Capítulo 21 - Política
Enquanto um carro preto avançava pelas ruas daquela cidade, gradualmente o cenário mudou. Os canteiros bem cuidados do centro, com arbustos coloridos e palmeiras de folhagem verde azulada, deram espaço para ruas desarborizadas, mal cuidadas e menos espaçosas.
Quando um homem encapuzado com uma grande cicatriz que partia do seu lábio superior até seu olho direito encarou os vidros escuros do veículo, a jovenzinha dentro do mesmo percebeu o perigo. A atmosfera ali era bem diferente, uma atmosfera pesada.
— M-mãe, o-onde estamos indo? — Develine questionou, formulando um olhar assustado enquanto a multidão rostos perdidos e vidrados caminhava em meio ao lixo. "Não é normal uma garotinha fingir que está tudo bem nessa situação, né?", se questionou.
Pelo sim ou pelo não, ela se manifestou. Ela ainda se lembrava do baque que foi passear por uma comunidade como aquela em sua primeira vida.
Se voltando para sua filha, Ashiria emitiu um suspiro amargo. Se fosse uma situação comum, ela apenas tentaria em outras instituições e jamais faria sua pequena passar por aquilo, contudo, ela sabia o peso de um decreto imperial. Nenhuma instituição ousaria desobedecê-lo.
"Que merda você está fazendo, Hausturio?!", a maga comentou consigo mesmo ao encarar o símbolo da família imperial em um pedaço de tecido rasgado em um canto sujo qualquer.
Se tinha alguém capaz de parar o príncipe destinado, esse alguém era o próprio Imperador. Porém, no mesmo instante em que fez tal comentário, sentiu o peso.
"Eu sou muito hipócrita", amargou, suspirou, balançou sua cabeça e em seguida se voltou para sua filha na tentativa de esquecer o que acabou de pensar. — E-estamos a caminho do Beco Diametral — respondeu, levando sua mão até sua filha e acariciando seus cabelos macios, tentando mais acalmar a si mesma do que a garotinha.
Sentindo o toque carinhoso, Develine encarou mais uma vez os olhares sem esperança dos residentes daquele fosso de esquecimento.
"É em lugares assim que a legião nasce e cresce" Seu olhar ficou confuso enquanto memórias ressurgiam.
Apesar de popularmente chamada de "Legião do Mau", um apelido difamatório criado pela Santa Igreja, o nome original daquela organização era "Grupo de Libertação". Um movimento que nasceu em oposição a má distribuição de renda Imperial.
Alegando que os nobres injetavam o dinheiro dos seus impostos na Igreja em vez de criar políticas públicas de desenvolvimento que fossem mais eficazes, eles começaram a atiçar as massas.
No tempo em que Develine esteve junto a legião, foi a primeira vez que ela teve contato com ambientes negligenciados como aquele. Apesar de sua própria casa ser um inferno, cortesia do seu pai e irmãos, ela descobriu haver camadas mais profundas. Era justamente por lugares assim existirem, que a legião cresceu tanto no futuro.
Foi quando a igreja começou a retaliar com força em vez de palavras que o Grupo de Libertação se tornou a notória Legião do Mau. Após a queda dos líderes originais a organização ficou difusa, nobres menores aproveitaram a chance e fingiram apoiar o grupo apenas visando seus próprios interesses.
No fim, a população, os que mais precisavam daquele movimento, foi deixada de lado e usada como massa de manobra.
"E eu finalmente percebi que somos todos iguais diante dos grandiosos olhos da ganância", emitiu um sorriso nervoso.
Apesar de ser a sétima princesa, Develine foi usada da mesma forma que os demais.
"Para a fome de um falcão, toda presa é igual", riu baixinho da frase que constantemente o líder da legião usava para atiçar seus seguidores. "Realmente! Você de fato explorou nossas fragilidades da mesma maneira." Fechou sua mão esquerda e apertou forte enquanto se lembrava dos companheiros igualmente caídos. "Sem qualquer pudor!", ficou irritada.
Mesmo sangue, mesma carne, mesmos ossos, mesma pele, mesma nação, mesmo tudo. Todos caíram sem qualquer distinção.
— Pe-pequenina... — a voz de Ashiria interveio, seguida de um carinhoso toque em seus ombros.
— Eu estou bem, mãe — sorriu. — Só fiquei um pouco chocada, eu pensei que o vovô fosse um bom imperador...
Quando viu um ambiente como aquele pela primeira vez, foi justamente esse o pensamento que ela teve na época. O que o vovô esteve fazendo? Recordou do quanto as pessoas na capital imperial o parabenizavam e sentiu que algo estava fora do lugar.
Mais tarde ela descobriria os motivos.
"E talvez sua morte esteja relacionado a isso", pensou.
— Nem tudo aqui é culpa do seu avô — Ashiria respondeu.
— Mas o vovô é o imperador — Develine afirmou.
Ashiria riu.
"O que foi?" Ficou envergonhada diante do olhar da sua mãe, pois a mesma a encarou como se ela fosse um filhotinho fofo. "O que eu falei de errado?" Quis questionar, mas se conteve. "Eu já sou adulta, não me olhe assim!", bufou baixinho. E percebendo que dizer tal frase em voz alta soaria ainda mais infantil, ficou em silêncio.
Infelizmente Develine ainda não teve tempo para estudar tudo o que ela queria. Selecionando apenas o conteúdo que era do seu interesse imediato; artes marciais, magia e um pouco de alquimia, empurrou seus demais pontos de estudo para o futuro.
Ela até conhecia um pouco sobre a dinâmica das doze famílias, mas era apenas o básico, que resumindo, se tratava da política do herdeiro destinado. Segundo essa politica, somente um príncipe herdeiro das doze famílias podia sentar no trono. Esse foi o pacto de que Draghulio firmou mais de seiscentos anos atrás.
— Pequenina, por mais que digam que o poder imperial é absoluto, isso está muito longe de ser verdade — Ashiria acariciou sua cabeça.
Vendo sua mãe soltar um pouco a língua, Develine a encarou com interesse, esquecendo sua irritação passageira e se focando totalmente na mesma.
Com a garotinha lhe encarando com tanta expectativa, Ashiria suspirou.
— Não sei bem se você entenderá — comentou, entrando em conflito.
Volta e meia ela esquecia que aquela criança tinha apenas dez anos. Em termos de tamanho a pequena até parecia ter menos que isso, porém, seu olhar denunciava uma jovem que passou por muita coisa em sua vida. Uma que tinha, tanto sonhos, quanto arrependimentos.
— Por favor mãe, adoraria escutar — Vendo a maga hesitar, ela disparou dengosa, fazendo um combo de fofura mortal composto por beicinho e olhos de cachorrinho.
Antes de entrar para a Legião do Mau, Develine aprendeu muito pouco sobre política, pois, segundo seu pai, seu dever era ser um rostinho bonito. Quando saiu de casa e teve acesso à cartas e documentos trocados pelos nobres envolvidos com o governo, descobriu a podridão generalizada que era e seu interesse caiu para abaixo de zero.
"Sinto como se tivesse lutado por uma causa que nem sequer entendia", suspirou amargamente. "Não posso deixar isso se repetir!" Buscou confiança para continuar seguindo adiante.
Como aqueles olhinhos infantis brilhando como se fossem joias, Ashiria desistiu de resistir.
— Todas as leis e politicas públicas são definidas pela câmara dos nobres. Mesmo que o Imperador tenha poder para criá-las e vetá-las, ele sempre terá que considerar quem está sendo beneficiado e quem irá se tornar seu inimigo. — Se voltou para sua filha, e percebendo que ela se mantinha interessada, continuou: — Se o lado oposto ao imperador estiver em maior número ou forem mais influentes do que seus apoiadores, então temos um problema que pode levá-lo a ter que renunciar ao trono imperial — concluiu.
— Então é por causa disso que o vovô não pode ajudar a todos? — Develine comentou, estreitando seus olhos e ficando abismada. — Eu sempre achei que fosse exclusivamente por causa da dinâmica das doze famílias fundadoras — levou sua mãozinha até o queixo e comentou, pensativa.
— Tenha certeza de que a promessa de Draghulio têm grande influência. Ter um trono capaz de ser herdado por tantas pessoas sem praticamente nenhuma restrição fora a decisão tomada pelos próprios nobres que querem ele para si, em meu ponto de vista, é uma receita para o desastre — suspirou. — Ou pelo menos, a receita perfeita para criar um campo de intrigas e assassinatos. — Seu tom se tornou sombrio ao final.
A imagem de Darizio logo veio a mente de Ashiria, a morte repentina do mesmo ainda a abalava.
— Concordo! Que absurdo! — Develine disparou. — Deveriam desistir disso, claramente não está funcionando — concluiu.
Acordando da sua distração momentânea e recuperando um pouco do humor, Ashiria gargalhou diante das bochechas infladas da sua filha. Ainda que a pequenina estivesse nervosa, era uma cena incrivelmente fofa.
— Sendo sincera, eu concordo com você — abraçou-a com ternura. — Cuidar das pessoas é uma tarefa que não deveria ficar nas mãos de qualquer um — Develine percebeu que o olhar da sua mãe ficou amargo por alguns instantes.
Se lembrando do caminho que tomaram até Santalya, a pequena entendeu o porquê. Apesar de extenso, o território da sua mãe era composto por grandes campos vazios. Ou melhor, vazio de seres humanos, já que havia bastante natureza virgem e intocada.
"Cuidar dos outros é um ato nobre, então venham a mim, pois cuidarei de vocês", repetiu a frase em sua mente. "Foi isso que o tio... er, papai? Isso ainda é bem estranho, nem conheci ele, enfim... Foi isso o que Darizio disse em seu discurso pós-guerra contra Azenfor", a garotinha relembrou a frase que inaugurou aquela década.
Após ser uma das chaves para a vitória do Império, junto a Ashiria, claro, ambos se tornaram heróis. Enojado com o comportamento da nobreza, que se aproveitou do período turbulento para ganhar ainda mais dinheiro as custas de desvios realizados sobre o esforço de guerra, ele decidiu abdicar da posição de Príncipe Destinado e foi nomeado lorde de terras pelo Imperador.
Com o direito de escolher a região que queria, Darizio pegou uma das mais negligenciadas. Seu sonho era transformar aquele ambiente inabitado em um polo de oportunidades capaz de aceitar todos aqueles que se sentiam abandonados pelas suas terras de origem.
Contudo, o destino foi cruel. Darizio morreu misteriosamente e, abalada por isso, Ashiria desistiu de continuar os sonhos do marido.
Se voltando apara a melancolia obvia que se instaurou no rosto da sua mãe. "Talvez ela não se ache suficiente", Develine concluiu.
Em todo aquele território existia apenas umas três vilas, isso fora a vila em que os funcionários da mansão moravam. Porém, em seus últimos dias, sua nova mãe demitiu todo mundo e ficou sozinha naquela enorme casa até o fatídico dia da sua morte.
"Isso não acontecerá dessa vez, mãe" Develine prometeu enquanto devolvia o abraço que recebeu com o seu melhor aperto. "Eu já tenho até alguns planos de negócio, relaxa, sua filha é um gênio".
— Lady Ashiria, chegamos no ponto desejado — o motorista se pronunciou.
— Está pronta? — A maga ruiva se virou para Develine.
— Sim! — a pequenina respondeu confiante.
— Muito bem! — Ashiria levantou sua mão direita e uma pedra arroxeada presa a uma correntinha prateada em seu braço, uma que dava algumas voltas em torno do seu pulso, brilhou intensamente.
Assim que a luz se tornou mais forte, Develine viu suas roupas se transformarem magicamente em peças desgastadas.
— Seria ruim se fossemos reconhecidas como nobres por aqui — explicou.
Em questão de segundos suas roupas luxuosas viraram vestimentas comuns e suas feições limpas e bem cuidadas mudaram para rostos sujos e maltratados.
— Vamos? — Ashiria estendeu sua mão para Develine.
— Sim! — A pequenina agarrou-a com entusiasmo.
Tudo que Develine podia fazer, era confiar em sua mãe. "Dará tudo certo", respirou fundo na tentativa de amenizar a ansiedade que tomava conta do seu coração.
Oooooolá, gente bonita, beleza? Espero que sim, pois eu preciso lhes contar uma coisa, então, né? rs. Eu disse ontem que precisava construir um capitulo do zero, mas olha que loucura, não é esse. ksksksksks
Quando eu fui olhar meus arquivos percebi que esse estava pronto e que eu podia adiar o capítulo que precisava escrever do zero. Então, na real, talvez eu quebre a sequência apenas amanhã.
No mais, o de sempre. Se puderem curtam, compartilhem e votem. Se tiverem críticas construtivas, vou adorar ouvi-las, e se não estiverem gostando, podem falar, sou todo ouvidos.
Curiosidade: Como o nome do capítulo é politica, a imagem ilustrativa é uma assembleia acontecendo em uma Ágora, que são praças públicas da Grécia Antiga. Nesse locais os gregos podiam decidir sobre temas ligados a justiça, obras públicas, leis, cultura, etc.
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