Capítulo 21
Vladimir De Noir
O ar dentro dos aposentos principais do castelo é sufocante e frio, as paredes revestidas por tapeçaria e lustres pendurados no teto, cujas velas derretem lentamente, lançando uma luz suave e tremula, o cheiro de pergaminho velho e incenso paira no ar, enquanto o vento noturno zune na janelas arqueadas, como uma lembrança distante da tempestade que se forma lá fora. As brasas crepitam no braseiro deixando o clima não tão congelante.
Na grande mesa de carvalho ao centro, espalham-se mapas, anotações e taças vazias de vinho, estou aqui há horas, mas minha mente não pertence a esse lugar. Ela está lá fora, sinto sua presença como uma corrente silenciosa que flui pela minha consciência. Então a dor chega, fraca no inicio, como uma faísca, mas se intensifica até se tornar um aperto gélido em meu peito. Ouço um grito quebradiço, abafado, quase distante. Ela esta com medo.
Fecho os olhos e deixo que as sombras me mostrem o que elas enxergam. Vejo Selene cercada por dois jovens que tentam convolá-la, a sensação de pavor dela atravessa o meu ser, e por uma fração de segundos sou incapaz de distinguir se a dor é dela ou minha. As sombras que se arrastam por mim, tremem, respondendo à angustia dela.
— Esta tudo bem, irmão? - a voz de Rosallind rompe o silêncio como estalo de um chicote.
Abro os olhos e a encaro à margem da sala, reclinada preguiçosamente contra a estante mais próxima, minha Irmã é o retrato perfeito do perigo sereno, seus longos cabelos negros descem pelas costas, um contraste formidável com a pele clara, e seus olhos álgidos me estudando com curiosidade, seus lábios se curvam em um sorriso enigmático, o mato de veludo bordo que ela veste realça sua beleza afiada, e o ouro discreto em sues punhos e gola reluzem na penumbra, tão graciosa quanto uma lâmina prestes a cortar.
— Por que não estaria? - falo afastando o olhar e cruzando os braços na tentativa de reprimir os tremores nos dedos. Ela avança na minha direção.
— Talvez porque suas sombras então inquietas, elas se movem como se não soubessem a quem obedecer.
— Não diga tolices, Rose. - minha voz sai fria e áspera. — Perdemos no flanco oeste, e Marsolis colocou uma tropa marítima na baia. Tudo graças à sua ousadia sem limites. - ela sorri, indiferente ao meu tom de reprovação.
— Eles são sabem que eu roubei o Orbe. - minha paciência se desgasta e meu olhar encontra o dela, a encaro sem disfarçar meu desgosto.
— Não irei defendê-la desta vez. - meu tom é baixo. — Até porque o artefato nem está mais com você. Então do que valeu o risco? - ela suspira, como se o peso de suas ações fosse algo irrelevante.
— Eu estava entediada. - reviro os olhos e passo uma mão pelo rosto, tentando manter a compostura.
— E desde de quando seu passatempo para lidar com tédio não envolve sair por ai colocando fogo em algo? - o riso dela preenche o espaço como uma melodia suave.
O vento lá fora ganha força, e o uivo distante ecoa pelos corredores do castelo, sinto o medo de Selene novamente, como uma onda que me arrasta. As sombras ao meu redor ondulam em resposta, inquietas como lobos encurralados, algo dentro de mim se rompe com o barulho de novo grito de angustia que me sufoca e queima meu peito. Um clarão ao longe ilumina o céu, depois das montanhas de Sananza, logo em se apaga e a dor em meu peito também.
Olho para Rose que me encara como se testemunhasse algo fascinante.
— Sua camponesa fez aquilo no céu? Ela te afeta tanto assim? - ela sorri com diversão nos olhos, eu não respondo, em silêncio ordeno que as minhas sombras se espalhem, deixando o castelo e atravessando a noite como serpentes famintas. Elas sabem exatamente onde ela está, sinto uma necessidade de observá-la mais de perto. Rosallind observa silenciosa, parecendo satisfeita com o que observa.
— Não deixe que nosso pai saiba dela, Vlad, senão vai perder o seu brinquedinho antes que possa brincar de fato. Eu estarei ao encontro das minhas damas de companhia. - Rosallind sai me deixando sozinho, olho para a janela e a tempestade continua a cair sem trégua, e em algum lugar de Aldraskar.
Selene se encontra assustada e com medo, vejo Selene molhada da chuva, junto a uma pequena lareira que luta contra o vento, seu rosto esta pálido, marcado pela exaustão, Alguém esta com ela, um home alto e loiro que segura uma espada como um guerreiro bravo, seu manto o identifica como nobre da casa Thalor, mas não é o general de Rosallind, é mais novo, Selene por um instante, parece sentir minha parecença através das sombras, seus olhos varrem a escuridão, como se esperasse encontra algo, mas não há da visível, apenas uma leve mudança no ar, um prenúncio da minha vigília silenciosa.
Estou prestes a convocar as sombras de volta para mim, quando uma batida discreta ecoa pela porta.
— Entre. - minha voz é baixa. A porta range lentamente, revelando um dos meus informantes. Ele é um homem magro, envolto em um manto negro que o faz parecer uma sombra viva, ele faz uma reverência curta e se aproxima, o cheiro de maresia o precede.
— Milorde, notícias urgentes, - começa, sem rodeios. — Um navio de Marsolis foi avistado ao largo da costa. Está se aproximando da baía e deve atracar em breve.
Sinto meu corpo enrijecer, as palavras ressoando com peso.— Há informações sobre a tripulação ou seu propósito? - pergunto, cruzando os braços, sentindo o desconforto crescer.— Não, senhor. Apenas sabemos que a bandeira é oficial e que o navio não parece uma embarcação de guerra. Contudo, seria prudente considerar que nem tudo é o que parece quando se trata de Marsolis. - o homem hesita antes de continuar. — O que devemos fazer? Devemos recebê-los... pacificamente, ou de outra forma?
As sombras ao meu redor se agitam, refletindo a inquietação que cresce dentro de mim. Pacífico ou não, qualquer movimentação de Marsolis exige cautela, o Orbe que Rosallind roubou e depois perdeu ainda deve ser motivo de interesse deles, estão aqui por isso — Rosallind foi longe demais desta vez... - murmuro para mim mesmo, e sinto as sombras vibrarem com minha frustração. Volto minha atenção para o informante.
— Preparem a tropa. Quero arqueiros nas torres e guardas dispostos ao longo da costa. Não façam nada até que eu dê a ordem. - o homem assente, mas eu seguro seu olhar antes que ele se retire.— E envie uma mensagem a Marsolis. Diga que sei da chegada deles e que não vou tolerar blefes. Se estão aqui em missão diplomática, terão de prová-lo. Se não forem honestos... - faço uma pausa, deixando que o peso das palavras se assente. —... serão recebidos com flechas antes que toquem o solo.
O mensageiro faz uma última reverência e desaparece pela porta, deixando-me sozinho com o peso da decisão e o som contínuo da chuva batendo contra as janelas. Inquietas e famintas minhas sombras aguardando ordens. Sinto novamente o medo de Selene, uma faísca constante na minha consciência, e, por um instante, penso em abandonar a questão do navio para ir até ela. Mas não posso.
As chamas nas brasas diminuem, mas o calor residual parece sufocar ao invés de aquecer. Minha mente retorna à figura de Selene, a imagem dela perdida na tempestade, exausta, com medo. O jovem de manto nobre que a acompanha me intriga. A conexão com ela é um fio constante e inquietante.
Rosallind... Sempre imprevisível, brincando com forças que nem ela entende completamente. O Orbe de Kharon foi um movimento insensato, mas é tarde demais para arrependimentos. Agora, Marsolis pode estar aqui atrás do artefato, e cabe a mim decidir se essa visita será um prelúdio de guerra ou uma troca de ameaças veladas. Com um gesto sutil, convoco uma das sombras para mim. Ela desliza pela minha mão como fumaça líquida, esperando minha vontade. "Vigie o navio quando atracar", murmuro para a escuridão, "e traga-me cada palavra sussurrada entre eles."
A sombra desaparece pela janela, dissolvendo-se na noite tempestuosa, e sinto a familiar sensação de controle retornar, como um manto reconfortante. Logo saberei se esse navio traz diplomatas ou espiões — e se traz morte, eles a encontrarão primeiro. Me aproximo da janela e observo a tempestade rugindo sobre as montanhas, e em algum lugar distante, Selene luta contra seus próprios demônios.
O vento uiva, dependendo dos motivos de Marsolis, sangue será derramado antes que a noite termine. A tempestade engole o horizonte, e um trovão sacode os céus, como se anunciando o início de um jogo fatal. As gotas de chuva martelam as pedras da muralha, mas o frio que sinto não vem do vento. Ele nasce nas profundezas da incerteza. Afasto-me da janela e ajusto as luvas de couro, o tecido macio moldando-se aos dedos. Minhas sombras ainda se movem de forma inquieta, atraídas pela ansiedade que queima sob a superfície.
Com passos calculados, desço pelo corredor escuro, onde tochas tremeluzem nas paredes de pedra. A sala do conselho logo aparece à frente, e duas figuras estão lá — Rosallind e um dos estrategistas de confiança da casa, seus olhares se voltam para mim no momento em que entro, mas não digo nada de imediato. Em vez disso, deixo o silêncio pairar, pesado e intencional. Rosallind arqueia uma sobrancelha, um leve sorriso jogando com o canto de seus lábios.
— Pressinto que não será uma noite tranquila, irmão.
— Nunca é. - minha voz é baixa, mas firme. — O navio de Marsolis se aproxima com intenções ocultas. Não posso ignorar o risco de que vieram pelo Orbe de Kharon.
Os olhos dela se estreitam, e a leve provocação anterior desaparece.
— Seraphina pode ter mencionado algo a eles... ou talvez tenham enviado espiões desde o início. - Rose fala.
— Não importa como souberam. - cruzo os braços. — Se acham que nos somos culpados ou não, descobrirão da pior forma que este castelo não é vulnerável. - o estrategista pigarreia, ganhando nossa atenção.
— Milorde, se a intenção deles for recuperá-lo, talvez devêssemos considerar usá-lo antes que tenham a chance de tomá-lo. Um artefato como esse não deve ser subestimado. - Rosallind lança um olhar frio na direção dele, cortando qualquer tentativa de argumentação.
— Brincar com o Orbe é como lidar com uma serpente venenosa: você pode controlar por um momento, mas o bote é inevitável. E também, não estamos maias em posse dele. — E ainda assim, estamos cercados por serpentes de todos os lados. - minha voz é um murmúrio.
Um guarda entra na sala sem ser anunciado, o rosto molhado pela chuva. Ele faz uma reverência rápida e anuncia
— O navio chegou, senhor. Eles pedem uma audiência. Dizem representar a Casa Drakoni de Marsolis.
— Drakoni... - murmura Rosallind, os olhos faiscando. - a tensão no ar se intensifica. Drakoni nunca foi uma casa fácil de lidar — sua ambição e habilidade em manipular rivais são quase lendárias. Se eles vieram por conta do Orbe, é possível que essa noite se transforme em um campo de batalha antes mesmo que as primeiras palavras sejam trocadas.
— Tragam-nos para a ponte principal. - minha ordem é seca. — E avise os arqueiros que fiquem atentos. A diplomacia pode não sobreviver a esta noite. - o guarda faz uma reverência e sai apressado. Rosallind me observa, uma leve faísca de algo familiar, talvez admiração, talvez preocupação, brilham em seus olhos.
— Está pronto para lidar com as serpentes, irmão? - sua voz é suave, mas o desafio.
— Comparados à você Rosallind, eles são cobras de estimação.
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