𝐈𝐈. Os Campbell
CAPÍTULO DOIS
Os Campbell
❝ A casa dos nonni. ❞
METAS
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Os dias após a última incursão à cidade se arrastaram como sombras, longos e silenciosos. Scarlett se fechou ainda mais dentro de si, trancada naquela casa que parecia mais um túmulo. Shadow a seguia por todos os cantos, como se percebesse a dor e a solidão que se acumulava ao redor dela, tentando de alguma forma, dissipar aquela sombra que a seguia. O gato, assim como Scarlett, sobrevivia, mas o que significava estar vivo naquele mundo agora?
As latas de comida que havia trazido do supermercado ainda garantiam algumas refeições, mas Scarlett sabia que aquilo não duraria muito. O estômago roncava mais cedo a cada dia, e Shadow também começava a perder peso, mesmo que tivesse dado a sorte grande de conseguir mais sacos de ração que durariam longos meses, ele não tinha tanto ânimo para comer.
A escassez estava voltando e, com ela, a necessidade de tomar uma decisão.
Scarlett passou horas olhando pela janela, observando o vazio ao redor da casa, enquanto se pegava vez ou outra com o terço deslizando por seus dedos enquanto rezava. O campo à sua frente parecia vasto demais, mas além daquele horizonte, havia outro lugar. A fazenda dos avós que ficava a algumas horas de viagem dali. Era um lugar onde Scarlett sempre se sentiu segura. Talvez se os avós ainda estivessem lá, haveria comida, abrigo e, quem sabe, uma chance de recomeço.
Naquela manhã, ela decidiu que não podia mais esperar. Pegou as chaves do carro e olhou para Shadow, que a observava com seus olhos atentos.
─ Está na hora de irmos. ─ sussurrou.
Organizou rapidamente tudo o que tinha, sacos de ração, as bolsas com todos os itens que precisava. Ela deu uma última olhada em toda a casa, despediu-se dos túmulos de seus entes queridos e, junto com Shadow, Scarlett entrou no carro e ligou o motor.
A estrada estava tão desolada quanto Scarlett lembrava. O asfalto esburacado, carros abandonados ao longo do caminho, alguns ainda com os copros dos motoristas dentro. Era estranho ver o mundo daquela forma, como se estivesse congelado no momento exato do colapso.
Depois de algumas horas na direção, ela finalmente avistou a entrada para a fazenda. O velho letreiro de madeira, que um dia indicava "Famiglia Campbell", estava quebrado, pendendo de um lado, mas ainda era reconhecível. Scarlett sentiu uma onda de alívio ao ver a casa principal, uma estrutura antiga, de madeira, e conservada. Talvez, finalmente, encontrasse um pouco de paz ali.
No entanto, ao descer do carro, o silêncio absoluto fez o estômago dela se apertar. A paz artificial perturba seus nervos já desgastados. O único som era o vento balançando as árvores e o balanço que ficava no alpendre da casa.
Ela apertou o cabo do revólver ao lado da cintura e caminhou em direção à porta da frente. Bateu, hesitante.
─ Nonna? Nonno? ─ a voz saiu mais fraca do que ela esperava.
Ninguém respondeu.
Tentando não pensar no pior, ela girou a maçaneta e empurrou a porta. O rangido pesado ecoou pela casa.
─ Nonna? Nonno? Sto entrando...
Lá dentro, tudo estava coberto por uma fina camada de poeira, como se ninguém estivesse limpando há semanas. O cheiro no ar era rançoso e doce, mas também metálico e... Podre.
Os passos de Scarlett ecoavam no chão de madeira enquanto ela atravessava o corredor, o coração acelerado. Quando chegou à sala de estar, o horror tomou conta dela.
No sofá, os copros de seus avós estavam sentados, ou ao menos o que restava deles. As roupas que usavam estavam rasgadas e cobertas de sangue seco. A pele pálida e desfigurada mostrava sinais de transformação. O avô, com a cabeça caída para o lado, tinha os olhos vazios, sem vida, mas a boca ainda se movia lentamente, um gemido baixo escapando de seus lábios mortos.
Scarlett engoliu em seco, o gosto amargo do medo subindo pela garganta. Eles não estavam vivos, mas também não estavam completamente mortos. Ela recuou um passo, mas algo atrás dela fez o chão ranger. Ao se virar, viu o tio, caído no chão, arrastando-se em sua direção, o rosto deformado por uma mordida antiga, os braços esticados como se tentasse agarrá-la.
O revólver pesava em sua mão. Scarlett sabia o que precisava fazer, mas cada fibra do seu ser lutava contra a ideia. Aqueles eram seus avós, seu tio. Ela cresceu naquela casa, cercada por amor e história contadas à beira da lareira. Agora, tudo isso era apenas uma memória sombria consumida pela brutalidade do mundo.
Os caminhantes não esperariam pela sua hesitação.
O gemido de seu avô se intensificou, e ele começou a se levantar lentamente, seguido pelo movimento pesado da avó. Scarlett sabia que não tinha mais escolha. Com lágrimas enchendo seus olhos, levantou a arma e mirou. O primeiro tiro foi difícil, um som ensurdecedor que ecoou por toda a fazenda. O corpo do avô tombou no sofá, finalmente em paz.
Ela mal conseguia enxergar através das lágrimas, enquanto disparava mais duas vezes, acertando a avó e o tio antes que eles pudessem se aproximar demais. Cada tiro rasgou um pedaço de seu coração. Quando tudo ficou em silêncio novamente, Scarlett caiu de joelhos, o revólver caindo de sua mão. O vazio dentro dela parecia maior do que nunca.
Ela ficou ali, no chão, sem forças para se levantar, enquanto Shadow, que antes estava na sacada à espera, se aproximou e aninhou-se ao seu lado, ronronando baixo, como se quisesse confortá-la.
Scarlett ficou ajoelhada por um tempo, as lágrimas escorrendo silenciosas pelo rosto. Sentia o peso esmagador da perda como nunca antes. Era difícil respirar, como se o ar tivesse se tornado pesado demais para seus pulmões. Seu corpo tremia, tanto pela exaustão quanto pelo choque.
O mundo parecia desmoronar à sua volta mais uma vez, mas algo dentro dela, uma fagulha de sobrevivência, não a deixava sucumbir completamente ao desespero.
Ela não sabia quanto tempo havia se passado até finalmente reunir forças para se levantar, ela respirou fundo limpando o rosto com a manga da jaqueta. A sala parecia congelada no tempo, exceto pelos corpos caídos de seus avós e tio. Com passos lentos e hesitantes, Scarlett pegou o cobertor que estava jogado sobre o sofá e o colocou sobre os corpos. Não sabia ao certo porque fazia isso, talvez por respeito, talvez para não ter que olhar para o que restava deles.
Precisava continuar, mesmo que seu coração estivesse em pedaços. Ela sabia que não podia voltar para a casa que estava antes. A fazenda era maior, mais siolada e o fato de ser familiar trazia uma segurança inesperada. Seus avós haviam mantido a fazenda bem abastecida, e ela se lembrava de como o avô, antes de se aposentar como xerife, mencionava o arsenal que mantinha na casa para emergências.
Com essa ideia em mente, Scarlett decidiu que ficaria. Se organizaria e se prepararia para viver ali pelo menos por um tempo.
O dia estava começando a se inclinar para a tarde quando Scarlett finalmente encontrou o arsenal. Ao abrir a porta de um comôdo escondido no porão, foi como se a lembrança do avô ganhasse vida novamente. Ele sempre foi meticuloso com suas armas. O local estava intacto, trancado com uma chave que Scarlett sabia onde estava ─ um esconderijo atrás de um tijolo solto na parede do porão. Seu avô a ensinou muitos truques de sobrevivência, mesmo que na época ela nunca imaginasse que precisaria usá-los em um apocalipse.
Dentro dos armários, estavam rifles, espingardas e minução suficiente para manter uma pequena defesa por um bom tempo. Scarlett passou os dedos pelas armas, sentindo o peso da responsabilidade que agora carregava. A fazenda oferecia porteção, mas ela precisava ser forte o bastante para defendê-la se fosse necessário.
Ela passou os próximos dias organizando o lugar. Fez uma limpeza na casa principal, removendo os corpos de seus avós e tio, enterrando-os com o devido respeito na parte de trás da fazenda sob o velho carvalho, onde tantas vezes a família se reunia para piqueniques. As lágrimmas voltaram, mas dessa vez, havia algo mais. Uma sensação de que, ao enterrá-los, estava também encerrando um ciclo. A dor da perda sempre estaria ali, mas Scarlett sabia que precisava continuar.
Depois disso, explorou o perímetro da fazenda, reforçando as cercas e colocando obstáculos improvisados para impedir a entrada de caminhantes. Descobriu que a despensa estava bem abastecida com enlatados, grãos e até sementes para plantio. O avô sempre foi precavido, e a avó cuidava da horta como se fosse uma segunda casa. Talvez, se tivesse tempo, Scarlett pudesse cultivar a própria comida ali.
Os animais estavam bem, alguns tinham conseguido fugir da fazenda, mas outros permaneceram e a presença de Scarlett trouxe mais vida para os cavalos, vacas e bois que ainda restavam.
A cada dia que passava, ela se tornava mais acostumada com a rotina da fazenda. Apesar do mundo em colpaso ao redor, aquele lugar lhe oferecia uma sensação de normalidade que há muito havia perdido. Scarlett se permitiu relaxar um pouco, aproveitando a segurança que a fazenda oferecia, embora soubesse que a qualquer momento tudo poderia mudar.
001. Mais um capítulo depressivo que a vida dela agora é assim (vai melhorar eu juro).
002. Era para esse capítulo já ter saído, mas eu trabalho gente e às vezes fica difícil KKKKKKKKKKKK
003. Interajam nos comentários e votem, isso motiva demais, além de que amo ler os comentários e responder.
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