Largo rapidamente a caneta e olho para frente.
Primeiramente, não considerei acreditar no homem parado, sorrindo largamente para mim. Era uma miragem?
— Filha? — Continuei estática com o seu chamado. Acreditava que meus olhos estavam para fora. Seria engraçado, de longe.
— Papai! — Após alguns segundos de silêncio, consegui finalmente me pronunciar como um ser humano normal.
O grande sorriso nos lábios de meu velho, me disse muita coisa.
Não era miragem.
Meu grande, alto e barbudo pai estava parado bem na minha frente. Me olhando com um sorriso tão lindo e acolhedor. Aquele mesmo que ele sempre me servia quando eu ia para casa.
— Como está a minha filha favorita? — Assim que contornei o balcão e abracei seu grande corpo, a pergunta veio. Dei risada de sua pequena brincadeira.
— Infelizmente, não posso dizer que sou a única filha. — Falei contra seu pescoço. Meus braços enrolaram seu corpo, e os seus, os meus ombros. Não era por nada que aquele era o melhor abraço. — Estou ótima, papai. E você? — Perguntei com sinceridade ao soltar seu corpo e olhar em seus verdes escuros.
— Estou bem, filha. Senti falta e decidi dar uma passadinha em Miami. Sua mãe quase me matou por não ter avisado antes. — Ri de sua fala e senti meus olhos encherem de água. A falta que meus pais fazem no meu cotidiano, é imensa.
— Obrigada por vir. Eu provavelmente não conseguiria ir pelos próximos dois meses. — Suspirei baixinho. Meu pai apenas acenou com a cabeça. Ele sabia que não era fácil lidar com a empresa. Mas, de qualquer forma, faz quase quatro meses que não vou até Nova York.
— Tudo bem, filha. — Puxei meu pai para trás do balcão. Ele rapidamente deu uma olhada no meu diário aberto, um sorriso enfeitou seus lábios e seus olhos voltaram para mim. — Como estão as coisas no geral? Tem conseguido trabalhar normalmente? Alguma coisa com a casa? Precisa de algo? — As perguntas despejadas me fizeram arregalar os olhos.
— Vá com calma, bom velho, ainda sou uma só. — Brinquei, deixando um leve soquinho contra seus bíceps do braço esquerdo. — As coisas estão caminhando normalmente. O Motel está inteiro, como pode ver. — Apontei para a grandeza luxuosa a nossa frente. — E em casa está tudo bem. Nada muito fora do comum. Com você e a mamãe? Como está Taylor e Chris? — Apoiei minhas mãos sobre o balcão e me inclinei um pouco. Meu pai se sentou em um dos bancos altos de couro preto.
— Sua mãe está bem, a mesma loucura de sempre. Sabe como ela é... Surtando do nada. Tudo continua a mesma coisa. — Seus olhos brilharam com paixão e respeito. Era sempre assim, meu pai começava a falar sobre minha mãe e seus olhos brilhavam. — Taylor e Chris continuam chatos. Aquela garota está com um namorado novo e fica me enlouquecendo. Chris parece uma gazela, como sempre. — Ri de seu comentário sobre meus irmãos e senti meu corpo esquentar de saudades.
— Ele está deixando a barba crescer? — Perguntei curiosa. A última vez que vi meu irmão, ele me confidenciou que deixaria sua barba crescer, junto de seus cabelos escuros.
— Sim! Agora só vejo aquele gazela de barba e em cima daquela corda. Ele não para com aquilo, fica pulando para lá e pra cá. Depois se quebra todo e se faz de sonso. — Dou risada com o tom brincalhão de meu pai.
A verdade era que meu pai adorava nos zoar, mas era com um carinho imenso. As palavras nunca passavam de um limite, era tudo uma forma de implicar conosco sobre qualquer coisa. Chris era o maior alvo de suas brincadeiras, já que eram mais próximos. Com Taylor era mais calmo, só porque ela revidava sempre que possível. E comigo quase não acontecia, nunca soube o motivo.
— Já que você decidiu abandonar a família por Miami e seu verão eterno, sua mãe e eu pensamos em doar o seu quarto. — Repentinamente, seu tom sério me chamou a atenção. Olhei curiosamente para meu pai, seus dedos coçando a barba bem feita e suas sobrancelhas vincadas. Um leve sinal se fez presente e me inclinei em sua direção.
— Como se doa um quarto? — Estreitei meus olhos e balancei a cabeça.
— O fato não é esse. O lance é que estamos te expulsando de casa. — Seus dedos perdidos sobre a barba e o lábio mordido me fez rir.
— Meu velho! A última vez que vocês conseguiram essa pegadinha comigo, foi quando eu me assumi hétero e vocês quase me expulsaram. — Caçoei, passando os dedos sobre a sobrancelha.
— Claro, ninguém quer ter o desprazer de ter filhos héteros. — Ele levantou o queixo com sábias palavras. Ri e me encostei na parede.
— Pai, o senhor é hétero. — Lembrei-o como um aviso.
— Está me xingando, Jauregui criança? Não aceito esse tipo de insulto. — Ele reclamou numa falsa bronca e meus lábios se abriram em choque com a confissão. — A bissexualidade precisa ser mais respeitada por vocês jovens. — Ele continuou a brincar e arregalei os olhos.
— Eu... Eu pensei que só a mamãe... — Não consegui terminar a frase. O aceno negativo me fez ainda mais chocada.
— Que só a sua mãe fosse bi? Com licença, você acha que eu fiquei com quem quando ela decidiu ter um dia de solteira e ficou com aquela latina? — Eu estava a ponto de gritar ao saber sobre meu pai. Não era algo ruim, obviamente não. Só era... Inesperado.
Ele nunca falou sobre isso. Apenas gostava de contar a história de quando ele e minha mãe tiveram um belo dia de "solteiros" e ficaram com pessoas diferentes. Só a minha mãe explanava a parte de ter ficado com uma bela latina baixinha. Já meu pai, se acabava rindo da história, mas nunca explanou seu lado. Não até agora.
— Meu santo pai! Por que nunca nos contou? — Perguntei depois de alguns segundos em choque. Balancei a cabeça e prestei atenção em suas feições, agora mais sérias.
— Não era preciso. Sexualidade não precisa ser assumida dessa forma, pelo menos, não para mim. A não ser que você queira fazer isso, assim como você fez, Taylor e Chris. Eu só não senti que precisava. É aquilo que você mesma diz, ninguém chega 'assumindo' a heterossexualidade. A sua mãe só decidiu contar como uma forma de acolhimento. Nós não precisamos e não temos preconceito na família Jauregui, Lauren. Se lembre disso, sempre. — Sorri com suas palavras. Aquilo era a mais pura verdade. Papai e mamãe adoravam deixar claro que nós não podíamos, nunca na vida, carregarmos preconceito.
Não me demorei em avançar em um abraço apertado no corpo grande do homem que me deu a vida e me ensinou muito. Aquele era o meu verdadeiro herói. Sem capa, sem poderes sobrenaturais ou algo do tipo. Apenas amor e conhecimento.
—
Meu corpo cansado caiu sobre a cama e rapidamente tirei os sapatos e me ajeitei no colchão fofo.
Apoiei os braços atrás da minha cabeça e encarei o teto branco. Era bom estar perto do meu próprio pai, um ponto de força. Sua energia me contagiava e eu podia sorrir o dia todo sem esforços.
Mas agora, eu apenas queria pregar meus olhos e ter bons sonhos.
Trabalhar no turno da madrugada estava me matando. De qualquer forma, nós teríamos que contratar outra recepcionista. Seria uma boa mudar meus turnos.
Não prestei atenção quando dormi.
Assim que acordei, meu corpo alinhado ao travesseiro e a coberta me trouxeram a certeza de que meu pai passou por aqui. Sorri, ainda com os olhos fechados, era uma preguiça incontrolável.
Levantei meus braços e um bocejo longo se fez presente em meus lábios.
Assim que meus pés encostaram no chão frio, um arrepio subiu por minha coluna e terminou na minha nuca. Prendi os cabelos em um rabo de cavalo firme e caminhei preguiçosamente até o banheiro do quarto.
Fui recepcionada por um completo branco e preto dos azulejos e decoração. Como um tabuleiro de xadrez, as paredes intercalavam entre as duas cores. O box transparente com uma banheira era o maior charme. Minha toalha corporal, numa coloração escura, estava estendida sobre o apoio. A toalha de mão ficava sobre um gancho, acima do mármore da pia longa, que sustentava alguns produtos de autocuidado.
Numa largura considerável, caminhei até a janela na extremidade oposta da porta e a fechei. Me encarei sobre o longo espelho.
Se eu não me conhecesse, tomaria um susto com a cara toda amassada e os cabelos desalinhados.
Ri baixinho e segurei um pequeno tubo rosa. Era hora da minha higiene matinal.
Após ficar quase uma hora dentro daquele banheiro, apenas dando um trato no meu rosto, caminhei até o box e liguei o jato d'água. Não usaria a banheira.
Saí do banheiro linda e renovada. Sorri para o nada e abri a cortina escura do quarto. Arrumei a cama e caminhei até a escada.
Dei de cara com meu pai preparando algo sobre a pia.
— Boa tarde, papai. — Beijei sua bochecha ao me aproximar.
— Boa tarde, Jauregui criança. — Me respondeu, se virando para depositar a massa da panqueca na frigideira enquanto me olhava. — Dormiu bem? Nem trocou de roupa para deitar. — Suas sobrancelhas grossas se levantaram e encarei seus olhos verdes escuros.
— Fazia um tempo que eu não me jogava assim. Foi sem querer. Mas, tive um sono muito bom, obrigada. E você? Aquela cama de hóspedes é boa? — Cutuco seu cotovelo e caminho até a grande geladeira escura.
Os compartimentos eram separados entre vãos consideravelmente grandes, coisa que me deixava feliz, eu conseguia colocar qualquer garrafa de pé e ainda sobrava um espacinho.
Me inclinei até encontrar o que eu queria, na parte inferior. Peguei um galão de cinco litros de suco de laranja. Levantei e apontei a tampa, azul escura, na direção do meu pai.
— Aqui está essa preciosidade que você não larga de mão. Não me deixa em paz uma vez, só por isso. — Impliquei ao caminhar até o armário alto, ao lado da pia, e me esticar para buscar dois copos de vidro.
— Você não me respeita mesmo, não é? Não ligo! Diga o que quiser, apenas passe esse copo para o seu velho. Se não, nem me darei o trabalho de terminar essas panquecas. — Ele ameaça com uma das sobrancelhas levantadas.
Sorrio e encho o copo com o líquido laranja, estendendo para meu pai.
— Parece até que eu te odeio.
— É recíproco, criança. — Ele brinca antes de sorver um longo gole do líquido alaranjado.
—
— Olá, boa noite. Sejam bem-vindos, senhor e senhora. — Minha voz saiu tão cordial quanto minha própria postura. Os dois rostos conhecidos me fizeram sorrir.
Dessa vez, os cabelos, loiro claro, num topete baixo, estavam alinhadamente bonitos. Uma novidade era o sorriso galanteador em seus lábios. Os dentes brilhando de tão brancos.
— Boa noite, querida. — A voz melodiosa da moça de olhos castanhos me fez desviar a atenção do homem ao seu lado. Os dedos entrelaçados e os corpos envoltos de roupas frias, mas nada pesado.
— Boa noite. — A voz grossa e marcante chegou aos meus ouvidos. Olhei para o dono dela e não larguei o sorriso em meus lábios.
Seus olhos, donos de um brilho encantador, me encararam profundamente, e eu me segurei para não deixar meu rosto corar. Era tão penetrante e vívido que assustava.
— Queremos o melhor quarto. — A moça pediu, e eu acenti com a cabeça. Com o mesmo esquema do dia anterior, pedi seus documentos e fiz a vaga do quarto presidencial.
O processo inteiro foi regado por olhares penetrantes do homem e sorrisos genuínos da mulher. Os dois eram encantadores, e meu corpo entrava numa disputa muito grande, mas eu manteria meu profissionalismo acima de qualquer coisa.
— Tenham uma ótima noite. — Desejei de maneira solícita e recebi mais um sorriso bondoso, por parte da moça, e uma piscadela cheia de intenções, por parte do homem.
Voltei para o balcão com um sorriso. Era óbvio que não era um galanteio barato, mas, sinceramente, era charmoso.
(...)
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