Capítulo 25 - That July ninth
FINALMENTE consegui!
Era pra ter saído hoje de tarde? Sim! Mas eu fiquei lutando contra o desquerido do wattpad.
Toda vez que eu salvava o capítulo, pra ver como estava, ele alterava algumas coisas. Dava espaçamentos em letra por letra no meio das frases e deixava de um jeito horrivel!
Por fim, consegui vencer ele!
Não garanto sobre quando estarei de volta, ou se vou conseguir manter a mesma frequencia de postagens de janeiro, porque, agora estou bastante ocupada com outras coisas. No entanto, eu sempre volto quando posso.
Aproveitem o capitulo, não esqueçam de votar e comentar bastante!
Boa leitura, bjsss!🫶🏻
•°•○●°•○°°•○●°• ♡ °•○●°•○●°•○●°•
TAYLOR SWIFT POINT OF VIEW
Kansas City, Missouri
Eu realmente não sabia o que pensar, e, se eu fosse honesta comigo mesma, o que Kayla estava fazendo parecia beirar o absurdo. — Talvez eu estivesse sendo dura demais. Talvez o que ela queria, de fato, fosse uma chance de se aproximar de Thomas, de se mostrar como uma figura maternal.
Mas, sinceramente, eu não conseguia ver aquilo como uma tentativa genuína de dar àquele garoto o que ele precisava. Se fosse o caso, seria a maneira mais tortuosa de conseguir isso.
Se formos ser realistas, sabemos que tudo que ela quer é se dizer no poder. Declarar-se vencedora de uma batalha que nem sequer existia.
O envelope na mão de Travis parecia pesar toneladas. Não fisicamente, é claro, mas pela carga que trazia consigo. A forma como ele segurava aquele pedaço de papel, os dedos apertando as laterais com uma força contida, já dizia tudo.
Quando ele me explicou quem havia estado aqui e o que aquilo significava, senti um nó se formar no estômago. Um desconforto frio, aquela sensação de que algo que já deveria estar enterrado estava voltando à superfície.
Travis soltou o ar de maneira pesada, como se estivesse tentando se livrar de um peso que, ironicamente, só parecia ficar mais difícil de carregar. Seu olhar estava fixo em algum ponto da sala, perdido, a mandíbula travada.
— E-eu… eu não acredito. — a voz dele soou um pouco trêmula, como se dissesse as palavras em voz alta para ver se, de alguma forma, tornavam-se menos reais. — Ela não tem nenhum direito. Nenhum.
Aproximei-me devagar, sentando-me ao seu lado no sofá. O couro macio cedeu sob meu peso, mas Travis continuou imóvel, os ombros tensos, como se esperasse por um golpe a qualquer momento.
Não pensei duas vezes antes de deslizar um braço ao redor dele. Senti o calor de seu corpo, a respiração dele ainda irregular. Usei minha outra mão para acariciar seu rosto, passando os dedos suavemente pela barba rala que cobria seu maxilar.
— Querido… eu sei que isso é difícil. — disse calma. Um convite para que ele voltasse à realidade, para que lembrasse que eu estava ali. — Mas você mesmo acabou de dizer: ela não tem nenhum direito. E não vai ser um bicho de sete cabeças provar isso.
Ele não reagiu de imediato. Ainda olhava para a frente, mas senti sua respiração mudar sutilmente.
— São muitos anos ausente, Trav. — continuei, meus dedos agora descendo de leve pelo braço dele, num gesto que era para confortá-lo.
Ele sacudiu a cabeça, piscando algumas vezes, como se estivesse saindo de um transe. Depois, jogou seu corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e entrelaçando os dedos.
— Eu sei. — soltou um suspiro longo, o peito subindo e descendo devagar. — No entanto… ela não vai facilitar. — a ironia era cortante, como se ele estivesse se obrigando a aceitar uma piada amarga demais para ser engraçada.
O homem balançou a cabeça, com uma risada breve e amarga escapando de seus lábios.
— O que ela acha que vai conseguir? Uma medalha por tentar bancar a mãe depois de todo esse tempo? — questionou sarcasticamente. Havia dor na voz dele, uma dor que ia além da raiva.
Deslizei minha mão até as costas dele, subindo e descendo suavemente em um carinho instintivo.
Ele estendeu a mão, segurando o envelope já aberto, os dedos apertando as bordas do papel como se hesitasse em soltá-lo completamente.
— Ela envolveu até mesmo você.
Minhas sobrancelhas se uniram automaticamente, um reflexo do desconforto que se espalhou pelo meu peito. Estendi a mão, pegando a carta com um cuidado que não combinava com a urgência que já borbulhava dentro de mim. O papel era mais grosso do que eu esperava, levemente áspero sob meus dedos.
Ajeitei-me melhor no sofá, puxando um joelho para cima da almofada enquanto desdobrava a folha lentamente. O som do papel se desamassando preencheu o silêncio pesado entre nós.
Meu olhar percorreu as primeiras palavras, mas minha mente já estava correndo quilômetros à frente, tentando antecipar o que estava por vir.
Tribunal de Justiça do Condado de Jackson
Distrito Judicial: 16º Circuito
Processo: 2457-JR-2025
Notificação de Ação Judicial para Guarda de Menor
Em cumprimento à petição apresentada por Kayla Nicole, solicita-se a presença de Travis Michael Kelce, Taylor Alison Swift, e quaisquer outras partes relevantes para a audiência preliminar de custódia de Thomas Kelce, marcada para o dia 10 de dezembro de 2024, às 10:00AM, na sala de audiências do Tribunal de Família do Condado de Jackson, localizado no 415 E 12th St, Kansas City, MO 64106.
Objetivo
O objetivo desta audiência é avaliar a solicitação de guarda de Thomas Kelce, atualmente sob a custódia de Travis Kelce, pela mãe biológica, Kayla Nicole. A audiência abordará o pedido de modificação da guarda, conforme estipulado pela petição anexada, e será considerada pelo juiz Samuel E. Larson, responsável pelo caso.
Aviso Importante
A presença de todas as partes é obrigatória. Caso uma das partes falte à audiência sem justificativa adequada, a decisão poderá ser tomada à revelia. A parte que desejar apresentar testemunhas ou documentos deve notificá-los à corte até o dia 3 de dezembro de 2024.
Possibilidade de Modificação da Guarda
O tribunal avaliará todos os fatores pertinentes à guarda do menor, incluindo o ambiente em que ele está inserido, a capacidade de cada parte de fornecer cuidados adequados e as necessidades emocionais e físicas do menor. A situação será analisada com base no melhor interesse de Thomas Kelce.
Informações Adicionais
Caso o senhor Kelce ou a Sra. Swift (ou qualquer outra parte envolvida) tenha alguma dúvida ou precise de assistência, por favor, entre em contato com o escritório de advocacia Williams & Harris, que está representando a parte de Kayla Nicole.
Este aviso serve para informar formalmente o senhor Kelce e a Sra. Swift sobre o processo judicial e a audiência designada. A não observância das instruções contidas neste documento poderá resultar em medidas adicionais.
Atenciosamente,
Steven Parker
Oficial de Justiça
Condado de Jackson, Missouri
Assinado, em 3 de novembro de 2024
— Sinto muito por estar causando problemas que não deveriam condizer à sua pessoa. — pediu em um murmúrio, seu corpo exalando tensão.
Fechei os olhos por um breve instante, tentando encontrar as palavras certas para conter aquela culpa desnecessária. Respirei fundo antes de falar, jogar a carta sobre a mesinha de centro, como se aquele papel pudesse deixar de existir se eu não o enxergasse mais.
— Travis, para. — exigi firme. Estendi a mão para tocar seu braço, sentindo a tensão sob a pele. — Não é como se eu não estivesse envolvida na vida do Tom. Ele é nosso filho.
Aquela última frase saiu com um peso diferente.
Nosso filho.
Não no sentido biológico, mas no sentido real, no sentido que importava.
Ele virou a cabeça para mim, o olhar cansado, perdido.
— E, bom… — suspirei, deslizando a mão para suas costas, fazendo pequenos círculos para acalmá-lo. — Kayla deve me ver como algum tipo de ameaça.
— Mas com que objetivo ela envolve você? — se endireitou, os olhos brilhando com um misto de indignação e confusão. — Nunca viu Thomas chamá-la de mãe. Nunca teve qualquer contato real com você. Por que, exatamente, ela te vê como ameaça?
Senti um nó no estômago. Engoli em seco, desviando o olhar para o chão por um breve momento antes de voltar a encará-lo.
— Porque estou com você. — me forcei a manter o contato visual, mesmo sentindo meu coração acelerar com o que estava prestes a admitir: — Talvez porque, de certa forma… ela ainda queira você. E não o Tom.
— Que bobagem. — o desprezo na voz dele foi instantâneo, mas eu vi a forma como sua mandíbula se enrijeceu,
— Bobagem? — me recostei no sofá, cruzando os braços. — Você tem certeza?
— Taylor… — o ex-atleta soltou um suspiro mais longo agora, passando os dedos pelos cabelos, e jogando-se para trás no sofá. — Isso não pode ser sobre mim. Não faz sentido.
Ergui uma sobrancelha, esperando que ele mesmo percebesse a ingenuidade naquilo.
— Travis. — cruzei as pernas e o encarei com paciência. — Uma mulher que abandona o próprio filho por anos, sem um pingo de interesse nele, de repente reaparece e decide entrar numa batalha judicial… você realmente acha que tudo isso é só pelo Tom?
Ele não respondeu de imediato. Só passou a língua pelos lábios, desviando o olhar para o envelope sobre a mesa.
Eu sabia que, no fundo, ele entendia o que eu queria dizer. E talvez fosse isso que o incomodava mais.
— Você sabe que não é. — prossegui, esperando que ele me olhasse. — Está mais do que nítido que o que essa mulher realmente quer… é você.
Ele piscou algumas vezes, respirando fundo, antes de finalmente virar o rosto para mim. O cansaço e a tristeza estavam estampados em seus olhos, aquela expressão de alguém que está tentando se manter firme, mas cujo peso da situação já está começando a desgastar.
— Tay… eu… eu sinto muito. — disse, em um sussurro. Ele se mexeu novamente, levando o corpo para a frente, pondo a cabeça entre as mãos como se estivesse em uma espéciede tortura mental. — De verdade. Nós… nós deveríamos estar felizes agora. Você está grávida. E eu estou feliz, eu juro. Mas… — soltou um suspiro longo, balançando a cabeça. — É difícil demonstrar isso quando minha mente está dominada pelo que pode acontecer nessa audiência.
Meu coração apertou ao vê-lo daquele jeito. Ele se tornara meu porto seguro, o homem que segurava as pontas mesmo nos piores momentos, mas ali, naquele instante, era como se estivesse à deriva.
Sem hesitar, deslizei para mais perto e puxei-o para mim, guiando sua cabeça até meu ombro. Ele cedeu, fechando os olhos enquanto eu passava os dedos devagar pela sua barba, sentindo a textura áspera sob minha pele.
— Ei… está tudo bem. — murmurei, mantendo os movimentos suaves, tentando transmitir conforto.
Senti seu corpo relaxar minimamente contra o meu, como se, por um breve segundo, aquele gesto fosse o suficiente para aliviar um pouco do peso que carregava.
— Eu sei que você está feliz com a gravidez. — continuei, mantendo minha voz calma. — E você não precisa me provar isso. — garanti, sorrindo ao lembrar-me da forma como ele comemorou quando viu o teste. — Mas você tem todo o direito de se sentir frustrado e com medo. Isso não é algo pequeno. Eu entendo, Trav.
Deixei um beijo suave entre seus cabelos, e apoiei meu queixo sobre sua cabeça, sentindo o cheiro familiar de seu shampoo.
— Mas você também precisa saber que eu jamais deixaria qualquer coisa acontecer. — acrescentei, agora com mais firmeza. — Vamos contratar os melhores advogados. Não precisa se preocupar.
Ele permaneceu em silêncio, mas seu braço finalmente envolveu minha cintura, puxando-me um pouco mais para perto.
— As chances dela conseguir a guarda do Tom são quase nulas. — completei, minha voz soando convicta. — Se é que já não são totalmente nulas.
— Eu queria ter essa sua certeza. — Travis soltou um riso curto, sem humor, e balançou a cabeça contra meu ombro.
— Então se apoie na minha.
O homem suspirou de novo, mas dessa vez, sua mão encontrou a minha sobre sua perna, entrelaçando nossos dedos.
Ouvi-o soltar um resmungo baixo, algo entre um suspiro de alívio e um desabafo contido. Talvez fosse o peso da situação finalmente encontrando um pequeno ponto de descanso. Talvez fosse o fato de saber que, apesar de tudo, ele não estava sozinho.
Travis virou levemente o rosto e pressionou um beijo suave contra o meu ombro. Seus lábios permaneceram ali por um segundo a mais, como se absorvessem a segurança que eu tentava transmitir. Então, se afastou devagar, endireitando a postura no sofá, e me encarou.
— Nós temos muitas coisas para resolver. — passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os de forma distraída. O olhar perdido, mas a mente claramente acelerada.
Eu apenas o observei, sem interromper, dando-lhe espaço para organizar os próprios pensamentos.
— Quero dizer… — respirou fundo antes de continuar. — Precisamos contar ao Tom sobre quem Kayla realmente é. Ele tem que saber antes que a situação estoure e ele descubra da pior forma.
Eu assenti, embora a simples ideia me deixasse inquieta.
Como se explica para uma criança que sua mãe biológica, que nunca demonstrou interesse real nele, agora quer reivindicá-lo?
Travis continuou, sua voz adquirindo um tom mais preocupado:
— Também precisamos garantir que nada sobre essa audiência vaze para a mídia. Isso pode acabar virando um circo, e eu não quero que você se sinta desconfortável com isso.
Meu estômago revirou só de imaginar os tabloides explorando cada detalhe, distorcendo as informações, transformando nossa vida em uma manchete sensacionalista.
— E ainda tem o advogado. — ele esfregou o rosto com as mãos. — Precisamos de alguém realmente bom.
— Nós vamos encontrar. — afirmei, pousando minha mão sobre a sua, tentando dissipar um pouco da tensão.
— E tem a gravidez... — sua voz abaixou um pouco, como se esse fosse o ponto mais delicado. — Precisamos contar a ele sobre a gravidez.
Fiquei em silêncio por um momento. Não porque não quisesse falar sobre isso, mas porque sabia que, para mim, essa era uma preocupação real, e, Travis sabia disso.
A última coisa que quero é fazer com que nosso filho se sinta excluído ou deixado de lado. — Eu não sei qual vai ser a reação de Thomas nessa situação, mas, temo que ele não compreenda totalmente a ideia de ter que dividir a mamãe que acabara de ganhar, com um bebê.
— E nós vamos contar. Do jeito certo. No momento certo. — apertei sua mão.
Os olhos dele suavizaram por um instante, mas logo se perderam em algum ponto distante da sala. Como se a lista de preocupações só aumentasse.
Suspirei e deslizei minha mão até seu rosto, fazendo-o encarar-me novamente.
— Ei. — sorri de leve. — Um passo de cada vez, tá bom?
Ele inspirou o ar, fechando os olhos por um segundo antes de solta-lo, assentindo devagar.
— Tá bom. Um passo de cada vez.
— E não se preocupe comigo. — pedi, minha voz soando mais calma do que eu realmente me sentia.
Ele franziu o cenho, os olhos atentos a cada mínima mudança na minha expressão. Eu sabia que Travis me conhecia bem o suficiente para perceber que algo estava se formando na minha mente.
Mordi o lábio por um instante.
— Acho que tem uma coisa que eu já adiei por tempo demais.
Dessa vez, ele arqueou uma sobrancelha, claramente curioso.
Passei a mão pelos cabelos, tentando organizar meus pensamentos antes de continuar.
— Eu não vou encontrar uma PR melhor que a Tree. — confissei, quase resignada, como se eu estivesse finalmente aceitando algo que já deveria ter sido óbvio para mim há muito tempo. — Eu sei que pode parecer muito oportuno que eu tenha esse pensamento agora… — apertei os dedos contra o tecido macio da calça que eu vestia. — Mas a verdade é que já faz tempo que penso nisso.
Ele ficou em silêncio, apenas me observando.
— Eu devo desculpas a ela. — continuei, deixando escapar um riso curto e sem humor. — Tree sempre foi a profissional mais eficaz que já encontrei. E, se tem alguém que pode proteger nossa imagem no meio de tudo isso, é ela.
Travis tombou a cabeça para o lado, um pequeno sorriso se formando no canto dos lábios.
— Então, quer dizer que a rainha das relações públicas vai voltar ao trono?
Revirei os olhos com a brincadeira dele.
— Eu não sei se ela vai querer me perdoar tão facilmente.
— Bom… você sempre teve um jeito com palavras. Tenho certeza de que vai conseguir convencê-la.
Soltei um suspiro, já imaginando a conversa que teria que ter com Tree. Mas, no fundo, sabia que era a coisa certa a fazer. E se havia um momento certo para isso, definitivamente era agora.
Assenti lentamente, absorvendo o peso da decisão. Trazer Tree de volta significava mais do que apenas gerenciar a crise na mídia. Era um passo para consertar algo que eu deveria ter feito há muito tempo.
— Isso é ótimo. — ele ofereceu um sorriso breve, mas genuíno, os ombros relaxando um pouco. — Se quiser, posso te ajudar a conversar com ela. Principalmente sobre a gravidez.
Meu olhar encontrou o dele, e por um instante, senti uma leveza naquele momento. Ainda havia muito a resolver, mas pelo menos não estávamos enfrentando tudo isso sozinhos.
— Acho que ela corre para o Kansas na hora. — brinquei.
Ele soltou uma risada curta, o semblante um pouco mais tranquilo do que antes.
— Provavelmente já está com um plano de gerenciamento de crise pronto, mesmo sem saber que vai precisar.
— Só... precisamos ser ágeis.
Travis assentiu, já adotando a expressão séria de volta.
— Vou entrar em contato com Adam Reynolds. Ele é um dos melhores advogados de direito familiar que conheço. Ele já lidou com casos muito mais complicados do que esse e sabe exatamente como manter tudo fora da mídia.
— Eu posso falar com Eleanor Carter. — acrescentei, lembrando da advogada que, anos atrás, havia me ajudado com contratos e acordos delicados. — Ela é brilhante e tem uma abordagem impecável quando se trata de estratégias legais.
— Ótimo. — Travis passou a mão pelo queixo, pensativo.
— Vamos chamar Tree assim que possível. Ela vai saber como lidar com essa situação, caso... vaze. — comentei vagamente. — Ou, caso Kayla faça vazar propositalmente.
Nos entreolhamos, uma espécie de entendimento silencioso se formando entre nós.
Eu sabia que precisava manter a calma. Pelo menos na frente de Travis. Ele já estava carregando o suficiente — não precisava lidar com o meu próprio turbilhão de emoções além do peso que já recaía sobre ele.
Mas, no fundo, eu sentia o medo crescendo, silencioso e sufocante.
Isso não era sobre mim. Nunca foi. — Era sobre ele. O homem que amo, o pai que, apesar de tudo, dedicou cada parte de si a criar e proteger o filho. Um pai que agora se agarrava à possibilidade de perder Thomas para uma mulher que o deixou para trás por sete anos. Sete anos de ausência, de silêncio, de total negligência emocional.
E agora, como se o tempo não tivesse passado, ela simplesmente decidia voltar?
A injustiça disso queimava dentro de mim.
Eu queria gritar, queria perguntar a essa mulher que direito ela achava que tinha. Mas isso não mudaria nada. Não era assim que enfrentaríamos isso.
Travis precisava de apoio, não de mais caos.
Respirei fundo, ajeitando-me no sofá. Minhas mãos estavam inquietas, e o leve tremor nelas denunciava o quanto tudo aquilo também me afetava. Porque, sim, eu estava com tanto medo quanto ele.
Eu amo aquele garoto.
O pensamento veio com força, firme e inegável. Tom pode não ser meu filho biológico, mas, nos últimos meses, ele se tornou parte de mim de uma forma que nem eu mesma sei explicar.
Não quero, de maneira alguma, perder Thomas.
E, mais do que isso, não quero ver as duas pessoas que são o meu mundo inteiro sofrendo.
Nunca pensei que, o garotinho que me pediu para amarrar seu cadarço durante um evento beneficente, pudesse conquistar um espaço tão grandioso e genuino em meu coração.
E não pensei que um dia o veria como meu filho.
Mas agora, a simples ideia de que ele pudesse ser arrancado de Travis e de mim fazia um nó se formar na minha garganta.
A paternidade de Travis nunca foi posta em dúvida para mim. Desde o primeiro momento, ficou claro o quanto ele amava Thomas, o quanto ele daria a vida por aquele menino. Ele foi pai e mãe ao mesmo tempo, esteve presente em cada pequeno detalhe do crescimento do filho, construindo uma relação baseada em amor, proteção e confiança.
E agora, de repente, tínhamos que lidar com a ameaça real de Kayla tentando reivindicar um papel que nunca lhe pertenceu.
Senti meu estômago revirar.
Travis ainda parecia distante, a cabeça jogada para trás no sofá, os olhos fixos no teto, como se sua mente estivesse presa a um turbilhão de pensamentos. A tensão era visível na forma como ele mantinha a mandíbula cerrada e os ombros rígidos.
Estendi o braço, deslizando os dedos por seu cabelo, tentando ajeitar os fios bagunçados.
— Amor. — chamei baixinho, tentando trazê-lo de volta para mim. — No que está pensando agora?
Ele piscou algumas vezes, como se estivesse retornando à realidade. Encheu os pulmões de ar e o soltou em um longo suspiro, carregado de preocupação.
— Em você. Tenho que cuidar de você. — a resposta veio rápida, um pouco ansiosa.
Franzi o cenho, sem entender direito.
— O que quer dizer?
Travis passou as mãos pelo rosto, claramente lutando contra a enxurrada de preocupações que não conseguia expressar.
— Ainda vamos à consulta que marquei pra você. — explicou, ajeitando-se no sofá e segurando minha mão. — Acabamos de descobrir a gravidez e… e eu só quero ter certeza de que está tudo bem. Que você está bem.
Minha respiração vacilou, e um engasgo escapou involuntariamente. Uma tosse suave rompeu o silêncio, mas o que realmente me desarmou foi o arrepio que subiu por toda a extensão do meu corpo. Era como se meu cérebro tivesse ignorado qualquer outra parte da conversa e focado apenas naquela frase específica.
Ter certeza de que está tudo bem.
Meu estômago revirou. Um leve torpor tomou conta dos meus sentidos, e, instintivamente, levei a mão até a cabeça, tentando me concentrar, como se o simples toque pudesse dissipar a tontura repentina.
— Você está bem? — Travis perguntou, a preocupação evidente em cada sílaba.
Tentei focar nele, piscando algumas vezes para clarear a visão. Respirei fundo, mas o ar parecia entrar e sair de forma irregular, como se meu próprio corpo estivesse lutando contra mim.
Neguei com a cabeça, sentindo uma onda de enjoo subir rapidamente.
O efeito foi imediato. Ele entrou em estado de alerta, seu corpo reagindo antes mesmo que sua mente processasse totalmente a situação. Travis se levantou do sofá num movimento ágil, os pés descalços ecoando contra o chão de madeira enquanto se apressava para a cozinha.
Ouvi o som da geladeira sendo aberta, o barulho do plastico da garrafa sendo amassado contra sua mão, quando ele a pegou. Em poucos segundos, Travis estava de volta, ajoelhando-se ao meu lado com uma garrafinha de água em uma mão e um copo na outra.
— Aqui. — abriu a tampa da garrafa e despejou um pouco de água no copo antes de me entregar. Seus olhos analisavam cada detalhe do meu rosto, atentos a qualquer sinal de piora.
Segurei o copo com as mãos ligeiramente trêmulas, sentindo o frescor do vidro contra minha pele.
— Bebe devagar. — instruiu, sua voz suave, mas firme.
Assenti e tomei um pequeno gole, sentindo a água fria descer pela garganta.
Travis não tirava os olhos de mim. Seu maxilar estava travado, os músculos tensos com a preocupação evidente.
Respirei fundo, tentando controlar a onda de ansiedade que ameaçava tomar conta de mim.
O copo de água ainda estava frio em minhas mãos, a umidade do vidro condensado escorrendo lentamente pelos meus dedos. Tomei mais um gole, sentindo o líquido deslizar pela garganta, refrescante, mas incapaz de aliviar o peso no meu peito.
— Você... — fiz uma pausa, fechando os olhos por um instante antes de encará-lo novamente. — Você acha que pode ter algo errado? Com a gravidez?
Minha pergunta pareceu congelá-lo por um momento.
Os olhos de Travis analisaram meu rosto com intensidade, como se buscasse decifrar cada mínima expressão minha. Seus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra saiu de imediato.
Entreguei-lhe o copo, ainda pela metade. Ele o pegou, sem hesitar, pousando-o sobre a mesinha de centro antes de virar-se completamente para mim.
— Ei, olha pra mim. — pediu, sentando-se ao meu lado no sofá. — Não tem nada de errado. —senti seus braços me puxando firmemente contra seu peito.
A respiração dele estava um pouco acelerada, e seu coração martelava forte contra meu rosto. Ele deslizou a mão por minhas costas, num gesto que misturava conforto e urgência, como se quisesse que eu sentisse, fisicamente, que ele estava ali comigo.
— Eu não quis dizer isso. — explicou, deixando varios beijos em meus cabelos. Ele se afastou apenas o suficiente para olhar nos meus olhos, seus dedos subindo até minha nuca, acariciando a pele ali de forma tranquilizadora. — Eu só acho que é necessário termos acompanhamento médico, só isso. É bom termos certeza de que tudo está perfeitamente bem. Não acha?
Minha garganta secou instantaneamente. A ansiedade me atingiu como uma onda inesperada, um frio na espinha que me fez estremecer levemente. Meu olhar se perdeu por um momento, fixando-se em um ponto qualquer da sala, enquanto minha mente corria para um lugar que eu evitava visitar.
Peter.
O silêncio entre nós se estendeu por alguns segundos, mas Travis percebeu.
— Amor... — segurou meu rosto com ambas as mãos, forçando-me a encará-lo. Seu polegar acariciou minha bochecha de leve, como se tentasse dissipar o turbilhão de emoções que se acumulava dentro de mim. — Eu sei no que você está pensando.
Fechei os olhos por um breve momento, tentando impedir que aquela memória me engolisse inteira.
— E eu entendo. — continuou, a voz baixa. — Mas essa é uma situação diferente. Você não está sozinha. Estamos juntos nisso, e vamos fazer tudo da forma certa, com os melhores médicos, com todo o acompanhamento necessário.
Engoli em seco, sentindo meu peito apertar.
— E se… — minha voz falhou, e eu nem precisei terminar a frase.
Travis balançou a cabeça imediatamente.
— Não vamos pensar assim. — sua mão deslizou para segurar minha cintura, seu polegar traçando círculos lentos sobre minha pele. — Vamos focar no que podemos fazer agora. Vamos à consulta, vamos cuidar de você e do bebê.
Ele me encarou com uma seriedade, ao passo que deixou um sorriso escapar diante daquela palavra, e, por um instante, pareceu sentir a necessidade de repeti-la.
— Nosso bebê. — disse quase bobo. — Vamos cuidar de você, e do nosso bebê. Lembra? — perguntou franzindo a testa. — Um passo de cada vez, tá?
Repetiu a frase que eu havia lhe dito minutos atrás.
Olhando para seus olhos determinados, sua expressão tão cheia de amor e proteção, senti um pequeno alívio se espalhar por mim. — Embora o medo aínda estivesse ali. Aguardando os piores momentos para ressurgir.
Assenti.
Ele segurou meu rosto novamente entre as mãos, os polegares acariciando minha pele com suavidade, deixando um selinho demorado em meus lábios.
— Confia em mim?
Olhei em seus olhos, profundamente verdes azulados, e vi neles a promessa silenciosa de que, não importa o que acontecesse, ele estaria ali.
— Confio. — respondi, a voz ainda trêmula.
— Ei. — ele chamou, como se precisasse reforçar o que já tinha dito antes. — Eu vou estar com você em todas as consultas. — pausou por um instante, como se quisesse que eu absorvesse cada palavra. — Não vou perder nenhuma sequer.
A seriedade em sua expressão me fez engolir em seco. Não era apenas uma promessa solta no ar. Era um compromisso. Um pacto silencioso que ele estava firmando comigo naquele momento.
Observei seus dedos deslizarem lentamente sobre a minha mão, entrelaçando-se aos meus de forma cuidadosa, como se aquele gesto fosse um lembrete físico de que ele realmente estaria lá. Sempre.
— Eu sei.
Ele apertou minha mão de leve, os olhos ainda fixos nos meus, analisando cada mínima reação minha.
— E se eu precisar largar qualquer outra coisa para isso, eu largo. — continuou, seu tom firme, decidido. — Trabalho, compromissos... nada é mais importante do que você e esse bebê.
Um nó se formou na minha garganta. Eu não esperava menos dele, mas ouvir isso em voz alta, sentir o peso das palavras sendo sustentado por cada pequena ação dele, fez meu coração acelerar de um jeito estranho.
Ele realmente estava ali. Totalmente presente.
[ ●●● ]
Há algo de inexplicável nos pequenos momentos. A forma como o tempo parece desacelerar, como se o universo me desse a chance de absorver tudo ao meu redor com mais clareza.
Era estranho pensar em como minha vida havia mudado desde julho. Tanta coisa aconteceu tão rápido, e, mesmo que uma ponta de medo ainda se alojasse em algum canto do meu peito, eu não trocaria nada disso por um instante sequer.
Thomas e Travis são tudo para mim.
Eles são o meu mundo. Meus dois amores. E agora, havia um terceiro. — Aínda que a situação parecesse surreal demais para acreditar. Ou, aínda que o medo estivesse presente. Sabe? Aquela proteção do meu cérebro de não querer alimentar expectativas que podem se frustrar.
No entanto, Travis demonstrara sua felicidade diante da noticia. Mesmo que ela não tenha sido entregue sob as melhores circunstâncias, e mesmo que tenha antecipado uma noticia ruim.
Mas a verdade crua, que eu mal conseguia admitir para mim mesma, era que o medo estava me consumindo.
Medo de que Kayla conseguisse exatamente o que queria. Medo de que o fato de Thomas me chamar de "mamãe" fosse visto como uma interferência, um obstáculo para que Travis mantivesse a guarda dele.
Mas, acima de tudo, medo de perder meu pequeno carrapatinho.
Minha mente trabalhava incansavelmente em cenários hipotéticos, todos eles se desenrolando como um filme de terror que eu não conseguia pausar.
Ainda não fazíamos ideia de como Thomas reagiria ao descobrir que Kayla era sua mãe biológica.
Eu me agarrava ao fato de que, na primeira vez que a viu, ele não demonstrou simpatia alguma.
Mas e se agora fosse diferente?
E se, ao ouvir que ela é sua mãe, algo dentro dele mudasse?
E se a curiosidade se transformasse em um laço que eu não poderia impedir?
Eu sabia que Travis também pensava nisso. Ele não falara abertamente, mas era nítido que ele também estava com medo de que, qualquer resposta de Thomas, fosse suficiente para que Kayla ficasse com a sua guarda.
Nenhum de nós queria encarar essa possibilidade, mas fingir que ela não existia não tornava nada menos real.
E o pior de tudo?
Não importava o quanto eu amasse Thomas, o quanto eu estivesse presente, o quanto eu fosse sua família... Biologicamente, eu não era nada para ele.
E foi nesse exato momento que percebi: eu havia caído naquilo que Travis me pediu, lá no início, para não cair.
Quando Thomas me chamou de "mamãe" pela primeira vez, ele me alertou, com todo o carinho e paciência do mundo, que eu não deveria me apegar a esse título como se fosse algo garantido.
Que eu não deveria ficar chateada se, um dia, Tom descobrisse quem Kayla realmente era, e... escolhesse perdoá-la.
Na teoria, eu tinha concordado. Na prática, era impossível.
É claro que eu ficaria chateada. — Como não ficaria? Mesmo que eu compreenda que Thomas tem um coração imenso, algo dentro de mim, instintivo e inegociável, simplesmente não confiava em Kayla.
Talvez fosse o fato de que ela desapareceu sem olhar para trás.
Ou o modo calculado como voltou agora, sete anos depois, querendo reivindicar um papel que nunca desempenhou.
Ou, quem sabe, fosse apenas um alerta silencioso dentro de mim — uma recusa ferrenha em compartilhar o amor daquela criança com alguém que não o merece.
Eu queria ser justa. Eu queria ser racional. Porém, no fundo, tudo o que eu queria mesmo, era... manter meu pequeno comigo.
— Você está passando mal de novo? — a voz infantil atravessou meus pensamentos, a inocência dela interrompendo a espiral de preocupações que eu nem percebia mais estar presa.
Desviei o olhar do nada e foquei nele, sentado na cama, ainda enrolado na toalha azul do Superman, os pezinhos balançando levemente sobre o colchão. O cheiro do sabonete infantil ainda pairava no ar, e seus cabelos, molhados e bagunçados, pingavam algumas goticulas d’água pelo rosto.
— O quê? — pisquei algumas vezes, tentando processar a pergunta.
Ele apertou o tecido contra o corpo, tentando se proteger do frio que fazia no quarto, se aninhando sob a toalha, como se quisesse se esconder dentro dela, mas não tirou os olhos de mim, com uma expressão que só ele sabia fazer: um olhar de análise, quase como se fosse um mini-Travis em sua versão mirim, com a testa franzida e a boca ligeiramente torcida.
Tom me estudava da mesma forma que o pai fazia, como se precisasse entender o porquê de eu estar assim, perdida em meus próprios pensamentos.
— Você tá esquisita. — respondeu me analisando com aquela intensidade absurda para alguém tão pequeno. — Perguntei se você está bem. — repetiu, dessa vez devagar, como se reformulasse a própria pergunta para garantir que eu entendesse. — Está doente?
Eu parei por um instante, absorvendo suas palavras, antes de seguir até o guarda-roupa.
Um suspiro escapou dos meus lábios, e eu tentei dissipar o peso dos pensamentos que estavam me afogando segundos atrás.
— Não é nada, amor. — respondi, abrindo uma das gavetas. Comecei a revirar as pequenas pilhas de roupas íntimas, em busca de algo confortável para ele vestir. — Só tô com sono.
— Hmm… — Tom não pareceu convencido.
— Tá com frio?
Ele assentiu, esfregando os braços.
Peguei um conjunto de pijama e fechei a gaveta, virarando-me para ele.
— Por que você acha que eu estou doente? — questionei curiosa.
Tom pareceu ponderar a pergunta por um momento. Seu olhar me seguiu pelo quarto, atento, como se estivesse reunindo evidências para sustentar sua teoria.
— Porque faz dias que você passa mal. — disse, como se fosse a coisa mais obvia do mundo.
Engoli em seco, surpresa por com sua observação.
— Você tá com dor no estômago? — continuou, antes de acrescentar, como se a lembrança surgisse naquele momento: — Igual naquele dia que a gente se conheceu?
Parei em frente a ele, sentindo um sorriso escapar antes que eu pudesse conter. Ele realmente tinha feito essa conexão.
Eu já deveria ter imaginado. Para Thomas, qualquer mal-estar estava automaticamente ligado ao estômago. Era um raciocínio simples, mas lógico dentro do mundo dele.
Da primeira vez que nos vimos, ele assumiu que meu enjoo fosse um problema estomacal. Agora, depois de testemunhar minhas idas frequentes ao banheiro, parecia ter chegado à mesma conclusão.
— Ah, Tom... — murmurei, balançando a cabeça levemente. — Não é bem isso.
Ele franziu o nariz de um jeito adorável, claramente ainda desconfiado.
— Tem certeza? — perguntou, estreitando os olhos como se tentasse ler minha mente.
Eu ri baixinho, enquanto pegava a camiseta do pijama e começava a ajudá-lo a passar os braços pelas mangas. Ele levantou um pouco os braços, colaborando de maneira distraída, ainda me observando como se tentasse decifrar o mistério.
— Você quer que eu peça pro papai preparar aquele chá que a vovó Donna faz pra mim? — sugeriu com aquela pureza infantil que sempre conseguia desarmar qualquer resistência minha.
Meus lábios se entreabriram em surpresa com a oferta.
Era tão típico dele. Tão genuíno.
A maneira como Thomas demonstrava cuidado era única — sempre oferecendo soluções práticas e diretas para os problemas, mesmo quando não os compreendia completamente.
Engoli o nó na garganta antes de responder, sentindo o peito aquecer de carinho.
Mordi o lábio por um segundo, escolhendo as palavras com cuidado. Ainda não fazíamos ideia de quando contaríamos a Thomas sobre a gravidez.
Nosso foco, pelo menos por enquanto, era outro.
Hoje, o que realmente importava era falar sobre Kayla.
Eu ficara encarregada de supervisioná-lo durante o banho e garantir que ele não se distraísse demais na banheira. Não porque precisasse de ajuda — longe disso. Travis e eu sempre fizemos questão de incentivá-lo a cuidar da própria higiene, e Thomas já demonstrava um nível admirável de independência para a idade.
Mas, conhecendo seu jeito avoado, a supervisão era necessária. Bastava um descuido, uma brincadeira mais empolgada, e ele poderia escorregar ou acabar se machucando de alguma forma.
Enquanto isso, Travis estava no escritório, tentando entrar em contato com o advogado.
O assunto da gravidez seria abordado mais tarde, em um momento mais leve, sem o peso da conversa que precisaríamos ter agora.
— Não, querido. — neguei, pegando a calça do pijama e a roupa intima dobrada, colocando-as sobre a cama, exatamente do jeito que ele deveria vesti-las. Isso ajudava a evitar o pequeno desastre que acontecera algumas vezes, com ele se confundindo e vestindo as calças ao contrário.
Ele me observou por um momento, claramente ponderando se deveria insistir.
— Eu não estou doente. E você não precisa se preocupar com isso. — reforcei, apenas para dar a ele a certeza.
Virei-me de costas, dando-lhe privacidade.
Ouvi o colchão ranger quando ele se movimentou, pulando para fora da cama de um jeito pouco gracioso.
— Ugh... — resmungou baixinho, tentando se equilibrar.
Ele sempre fazia isso: em vez de simplesmente descer normalmente, preferia o desafio de se impulsionar para fora da cama de um único salto, e depois, a hora de se vestir resultava em uma dança desajeitada enquanto tentava enfiar as pernas na cueca sem cair para trás.
Fingi que não vi.
Já aprendi que, se oferecesse ajuda, ele recusaria por puro orgulho infantil.
E, depois de alguns segundos de luta silenciosa, ouvi um suspiro satisfeito quando conseguiu finalmente vestir ambas as peças sem incidentes.
Virei-me para ele, encontrando-o sentado na beirada da cama, com uma perna jogada para cada lado.
— Mas eu me pre... pro... — ele começou a falar, franzindo a testa enquanto buscava a palavra certa. — Essa palavra aí que você disse.
A expressao em seu rosto me arrancou um riso involuntario.
— Preocupo. — corrigi rindo baixo.
— Isso. Eu me procupo com você! — disse, com convicção, como se tivesse acabado de desvendar um grande mistério.
— Eu sei, meu amor. — suspirei, enquanto observava aquele rostinho tão pequeno, mas já carregado de tanta ternura.
Porque ele realmente se preocupava. E não era aquela preocupação infantil, passageira, que desaparece no segundo seguinte quando algo mais divertido surge. Não. Thomas levava isso a sério. Mesmo sendo tão novo, ele já carregava um instinto protetor, algo que provavelmente herdara de Travis.
— Papai disse que, quando a gente ama alguém, a gente se importa com tudo que acontece com ela. — comentou, como se estivesse repassando uma lição preciosa, os dedinhos agora brincando distraidamente com a bainha da manga do pijama. — E eu amo você. Então eu me importo com tudo que acontece com você.
Por um instante, foi como se o tempo tivesse parado.
A inocência na sua voz, a simplicidade com que ele expressou aquilo... algo dentro de mim desmoronou.
Meus olhos arderam, as lágrimas ameaçando transbordar antes mesmo que eu pudesse contê-las. A gravidez estava, sem dúvida, me deixando ainda mais emotiva — mas, para ser sincera, eu sabia que reagiria da mesma forma mesmo sem os hormônios.
Engoli em seco, tentando me recompor.
— Oh, Tom... — sussurrei, ajoelhando-me ao lado de sua cama, para que ficássemos na mesma altura.
— Você está chorando? — perguntou, estreitando os olhos em uma mistura de preocupação e confusão.
— Talvez um pouquinho. — ri fraco, fungando discretamente.
— Foi alguma coisa que eu disse? — ele quis saber, franzindo a testa.
— Sim. — admiti, pegando sua mãozinha, e beijando-a. — Mas não de um jeito ruim, eu prometo.
Ele me estudou por um segundo, como se estivesse processando aquilo. Piscou algumas vezes, a curiosidade brilhando em seus olhos claros, sem ter a menor noção do impacto que suas palavras acabavam de causar.
Não era só a frase em si, mas a forma como ele disse — sem hesitação, sem esperar nada em troca. Apenas a verdade simples e crua de um coração que amava de forma genuína.
Respirei fundo, o ar entrando pesado nos meus pulmões, e inclinei a cabeça levemente para o lado, como se meu próprio corpo se rendesse ao que ele acabara de dizer. E, no fundo, era exatamente isso. Eu estava entregue.
Totalmente, inevitavelmente, entregue àquele garotinho de sete anos que, com sua inocência desarmante e sua sinceridade brutalmente pura, me desmontava peça por peça.
Ele não fazia ideia do quanto aquele amor significava para mim. Do quanto sua presença já tinha mudado tudo.
Senti minha garganta apertar, e precisei de um segundo para conseguir responder sem que minha voz falhasse.
— Você é um menininho incrível, sabia?
— Por quê? — questionou, fazendo uma careta como se eu tivesse acabado de dizer um absurdo.
— Porque você tem um coração lindo. — sorri, limpando discretamente o canto dos olhos antes que qualquer lágrima caísse. — E eu sou muito sortuda por ter você na minha vida.
Thomas pareceu pensar um pouco sobre aquilo.
— Mas eu não fiz nada demais... — respondeu coçando a nuca de leve, como se estivesse ponderando uma informação complexa.
Soltei um riso baixo, balançando a cabeça.
— Você nem imagina o quanto já fez.
Ele me olhou por mais alguns segundos antes de encolher os ombros de leve, como se aceitasse a resposta sem precisar entendê-la por completo, e então sacudiu-os, paredendo contente consigo mesmo.
— Você vai cantar hoje? — perguntou, arregalando os olhos e juntando as mãos debaixo do queixo, claramente tentando me manipular com o olhar mais pidão que conseguia fazer. Era quase cômico, de tão dramático.
— Você quer que eu cante? — provoquei, cruzando os braços e estreitando os olhos para ele.
— Sim! — exclamou, jogando os braços para o alto como se aquilo fosse uma vitória. — Invisible String!
Eu ri, balançando a cabeça. Esse menino sabia exatamente como conseguir o que queria.
— Tá bom, eu canto. — pisquei para ele, como se estivesse contando um segredo. — Mas agora... Vamos esperar um pouquinho pelo papai, tá bom? Nós queremos conversar com você antes de você ir dormir.
Assim que as palavras saíram da minha boca, seu semblante mudou. Ele semicerrou os olhos, a boquinha se entreabrindo levemente, a desconfiança estampada no rosto.
— Falar o quê? — perguntou devagar, puxando o cobertor para cima, como se quisesse se preparar para qualquer notícia que estivesse por vir.
Antes que eu pudesse responder, ele arregalou os olhos, como se um pensamento terrível tivesse acabado de passar por sua cabeça.
— Eu juro que não fiz nada! — declarou de imediato, erguendo as mãos, como se estivesse prestes a ser julgado por um crime que nem sabia se tinha cometido.
Segurei o riso, mas foi difícil.
— Meu amor... — coloquei as mãos na cintura, olhando para ele com um meio sorriso. — Se ninguém falou que você fez alguma coisa, por que já tá se defendendo?
— Hã... Refe... refexo... — ele coçou a nuca. — Aquela coisa. Que tem no espelho.
— Reflexo?
— Isso! Eu agi por reflexo! — cruzou os braços, estufando o peito como se tivesse dado o melhor argumento de todos.
Dessa vez, não consegui segurar o riso.
— Você anda aprontando por aí, Thomas Michael Kelce?
— Não! — balançou a cabeça com tanta pressa que os fios molhados chicotearam sua testa.
— Vou acreditar em você... — apontei para ele com um olhar brincalhão. — Por enquanto.
Ele soltou um suspiro dramático, jogando o corpo para trás na cama, as mãozinhas cobrindo o rosto por um segundo.
Sentei na beira da cama, afastando o cobertor para poder ajeitar melhor sua camiseta.
— Nós só... precisamos conversar com você. Mas não se preocupe com isso agora, tá? — tentei soar mais positiva.
O menino ainda me olhava com certa desconfiança, os lábios franzidos em uma linha pensativa. Era tão engraçado como, mesmo sendo tão pequeno, ele já conseguia demonstrar tão bem suas emoções.
Para evitar que aquele clima estranho se prolongasse, fiz um rápido escaneamento pelo quarto, procurando alguma distração.
— Hum... — deixei meu olhar passear pelos móveis. — Enquanto esperamos o papai, posso ler uma história pra você... ou podemos jogar dominó. O que acha?
Thomas inclinou a cabeça, ponderando. Seus olhos foram automaticamente para um canto do quarto, onde uma pilha de brinquedos, livros e revistas estava meio bagunçada.
— História. — decidiu, apontando para uma revistinha da Marvel que estava largada em cima do baú de brinquedos.
— História, então. — concordei, me levantando para pegar a revista.
Enquanto caminhava até o baú, ele se ajeitou na cama, puxando o cobertor até a metade do corpo e batendo de leve no colchão ao seu lado, me chamando para sentar.
— Quero a do Homem-Aranha, daquela vez que ele briga com o Doutor Estranho.
— Nossa, essa história é boa mesmo. — comentei, folheando rapidamente a revista enquanto voltava para a cama.
— Eu sei!
Sorri ao vê-lo tão empolgado. Tom realmente adorava essas histórias, e, por um momento, foi como se toda a conversa séria que viria depois tivesse sido completamente esquecida.
Sentei ao seu lado, encostando as costas na cabeceira da cama enquanto ele se aconchegava mais perto, apoiando a cabeça no meu braço.
— Tudo bem, pequeno fã de quadrinhos... Vamos ver o que o nosso amigo Peter Parker aprontou dessa vez.
Ele riu baixinho, já totalmente imerso na expectativa da história.
Aos poucos, ele se aconchegou ainda mais contra mim, deslizando para mais perto até que sua cabeça repousasse sobre meu peito. Seu bracinho pequeno rodeou minha cintura, e seu corpo, ainda quente do banho, relaxou completamente ao meu lado.
Automaticamente, ajustei minha posição para que ele ficasse mais confortável, puxando o cobertor até cobrir seus braços, e permitindo que seu peso suave se moldasse ao meu.
Foi nesse momento, enquanto sentia sua respiração tranquila contra mim, que tudo pareceu se encaixar. Ele sabia.
Talvez não conscientemente, talvez não em palavras, mas, de alguma forma, Thomas havia sentido que algo estava diferente.
O pedido insistente para dormir com Travis e comigo nos últimos dias, a forma como não saía do meu colo sempre que tinha oportunidade, a necessidade quase instintiva de estar grudado comigo a todo momento... Ele sentiu que havia algo diferente. E esse algo, ou melhor, esse alguém, estava crescendo dentro de mim.
Passei os dedos suavemente por sua orelhinha, num carinho automático que eu já sabia que ele adorava. A cada poucos segundos, deslizava a ponta dos dedos pelo contorno delicado, sentindo a pele macia e ouvindo seu suspiro satisfeito.
Minha voz, antes firme, agora saía em um tom mais baixo e ritmado enquanto eu lia a história para ele. A verdade era que eu mesma já não prestava muita atenção nas palavras. Meus pensamentos estavam distantes, vagando entre o momento presente e a imensidão de tudo que estava por vir.
De vez em quando, espiava discretamente para conferir se ele ainda estava acordado. Seus olhos piscavam devagar, pesados pelo sono, mas ele ainda parecia atento, absorvendo cada palavra, cada gesto, cada segundo daquele instante.
A porta se abriu devagar, sem fazer barulho, e Travis entrou no quarto. Ele deslizou o celular para dentro do bolso da calça e soltou um suspiro pesado, como se estivesse descarregando o peso da última conversa que tivera. No entanto, assim que seus olhos pousaram sobre nós dois —Thomas aninhado contra mim, o cobertor puxado até seus braços, a revistinha em minhas mãos —vi seus ombros relaxarem quase que instantaneamente, como se tivesse se rendido diante da cena.
— Ele dormiu? — perguntou, enquanto se aproximava.
— Dormiu, meu pequeno? — fechei a revistinha e a coloquei sobre o criado-mudo ao lado da cama.
Thomas, negou com um balançar de cabeça preguiçoso, os olhos ainda semicerrados, sonolentos, mas determinados a se manterem abertos.
Com um suspiro exagerado, ergueu-se devagar e se sentou na cama, cruzando as pernas no formato de borboleta. O pijama levemente amarrotado, o cabelo ainda um pouco úmido do banho e os olhinhos atentos, cheios de curiosidade.
Travis sentou-se na ponta da cama com aquele cuidado característico que sempre tinha quando precisava dizer algo importante. Eu conhecia esse jeito dele. O modo como esfregava as palmas das mãos nas coxas antes de entrelaçá-las, a forma como puxava o ar lentamente pelo nariz antes de falar.
Engoli em seco, sabendo exatamente o que ia acontecer agora.
— Hã... Campeão, nós precisamos conversar. — Travis inspirou fundo e, com um movimento natural, dobrou uma perna sobre a cama, ficando de frente para Thomas.
O menino, ainda meio sonolento, olhou de relance para nós dois. Seus olhinhos se estreitaram, analisando a situação, e então, do nada, um sorriso largo tomou conta de seu rosto. Ele se balançou animado na cama, os olhos brilhando de expectativa, antes de soltar, quase em um grito:
— Vocês vão casar?!
Não pude conter um riso abafado, enquanto Travis soltava uma risadinha baixa. Ele levou a mão ao braço de Thomas, em um gesto carinhoso, mas que também tinha a intenção de fazê-lo parar de pular tanto.
— Querido, ainda não. — respondeu, lançando-me um olhar divertido antes de piscar um olho para mim.
Thomas fez um “oh” decepcionado, deixando os ombros murchar.
— Então é sobre o quê?
— É sobre outra coisa. Um pouquinho mais séria.
A animação nos olhos de Thomas se dissolveu em segundos. Ele franziu o cenho, mordiscando o lábio inferior.
— Vocês vão brigar comigo. — concluiu, cruzando os braços, já assumindo uma postura defensiva. O bico que ele fez foi tão genuíno que meu coração apertou. — Mas eu não fiz nada. — completou, jogando um olhar desconfiado para nós dois, como se tentasse se antecipar ao que estava por vir.
— Não vamos brigar com você, bebê. — garanti, balançando a cabeça devagar.
Pousei a mão sobre sua perna pequena e quente, tentando tranquilizá-lo antes mesmo que ele precisasse se preocupar com o que viria a seguir. Travis me lançou um olhar rápido,
O ex-atleta pigarreou, como se estivesse se preparando para o que viria a seguir, ou talvez tentando ganhar tempo. Ele passou a mão pela nuca, um gesto que eu já conhecia bem.
— Uhum... — limpou a garganta e cruzou as mãos, os polegares girando nervosamente um sobre o outro. — Então... Hoje, enquanto você estava na escola, um titio esteve aqui.
— O tio Jason? — perguntou, esperançoso, o bico desaparecendo por um instante.
Travis sorriu pequeno, mas logo negou com um leve movimento de cabeça.
— Não, Campeão. Não foi o tio Jason. — mexeu distraidamente na aliança de prata em seu dedo. — Foi outro titio. Um que você não conhece.
O semblante de Thomas voltou a se fechar, sua expressão oscilando entre curiosidade e desconfiança. Ele puxou o cobertor para perto, segurando o tecido entre os dedos pequenos.
— Que titio? — perguntou, franzindo o nariz, como fazia quando algo não lhe agradava completamente.
— Bem... — gesticulou com as mãos, tentando encontrar as palavras certas.
— Lembra daquela moça que falou comigo no dia que você jogou futebol? A Kayla?
O menino assentiu devagar, mas sua expressão permaneceu fechada. Claramente lembrava, e pelo jeito que seu bico voltou, não era uma lembrança das mais agradáveis.
— Lembro. — disse, curto e direto, os olhinhos verdes semicerrados, analisando o pai com um olhar atento.
Houve um silêncio momentâneo, pesado. Troquei um olhar rápido com Travis, que ainda hesitava, e então passei a mão suavemente pelo braço de Thomas, tentando aliviar um pouco da tensão no ar.
— Então, meu amor... o titio que veio aqui hoje, trouxe algo sobre essa moça. — expliquei, tentando ajudar meu namorado. — A gente quer conversar com você sobre isso, mas quero que saiba que você está seguro, tá bom?
O menino piscou algumas vezes, processando minhas palavras, antes de voltar sua atenção para Travis.
— Tá. — disse, de formw simples, mas sua postura dizia que ele já estava tentando entender o que estava por trás de tudo isso.
— E você lembra que o papai já te contou que namorou com ela? — Kelce questionou, franzindo a testa, aguardando a resposta dela.
— Sim. — respondeu, e então pendeu a cabeça para o lado, pensativo. — Você não era muito bom nas escolhas, né? — perguntou sem qualquer filtro, com toda inocência infantil.
Travis arregalou os olhos por um segundo, e eu precisei morder o lábio para conter um riso surpreso. Mas meu lado adulto rapidamente tomou conta da situação.
— Thomas! — chamei sua atenção, lançando-lhe um olhar de advertência.
Ele me olhou de relance, já encolhendo os ombros como se soubesse que não deveria ter dito aquilo em voz alta.
— O quê? Eu só falei a verdade! — murmurou, apertando o cobertor contra o peito.
— Não importa, querido. — continuei, com a voz firme, mas sem dureza. — A gente não fala desse jeito sobre as pessoas, mesmo que a gente não goste delas. Isso pode machucar.
O pequeno fez uma careta, claramente não convencido, mas baixou um pouco a cabeça.
— Tá bom... — resmungou, arrastando as palavras, mas não sem antes colocar a língua para fora rapidamente, numa provocação discreta.
Eu suspirei, lançando um olhar com Travis, que sacudiu a cabeça, segurando um sorrisinho cansado.
— Não é exatamente esse o ponto da conversa, Campeão. — o homem retomou, voltando à questão principal. — O que eu queria dizer é que, por causa desse tempo que eu e a Kayla passamos juntos... aconteceu algo. Algo que envolve você.
— Como assim?
Pude sentir meu coração acelerar, porque sabia que estávamos prestes a cruzar a linha definitiva dessa conversa.
Thomas descruzou os braços com um movimento abrupto, os olhinhos inquietos indo de mim para Travis, como se estivesse tentando arrancar a resposta no olhar do pai antes mesmo que ele dissesse qualquer coisa.
— O que tem ela? — perguntou, a impaciência nítida em sua voz.
— Campeão... — ajustou a postura, como se isso ajudasse a escolher bem como prosseguir. — A Kayla e eu... nós namoramos por um tempo. E desse namoro, nós tivemos um... um fruto.
Thomas piscou algumas vezes, franzindo as sobrancelhas.
— Vocês ganharam uma fruta? — questionou fazendo uma careta, a janelinha entre seus dentes aparecendo de forma graciosa, e a confusão estampada no rosto.
Travis fechou os olhos por um segundo e soltou um riso baixo e cansado, balançando a cabeça.
Me inclinei um pouco para ele, tentando suavizar a explicação.
— O que seu papai quer dizer, meu amor, é que, desse namoro, eles tiveram um... um bebêzinho.
Assim que as palavras deixaram minha boca, engoli em seco e me recostei levemente para trás, como se tivesse passado a Travis a responsabilidade de continuar.
Thomas permaneceu imóvel por alguns segundos, os olhos passando lentamente de mim para o pai, como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeça.
Então, sua expressão mudou.
O brilho inocente deu lugar a um olhar vazio e sombrio, como se o peso da informação tivesse caído sobre ele de uma vez só. Sua boquinha se entreabriu, mas nenhuma palavra saiu. Ele havia entendido. Ou quase isso.
Travis respirou fundo, ajeitando-se na cama, como se tentasse encontrar a posição certa para dizer algo que, na verdade, nunca teria uma maneira fácil de ser dito. Seu sorriso vacilou por um instante, traindo o nervosismo que ele tentava disfarçar.
— E esse bebezinho... — a voz tremeu levemente, e, ele umedeceu os lábios e forçou um sorriso, olhando para Thomas. — F-foi a melhor coisa que já aconteceu comigo, Campeão. —tentou soar seguro, mas a hesitação em sua voz era nítida. — Ele é meu melhor amigo.
O quarto ficou em silêncio por um instante. Tom, que até então mantinha o olhar fixo no pai, abaixou lentamente a cabeça, as mãozinhas se fechando sobre o tecido do próprio pijama.
— Sou eu. — murmurou, quase para si mesmo, como se estivesse apenas verbalizando o óbvio.
Senti um aperto no peito e, instintivamente, estendi a mão, apoiando-a suavemente em suas costas. Seu pequeno corpo estava tenso, como se estivesse segurando algo dentro de si que não sabia como expressar.
— É você. — Travis assentiu. — E... eu sinto muito por não ter contado antes. — disse com a voz embargada, mas ele rapidamente clareou a garganta. — A Kayla... — pausou, apertando os olhos por um breve segundo antes de continuar. — Kayla é sua mãe.
As palavras pairaram no ar como um peso invisível.
Thomas permaneceu imóvel, mas eu senti seu corpo encolher sob minha mão.
Travis limpou a garganta de novo, e foi então que soltou a última parte:
— Hoje... esse titio que veio aqui... ele trouxe a notícia de que ela quer... — encarou as próprias mãos, antes de finalmente completar: — Ela quer me ajudar a cuidar de você.
O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor.
Thomas continuava imóvel, os olhinhos arregalados fixos no pai, como se tentasse formular todas as perguntas que deviam estar rondando sua mente. O peso da conversa era grande demais para um garotinho de sete anos.
— Nós vamos... discutir. — Travis continuou. — Sobre a sua guarda.
— o homem respirou fundo, quase incapaz de admtir que não conseguiria impedir isso. — Ela pediu, e... o papai não consegue ir contra esse tipo de pedido. — gesticulou com as mãos, tentando simplificar a situação. — Serão só algumas... reuniões. — explicou de uma forma que ficasse facil para Tom entender. — Mas tudo vai ser decidido com base no que você quiser, Campeão. Ela só... quer ser uma mãe pra você.
O pequeno abaixou a cabeça, e foi nesse instante que vi a primeira lágrima pingar sobre a colcha. Ele mexeu nervosamente nas próprias mãos, fungando baixinho.
— Mas... mas... — balbuciou, a voz frágil e trêmula. — ergueu o rosto, os olhos marejados encontrando os meus, cheios de uma mistura de medo e indignação infantil. — Mas ela é chata. Ela é má. — declarou com convicção, a voz embargada. — Eu não quero que ela seja minha mamãe. Eu queria você fosse! — apontou para mim.
Antes que eu pudesse reagir, ele se lançou contra mim, os bracinhos finos envolvendo minha cintura com força, como se estivesse tentando me segurar ali, como se tivesse medo de que, ao descobrir que era filho de Kayla, eu simplesmente fosse desaparecer da vida dele.
Minhas mãos pairaram por um segundo no ar, sem saber o que fazer, mas, no instante seguinte, instintivamente, envolvi seu corpinho trêmulo em um abraço.
— Oh, meu amor... — afaguei seus cabelos.
Thomas soluçou, apertando-se ainda mais contra mim, como se estivesse tentando se fundir ali, buscando o máximo de conforto que pudesse encontrar.
— Campeão... — Kelce tentou, mantendo a voz o mais gentil possível. — Você não precisa ter medo. Nada vai mudar entre a gente.
Mas Thomas ignorou completamente as palavras do pai e manteve-se agarrado a mim, o rostinho escondido contra meu corpo.
— Meu bem, olha pra mim. — pedi baixinho, passando os dedos em seus cabelos macios, afastando-os de sua testa.
Ele hesitou, fungou e, aos poucos, levantou o rostinho molhado de lágrimas, os olhinhos brilhantes de tristeza e incerteza.
— Eu nunca vou sair do seu lado. — garanti, olhando diretamente para ele. — Você é meu menino. Nada vai mudar isso, tá bom?
Thomas fungou de novo e assentiu fracamente, mas não afrouxou o abraço.
— Eu ainda posso ser sua mamãe. Se você quiser. — sugeri, embora quisesse ter soado mais como uma afirmação.
Seus olhinhos passaram rapidamente de mim para Travis, procurando por alguma confirmação, alguma garantia de que aquilo era real, de que ele não estava prestes a perder tudo o que conhecia.
Meu peito apertou ainda mais. E eu sabia que as lágrimas que ameaçavam transbordar em meus olhos não tinham nada a ver com os hormônios da gravidez. Eram algo muito maior, muito mais profundo.
— Eu não quero ela. — Thomas sussurrou referindo-se a Kayla, balançando a cabeça com veemência. Ele fungou, apertando os bracinhos contra meu corpo, em um gesto nervoso. — Eu vou ter que ficar longe de vocês?
— Não! — Travie soou firme, quase urgente. Ele se inclinou, os olhos verdes já brilhando com lágrimas contidas, as mãos pousando nos ombros pequenos do filho. — Claro que não, filho. Eu nunca. Jamais. Permitiria isso.
Thomas mordeu o lábio inferior, tentando segurar outro soluço, mas falhando miseravelmente.
— Você é o meu menino, Campeão. — sua voz tremeu levemente, e ele apertou os ombros do pequeno com carinho. — Ninguém, absolutamente ninguém, pode mudar isso.
O garotinho soltou um suspiro trêmulo, como se todo o medo e insegurança estivessem sendo empurrados para fora de seu corpinho frágil.
Segurei o rostinho delicado de Thomas entre minhas mãos, forçando-o a me encarar. Seus olhos marejados encontraram os meus, e eu pude ver a tempestade de sentimentos passando por eles— confusão, medo, tristeza.
— E eu? — perguntei quase em um sussurro. — Você acha que eu iria para algum lugar sem você?
Ele franziu o cenho, balançando a cabeça de leve, ainda parecendo inseguro, mas começando a se acalmar.
— Então, pronto. — sorri suavemente, e inclinei-me para depositar um beijo terno em sua testa. — Nós somos uma família, meu amor. Isso nunca vai mudar.
O menino ficou em silencio, como se tentasse absorver minhas palavras, mas então, algo pareceu se acender em sua cabecinha. Ele apertou os lábios em uma linha fina antes de erguer o olhar acusador para mim.
— Mas você foi pra Nova York. — disse, com uma espécie de ressentimento infantil. — Sem mim. Sem o papai.
Meu coração deu um salto.
— E eu senti saudades. —completou, cruzando os bracinhos sobre o peito, um biquinho se formando em sua boca trêmula.
Suspirei, sentindo uma pontada de culpa me atravessar.
— Eu sei, meu amor. — falei, minha voz embargada. Ajeitei-me na cama, ajudando-o a sentar-se também. — E eu senti muito a sua falta também. Mais do que você imagina.
Thomas desviou o olhar, parecendo considerar minhas palavras, mas sem ceder completamente.
— Então por que você foi? — ele não perguntou de maneira birrenta, não foi um capricho infantil. Ele realmente queria entender.
Respirei fundo, pensando em como explicar da maneira mais sincera possível.
— Foi por questão de trabalho, meu amor. Eu sei que é dificil, mas minha vida ficou em Nova York, e, as vezes eu preciso ir pra lá. — comecei, escolhendo as palavras com cuidado. — Eu nunca quis te deixar, meu amor. Mas eu precisava ir. Foi só por um tempinho.
Tom continuou me estudando por alguns segundos, então fungou baixinho, passando as costas da mão pelo nariz molhado.
— Não gostei.
— Eu sei. — sorri tristemente, passando os dedos pelos fios macios de seu cabelo.
— Vai ter que ir de novo?
— Eu prometo que, da proxima vez que eu precisar, vamos todos juntos. — pisquei um olho para ele, na tentativa de acalma-lo.
O garoto limpando o nariz com a manga do pijama enquanto olhava para o pai com os olhinhos úmidos.
— Não quero morar com a Kayla. — sua voz saiu trêmula, como se temesse que dizer isso em voz alta pudesse de alguma forma tornar real o oposto. Ele olhou para Travis, suplicante. — Vocês prometem que não vão deixar?
Travis não hesitou. Estendeu os braços e, no mesmo instante, Thomas se lançou neles, aninhando-se contra o peito do pai como se aquele fosse o único lugar seguro no mundo. Ele se ajeitou no colo de Travis de uma forma que ainda pudesse me ver, como se precisasse da confirmação constante de que eu não iria a lugar nenhum.
Meu namorado passou a mão grande pelas bochechas do filho, enxugando as lágrimas com o polegar. Ele também fungou discretamente, tentando conter a emoção que transbordava em seus olhos.
— Nós prometemos. — garantiu, segurando o rostinho do pequeno com firmeza e carinho, para que ele o olhasse nos olhos.
Thomas piscou algumas vezes, seus cílios molhados tremulando contra a pele.
— Mas, campeão, se você não quer que ela... — o ex-jogador respirou fundo antes de continuar. — Que ela assuma o papel de mãe pra você, precisa dizer isso para os titios. Quando eles perguntarem, você precisa ser sincero, tá bom?
— E se eles não acreditarem em mim?
Suspirei e me aproximei, deslizando a mão por seu rostinho molhado.
— Eles vão acreditar. Porque você é o principal nessa decisão, amor. Eles precisam ouvir o que você quer.
Travis concordou a cabeça.
— Mas, se em algum momento você achar que pode dar uma chance à Kayla... — Kelce acrescentou, mais calmo, mesmo que aquele fosse um pensamento difícil para ele. — Nós não vamos ficar bravos com você. Nem eu, nem a mamãe.
Quando ele disse aquilo, apontando para mim ao se referir a "mamãe", senti um nó na garganta.
Thomas olhou para mim, como se quisesse confirmar se aquilo era mesmo verdade.
Forcei um sorriso, assentindo.
— De verdade. — assegurei.
Meu coração deu um salto pequeno e inesperado. Travis estava falando por si só. E mesmo que ele estivesse sendo sensato, isso era uma mentira.
Claro, eu não ficaria brava com Thomas — nunca faria isso. Mas eu ficaria profundamente chateada. Porque, no fundo, eu sabia que não acreditava que Kayla merecesse uma chance de entrar na vida desse garotinho.
Mesmo que eu não pudesse alimentar isso nele, eu já sabia exatamente como iria me sentir.
Ele abaixou o olhar, mordendo o lábio inferior em dúvida, e então se encolheu ainda mais contra o peito do pai.
— Mas eu não quero. — reafirmou.
[ ●●● ]
O lembrete de que eu estava grávida veio de maneira abrupta naquela madrugada.
A fome me atingiu como um alerta tardio, um sinal claro de que meu corpo estava exigindo mais do que eu havia oferecido. Eu vinha sentindo isso nos últimos dias, mas, até então, ignorava — uma escolha que não era exatamente consciente, mas motivada pelo cansaço, pela preguiça de sair do conforto dos lençóis no meio da noite. Sempre me convenci de que poderia esperar até a manhã seguinte.
Dessa vez, porém, não houve espaço para protelação. Uma hora depois de finalmente conseguir acalmar minha mente — e, principalmente, garantir a Travis que nada nos separaria de Thomas —, a fome voltou com força, insistente e inegociável.
Tentei ignorá-la, afundando um pouco mais o rosto no travesseiro, ajustando meu corpo ao calor reconfortante da cama. O quarto estava escuro, silencioso, exceto pelo som ritmado da respiração de Travis ao meu lado. A tranquilidade dele era um contraste gritante com a inquietação do meu estômago, que, depois de alguns minutos, começou a protestar de maneira audível.
Suspirei, vencida.
Movi-me devagar, tomando o cuidado de não acordá-lo. A última coisa que eu queria era que ele despertasse no meio da madrugada por minha causa. Travis já estava sobrecarregado, e depois de toda a conversa difícil com Thomas naquela noite, ele finalmente parecia ter encontrado algum descanso.
O movimento sutil do meu corpo ao tentar sair da cama fez com que ele se mexesse, soltando um som baixo e preguiçoso, típico de alguém mergulhado em um sono profundo. Antes que eu pudesse reagir, seu braço deslizou automaticamente sobre minha barriga, puxando-me para mais perto, como se eu fosse um travesseiro ou, melhor ainda, um ursinho de dormir.
E, sinceramente, não seria exagero pensar assim.
Travis era grande — grande de um jeito que me fazia sentir pequena, mesmo sendo uma mulher alta. Mesmo quando eu usava salto, ainda precisava quase ficar na ponta dos pés para alcançá-lo completamente em um beijo. Então, ali, enredada por seu abraço sonolento, não era surpresa que ele me segurasse como se eu fosse parte do colchão, um peso confortável que ele não queria perder.
Sua cabeça descansou no meu peito, e por um momento, apenas fiquei ali, sentindo o ritmo tranquilo da sua respiração contra minha pele.
Mas minha fome não ia simplesmente desaparecer só porque meu namorado me tratava como um cobertor humano.
Com cuidado, tentei mover o braço dele, levantando-o alguns centímetros antes de perceber que ele simplesmente usava o próprio peso contra mim.
Tentei deslizar para fora da cama, mas foi um erro de cálculo. O movimento fez com que ele resmungasse algo ininteligível e apertasse o abraço, grudando-se ainda mais a mim, como se meu simples afastamento fosse um alerta de perigo.
Soltei um suspiro, rolando os olhos.
Ele apertou os lábios, fez um som abafado e, em vez de me soltar, deu um beijo preguiçoso em meu ombro antes de voltar a afundar a cabeça contra meu peito.
— Cinco minutos... — murmurou, de forma inconciente, como se estivesse sonhando.
— Amor… — sussurrei, hesitante, sem saber se realmente queria incomodá-lo ou se deveria simplesmente me conformar e tentar dormir de novo.
Mas então, como se meu corpo quisesse decidir isso por mim, meu estômago roncou outra vez.
Fechei os olhos, soltando um suspiro longo. Ok. Eu definitivamente queria incomodá-lo.
— Babe… — tentei de novo, e, ao mesmo tempo, movi minha mão para o braço pesado que ainda estava jogado sobre minha barriga, tentando levantá-lo devagar.
Nenhuma reação.
Travis nem sequer fez menção de me soltar, como se, inconscientemente, seu corpo estivesse programado para me manter ali, presa contra ele.
— Trav! — chamei, dessa vez mais alto, minha voz cortando o silêncio confortável do quarto.
O homem se remexeu, soltando um ruído preguiçoso e gutural, antes de finalmente erguer a cabeça — mas sem abrir os olhos. Seu rosto estava amassado pelo travesseiro, o cabelo desgrenhado e a barba desalinhada, o que o fazia parecer ainda mais adorável. Ele piscou lentamente, como se tentasse processar o que estava acontecendo sem realmente se permitir despertar.
— Hm? — foi tudo o que conseguiu murmurar.
— Preciso que me solte. — respondi, tentando conter o riso diante da expressão sonolenta e um tanto teimosa de Travis.
Ele apenas apertou os olhos com força, como se recusasse a aceitar a minha solicitação. Soltou um som indistinto, algo entre um gemido e um suspiro, e simplesmente afundou o rosto no meu pescoço, esfregando o nariz contra minha pele de um jeito que só piorava minha vontade de rir.
— Você tá aí me tratando como se eu fosse seu ursinho de dormir. — brinquei, balançando a cabeça enquanto deslizava os dedos pelo cabelo bagunçado dele.
Travis resfolegou contra minha pele, a voz arrastada pela preguiça do sono.
— Mas eu gosto de te abraçar enquanto durmo… — protestou, meio rouco. — Você é meu ursinho.
Revirei os olhos, mas não consegui conter uma risada baixa.
— Ok, mas seu ursinho precisa ir fazer um lanche. — expliquei, tentando me mover, mas ele apenas reforçou o aperto ao meu redor. Tentei empurrá-lo levemente, mas foi como tentar deslocar uma pedra gigante. — Anda! Depois eu volto e você me abraça o quanto quiser.
Travis soltou um ruído manhoso, como se aquilo fosse um grande sacrifício.
— Mas tá tão gostoso… — resmungou, arrastando os lábios macios contra minha clavícula antes de beijar meu seio, por cima da jersey branca que eu vestia, acopanhada de uma calça fina.
— Eu realmente estou com fome. — enfatizei, deslizando os dedos preguiçosamente pelos cabelos de Travis, sentindo a textura macia sob minha palma. — Não me culpe, tem um serzinho na minha barriga exigindo comida.
Ele deixou mais um beijo. Fechei os olhos por um segundo, sentindo o calor do seu toque e quase cedendo. Mas então, meu estômago resolveu intervir, roncando alto mais uma vez.
Travis riu contra minha pele, finalmente afastando-se o suficiente para erguer a cabeça e me encarar.
— Tá bom, tá bom… — resmungou, afrouxando o abraço, mas não sem antes roçar os lábios contra os meus em um selinho preguiçoso.
Ele soltou um resmungo abafado, girando na cama, afim de me soltar. O movimento desajeitado fez com que sua cabeça escorregasse levemente para fora do travesseiro, e ele apenas aceitou a nova posição sem muito esforço.
— Não demora... — pediu, com a voz carregada de sono e rouquidão.
Mesmo na penumbra do quarto, consegui ver o pequeno vulto de sua mão se erguendo, o indicador apontado para o teto como se quisesse adicionar ênfase ao pedido.
— Eu amo vocês.
Parei por um segundo, o coração tropeçando no peito.
— Vocês? — repeti, arqueando uma sobrancelha, embora soubesse que ele não poderia ver nada naquela escuridão.
Um pequeno sorriso preguiçoso se formou nos lábios de Travis.
— Você e o bebê. — respondeu, sem hesitação.
Eu soube naquele instante que poderia passar uma vida inteira ouvindo-o dizer isso e ainda assim meu coração reagiria da mesma forma.
— Vai lá. — ele acrescentou, sua voz ficando cada vez mais arrastada. — Toma cuidado com as escadas.
— Eu sei descer escadas, tá legal? — retruquei, forçando uma indignação que, no fundo, não passava de pura encenação.
Estendi a mão tateando o criado-mudo ao lado da cama, pegando o celular para iluminar minimamente o quarto. A claridade fraca revelou o par de pantufas largadas ao pé da cama, e eu as calcei com um suspiro antes de começar a procurar pelo roupão.
Travis soltou um resmungo carregado de ironia, enterrando ainda mais o rosto no edredom.
— Aham. — murmurou, arrastado. — Cuidado.
Revirei os olhos, mas o pequeno sorriso que escapou dos meus lábios me traiu.
Depois de encontrar o roupão jogado sobre uma poltrona, vesti-o com um movimento preguiçoso, ajustando-o ao redor do corpo antes de seguir para a porta.
Com passos leves, percorri o corredor escuro, as meias pantufas abafando qualquer ruído contra o assoalho de madeira. Ao chegar ao topo da escada, a lanterna do celular projetou sombras alongadas pelos degraus, criando um contraste quase cinematográfico com a escuridão ao redor.
Segurei firme no corrimão — não porque Travis tinha razão, mas só por precaução, claro — e comecei a descer com calma.
Assim que alcancei a cozinha, estendi a mão para o interruptor e acendi a luz, piscando algumas vezes para me acostumar com a claridade repentina. O ambiente estava silencioso, exceto pelo leve zumbido da geladeira ao fundo e pelo som distante do vento lá fora.
Fui direto até a despensa, pegando um pacote de pão de forma e um pote de manteiga. Meu estômago roncou em protesto, impaciente, enquanto eu separava duas fatias e as colocava na torradeira. Aproveitei o tempo de espera para encher uma leiteira com leite e levar ao fogão, preparando um chocolate quente para acompanhar.
Tentei ser o mais silenciosa possível, ciente de que qualquer barulho poderia incomodar meu namorado, e, eu não queria isso.
Cruzei os braços, batendo levemente o pé no chão enquanto esperava tudo ficar pronto. A fome estava me deixando inquieta. — Acho que o bebê não gosta muito de esperar.
Assim que a torradeira saltou as fatias com um clique, estendi a mão rapidamente para pegá-las, soltando um pequeno "ai!" quando a ponta dos dedos encostou no pão ainda quente. Resmunguei baixo, sacudindo a mão antes de transferir as torradas para um pratinho e espalhar a manteiga, observando-a derreter devagar na superfície crocante.
Em seguida, desliguei o fogo e segurei a leiteira com cuidado, inclinando-a para despejar o chocolate quente na minha xícara.
No instante em que me virei, com a xícara em mãos, meus músculos congelaram por reflexo. Algo na minha visão periférica captou um movimento sutil, vindo debaixo da mesa.
Uma mãozinha pequena e pálida surgiu sorrateiramente, avançando com precisão estratégica até meu prato. Antes que eu pudesse reagir, os dedinhos ágeis agarraram uma das torradas e, num piscar de olhos, a levaram para o esconderijo sob a mesa.
Fiquei paralisada por um segundo, processando o que acabara de acontecer. Então, o som inconfundível da primeira mordida preencheu o silêncio da cozinha — o leve estalo da casquinha crocante quebrando sob os dentinhos apressados, seguido do mastigar satisfeito de alguém que claramente não se arrependia do crime recém-cometido.
Ergui uma sobrancelha e dei um passo à frente, me inclinando para observar o prato.
Uma única torrada solitária restava ali, enquanto a outra já estava sendo devorada, fora do meu campo de visão.
Suspirei, levando a xícara à boca para um gole do chocolate quente, sentindo o líquido deslizar pela garganta enquanto ponderava meu próximo movimento.
— Ah, olha só! — levei uma mão à cintura, assumindo um tom de falsa indignação. — Acho que estou ficando louca. Eu podia jurar que tinha feito duas torradas para mim.
O silêncio foi quebrado por uma risadinha abafada. Uma daquelas que eu reconheceria em qualquer lugar.
Coloquei minha xícara sobre a mesa com um gesto teatral, aumentando a cena.
— Melhor eu falar com o Trav… — murmurei, franzindo a testa como se estivesse realmente preocupada. — Suspeito que tenhamos um ladrãozinho rondando essa casa.
O som de mastigação diminuiu, mas não cessou completamente.
— Ou será que foi o… — pausei dramaticamente, abaixando um pouco o tom da voz. — Meu carrapatinho?
Abaixei-me lentamente, apoiando as mãos nos joelhos enquanto inclinava a cabeça para espiar sob a mesa.
E lá estava ele.
Thomas congelou no exato momento em que nossos olhares se encontraram. Sua boca, ainda cheia de torrada, parecia se recusar a se mexer, como se assim pudesse evitar a confissão do crime. As bochechinhas estavam infladas, deixando-o ainda mais adorável do que o normal.
Por um segundo, nos encaramos. Ele, fingindo inocência. Eu, fingindo cair na farsa.
Ele mastigou devagar, como se tentasse encontrar um jeito de escapar da situação sem ser pego em flagrante.
Estendi a mão para ele, os dedos se fechando suavemente ao redor de seu bracinho pequeno, e o puxei para fora do esconderijo improvisado debaixo da mesa. Ele veio sem resistência, ainda mastigando a torrada roubada, os olhos brilhando em uma mistura de travessura e cautela.
— O que faz aqui, mocinho? — perguntei, me abaixando à sua altura, juntando as mãos, e, deixando-as entre meus joelhos. — Você deveria estar dormindo.
Ele parou de mastigar por um instante, considerando minha pergunta com seriedade infantil antes de contra-atacar com uma rapidez surpreendente.
— Voxê tamvém — acusou, com a boca cheia, falando meio embolado.
Cruzei os braços e franzi o cenho, simulando um suspiro pesado, como se tivesse sido pega no flagra da mesma travessura.
— Certo, ponto para você — admiti, balançando a cabeça. — Mas a diferença é que eu sou adulta. E você, senhorzinho, deveria estar dormindo.
Tom deu de ombros, ainda mastigando, claramente sem pressa.
— Mastiga direito. Engole. E depois você fala. — toquei de leve em seu queixo, incentivando-o de forma carinhosa.
Ele assentiu, obediente, e começou a mastigar com mais concentração, como se aquilo agora fosse uma tarefa muito importante. Demorou alguns segundos até que engolisse completamente, limpando a boca com as costas da mãozinha.
— Pronto. — anunciou, satisfeito.
— Ótimo. Agora sim podemos conversar. — descruzei os braços. — A mamãe está com fome, meu bem. — defendi-me observando a mesa, onde a única torrada restante parecia tão pequena diante da minha fome repentina.
Thomas, sem se dar ao trabalho de pensar muito antes de responder, deu de ombros com aquele ar de desdém característico dos pequenos, como se já tivesse se acostumado a me contrariar.
— Eu também. — disse com aquela sinceridade caracteristica, como se tivesse direito a tudo o que eu tivesse ali.
Sua mão pequenina se estendeu rapidamente, com a pontinha dos dedos alcançando a xícara que eu acabara de servir. Seu olhar, como sempre, era de pura concentração, e, antes que eu pudesse intervir, ele já tinha passado a língua pelos lábios, experimentando o chocolate quente, talvez mais por curiosidade do que por necessidade.
Suspirei com um sorriso, sem conseguir conter a risada que se formava na garganta. Em um movimento rápido, mas cuidadoso para não derrubar o liquido da xicara, levantei-o do chão, e o pus sentado sobre a ilha da cozinha.
— Vamos lá, você não pode sair pegando tudo que vê pela frente. — comentei, fazendo questão de ajeitá-lo em cima da superfície fria da ilha, suas perninhas balançando no ar.
O pequeno deu um sorrisinho travesso.
— Por que não está dormindo? — perguntei, em um tom um pouco mais sério.
— Eu não consigo dormir, Taytay. — a voz de Thomas saiu suave, carregada de uma melancolia que não costumava transparecer em sua fala descontraída.
Um calafrio percorreu minha espinha, e eu senti meu coração doer, uma mistura de surpresa e confusão. Eu não sabia como reagir, não sabia o que aquela palavra significava para ele, mas me atingiu de uma forma que eu não soubera antecipar. A familiaridade daquela forma de me chamar – "Taytay" – que me lembrava uma época distante, uma fase antes de tudo acontecer, uma fase antes de eu saber que poderia ser feliz e tentar seguir em frente.
Eu me encontrei em um impasse, lutando para esconder o impacto emocional que aquilo teve em mim. O tempo parecia se arrastar enquanto eu tentava organizar meus sentimentos, tentando impedir que meu rosto se entregasse à confusão que tomava conta de mim.
— Ei... — coloquei minhas mãos de maneira protetora ao redor de seu pequeno corpinho, como se quisesse dar-lhe alguma sensação de segurança. — Porque me chamou de TayTay e não de mamãe?
A pergunta escapou de meus lábios quase sem querer, e eu senti uma onda de vulnerabilidade tomar conta de mim. Não era uma cobrança, mas uma busca por explicação.
Thomas olhou fixamente para a xícara em suas mãos pequenas, com uma concentração que parecia tão adulta para um garoto da sua idade.
— Pensei que... agora que sei quem é minha mamãe, eu não pudesse mais chamar você assim. — respondeu, usando uma logica que, inicialmente, não compreendi. — Ninguém tem duas mamães. A não ser minha colega, que tem as mamães casadas.
Eu o observei, buscando qualquer sinal de brincadeira, mas o olhar dele estava sério, muito mais sério do que o esperado.
— Eu... acho que é errado agora que ela voltou. — ele levantou os olhos para mim. — E achei que você não iria gostar.
Eu senti o peso dessas palavras ecoando em minha mente, uma mistura de perplexidade e um leve desconforto se formando no meu peito. Thomas não estava apenas tentando se ajustar a uma nova realidade, ele estava tentando fazer sentido de um mundo em que ele começava a entender as complexidades dos relacionamentos e dos papéis que as pessoas assumem, tudo ao mesmo tempo.
Meus dedos tocaram suavemente a ponta da sua orelha, tentando suavizar o que ele parecia sentir, mas também sentindo uma tremenda responsabilidade sobre o que ele estava tentando entender.
Senti minha respiração se prender na garganta, e por um momento, tudo ao redor pareceu parar. Um nó se formou no meu estômago, e, por um instante, duvidei de tudo o que estava acontecendo.
Isso não pode ser real.
Peguei a xícara das mãos pequenas e ainda tão frágeis de Thomas, colocando-a com cuidado na ilha da cozinha, ao lado dele. Não queria correr o risco de ele virar o líquido ou, pior, se queimar.
Eu sabia que ele estava tentando entender tudo o que tinha mudado, tentando equilibrar o que sentia em relação a mim e à sua mãe biológica.
— Bebê, eu já falei. — segurei seu rostinho entre as mãos, apertando levemente suas bochechinhas. — Isso que tá acontecendo, não muda nada entre nós. Se você quer me chamar de mamãe, eu não vejo problema. — garanti. — Na verdade, eu amo isso, meu pequeno. Eu gosto de ser sua mamãe.
— Mas... eu preciso chamar a Kayla de mamãe?
— Você quer chamá-la assim? — perguntei, de maneira bem direta, mas com um tom leve, buscando tirar qualquer peso da pergunta.
Thomas olhou para o chão por um momento, as mãos ainda segurando a beiradinha da ilha como se isso o ancorasse ao mundo. Ele balançou a cabeça de forma resoluta, a expressão no rosto dele se tornando mais tranquila conforme ele negava.
— Não. — disse com firmeza.
— Então a resposta é não. — respondi, com um sorriso genuíno.
— Mas meu papai disse uma vez que era errado eu chamar ele pelo nome, quando imitei a forma do meu padrinho falar, porque ele é meu papai. — Tom tirou minhas mãos de seu rosto. — Então, se ela é minha mamãe, não seria errado chamar ela pelo nome?
— Querido, as situações são diferente. — segurei suas mãozinhas. — Seu papai sempre esteve aqui com você. Ele é a sua base, o seu ponto de partida. A Kayla é alguém que você conhece apenas de passagem. Você tem o direito, e a liberdade, de decidir qual título dar a ela. Somente você pode decidiri isso. Não há certo ou errado nisso.
— Eu não gosto dela. — cruzou os braços, emburrado.
— Porque? — indaguei, um tanto curiosa. Afinal, ele realmente nunca deu oportunidade ela. Embora eu achasse que ela nao merecia mesmo.
— Porque ela é má. — respondeu com toda sua lógica de criança. — E ela fez você e meu papai brigarem. E você chorou. — lembrou-me. — E... e agora ela quer me levar pra longe de vocês. E eu não quero isso.
— Ela não vai conseguir. — subi minha mão, acariciando seu rosto com o dorso. — Seu papai e eu não deixariamos.
— Promete de dedinho? — ele estendeu seu braço, mostrando o mindinho.
— Prometo de dedinho. — entrelacei o meu ao dele.
— Que nunca vamos nos separar?
— Nunca! Nunquinha! — confirmei sem a menor sombra de duvidas. — Mas você também tem quem nos ajudar. Tem a sua missão.
— Como? — perguntou parecendo mais animado, balançando os pés pra frente e pra trás, quase me chutando.
— Vai ter uma titia que vai fazer algumas perguntinhas pra você sozinho. — disse, referindo-me à assistente social. — A sua missão, é dizer tudo que o seu coraçãozinho mandar. — pus o indicador sobre seu peito. — Com sinceridade. E com respeito. — frizei. — Eles vão levar em consideração tudo que você disser.
— Então... posso falar que não gosto dela?
Eu respirei fundo.
Não posso ser uma influenciadora nas respostas dele. Isso seria errado. Mesmo que eu já soubesse que, sim, ele seria capaz de falar algo assim, com toda a sua ingenuidade, seria muito errado dizer a ele o que pode ou não falar.
— Você pode dizer o que pensa a respeito. — respondi, sem uma confirmação ou negação de sua pergunta. — Apenas... responda as perguntas da maneira que se sentir em relação a elas.
O garoto assentiu, como se tivesse absorvido tudo que eu havia dito.
— E você pode me chamar de mamãe. — reforcei. — Não quero mais ouvir meu nome saindo da sua boca, tá legal? — fingi dar uma olhada severa, levantando uma sobrancelha, para dar ênfase ao que eu estava dizendo. — Sou a mamãe, ouviu?
— Sim.
Eu fechei os olhos, fingindo decepção, me inclinando para frente com as mãos nos quadris, um toque cômico na cena.
— Não. Eu ainda não ouvi direito. — levei minha mão até a orelha, como se estivesse tentando captar o som. A teatralidade disso parecia diverti-lo, porque ele já estava começando a rir. — Parece que alguém ainda não entendeu.
Ele sorriu, parecendo um pouco envergonhado, e depois, com a voz mais clara e definitiva, falou:
— Sim, mamãe. — respondeu lentamente.
— Ihh! Mais alto! — exclamei, colocando as mãos nas laterais da cabeça, como se estivesse começando a me preocupar com a minha audição. — Devo estar ficando surda!
— Sim, mamãe! — repetiu, rindo.
— Mais uma vez, por favor? — pedi, abraçando-o, e enchendo seu rostinho de beijinhos estalados. — Eu adoro ouvir você me chamando assim.
— Mamãe.
— Ai, como eu amo um carrapatinho! — apertei-o contra meu corpo.
Ele respirou fundo, fazendo um som dramático de sufoco.
— Então estamos entendidos? — perguntei, sem solta-lo.
— Sim. — assentiu.
Soltei-o do abraço, e não foi necessario segura-lo, pois Thomas, como se já soubesse o que viria, agiu instintivamente. No mesmo segundo em que me afastei da ilha, suas perninhas se prenderam ao redor dos meus quadris, e seus bracinhos se entrelaçaram ao redor do meu pescoço com uma força pequena, mas firme. Ele estava ali, grudado, como um pequeno coala.
— Você é mesmo um carrapatinho, huh? — brinquei, tentando esconder o esforço de manter o equilíbrio enquanto ele permanecia ali, completamente dependente da minha sustentação.
A diversão deu lugar a uma leve exaustão. Era incrível o quanto aquela criaturinha podia pesar. As pernas dele, agora ajustadas ao redor dos meus quadris, pareciam aumentar em peso à medida que o tempo passava. As minhas mãos, que antes estavam apoiadas na parte inferior das suas costas, agora eram forçadas a se ajustar para dar mais estabilidade.
Segurei-o com mais firmeza com ambos os braços, seus pequeninos pés tocando quase desajeitadamente a minha cintura, mas ainda assim ele ficava ali, confiando que eu não o deixaria cair.
Peguei a xícara de cerâmica, já levemente fria, ainda com o chocolate, só que agora morno.
Com um suspiro, fiz o movimento de puxar uma cadeira para me sentar. O som da madeira raspando no piso me pareceu quase ensurdecedor naquele momento de quietude.
Ajeitei-me, tentando encontrar uma posição confortável, mas com o peso de Thomas ainda preso a mim, a tarefa parecia um pouco mais difícil. Ele estava ali, firme como uma cria que não conhecia outro mundo além do abraço apertado que eu lhe oferecia. E, embora eu tivesse me sentado, nada mudou; ele ainda não estava disposto a se soltar. Suas pernas continuavam firmemente ancoradas aos meus quadris, e seus braços, quase como se precisassem de um seguro, se mantinham em volta do meu pescoço.
Me vi distraída com o prato na mesa. Ali, a torrada repousava solitária, e uma leve sensação de frustração se formou. Não era possível que aquele pequeno pedaço de pão com manteiga fosse suficiente para acalmar a fome que agora se alastrava dentro de mim. Minha barriga, que havia começado a roncar discretamente minutos antes, agora fazia-se ouvir com um som que parecia desafiar a calma do momento. Um aviso. Uma exigência.
Porém, o impulso de preparar mais uma refeição agora parecia distante, até mesmo impossível de cumprir. Olhei para a torrada novamente, pensando em como seria bom simplesmente pegar outra, mas não me mexi.
Dei o primeiro gole no chocolate, o aroma doce e reconfortante ainda pairando no ar.
— Eu quero um pouco. — Tom pediu. — Por favor.
Sem hesitar, estendi a xícara para ele, observando-o esticar o braço com cuidado, seus dedinhos pequenos envolvendo a alça da cerâmica com um cuidado quase meticuloso, como se estivesse prestes a manusear um tesouro. Com a outra mão, ele segurou o lado oposto da xícara, inclinando-a delicadamente em direção a si.
Enquanto ele tomava a bebida, voltei minha atenção para o prato à minha frente. Peguei a torrada com as duas mãos, sentindo a crocância suave no toque. A manteiga ainda estava derretida, formando uma camada dourada e brilhante na superfície. Bordei a fatia, meu rosto automaticamente iluminado com a expectativa do sabor que me aguardava.
Quando o pedaço de pão crocante tocou minha boca, um suspiro escapou, quase involuntário. O gosto amanteigado se espalhou na minha língua, suave e aconchegante, quase como se me envolvesse em uma sensação de conforto imediato. Era como estar flutuando nas nuvens, uma leveza tão reconfortante que era impossível não soltar um pequeno som de satisfação, aquele tipo de som involuntário que só vem quando você sente que está comendo algo verdadeiramente delicioso.
— Você está bem? — questionei, mordendo mais um pedaço, e, com a outra mão, batendo fracamente em uma frequência em sua perna, um toque suave, mas constante, tentando manter o ritmo da conversa, ou talvez apenas querendo confirmar que ele ainda estava ali, comigo.
Ele assentiu, a cabeça caindo um pouco, os olhos se fechando por um segundo, como se uma onda de cansaço o tivesse atingido de repente. Então, bocejou. Um bocejo longo e sonolento, e eu ri baixinho, bocejando logo em seguida.
— Vamos lá. — disse com um sorriso suave, terminando o último pedaço de torrada rapidamente. A última mordida foi um movimento automático, mais para terminar o que restava. Rapidamente, levei a xícara à boca e tomei o restante do liquido que Thomas havia deixado, sentindo o calor reconfortante se espalhar enquanto a doçura envolvia o paladar.
Levantei-me com o garoto ainda firmemente aninhado em meu colo, sua cabeça repousando pesadamente no meu ombro. Fui até a pia, colocando o prato e a xícara sujos.
— Posso ficar com você e o papai hoje? — perguntou baixinho, enquanto eu subia as escadas com cuidado.
— Se você não contar que foi eu que te levei, pode. — propus, com um olhar cumplice.
Travis não mudara de ideia. Ele ainda achava que Tom é muito grandinho para dormir no quarto dos pais. E, ele está certo. — Mas em um dia como hoje, onde foi tudo tão dificil de digerir, onde deixamos um garotinho de sete anos confuso sobre quem realmente é, era dificil não ceder ao pedido.
— Fechado! — sorriu travesso.
Empurrei a porta do quarto com o máximo de cautela, fazendo o mínimo de barulho possível. Cada movimento meu parecia amplificado na quietude da casa, e a última coisa que eu queria era acordar Travis agora. Por sorte, o ex-atleta estava tão imerso no sono pesado que eu mal duvidava de que ele perceberia alguma coisa.
Entrei no quarto com Thomas ainda em meus braços, e, ao fechar a porta com suavidade, o soltei no chão.
Para nossa sorte, hoje estava frio o suficiente para que meu namorado se vestisse adequadamente para a noite — uma calça confortável, o que era uma exceção, já que ele costumava dormir apenas de cueca.
Com a intenção de não fazer muito alarde, movi-me com cuidado, subindo na cama, tentando não perturbar o ambiente tranquilo.
Com a mesma cautela, ajudei Thomas a subir, apoiando suas pequenas mãos nas laterais da cama para ajudá-lo a se posicionar.
Me acomodei entre ele e Travis, e, o ex-atleta, mexeu-se, emitindo um som baixo e involuntário, enquanto virava de costas para mim.
Ajeitei as cobertas ao redor de Thomas com mais cuidado, permitindo que ele se aconchegasse, sua cabeça repousando suavemente em meu braço.
— Boa noite. — Tom sussurrou.
— Boa noite, amor. — Kelce respondeu, totalmente inconcientemente, parecendo pensar que o som viera de mim.
Meu namorado virou-se na cama com o movimento preguiçoso de quem já estava entregue ao cansaço. Seu corpo parecia já ter se acostumado àquele ritmo.
Eu ri baixinho. Era uma dessas situações em que ele, completamente alheio ao fato de que ainda tínhamos uma criança de sete anos entre nós, não percebia o que acontecia ao seu redor. O riso foi quase imperceptível, um suspiro abafado.
Seu braço se esticou e, com delicadeza, se acomodou ao redor da minha cintura, puxando-me para bem pertinho de si.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro