Capítulo 11
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1943
O FIM DE TARDE FOI MARCADO PELAS NUVENS CINZAS que escureciam ainda mais a mata ao redor. Um relâmpago percorreu todo o céu deixando o acampamento em um sinistro clima de tempestade. Todos os soldados passaram a pegar qualquer coisa que estivesse do lado de fora e colocavam para dentro das cabanas. Roupas e botas que secavam, comida, mapas, cartas, tudo era arrastado às pressas para dentro.
O céu escurecia ainda mais, o cheiro de maresia já ficava mais forte, os soldados gritavam lamentando a chegada da chuva. Naqueles lugares distantes e frios da Polônia a chuva era gelada. Já era costume entre os soldados falar que o inferno era gelado como uma chuva polonesa. Mas Bucky gostava dos temporais, era sempre um momento em que poderiam fazer uma pausa no acampamento, mas se estivesse em um campo de batalha nunca que a guerra teria uma trégua por causa de uma chuva.
No acampamento era diferente, estava esperando pela chuva. Ele e Steve conseguiam pegar o raro achocolatado na dispensa do coronel, um whisky e pão mofado e com tudo escondido debaixo da camisa eles iam até a cabana de Violet para comer enquanto ela terminava seus incansáveis relatórios ou lia algum clássico de Charles Dickens.
Depois de umas semanas, quando a comida se tornava cada vez mais escassa, não tinha mais achocolatado para contrabandear, todos sentiam fome, o pão mofado continuava mofado, mas agora eles davam graças ao pão.
Bucky passou pelo meio da fila de cabanas, todo o acampamento parecia sem cor. O céu nublado anunciava que não conseguiria segurar a tempestade por muito tempo e isso deixava os soldados atônitos.
— Sargento Barnes! — Gritou um dos soldados. Bucky se virou e viu que era Rodney. — Já recolheu as suas coisas?
— Sim. — Ele respondeu desviando os olhos para a cabana de Violet que estava aberta e vazia. — Na verdade estou procurando pela Miss Stark.
Rodney deu uma risadinha.
— É, já percebemos que você se abriga na cabana dela quando chove.
Bucky então simplesmente direcionou o olhar para Rodney e o encarou.
O sorriso do soldado foi substituído por uma expressão pálida.
— Espero que esse comentário não esteja fazendo suposições errôneas sobre a minha conduta e principalmente da Senhorita Stark. — Bucky deu um passo à frente e cruzou os braços, mas mantinha a expressão relaxada.
— N n na não, Senhor. — As orelhas de Rodney ficaram extremamente vermelhas, ele largou as coisas no chão e imediatamente ficou ereto. — Peço desculpas, Senhor.
— Está liberado, soldado. — Bucky deu um tapinha no ombro do soldado e seguiu em direção à borda da floresta, encontraria Violet.
Saberia seguir o caminho pelas pegadas que ela havia deixado na geada que cobria a terra, mas não precisava delas porque sabia que Violet sempre buscava um lugar alto de onde pudesse observar melhor o perímetro. Não que já não houvesse um grupo para fazer uma ronda, mas sim porque aquilo parecia acalmar os ânimos. Bucky mesmo gostava de escapar um pouco, o cheiro de homens sujos e esfomeados longe de casa deixava todos angustiados.
Todos ficavam tão desesperados em vencer a guerra e voltar pra casa que aos poucos se esqueciam que a guerra tem um preço. Mais tarde Bucky saberia que a guerra lhe custou tudo.
Um relâmpago brilhou, o trovão soou ameaçador em contraste com o anoitecer pálido devido ao frio. Bucky colocou as mãos no bolso para aquecê-las e continuou pela trilha, não muito longe Violet estava parada em cima de uma elevação onde ela podia ver a terra se inclinar para baixo e se estender até chegar nas cabanas improvisadas dos soldados que andavam de um lado para o outro recolhendo as coisas, se preparando para ter abrigo.
— Eu já estava indo ajudar. — Ela comentou quando ele se aproximou, estava de braços cruzados e balançava levemente o corpo tentando se manter aquecida. — Eu só estava vendo o perímetro, observando se falta muito pra sair daqui.
— Eu não vim te repreender ou cobrar por nada. — Ele tranquilizou, ela respirava aquele senso de responsabilidade e Bucky sabia que às vezes ela ficava sobrecarregada com aquilo. Ele também ficava. — Assim que a chuva passar, vamos retornar a viagem e avançar para o próximo posto. Vai terminar logo.
Ela franziu a testa.
— Queria dizer o mesmo da pesquisa. Sem Howard aqui é muito mais difícil. Não tem o equipamento necessário, acho que não estamos avançando tanto quanto poderíamos. — Ela comentou olhando o horizonte branco da floresta coberta pelo gelo sujo.
— Acho que está fazendo um ótimo trabalho super avançado. — Ele virou o rosto para ela. — Com todas essas coisas de ciência e tecnologia que só você entende.
— Está me chamando de nerd. — Ela observou.
Bucky sorriu, mas logo voltou a expressão séria ao lembrar que os soldados já não sorriam mais com tanta frequência. Seus homens estavam com frio e esfomeados, precisavam sair de lá o mais rápido possível.
— Você também. — Disse Violet. — Não se cobre demais. Tudo bem se sentir vontade de sorrir às vezes, isso também pode fortalecer seus soldados. No meio de tanto caos, um pouco de amor é bem-vindo.
Ele sorriu de novo, não ia perder a oportunidade.
— Achei que não tinha tempo para romance e agora está falando de amor para mim? — Ele arqueou uma sobrancelha. — O que quis dizer com isso?
Ela arregalou os olhos e depois conteve sua surpresa já prevendo que ele estava brincando.
— Não foi isso o que eu quis dizer. — Ela murmurou sem graça. Era muito difícil desarmar a Senhorita Stark daquela forma.
— Quer dizer que tem pensado em mim desde que te tirei para dançar? — Ele se aproximou um passo, Violet recuou outro.
Ela apertou os braços em si quando a primeira gota de chuva caiu.
— Porque eu tenho pensado você. — Bucky finalmente disse. Ele soltou o ar, o alívio fez ele saber que fez o certo.
— Não brinque comigo, James. — Ela disse com a mão acertando seu braço, um gesto que sempre era usado quando implicavam um com o outro. Bucky segurou a mão gelada de Violet, não era implicância.
— Quem disse que estou, boneca? — Ele sorriu porque sabia que ela não gostava do apelido, desviou os olhos quase sem jeito porque ela ainda o encarava e pegou a outra mão fria de Violet juntou-as com as suas, levou até os lábios e soprou seu hálito quente para ajudar a aquecer.
Os ombros dela relaxaram, a chuva caiu em uma torrente atingindo os dois. Os soldados começaram a correr no acampamento procurando abrigo, ao longe era possível ouvi-los lamentando.
— Eu sei, não temos tempo pra romance. — Ele sussurrou, Violet riu baixo.
— Podemos pensar nisso depois. -Ela respondeu, o hálito quente fez uma nuvem de vapor. Bucky sentiu vontade de beijá-la, mas levou seus lábios até as costas da mão dela.
— Depois. — Ele repetiu.
Violet recolheu a mão, sorriu timidamente pra ele e andou na frente tomando o caminho de volta. Bucky a seguiu, eles apressaram o passo a chuva estava gelada demais para que continuassem parados, ele quase escorregou em uma descida. A fina camada de gelo que cobria o solo começava a derreter.
Quando estavam alcançando as tendas, uma explosão no acampamento chacoalhou o solo. Violet gritou de surpresa, mas o grito dela sou baixo depois que os ouvidos de Bucky começaram a emitir somente um zumbido, o mundo ficou em silêncio. Chamas se levantaram em meio ao acampamento, os soldados gritaram. Percebendo que havia algo errado, Violet se precipitou na frente correndo o máximo que podia derrapando as botas na descida. Bucky a seguiu até alcançarem o centro do acampamento.
Ele viu que o que estava em chamas era a tenda principal, viu Steve correr direto para lá. Precisavam salvar todos os mapas e os materiais o mais rápido possível. Bucky olhou para Violet, mas ela já seguia em direção à própria tenda do outo lado do acampamento, provavelmente para pegar seus materiais de pesquisa. Ele se virou par a atenda principal correndo na mesma direção que Steve.
No interior boa parte já estava em chamas, o tecido da tenda se desfazia, a madeira que servia como teto improvisado estava caindo. Steve já havia pegado algumas pastas e papéis soltos e enrolado debaixo do braço, Rodney segurava duas malas e Bucky ajudou a carregar mais duas.
— O que aconteceu? — Bucky gritou para Steve e eles correram para fora da tenda. Foi quando os tiros começaram.
Rodney foi atingido ao lado de Bucky e caiu no chão.
— Estamos sendo atacados! — Alguém que passou correndo gritou. — Estamos sendo atacados!
Tom passou correndo e jogou uma arma para Bucky, ele a pegou e destravou se abrigando atrás de uns dos jipes estacionados. Ele olhou para o caos do acampamento, as chamas da tenda principal estavam crescendo e alcançando as tendas ao redor, em meio às chamas ouviam-se os gritos e os tiros. Steve estava com o escudo e pulou o jipe partindo para o ataque.
Bucky mirou em três que avançavam em meio aos soldados, reconheceu a insígnia no uniforme deles e atirou. Ele avançou logo depois de Steve, acertou dois que se aproximavam pelas laterais. Não pareciam muitos, logo os soldados estavam se organizando dando mais eficiência no contra ataque.
A adrenalina agia no corpo de Barnes, ele já não sentia mais a chuva fria, as chamas que cresciam cada vez mais. Quase não ouviu o grito de um soldado à sua esquerda:
— Eles estão recuando!
Bucky estranhou e olhou ao redor notando que a quantidade de inimigos diminuía, eles estavam voltando para o perímetro da floresta.
— Acha que estão planejando algo? — Bucky perguntou ao se posicionar ao lado de Steve.
O Capitão balançou a cabeça de forma negativa.
— Por que atacariam para recuar assim? — Steve olhou ao redor. — Acho que estavam nos distraindo.
Os soldados começaram a se reunir no centro do acampamento decidindo se deveriam vasculhas o perímetro da floresta e tentar rastrear a tropa que atacou. Enquanto Bucky ouvia os outros discutindo as estratégias, olhou ao redor do acampamento e viu barraca da divisão científica completamente em chamas.
— Steve. — Ele chamou.
Rogers olhou para o seu rosto e então seguiu o seu olhar até as chamas.
— Você viu a Violet?
Atualmente
BUCKY ACORDOU SENTINDO TODO O SEU CORPO ESTREMERCER como se tivesse acabado de levar um soco no estômago. Encarou o teto e percebeu que ainda estava no apartamento abandonado em Bucharest. Um trovão ribombou lá fora e as gotas da chuva batiam violentamente na janela e ecoavam pelo cômodo. Só então Bucky se lembrou do que havia sonhado. Sempre sonhava com aquilo quando chovia.
Mesmo décadas depois, a chuva ainda trazia o sentimento de urgência e o nome de Violet ficava preso em sua garganta. O nome dela era a última coisa que ele lembra ter gritado naquela memória. Também foi no frio e meio a neve que Bucky caiu para fora do trem em movimento, viu o rosto de Steve se distanciar enquanto ele caía junto com a neve. As lembranças eram frias, desfocadas, a maioria partes complexas de algo sem contexto.
Deveria ter morrido naquele instante, a última coisa que viu foi o vermelho do sangue manchar o branco. Ele perdeu muito mais que o braço esquerdo naquele dia, perdeu algo que passaria o resto da vida procurando. A procura o fazia acordar no meio de noites chuvosas, levantar sonolento da cama e pegar a mochila que usava. Tirava um caderno e um notebook de lá, pesquisava e escrevia o máximo que conseguia de suas lembranças. Sua alimentação e rotina eram controladas para exercitar sua memória, fazia anotações dos menores detalhes.
"Eu gosto de tecnologia e ficção" ele rabiscou no bloco de notas enquanto comia uma ameixa. Temia que fosse perder a memória novamente a qualquer momento, era um sobrevivente que nunca poderia confiar em si mesmo.
"Bucky?" Steve havia perguntado quando se reencontraram, ele não fazia ideia do que aquilo queria dizer e não fazia ideia de que aquele era seu nome. Mas algo despertou dentro dele, a inquietação, a sensação de que algo estava errado. Steve havia acordado Bucky, trazido o de volta para o controle. Agora eu não podia perder nenhuma informação, estava quebrado há muito tempo e procurava desesperadamente se consertar.
Juntar cada parte para entender a totalidade não era uma tarefa fácil, ainda mais sem saber se já tinha todas as partes necessárias para construir uma imagem de si mesmo. O museu em Nova Iorque dizia que Bucky Barnes havia sido uma pessoa normal, tinha tido uma vida, tinha sido o melhor amigo de alguém. Mas o Bucky de agora tinha apenas fantasmas, sonhando com a sombra do que ele já havia sido. Por mais confuso e doloroso que fosse ele estava vivo e à procura do que poderia preenchê-lo. As memórias poderiam ter se perdido pra sempre, mas algo de si ainda poderia ser resgatado. Pelo menos, era o que esperava e dizia a si mesmo.
Ao menos já possuía um plano em mente, os lugares que ficava era sempre pra investigar a própria história do Bucky que sobreviveu e foi levado. Havia cometido inúmeros crimes, tinha vontade de não olhar para dentro e assim evitar encarar o que ele havia se tornado. Mas se nunca enfrentasse a si mesmo nunca poderia se refazer. Por um instante se perguntou se Steve saberia, se ele entenderia. Havia algum lugar para o que havia restado de Bucky? Mesmo que recuperasse todas as memórias, não poderia apagar o Soldado Invernal.
Cada letra escrita era um flash de algo em sua mente. Podia ver as imagens acumularem em sua cabeça, a vez em que colocaram o braço de metal nele e ele tentou por dias arrancá-lo com a própria mão até a pele machucar e criar cicatrizes. Lembrava das vezes que empunhou uma arma, acertou alguém, cumpriu uma missão. Não lhe perguntavam se queria, não sabia mais o que era vontade, só conhecia a obediência. Mas em algum ponto, a obediência deixou de ser o bastante. As perguntas começaram a surgir e toda vez que hesitava, suas memórias eram apagadas. Mas até mesmo o Soldado Invernal tinha um limite e quando foi reconhecido pela primeira vez, se agarrou com todas as forças na possibilidade que surgiu.
"Bucky?" Steve havia perguntado e foi o bastante para acordar Bucky Barnes.
"Bucky?" Violet havia sussurrado quase sem ar e foi o bastante para ele se perguntar por que estavam lutando.
Levou semanas até ele se lembrar de alguma coisa sobre ela, sobre sua conexão com Steve e com seu passado. Agora se perguntava como ela ainda estava viva ou se era de fato uma lembrança real, quando foi torturado viu uma porção de coisas que não eram reais a ponto de não saber no que acreditar, até deixar de acreditar em qualquer coisa completamente.
Ele franziu a testa e parou de escrever por um momento, a cabeça latejava e sentia que estava dando voltas novamente. Precisava voltar a dormir, às vezes conseguia descansar melhor depois reunir de escrever, depois de pensar nas possibilidades e com muito esforço resgatar algo que fizesse sentir que voltar a ser ele mesmo valia a pena. Às vezes se perguntava se havia alguém esperando por ele, provavelmente não, pois todos que conheciam já haviam partido. Afinal, pessoas normais não vivem jovens por tanto tempo. Tinha uma irmã chamada Rebecca, mas não sabia se esta ainda estava viva. Tinha Steve que talvez estivesse procurando por ele, mas Bucky estava tentando ficar fora do radar. Não iria encontrar ninguém até ter certeza que não ia parecer um monstro, não mais.
Um miado ecoou pelo quarto. O gato preto subiu na mesa e farejou os papéis de Bucky. Ele encarou o filhote que soltou mais um miado agudo, provavelmente estava com fome.
Bucky suspirou, parecia que os dois não conseguiam dormir.
Ele havia encontrado o gato miando desesperado na escada de incêndio do prédio, o achara na noite anterior. O filhote não tinha coleira nem aparentava que conseguiria se virar sozinho nas ruas com aquele tamanho, então decidiu que o gato poderia ficar com ele temporariamente. E para não se apegar, decidiu chamar ele apenas de Bichano. Não soava como um nome, nada de especial. Apenas Bichano.
O gato olhou para ele com seus grandes olhos verdes, os pelos pretos serviam como uma perfeita camuflagem no escuro.
— Você se parece comigo. — Concluiu Barnes. — Deve gostar de ameixas. — Ele disse pegando uma e oferecendo para Bichano.
O gato farejou, pegou com a boca, mastigou pelo que parecia ser uma eternidade e então cuspiu a ameixa.
Bucky encarou o animal como se ele fosse idiota.
— Isso faz bem pra memória. — Reclamou recolhendo as folhas. Com suspiro se levantou em direção à cozinha. Bichano o seguiu miando insistente. — Espero que goste de leite.
Ele abriu a geladeira para ver o que poderia oferecer para sua nova - e por enquanto - única companhia.
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Notas da autora: Olá a todos. Se você está lendo essa história pela primeira vez, muito obrigada. Se você está relendo, muitíssimo obrigada por não ter esquecido dela mesmo com o grande hiatos. Peço perdão pela demora, mas algumas questões pessoais precisaram de uma atenção especial. Minha mãe faleceu enquanto a fic era publicada em 2016 e a perda pode ser algo que nos desestrutura completamente e às vezes a gente precisa de um tempo pra se refazer. Imagino que essa luta seja algo com o qual Bucky e a pp precisam lidar e se você se identifica com isso, quero que saiba que por mais insuportável sejam nossas perdas, é possível continuar. Agora que retomei a história percebo que ela é - acima de tudo- sobre se reencontrar, juntar suas forças e seguir em frente. Ainda há muita beleza para descobrir na vida.
Twitter: @staarsgalaxy
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