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CINCO ANOS SOB A MONTANHA
Cibele nunca conseguiu voltar para a forma feérica depois daquele dia.
O dia em que Cibele foi deixada para trás pelo próprio irmão. E por Lucien, aquele que ela costumava amar profundamente.
Nesses momentos, quando o Attor estava a caminho de fazer uma visita à cela dela, várias ferramentas de tortura em uma bolsa, Cibele agradecia por estar naquela forma.
Em sua forma mais primitiva.
A forma que ela lutou tanto para esconder, e que agora, todas as Cortes sabiam sobre.
A vida era algo irônico mesmo.
E cruel. Muito cruel.
Particularmente cruel com Cibele.
Desde que ela se lembra, toda sua vida foi regada de sofrimento.
Houveram momentos felizes sim, mas esses momentos foram fugazes.
A felicidade de Cibele sempre foi escassa.
O Attor estava rindo desde o momento que chegou nas masmorras.
Cibele podia ouvir as risadas dele a metros de distância, assim como podia ouvir o tilintar dos aparelhos de tortura, assim como podia sentir o fedor do Attor.
Cibele já estava rosnando quando ele se aproximou. Quando ele entrou na cela dela.
Ela tentou avançar em Attor, mas as correntes a mantinham presa, uma corrente em cada pata. Duas ao redor do pescoço, assim como uma coleira e uma fucinheira.
Tudo feito de ferro, banhado em cinzas de freixo, o que a machucava e enfraquecia.
Cibele estava rosnando. Estava se debatendo enquanto Attor lentamente colocava os materiais de tortura encima da mesa de madeira.
ㅡ Está pronta para seguir as ordens da Grã Rainha, besta primaveril?
ㅡ Attor perguntou com zombaria.
Cibele rosnou.
Rosnou e tentou se mover, tentou cortar Attor com as garras quando ele se aproximou com uma pequena marreta.
Ele a acertou em uma das patas, os ossos se quebraram.
Cibele se debateu, fúria em seus olhos. Fúria em sua mente.
Ela estava tão cheia de fúria, raiva e ódio.
Ódio por Tamlin. Ódio por Lucien.
Ódio por Amarantha.
Ódio por Attor.
Ódio por Rhysand, que ainda tentava falar com ela, mesmo depois de ela quase o arrancar a garganta com os dentes, depois de ele ousar sugerir que ela fizesse o que Amarantha queria.
Que ela seguisse as ordens da Grã Rainha para que a tortura parasse.
Ódio. Ódio. E mais ódio.
Cibele estava cheia de ódio.
Ódio era tudo que ela sentia.
E ela se recusava, se recusava a seguir as ordens de Amarantha.
De sentar no estrado do trono dela como um animal de estimação. De matar em nome de Amarantha.
Cibele deixava esse ódio ser sua água e seu alimento.
Deixava esse ódio a manter viva.
Porque ódio foi tudo que lhe restou, naqueles primeiros cinco anos de tortura.
DEZ ANOS SOB A MONTANHA
Cibele algumas vezes se perdia na própria mente.
Principalmente naqueles momentos, nos momentos onde Attor e os outros torturadores estavam esculpindo sua carne, com facas afiadas e ferro quente, usando freixo para impedir os poderes dela de a curarem.
Cortando seu pelo branco, manchando-o de vermelho, o sangue dela.
Nesses momentos onde Rhysand não estava lá para tirar a dor dela, porque Amarantha precisava dele para algo.
Mesmo depois de dez anos de tortura, Cibele ainda não havia se acostumado com a dor.
Principalmente quando Attor vinha com a pequena marreta, atingindo uma das patas dela, quebrando os ossos.
O som era nauseante.
E Cibele não estava mais rosnando.
Seu ódio parecia tão próximo de abandoná-la. Deixando outra coisa no lugar.
Desespero.
Puro e agonizante desespero.
Nesses momentos, as palavras de Rhysand voltavam. Os avisos e conselhos. Para Cibele fazer o que foi ordenado. Porque a paciência de Amarantha estava muito perto de se esgotar.
Cibele não poderia fazer isso.
Mas naqueles instantes, quando a dor da tortura fazia ela se tornar cada vez mais um animal selvagem e sem consciência, ela se pegava ponderando fazer o que Rhysand a instruiu.
Rhysand.
Cibele o amava e o odiava na mesma medida.
Mesmo que tudo que ela sentisse fosse ódio, sempre havia amor quando se tratava de Rhysand, mesmo naquela forma primitiva, cheia de instintos e raiva. Mesmo duvidando da própria sanidade.
Rhysand.
O único que ela tinha no tormento de Sob a Montanha.
Aquele que não a fazia sentir dor com a ajuda de seus poderes daemati.
Aquele que iria até a cela dela. Para falar e falar. Sobre tudo e nada. Para que a voz dele sufocasse o som das torturas, o som da risada de Attor e os outros enquanto eles a quebravam cada dia mais.
Rhysand ia lá para abafar os sons que não abandonavam Cibele.
Rhysand, que não estava alí naquele instante.
O ódio de Cibele estava se esvaindo. Lentamente.
Perigosamente.
Até que tudo que restava, era o desespero.
Apenas, puro desespero.
QUINZE ANOS SOB A MONTANHA
A focinheira era apertada, sufocante.
Ela rosnou e tentou ignorar a risada diabólica que o capanga de Amarantha soltou em sua frente.
Cibele pensou em arrancar os braços do feérico que havia dado a risada, antes de se lembrar que isso era impossível, considerando a situação atual dela.
Cibele quase gemeu com a dor aguda envolta de seu focinho, forçando sua mandíbula a se fechar, tornando a respiração mais difícil, quase impossível.
Houve um puxão na corrente grossa envolta de seu pescoço, a coleira era apertada, cavando além da pele.
ㅡ Vamos agora, vira-lata. A Grã Rainha está esperando por você na sala do trono.
"A Grã Rainha pode ir se foder." Teria saído como um grito, se Cibele pudesse falar naquela forma.
Em vez disso, a dor e o desespero rodaram envolta da cabeça de Cibele, queimando em suas veias, correndo das pontas das suas orelhas até as pontas das garras.
ㅡ Liberte-me, liberte-me. ㅡ a voz daquele ser trancado em sua mente sussurrou. A voz estava fraca, cansada.
Cibele não sabia como fazer isso, ou se deveria.
Se Amarantha soubesse sobre isso. Sobre o ser que ela fez a barganha.
Isso seria um verdadeiro desastre.
A dor consumiu Cibele.
Mas não a consumiu tanto quanto a fome.
Ela estava há semanas sem ser alimentada. E o ódio que a alimentava, se fora há muito tempo.
Então, ela seguiu o feérico.
Ela deveria saber no que estava se metendo quando eles entraram na sala do trono, deveria ter visto no rosto de Amarantha, aquele rosto lindo e horrível ao mesmo tempo.
Mas Cibele não tinha visto, naquela época, mesmo depois de tudo, ela ainda não sabia tudo o que o monstro por trás daquela máscara bonita era capaz de fazer.
De ordenar.
Mas Cibele saberia em breve.
Amarantha sorriu quando a viu, e Cibele viu pelo canto do olho que não apenas toda a corte estava presente, mas, eles tinham convidados.
Cibele viu os cabelos dourados de Tamlin em sua visão periférica, viu o brilho dos olhos de Lucien por trás de sua máscara e ela sentiu seu estômago revirar.
Tamlin e Lucien.
Ela não os via há quinze anos.
Pelo menos, Rhysand disse que se passaram quinze anos, Cibele não conseguia se lembrar de quanto tempo fazia.
Ela só sabia que fazia quase uma vida inteira desde que colocou os olhos naqueles dois.
E da última vez que ela os viu, eles estavam a deixando alí. Naquele inferno.
Cibele não teve tempo de examinar o ambiente direito, nem de avaliar as reações dos presentes a ela, a besta que era a lady da Corte Primaveril, e ela francamente não queria.
ㅡ Aí está ela. Meu animal de estimação. ㅡ Cibele ouviu risos e zombarias ao seu redor.
Rhysand estava ao lado de Amarantha, o rosto como uma pedra no momento.
Ele não olhou para Cibele, mas ela sabia que eles pensavam a mesma coisa.
Rhys era o outro animal de estimação.
Parte de Cibele implorou por ele, por qualquer pessoa, que olhasse para ela, a contasse o que estava acontecendo.
O que aconteceria.
Os olhos de Rhysand foram para ela, mas ele não revelou nada.
Se ele estava tentando invadir a mente dela, como fazia às vezes, com certeza não parecia.
Amarantha chamou a atenção mais uma vez, dizendo a alguém do seu lado:
ㅡTraga-o agora.
Por um momento, um peso terrível caiu sobre os ombros, sobre o estômago, de Cibele.
Ela se sentiu como uma pedra, jogada ao mar, suas patas batendo ansiosamente no chão de pedra.
Ela estava afundado.
E afundando.
O desespero se foi, deixando no lugar apenas pavor.
Cibele estava afundando no pavor.
O pavor dela provinha do cheiro fraco e metálico de sangue no ar.
A sensação se intensificou enquanto ela observava dois feéricos, assim como o Attor, arrastarem uma criatura ensanguentada.
Ele estava vestido com trapos, vermelhos com o seu próprio sangue.
Sua cabeça estava baixa, passando dos ombros, mas Cibele podia ver muito bem os hematomas e inchaços por todo o corpo dele, inclusive o rosto, ele havia sido torturado. Por muito tempo.
Os olhos de Cibele, traindo sua consciência, arrastaram-se avidamente sobre suas costas maltratadas enquanto ele era forçado a ficar de joelhos, de frente para Amarantha.
O homem era um feérico.
Cibele queria sibilar. Queria rosnar.
O que um fae poderia ter feito para merecer essa punição?
Ela podia sentir o senso moral se desvanecer conforme o cheiro metálico do sangue do feérico ficava mais forte, quanto mais ele ficava sentado ali.
Sangue, sangue, sangue, sangue, sangue.
Cibele estava faminta.
A besta dentro dela estava faminta.
"PARE". Cibele gritou para si mesma, para a besta que ela era, e aquele ser que ela ainda não entendia naquela época.
Amarantha, como se ela mesma pudesse ler os pensamentos da lady da Corte Primaveril, lançou-a um sorriso horrível antes de dirigir sua atenção para o feérico torturado à sua frente.
ㅡ Você tem muita sorte, sabe. Ninguém viu meu animal de estimação, na sala do trono, há anos. ㅡ ela deu uma fungada profunda no ar ao seu redor. Cibele poderia dizer que todos os outros naquela sala podiam sentir o cheiro de sangue também. O sorriso de Amarantha se alargou e seus olhos penetraram os de Cibele. ㅡ Carne fresca para meu bichinho.
Os olhos de Cibele se voltaram para os de Amarantha, e ela tentou abafar o suspiro horrorizado de Lucien, que a alcançou.
Não não não não não não.
ㅡ Eu lamento muito. ㅡ aquele ser sussurrou, sua voz quase desaparecendo, quase parecendo uma alucinação da cabeça de Cibele.
Uma terrível onda de fome passou por Cibele. Ela se sentiu mal, de nojo ou fome, ela não sabia dizer.
Semanas.
Semanas sem comer.
Para esse momento. Para o momento que Amarantha finalmente quebraria Cibele.
Finalmente a curvaria em sua vontade.
Cibele tentou não respirar pelo focinho, mas a focinheira envolta dele tornava isso impossível.
Lentamente, todos os outros começaram a desaparecer de vista.
Sem Rhysand, sem Lucien, sem Tamlin, nem mesmo Amarantha. Só ela e o feérico.
Uma besta e sua presa.
"NÃO". Cibele gritou consigo, tentando deixar seu lado racional assumir, e não seu eu primitivo.
Mas Cibele estava naquela forma há muito tempo. Ela era mais besta que feérica.
Amarantha podia ver o que estava acontecendo, a batalha interna, e ela sabia qual parte de Cibele iria vencer.
Cibele observou com olhos cegos quando Amarantha desceu de seu trono e deu um passo em direção ao fae.
Sem permissão, um fio de baba escorreu da boca de Cibele para o chão.
Attor gargalhou.
Cibele choramingou por trás da focinheira, enquanto Amarantha girava o fae em torno de si, colocando as duas mãos nos ombros dele, enquanto ele, também, lentamente percebia o que estava acontecendo.
O olho de Jurian se moveu, observando-a.
Cibele se encolheu, tentou se afastar do feérico, mas as correntes a mantinham no lugar.
Não era uma execução.
Era uma humilhação com audiência.
Com Tamlin e Lucien assistindo. Com os outros Grão Senhores lá.
Foi quando o feérico começou a implorar.
Por alguma razão estranha e cruel, uma parte da besta dentro dela ansiava por sua reação, o cheiro de seu medo misturado com o de seu sangue, sua vida, criando uma combinação repulsivamente inebriante.
Ninguém precisava segurá-lo, o feérico estava fraco demais para se mover sozinho agora.
E não havia nenhum lugar para ele escapar.
Assim como não havia escape para Cibele.
Os olhos de Cibele correram ao redor da sala, em busca de alguém para olhar, para focar. Qualquer um, exceto o pobre feérico em sua frente.
Os únicos olhos que Cibele encontrou foram os de Rhysand, íris arroxeadas queimando as esverdeadas.
Ela sabia o que ele diria, o que ele disse por quinze anos agora. Cumpra as ordens.
Cibele não aguentou e desviou o olhar, envergonhada.
Os outros arrastaram o feérico para mais perto.
Ele estava perto o suficiente para cheirar apropriadamente, e ela o fez, por puro instinto.
O nariz dela se encheu com o aroma tentador e Cibele ficou absolutamente apavorada consigo mesma.
Ela sentiu seu estômago roncar novamente.
Semanas.
Semanas sendo torturada e não sendo alimentada.
Isso só podia ser um pesadelo.
Um pesadelo terrível ao qual ela não podia acordar.
Cibele se perguntou se Rhysand podia ver o que ela estava pensando, se ele podia ver a luta dela. Se ele podia ver como ela não queria fazer isso.
Ela se perguntou se ele estava ignorando os pensamentos dela de propósito, Cibele o faria, se estivesse no lugar dele.
Ela soltou um gemido derrotado.
De repente, ela sentiu mãos ao redor da alça da focinheira.
O coração de Cibele começou a bater ainda mais rápido dentro da caixa torácica.
"Não. Não, não, por favor, não-"
Com fome. Morrendo de fome.
"Não não não não não não-"
Com um clique, a focinheira foi tirada e caiu para longe dela.
Uma poderosa onda de instinto tomou conta do corpo de Cibele.
ㅡ Eu lamento. ㅡ um último pedido de desculpas daquele ser trancado no escuro.
Não havia mais qualquer pensamento moral ou empático na cabeça dela naquele instante.
Com uma última onda de consciência inteligente, Cibele implorou silenciosamente que Lucien, Rhysand, Tamlin, todos eles, desviassem o olhar.
Que eles não vissem quem a lady da Corte Primaveril era sob sua bela face.
Uma besta terrível.
Sangue, suave e doce, tocou a língua dela, e Cibele se esqueceu de todo o resto.
I. Oie pessoas. O que acharam do capítulo?
II. Eu queria descrever um pouquinho do que a Cibele passou em Sob a Montanha, e como isso tudo vai afetar ela no futuro.
III. Próximo capítulo irei descrever o que aconteceu nos próximos anos, até finalmente chegar os 49 anos.
IV. Eu gosto como a Cibele não cedeu às ordens da Amarantha no começo, demorou 15 anos de tortura para a Cibele infelizmente não aguentar mais e ceder. E ela só cedeu, porque ela está há muito tempo naquela forma primitiva, se tornando mais fera do que feérica.
V. Por hoje é só, mas nós nos vemos em breve.
Byee ♡.
28.09.2023
Duda.
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