Capítulo 18
Seraphina
Ao cruzar os limites de Armenfer, o ar parecia mais denso, à cavalgada para Austianfer foi silenciosa e bem mais tranquila que fazer a travessia de barco, as sombras das montanhas de pedra erguendo-se como guardiãs antigas, enquanto eu avançava em direção ao castelo De Noir. O Orbe de Kharon estava seguro em minha bolsa, Rosallind havia prometido um pagamento generoso, algo que poderia mudar minha vida. Mas o preço real, eu começava a perceber, talvez fosse muito mais alto.
Conforme me aproximo do castelo, a imponência das torres de De Noir surge no horizonte, seus contornos escuros recortados contra o céu nublado, dentro das muralhas a atmosfera muda, o frio se intensifica, como se as pedras do castelo tivessem absorvido todas as emoções sombrias que seus ocupantes carregam. Eu sou recebida por guardas silenciosos, que me conduzem até os grandes salões.
O som dos meus passos ecoam pelas paredes, cada vez mais pesado à medida que me aproximo da sala de audiências, o Orbe em minha bolsa parece estar queimando, talvez eu ainda esteja atordoada por conta das visões, porém eu podia jura que escutei alguém sussurrar meu nome. Eu paro antes das grandes portas, tentando acalmar minha mente, o pagamento que Rosallind prometeu... É uma quantia que nunca imaginei possuir, suficiente para garantir um futuro sem preocupações.
Às portas se abrem e lá está ela, Rosallind, envolta em suas vestes negras, com um sorriso enigmático que não revela nada de suas verdadeiras intenções, o luxo do cômodo me deixa extasiada, olho para os meu pés e minha botas ainda possuem lama na sola, a vergonha me atingiu de maneira incomoda. Eu retiro o Orbe de Kharon da bolsa, sentindo o peso do artefato.
A superfície negra e opaca do Orbe reflete a luz da sala de maneira estranha, o sorriso de Rosallind se alarga, e por um breve momento, eu vejo algo perigoso cintilar em seus olhos. Ela é uma mulher poderosa, talvez mais do que qualquer um ousaria admitir. Uma voz silenciosa sussurra para que eu fuja.
— Seraphina. - a voz da Lady De Noir é suave, mas há uma firmeza velada, uma voz que ninguém ignoraria.
— O Orbe de Kharon, como prometido. - as palavras saem da minha boca quase sem que eu perceba.
Ela estende a mão, e eu hesito, apenas por uma fração de segundo, o silêncio que segue parece se prolongar, a tensão crescendo entre nós. Entregar o Orbe agora significaria que não há volta, que aceitei não apenas o pagamento, mas também as consequências que ele trará. A mente de Rosallind é um enigma para mim, mas o que sei, é suficiente para entender que nada do que ela faz é sem um motivo oculto.
— Você fez bem em cumprir sua palavra. - diz ela, enquanto seus dedos quase tocam o artefato. Mas antes que eu possa soltá-lo completamente, uma onda de dúvida se apodera de mim.
— O que você pretende fazer com o Orbe, Rosallind?
Os olhos de Rosallind se estreitam, o sorriso desaparecendo, substituído por uma expressão de curiosidade.
— Isso não é da sua conta, Seraphina. Você está sendo muito bem paga para completar uma tarefa, e fez isso muito bem. Agora, entregue o Orbe. - ela fala vindo na minha direção. Eu não sou uma heroína, nunca quis ser, mas também não posso ignorar a importância desse Orbe. Rosallind ergue uma sobrancelha, a impaciência começando a se formar em seu rosto.
— Você vai ser paga, Seraphina. Não teste minha paciência.
— Rosallind, eu... - começo a dizer com a minha voz trêmula. - antes que eu possa continuar, a porta se abre bruscamente, e uma figura imponente entra na sala.
— Problemas, irmã? - o homem é Vladimir De Noir, uma lenda viva, histórias sobre o homem das sombras são contadas em Marsolis, estou cercada por perigo, sua voz é baixa e grave, enquanto seus olhos se fixam em mim, avaliando a situação.
— Não, nada que não possa ser resolvido. - responde Rosallind, com um tom suave.
— Esta sendo desobediente? - Vladimir fala. — Eu recomendo que mude de ideia, antes que seja tarde demais. - ele continua em um tom frio e ameaçador.
O ar ao meu redor parecia se tornar mais denso, como se as paredes do castelo estivessem fechando-se sobre mim. Meu coração batia mais rápido, cada pulsação ecoando em meus ouvidos. Eu estava sendo consumida por um medo crescente. A sala estava mergulhada em sombras, quebradas apenas por filetes de luz que se esgueiravam pelas pesadas cortinas, o silêncio que preenchia o ambiente era denso, sufocante, o tipo de silêncio que antecede uma tempestade.
Rosallind estava à minha frente, o vestido escuro que ela usava caía sobre seu corpo como um manto de sombras, e seus olhos eram duas fendas de gelo, cortantes, me observando como um predador à espreita de sua presa, Vladimir estava ao lado dela, cuja a mera presença fazia o ar ao seu redor parecer mais frio, ele sorria, eu podia sentir o peso de seus olhares, a pressão invisível que eles exerciam sobre mim.
— Não demore, Seraphina. - Rosallind falou, sua voz baixa e controlada.
— Não posso. - antes que Rosallind pudesse responder, eu girei sobre os calcanhares e corri em direção à porta.
Meus pulmões começaram a arder, eu entro em pânico quando minha perna são bruscamente tiradas do cão, meu corpo é envolvido em uma sombra. Não consigo respirar.
— Não sabia que era tão tola, a esse ponto. - a voz de Rosallind surge perto demais. - Peguem o Orbe dela. - a ordem é dada e ele é arrancado de mim.
— Vlad, pare. - Rosallind fala, eu volto a conseguir respirar e caio de joelhos ofegante.
— Você ficará sem pagamento, por causa dessa gracinha. - Rosallind fala enquanto um dos guardas lhe entrega o Orbe de Kharon. — Tragam Lorian. - ele mandou. Quando Lorian é trazido pelos guarda eu imagino o meu triste fim.
Ele era conhecido como "a Sombra de Rosallind", um título que não era dado levianamente, é o melhor espião que eu conheço, ele me ensinou vários truques de sobrevivência. Seus olhos se fixaram em mim enquanto eu me recuperava da tentativa de fuga fracassada. O Orbe de Kharon agora estava nas mãos de Rosallind, o que significava que minha última esperança de barganhar ou sair viva daquela situação estava praticamente perdida.
— Seraphina, você fez uma escolha tola. Eu estava disposta a te recompensar generosamente, mas agora... - sua voz gotejando satisfação.
Lorian deu um passo à frente, ele não precisou dizer nada; eu sabia que ele estava decepcionado. Vladimir, que até então estava silencioso, observava a cena com uma expressão de divertimento.
— Não precisamos matá-la, Rosallind. - Vladimir disse, com uma voz suave, porém gélida. — Podemos usá-la. Ela sabe mais do que deveria sobre o Orbe. Talvez seja útil em outra ocasião. - Rosallind parecia considerar as palavras do irmão, seus olhos se estreitando enquanto me estudava, eu sei que qualquer argumento que eu pudesse tentar apresentar seria inútil.
— Lorian, leve-a para a torre oeste. - ordenou Rosallind, finalmente. — Quero que ela seja vigiada de perto até decidirmos o que fazer com ela. Ela é responsabilidade sua.
Lorian acenou com a cabeça, e os guardas se moveram para me levantar, com brutalidade sou levada para fora da sala. À medida que nos aproximávamos da torre oeste, minha mente corria em busca de um plano, uma maneira de escapar ou, pelo menos, de sobreviver mais um pouco.
Quando finalmente chegamos à torre, fui empurrada para dentro de uma cela pequena e escura. A porta se fechou com um estrondo metálico, e o som de chaves girando na fechadura ecoou pelos corredores vazios. O frio da pedra subia pelas minhas pernas enquanto eu desabava no chão, minha respiração ofegante se misturando com o breu ao meu redor.
Fecho os meus olhos por um momento, e tento acalmar o meu coração acelerado. Eu tenho que pensar em uma maneira de sair daqui, embora a lealdade de Lorian estivesse depositada em Rosallind, talvez ainda tenha uma maneira de apelar para algum resquício de compaixão que ele pudesse sentir por mim, mas perderia ser um erro fatal.
Enquanto algumas ideias supérfluas correm por minha mente, eu ouço um som suave vindo do lado de fora da cela. Eu levando rapidamente com o meu corpo ainda tenso, a porta se abriu de maneira quase silenciosa, e uma figura esguia entrou na cela, é Lorian, mas meus olhos se fixaram em algo que ele segurava em mãos, uma pequena lâmina, que ele girava habilmente entre os dedos.
— Você ainda tem uma chance, Seraphina. - disse ele em um sussurro.
— Por que está me dizendo isso? - eu pergunto de maneira cautelosa.
— E eu acredito que, juntos, podemos conseguir mais do que se estivermos em lados opostos. Há muito mais em jogo aqui do que você imagina, Seraphina. - eu hesito, sentindo o peso das palavras dele, poderia realmente confiar em Lorian?
— O que você quer, Lorian? - eu pergunto, finalmente, encarando-o nos olhos nele. Lorian se aproximou, seus movimentos ágeis e precisos. Ele parou a poucos centímetros de mim, e sua voz era quase um sussurro quando respondeu.
— Eu quero o poder do Orbe de Kharon para mim. Mas, para isso, preciso de você viva e, de preferência, ao meu lado.
— Eu aceito. - eu falo, a decisão clara em minha voz. — Mas não me traia, Lorian. Ou juro que será o último erro que cometerá. - Lorian apenas sorriu ele guardou a lâmina e me olhou com uma expressão de quem já havia calculado os próximos passos.
— Precisamos sair daqui antes que eles percebam que você sumiu. - Lorian disse, enquanto se aproximava da porta da cela. — Siga-me e faça exatamente o que eu disser. - eu assenti, Lorian destrancou a porta e espiou pelo corredor antes de me acenar para segui-lo. Descemos uma escada estreita, e quanto mais avançávamos, mais frio o ambiente se tornava. Ele diz que estamos indo na direção das catacumbas, a luz fraca das tochas iluminava apenas o necessário para que pudéssemos ver o caminho à frente.
— Há uma passagem secreta que leva para fora do castelo, mas não é um caminho fácil. - Lorian respondeu em sussurro. — Precisamos ser rápidos. Finalmente, chegamos a uma porta de pedra escondida nas profundezas das catacumbas. Lorian empurrou uma pedra solta na parede, revelando uma pequena abertura que conduzia a um túnel estreito e escuro.
— Vá primeiro. - ele ordenou, fazendo um gesto para que eu entrasse. Eu respirei fundo e me esforcei para ignorar a sensação claustrofóbica que ameaçava me sufocar enquanto rastejava pelo túnel. Podia sentir Lorian logo atrás de mim.
O túnel parecia interminável, e o ar estava pesado, úmido e denso. Mas finalmente, vi uma luz fraca no final, e um alívio involuntário tomou conta de mim quando chegamos à saída. Estávamos fora das muralhas do castelo, em uma área florestal densa e pouco iluminada.
— Estamos a salvo... por enquanto. - Lorian murmurou, saindo do túnel e observando os arredores.
— E agora? - perguntei, minha voz cheia de cautela.
Lorian sorriu, um sorriso que não alcançava seus olhos.
— Agora... Seraphina, nós traçamos nosso próprio caminho. Procure pela taverna da Lebre, fica no povoado Taykachov perto da fronteira de Kistanfer, diga eu lhe enviei. Confie no taverneiro Hank, ele é leal, e cuidará de você.
— Como saberei se não estou andando direto para uma armadilha?
Lorian deu um sorriso enigmático.
— Você não sabe. Mas por enquanto, nossos interesses se alinham. - ele me deu um último olhar antes de desaparecer na noite.
O ar frio da floresta envolvia meus sentidos, Lorian me salvou, mas suas motivaçõe estavam longe de ser altruísta, e se estava disposto a trair sua senhora, o que o impediria de me trair também?
Eu o segui em silêncio e sozinha para dentro da floresta, Lorian disse que eu encontraria alguns cavalos mais a frente.
Depois de horas de de cavalgada eu avisto às primeiras luzes de Taykachov. O povoado era pequeno, suas construções de madeira quase se escondendo entre as árvores, como se fizessem parte da própria floresta, a taverna da Lebre ficava à margem do povoado, um edifício simples com uma placa desgastada balançando ao vento.
Hesitei por um momento. então, respirei fundo e entrei. O interior estava pouco iluminado, com poucas pessoas espalhadas em mesas de madeira grosseira, falando em tons baixos, o taverneiro, um homem robusto com uma barba ruiva espessa e olhos penetrantes, olhou para mim de maneira desconfiada.
— Lorian me enviou. Procuro pelo Hank. - eu falei, minha voz mais baixa do que eu esperava.
O homem me estudou por um momento antes de acenar com a cabeça.
— Siga-me. - ele disse, e eu o segui até um quarto no andar de cima do estabelecimento.
Lá, ele fechou a porta atrás de nós e me encarou com um olhar grave.
— Se Lorian te enviou, você deve estar em perigo. - disse ele. — Aqui você está segura por enquanto, mas não posso garantir quanto tempo isso vai durar.
— Muito bem. Descanse um pouco, e que os Deuses te protejam, criança. Irei te trazer comida depois que todos lá embaixo forem embora.
Eu me sentei na cama rústica do quarto, sentindo o peso dos últimos eventos desabar sobre mim, o frio das paredes de madeira se infiltrava, fazendo-me puxar o cobertor fino ao redor do corpo, como se isso pudesse me proteger das ameaças invisíveis que rondavam minha mente.
O quarto era simples, quase espartano, com apenas uma pequena janela que deixava entrar um fio de luz da lua. A taverna estava mergulhada em silêncio, exceto pelos ocasionais passos do lado de fora. Mesmo com a segurança temporária oferecida por Hank, eu sabia que meu tempo era limitado.
Hank voltou algum tempo depois, trazendo uma tigela de sopa fumegante e um pedaço de pão. Ele colocou a comida sobre a mesa ao lado da cama.
— Coma. Vai precisar de força. - ele disse, em um tom que não deixava espaço para objeção. Eu assenti, pegando a tigela com mãos trêmulas. O calor da sopa era reconfortante, o cheiro de carne de Lebre e rabanetes me fez salivar de fome.
— Lorian disse para confiar em você. - eu comentei. - Mas preciso saber se realmente estou segura aqui.
Hank deu uma risada curta, sem humor.
— Ninguém está realmente seguro, criança. Não em tempos como estes. Mas faço o possível para manter os meus protegidos longe de problemas. Lorian tem seus motivos para ajudar, mas ele também tem inimigos. Se os De Noir descobrirem que você está aqui, não hesitarão em enviar alguém para buscar o que consideram deles. - eu engoli em seco, sentindo o medo novamente se agarrar ao meu peito.
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