Capítulo 9
- O acordo -
— Eu vou matá-lo. — grunhiu Aurora, avançando pela escadaria principal para fora das masmorras.
Depois da explosão, todos os alunos foram expulsos da sala de Slughorn, e agora subiam de volta para o Salão Principal, lançando olhares irritadiços na direção Aurora e Draco Malfoy.
— Pense pelo lado bom. Você com certeza vai entrar para história. — comentou Pansy, rindo. — detenção no primeiro dia de aula é um feito memorável.
— Pans, fique quieta. — suspirou Daphne, como uma professora escolar lidando com uma criança indisciplinada. A morena revirou os olhos.
— Só estou tentando ajudar.
— Essa era minha chance. — continuou Aurora, num tom mordaz. — talvez a única chance, de provar que não sou aquilo que os outros dizem e conseguir um lugar nesse maldito clube. E ele simplesmente... urgh.
Ela não conseguia sequer completar a frase. Se já sentira tanto ódio de Malfoy igual ao que sentia agora, não conseguia se lembrar. O que ele tinha feito era agravante. Atrapalhar a vida acadêmica um do outro ultrapassava todos os limites não estabelecidos.
— Garanto que Slughorn nem se lembrará disso daqui uma semana. Você é ótima em poções, vai conseguir. — a loira virou-se para ela com um sorriso triste. — Sinto muito pela que aconteceu lá. Sinto mesmo. Aquilo deve ter mexido com você...
Aurora ficou em silêncio e desviou o olhar. Sabia que Daphne não estava se referindo a briga com Malfoy ou a detenção. O vômito subiu pela garganta , borbulhante e pastoso. A humilhação que havia passado na frente de todas aquelas pessoas...
— Obrigada, Daph. Encontro vocês mais tarde, ok?! — e sem esperar por uma resposta, acelerou os passos até o banheiro mais próximo. Embora a raiva fosse como um narcótico em sua mente, era impossível ignorar a dor que fazia o mundo oscilar sob seus pés.
Ela sabia que o luto fazia coisas estranhas com as pessoas, mas aquilo... a capacidade de talvez nunca mais amar?! A perspectiva de ser para sempre uma pessoa falha, como uma boneca defeituosa e quebrada?!
Aurora podia ser boa em fingir não se importar, mas não significava que gostava de fazer isso. Tudo era demais para assimilar, e a sensação do vazio era forte e pungente, rasgando-a por dentro.
Felizmente o banheiro estava vazio, e ela entrou numa cabine qualquer, deslizando até o chão, a respiração cada vez mais rápida. Suas mãos começavam a formigar como se agulhas roçassem sua pele. Seu peito parecia comprimido como se estivesse sendo esmagado.
A mente dela voltava até os últimos momentos com Sirius, os quais não dera o devido valor. Ela devia ter gravado melhor o som de sua risada, a sensação de seu abraço, a cor exata dos seus olhos. E o fato de que nunca mais poderia vê-lo... de que as coisas nunca voltariam a ser como eram...
Aurora abraçou as próprias pernas, ofegando, o corpo inteiro tenso de dor, o ar congelado em seus pulmões, sem que nada entrasse nem saísse. Ela tinha a sensação de que poderia morrer a qualquer segundo. De que havia uma cavidade enorme aberta entre suas costela.
Ela levou o antebraço a boca e mordeu até sentir o gosto do sangue. E então, tão rápido quanto chegou, a sensação se foi. Como se tivesse sido levada por uma rajada de vento. Aurora fechou os olhos e escondeu o rosto entre as palmas das mãos, suspirando e tentando segurar as lágrimas.
De repente, ela ouviu a porta do banheiro se abrir e o barulho de saltos batendo contra o piso. Duas garotas começaram a conversar abertamente, sem saber que havia mais alguém ali.
— Você acha que ela está totalmente louca? — disse uma delas, com ar de riso.
— Talvez apenas chapada demais. A magia negra faz isso com as pessoas. — respondeu a outra.
— É verdade, ouvi dizer que ela está numa espécie de seita e teve até mesmo uma lavagem cerebral. Com certeza tem a ver com você-sabe-quem.
— Eu não duvido nada. O pai dela era um assassino e você conhece o ditado né? — uma risada afiada. — a maça nunca cai muito longe da macieira.
Aurora torceu a boca ligeiramente. A raiva avassaladora subiu para perto da superfície. A cobra adormecida despertara dentro dela, pronta para atacar.
Sabia que aquilo era um erro. Que era melhor seguir sem arrumar confusão, sendo a garota calada e fria. Mas quando percebeu, já estava saindo da cabine com os punhos cerrados.
A porta bateu com força atrás dela, e as duas meninas viraram-se imediatamente, os olhos arregalados e a expressão mortificada.
— Continuem. — pediu Aurora.
Uma das garotas era alta e loira, a outra um pouco mais baixa e ruiva. As duas usavam uniformes com gravatas vermelhas, e pela aparência, pareciam ser do quinto ano. A loira então deu um passo a frente, erguendo o queixo.
— Ou o que?
Aurora observou-a com frieza, seu olho direito contraiu-se involuntariamente. Naquele instante, sua sombra rastejou pelo chão na direção delas, mais comprida e escura do que seria humanamente possível.
Ela lembrou-se da Batalha no Ministério, de como fora fácil tecer aquele poder. A escuridão simplesmente veio ao seu encontro, como se sussurrasse o que devia ser feito.
Mais uma vez, ela cedeu a tentação, e o poder fluiu por suas veias, doce e inebriante. Um pequeno movimento com os dedos foi o suficiente para fazer um fragmento da escuridão descer direto pela garganta da garota loira. Em pânico, ela agarrou o pescoço, engasgando-se, a boca aberta num grito sem som.
— Maggie?! — gritou a menina ruiva, desesperada. E virou-se para Aurora. — Mas que porra você tá fazendo?! Pare!
— Quero que ela diga na minha frente.
— Sua vaca louca. — a ruiva saiu correndo do banheiro, provavelmente para buscar ajuda.
Aurora, no entanto, não desviou sua atenção, continuava com o olhar fixo na garota loira a sua frente. Aproximando-se, ela sussurrou:
— Ele não é um assassino, ouviu? — A menina deu um passo para trás, chocando-se contra a pia, os olhos arregalados. — Se continuar dizendo esse tipo de merda por ai vou arrancar a sua língua e fazer você sufocar com ela. Estamos entendidas, Maggie?!
A outra balançou a cabeça freneticamente, lágrimas prateadas descendo pelo rosto, o olhar de pânico alimentando o monstro que havia dentro de Aurora.
— Vá. — ordenou, no mesmo momento em que libertava a garota. A luz preencheu o banheiro novamente e Maggie recuou, respirando golfadas de ar. Então saiu correndo, os passos soando secos e pesados contra o chão de pedra.
Aurora respirou fundo, ajeitando a gravata do uniforme no reflexo do espelho. Seus dedos pareciam pegajosos, com cheiro de sangue, e ela lavou a mão cinco vezes antes de sair do banheiro, passando pelos numerosos estudantes que corriam para almoçar.
Quando a onda de raiva passou, o remorso começou a trilhar os caminhos de sua mente. Parte sua não conseguia entender, sempre fora boa em ignorar as especulações, em não deixar que os rumores maldosos a afetassem.
É claro que no começo que ela chorava, se trancava no banheiro e ficava lá até os pulmões doerem. Mas depois de um tempo, ficara imune às palavras, percebera que suas lágrimas não a levariam a lugar nenhum. Afinal, aquilo tudo era um jogo. Um reino, onde ninguém se importava com seus sentimentos, e para chegar no topo, tinha que se usar sua melhor máscara.
Cada momento era crucial e erros não eram permitidos. Mesmo assim, Aurora havia se descontrolado. Não sabia o porquê, mas restringir seus impulsos mágicos estava ficando cada vez mais difícil. Desde o acontecimento no Ministério, algo se soltou dentro dela e o que quer que fosse, não estava a fim de voltar para gaiola.
(...)
Na manhã seguinte, os relatos sobre o que acontecera no banheiro feminino haviam infectado a escola toda como uma praga mágica. E embora o confronto com a garota da Grifinória tenha lhe proporcionado uma sensação de profunda satisfação, as consequências não demoraram muito para aparecer.
— Há algum motivo, além da eterna inveja, para todos os olhares nesta manhã? — indagou Pansy, enquanto atravessavam os corredores a caminho do Salão Principal.
— Não faço ideia, mas está começando a me irritar. — respondeu Daphne.
— Oh, eu gostaria de ver isso.
Ao lado das amigas, Aurora continuava silenciosa feito uma sombra. Durante todo o trajeto, os sussurros rastejavam atrás delas como serpentes. No Salão Principal, a luz pálida da manhã preenchia lentamente as janelas altas e o singelo raiar do dia lutava contra nuvens de chuva, acumuladas nas encostas da colina e nas montanhas que se desenhavam no horizonte.
Um burburinho começou assim que elas atravessaram as portas duplas. Theodore, Blaise e Draco estavam sentados na mesa da Sonserina, conversando baixo entre si. Aurora se perguntou onde estava Bennedict, mas logo o viu flertando com duas garotas na mesa da Grifinória.
— Por Merlin, ele não consegue se segurar? Estamos no segundo dia. — exclamou Pansy, com uma mão no quadril, a expressão sombria e crítica.
— É da natureza dele. — respondeu Theodore, imperturbável.
— A natureza dele é ser um gigolô? — perguntou Aurora, servindo-se de cereal e leite. Pansy riu. — Então, quais aulas temos hoje?
— História da Magia, dois tempos de Feitiços, Runas e dois tempos de Aritmancia Avançada... — respondeu Blaise, que provavelmente já havia decorado o horário todo.
— Urgh, eu preferiria um chute no saco do que dois horários de Aritmancia. — gemeu Nott, enfiando uma colherada de mingau na boca.
— Então porque se inscreveu na matéria? — indagou Draco, irônico.
— Como se eu tivesse escolha... — murmurou Theo, e começou a reclamar de sua família e a eterna cobrança.
O monólogo dele durou pouco tempo. Pois logo Bennedict se aproximou, feliz como um paciente de hospício.
— Ma chérie, Aurora... — cantarolou ele, seus olhos brilharam ao concentrar-se na amiga. — eu sempre soube que você era mais que uma coisinha bonita e arrogante.
— O que você quer, Ben? — ela soltou um muxoxo, preparando-se para o pior.
— Fiquei sabendo que está recrutando pessoas para um sacrifício satânico. — Clinfford deu um tapinha nas costas dela, então sentou-se ao seu lado. — como faço para me candidatar?
— Ah, cala a boca.
— Porquê? O que aconteceu? — perguntou Pansy, observando-os com desconfiança por cima da xícara de café.
— Aposto que andou fazendo rituais com as crianças do primeiro ano. — sugeriu Malfoy.
Aurora apenas estreitou os olhos, imaginando como seria se jogasse seu café na cara de Draco. A boca dele curvou-se levemente para cima, nem um pouco afetado pela hostilidade visível no olhar dela.
— Parem com isso. Vocês estão sendo ridículos. — comentou Daphne.
— Estão mesmo. — concordou Blaise.
Mas antes que continuasse com o sermão, uma movimentação na entrada do Salão Principal chamou a atenção de todos os alunos. Logo, dois garotos mascarados entraram correndo no salão, jogando para o alto os papéis que carregavam. As folhas caíram feito flocos de neve e as pessoas esticaram as mãos, saltando para pega-las no ar.
Ao lado de Aurora, Pansy se levantou e agarrou um papel. Era a primeira notícia do ano vinda do Hogwarts Diário, e ao dar uma olhada, foi possível ver uma grande foto de Aurora na capa, onde seus olhos estavam riscados com dois "x". A legenda dizia: A loucura é de família?
— Ah merda... — balbuciou Pansy.
— Você atacou uma garota da Grifinória?! — Daphne arrancou o papel da morena, parecendo horrorizada.
Aurora engoliu seco, procurando com os olhos os garotos que lançaram aquilo. Ela deveria ter sido mais cuidadosa, deveria ter se lembrado que em Hogwarts era impossível guardar um segredo, afinal todo ano um aluno de cada casa era escolhido para cuidar do Hogwarts Diário e de suas notícias.
Aurora pegou o papel de Daphne, observando a "notícia". O monstro em seu peito arranhou as paredes, implorando para ser libertado. Naquele momento, a xícara de café que estava a sua frente trincou.
— Aurora, se acalme. — murmurou Daphne, aflita. — Oh Merlin, quem faria uma coisa dessas?!
— É impossível saber, todo ano fazem essa palhaçada. Foi ingenuidade nossa pensar que dessa vez não seria pior. — disse Blaise. Pela primeira vez, parecia irritado com algo.
Ela grunhiu baixinho, e a xícara explodiu à sua frente, salpicando de café com leite a mesa e aqueles ao redor. As pessoas que cochichavam e riam se calaram no mesmo momento, e ninguém se atreveu a olhar por mais de um segundo.
Naquele instante, Snape desceu da mesa dos professores e caminhou até a mesa da Sonserina. Aurora sentiu um nó se alojar em sua garganta, como se seu corpo já soubesse de antemão que não se tratava de coisa boa.
— Senhorita Black. — murmurou ele. — venha comigo, por favor. O diretor deseja vê-la.
Num silêncio pesado, Aurora se levantou e o seguiu para fora do Salão. Ela manteve os olhos em um ponto fixo à frente, fazendo o possível para ignorar todos ao seu redor.
Eles fizeram todo o percurso sem trocar uma palavra, e em certo ponto, viraram num corredor estreito e pararam diante de uma gárgula de pedra.
— Acidinhas — disse Snape. A gárgula saltou para o lado e atrás dela surgiu uma escada circular de pedra que subia suavemente, como uma escada rolante.
Os dois subiram em círculos, até que por fim, Aurora viu uma porta de carvalho reluzindo à sua frente, com uma aldrava em forma de grifo.
Snape bateu na madeira duas vezes. Do outro lado, ouviu-se a voz do diretor:
— Entre!
O professor carrancudo fez um sinal para que ela fosse em frente e deu as costas, retornando seu caminho. Aurora respirou fundo e adentrou o escritório.
— Bom dia, senhor. — disse, observando ao redor. A sala de Dumbledore era bonita e circular, com uma vista espetacular do Lago Negro e os bosques circundantes.
As paredes eram cobertas de retratos de antigos diretores e diretoras, todos eles cochilavam tranquilamente em suas molduras. Havia também uma enorme escrivaninha de pés de garra, e, pousado sobre uma prateleira atrás dela, o Chapéu Seletor, surrado e velho.
— Ah, bom dia, Aurora. Sente-se, por favor! — disse Dumbledore, sorrindo. Ele se acomodou atrás da escrivaninha e a encarou com aqueles olhos azul-claros penetrantes. — Espero que seu retorno a Hogwarts tenha sido agradável.
— Foi sim, senhor. — ela respondeu. E sentou-se na poltrona fofa de frente à ele.
— Aposto que andou muito ocupada, já recebeu até mesmo uma detenção. — disse Dumbledore, sorrindo calmamente.
— Ãa... — começou Aurora sem jeito. — aquilo foi um acidente.
— Claro... você e o Senhor Malfoy já se meteram em muito acidentes, não é? — perguntou ele, inclinando a cabeça. Era impossível decifrar sua expressão. — eu me lembro da vez colocaram fogo na sala da professora Minerva.
Aurora engoliu seco. A ansiedade fazia suas mãos suarem e ela as esfregou na saia, lutando para manter a calma.
— Sinto muito...
— Bom, Aurora — continuou o diretor em tom objetivo. — Você certamente está se perguntando o que te chamei aqui.
— Sim, senhor.
— O que aconteceu com a senhorita Maggie Brookes foi muito grave, não toleramos ameaças em Hogwarts, muito menos violência. — disse Dumbledore, sério. — por sorte, ela concordou em deixar tudo para trás caso você se desculpe.
Aurora franziu o cenho, remexendo-se na poltrona, incomodada. Pedir desculpas era a última coisa que tinha em mente.
— Me desculpe, senhor, mas eu tenho outra opção?
Houve um longo momento de silêncio, então Dumbledore disse, parecendo confuso.
— Perdão, senhorita, não sei se entendi.
— Quero saber se tenho alguma outra opção como... outro castigo talvez. — sugeriu Aurora, mordiscando o interior da bochecha.
— Bom, senhorita Black, pedir desculpas não é nenhum castigo. — Dumbledore cruzou as mãos sobre a barriga, observando-a com profunda atenção.
— Com todo respeito, diretor, mas não posso pedir desculpas por algo que não me arrependo. Aquela garota disse coisas horríveis sobre meu pai e minha família, posso ter agido por impulso, mas não vou deixar que as pessoas me ofendam e saiam em pune.
O diretor ergueu as sobrancelhas, parecendo surpreso. Seus olhos curiosos a estudaram em silêncio por um longo momento, então ele soltou um suspiro:
— Eu sei que a perda de Sirius deve ter sido muito dolorosa para você, Aurora. Assim como sei que as pessoas podem ser más quando querem. Mas é por isso que você precisa se manter racional quando coisas assim acontecerem. Se irritar e agir do modo que você agiu só dará abertura para que as pessoas falem ainda mais.
Aurora queria mandar Dumbledore ir se ferrar. Mas como não podia fazer fazer isso, abriu um pequeno sorriso e fingiu concordar. Por baixo da mesa, seus punhos estavam cerrados. Era óbvio que ela sairia como a errada, fora estupidez pensar que Dumbledore ficaria do seu lado.
— Enfim... — suspirou o diretor. — A detenção é sempre uma opção para alunos que descumprem as regras. Irei falar com o representante da sua casa.
— Certo. Posso ir agora?
(...)
— É verdade então? Você ameaçou matar aquela menina?
A voz de Daphne foi a primeira coisa que Aurora ouviu assim que deixou a sala do diretor. A loira estava esperando no corredor, andando de um lado para o outro, como se não conseguisse ficar parada.
— É claro que não, quanto drama. — Aurora revirou os olhos. — Só disse que ia arrancar a língua dela caso a ouvisse falando merda sobre mim de novo.
— Caramba, Aurora! — a Greengrass choramingou. — Você enlouqueceu de vez? Não pode fazer uma coisa dessas, vai acabar sendo expulsa! Ainda mais contra um aluno da Grifinória!
— Não liga pra ela, aquela vaca mereceu. — Pansy sussurrou com um pequeno sorriso, inclinando-se na direção de Aurora. — está na hora de voltar a impor algum respeito nesse maldito lugar.
Daphne lançou um olhar afiado a Pansy, mas a morena não se importou. Pansy tinha uma noção distorcida de crimes e punições, e todos sabiam que coisas ruins aconteciam com aqueles que a irritavam.
— E então, o que aconteceu lá dentro? — perguntou Daphne, brandamente, enquanto as três retomaram o caminho para a sala de aula.
— Detenção.
— Só uma? — perguntou Pansy.
— Acho que sim, era isso ou pedir desculpas para garota. — Aurora sacudiu os ombros. — prefiro tomar veneno do que me humilhar a esse ponto.
— Sinceramente, o que há de errado com você? — Daphne virou-se para ela, chocada.
— Desvio de caráter e vício em café. — sorriu Aurora. — E o que há de errado com você?
A loira bufou, apressando os passos pelo corredor. A próxima aula era do Professor Flitwick, o bruxo miúdo que ensinava feitiços e tinha de subir numa pilha de livros para enxergar por cima da mesa.
Naquele dia, eles retomaram alguns feitiços básicos que haviam aprendido no ano anterior, tentando executa-los de forma não verbal. Com o passar das aulas, ficou claro para Aurora que seu ato contra a garota da Grifinória causara consequências incomensuráveis.
Ela sentia-se sentada sob um holofote; as cabeças viravam sempre que entrava em uma sala e diversos olhares furtivos eram lançados em sua direção. Havia certa tensão no ar, e algumas meninas mais novas tomavam distância quando passavam por ela, como se temessem que Aurora fosse atacá-las em plena luz do dia com um punhado de livros.
Quando a última aula acabou, Aurora correu de volta para as masmorras, ignorando o vazio em seu estômago. Ter que lidar com uma multidão querendo seu sangue no Salão Principal era pior do que a fome.
— Duas detenções em menos de uma semana... — assoviou Arcturus, materializando-se ao lado dela. — você está tentando infartar Remus, ou o que?
— Deus, Art, isso não tem graça. — exclamou ela, os olhos arregalados.
— É claro que tem, você só não está captando o humor. — ele riu.
— Como você sabe disso, afinal?
— As notícias correm. — ele deu de ombros. — Ei, se receber alguma carta lembre-se de abri-la em um lugar fechado, ninguém gosta de ouvir berradores alheios.
— Obrigado pela dica. — Aurora revirou os olhos, reprimindo a vontade de estender a mão e dar um peteleco na orelha dele.
— Sempre ao seu dispor. — Art imitou o gesto de alguém retirando um chapéu. Então agarrou-a pelos ombros, a expressão tornou-se séria. — tem certeza que foi uma boa ideia voltar? Remus não vai ficar chateado se você quiser ficar em casa por mais alguns meses.
— Estou bem, não se preocupe comigo. — ela deu um sorriso fraco. Arcturus não parecia muito confiante, mas acabou concordando.
— Vejo você amanhã?
— Se eu sobreviver a esse dia... — Aurora resmungou. Para seu imenso desgosto, ainda tinha de cumprir detenção com Draco limpando a Sala de Poções depois do jantar.
O pensamento por si só causava náusea e irritação. E por mais que ela tenha tentado adiar o máximo possível - enrolando no dormitório e lendo o último livro que Pansy havia lhe dado - os ponteiros voaram no relógio da cabeceira da cama.
Quando Aurora deixou a sala comunal, os corredores já estavam vazios e escuros. Ela encontrou com Malfoy no meio do caminho, e assim que ele a viu, um pequeno sorriso se formou nos lábios pálidos. Não era um sorriso gentil.
— Satisfeita com seus feitos? — zombou.
— Vai se foder. — respondeu ela, apressando os passos e tomando distância dele.
Filch, o zelador perverso e bisbilhoteiro, que odiava os alunos até mesmo mais que Snape, sorriu com prazer enquanto os aguardava em frente a porta da sala com esfregões, escovas e dois baldes a seus pés.
— Voltarei em algumas horas para ver como vocês estão. — disse, sorrindo maléficamente. — Sem pegadinhas, ouviram?! Vou saber se tentarem me enganar!
Aurora e Draco trocaram um olhar rápido de desprezo entre si, então entraram na sala iluminada por lampiões. Sem os alunos era possível perceber o quanto ela era grande. Haviam vários balcões espalhados, armários com ingredientes para os estudantes e paredes revestidas com animais conservados em frascos de vidro. Num dos cantos, uma gárgula jorrava água em uma bacia.
Em silêncio, Aurora pegou um balde e uma escova, e começou limpar os balcões. Estava ciente de que quanto mais rápido terminasse, mais rápido se veria livre de Malfoy, por isso queria fazer aquilo com o mínimo de interação possível. Draco, por outro lado, tinha planos diferentes.
— O que há de errado com você? — perguntou ele, sem rodeios. — Não sei o que é, mas há algo diferente.
— Cortei o cabelo.
— Não, não cortou. — seus olhos se estreitaram, como se estivesse analisando um quadro complexo e cheio de detalhes. — porque atacou aquela garota?
— Não importa. — ela rebateu. — será que podemos fazer isso em silêncio? Sua voz me irrita.
— Os ataques de raiva... — continuou ele, sem se abalar. — tem haver com aquilo que aconteceu no Ministério, não é?
— Não sei. — balbuciou Aurora, como se as perguntas dele fossem muito chatas para merecerem uma resposta completa.
— Não se faça de idiota. — estressou-se o loiro. — Eu vi o que aconteceu, vi o que você fez , e se não me contar como fez aquilo...
— Eu não sei como fiz! — gritou Aurora, virando-se para ele, as mãos se agitando no ar. — E não sei porque você está dando tanta importância a isso! O corpo é capaz de coisas inacreditáveis em situações de vida ou morte. Então talvez também seja capaz de promover habilidades sobre-humanas, ok?!
Por um longo momento, Draco apenas a observou, medindo-a de cima a baixo, o cenho franzido. A luz dos lampiões lançava uma penumbra amarelada sobre cômodo, deixando seus reflexos visíveis nas janelas de vidro escuro.
— Está mentindo. Acho que sabe sim o que aconteceu mas por algum motivo está escondendo isso. — disse Malfoy, por fim.
— Foda-se o que você acha, não é da sua conta.
— Ah é sim, você me envolveu nessa confusão! — acusou.
— Você se envolveu! — corrigiu ela, com amargura, os dentes cerrados. — Devia ter me deixado morrer.
— Pode acreditar, eu me arrependo disso todos os dias.
— Ótimo, finalmente concordamos em algo.
Por um longo momento, o silêncio pairou no quarto como a neblina que circundava os terrenos do castelo. Aurora desviou o olhar e voltou a limpar o balcão. Draco resolveu continuar falando, para a infelicidade dela:
— Mostre como faz.
— O que? — Aurora piscou, em choque. Ele só podia estar de brincadeira...
— Quero ver de novo. Mostre. — pediu, casualmente, como se estivesse pedindo para lhe passar o esfregão.
— E-eu... eu não sei como... não tenho controle. — gaguejou ela. Um medo frio tomou conta de suas entranhas. Medo de trazer novamente à superfície aquela força descomunal e não ser capaz de controla-la.
Draco ficou quieto, atento como um gato. Parecia pela primeira vez acreditar no que ela dizia. E quando Aurora pensou que ele finalmente havia desistido, ele disse, cruelmente:
— Claro que não tem controle. Você é fraca. Tem um poder e sequer sabe como usa-lo. — uma risada fria. — Você consegue ver o quão é inútil e patética?
— Vai se ferrar.
— Eu sinto pena de você. Mesmo com todo esse poder, ainda não consegue ser boa o suficiente. — continuou ele, cuspindo as palavras como se fossem veneno.
Aurora foi inundada por uma onda de fúria, algo pinicou e zumbiu por sua pele. A janela atrás de Draco soltou um estalo, formando uma rachadura que irradiava do centro para as bordas, como uma teia de aranha.
— Você ja pensou que se tivesse usado isso antes talvez Sirius estivesse vivo? Você poderia te-lo salvado, sabe.
Houve um momento de silêncio. Ela conseguia sentir as lágrimas enchendo seus olhos, o gosto do ódio preso no fundo da garganta, amargo. Sem pensar, Aurora arremessou um frasco de vidro que encontrou ao seu alcance na direção dele.
— Cale a boca! — grunhiu, parecendo um ser mais animal que racional. — Cale a boca! Cale a boca!
— O que você vai fazer, uh? Me machucar?
Conforme avançava na direção dele, Aurora continuou xingando palavras imundas, cuspidas. Ela o odiava tanto que podia sentir o sentimento queimando através de sua alma. Parte sua queria se afundar na escuridão novamente, mostrar o que ele havia pedido e acabar com tudo bem ali.
Naquele momento, Draco sorriu, satisfeito. Agarrou o rosto dela com uma mão e segurou o queixo com força, inclinando sua cabeça para trás e encarando atentamente seus olhos.
— Aí está. Interessante. — observou ele. — Coração negro, alma negra. O que diabos você fez, Aurora Black?
Aurora lutou contra ele, tentando se desvencilhar. Mas Draco apenas aumentou a força de seu apertou, fazendo uma dor se instalar no local.
— Seus olhos estão pretos. — disse ele. — Completamente pretos. Eu vi naquele dia, no ministério. Depois vi de novo, quando nos encontramos antes das audiências.
— O que...? — ela piscou, confusa. — do que está falando?
— Não sei o que significa. — continuou, a expressão séria. — mas precisamos descobrir, rápido.
Ainda sem entender, Aurora empurrou Draco para trás, que finalmente a soltou. A desconfiança tomou conta das feições dela; os dois foram projetados para brigar como soldados, aceitar ajuda vinda dele parecia muito com uma rendição.
— O que você quer? Porque está tentando me ajudar? — perguntou ela, o olhar firme e impassível.
Malfoy a encarou por um longo momento, então, para sua surpresa, jogou a cabeça para trás e começou a rir.
— Você achou que eu estava oferecendo ajuda? — indagou, irônico. — Desculpe, não foi minha intenção. Não estou te ajudando, Black, estou me ajudando. Estou fazendo isso porque não quero passar o resto da vida em uma cela, apodrecendo em Azkaban.
Aurora fez uma careta. Não gostava de ser alvo de deboche, muito menos de acarretar os desejos que alguém como ele. Ela era uma rocha, e não se curvava a ninguém.
— Você está a beira de um colapso, qualquer reação sua vem de um poço profundo de ódio. Você sequer da conta de lidar com as provocações, o que vai acontecer quand...
— Vou resolver isso sozinha, não preciso de você. — decretou ela, virando-se de costas para ele e retornando a limpeza no balcão. O filho da puta fizera aquilo de propósito e ela caiu como um patinho. Desgraçado.
— Você sabe o que é ser legilimente, Black?
Aurora o ignorou, como se suas palavras fossem indignas de atenção. Irritado, Draco pegou sua varinha e murmurou um feitiço baixo.
Um segundo depois, ela virou-se para ele; havia um olhar fulminante e uma careta de dor em seu rosto.
— Saia da minha mente!
— Então você sabe o que é...
— Malfoy... — um aviso baixo e furioso.
— Se eu adentrasse sua mente um pouquinho mais fundo, poderia ver todas as suas memórias. — disse ele, se aproximando novamente. Seus passos eram precisos, um pé na frente do outro. — Você deveria ter medo, Black. E deveria agradecer a Merlin que nos últimos meses ninguém decidiu inspecionar aí dentro. Tem noção de onde estaria agora se suas memórias caíssem em mãos erradas?
— Saia.
— Me tire. — retrucou ele, sorrindo maliciosamente. — não sabe como, né? Você tem sorte, garota. É sortuda para caralho. Mas sua sorte está acabando e você precisa de mim.
Eu não preciso de você! Não preciso de ninguém! Quis gritar Aurora, mas sabia que não era exatamente verdade. Uma palavra dele e tudo estava acabado. Uma batida do Ministério à sua porta e ela estaria condenada.
— Conheço alguém que pode descobrir o que está acontecendo com você. Alguém que vai ajudar a bloquear a sua mente para que ninguém descubra nada. — disse Malfoy, finalmente saindo de sua mente.
Aurora ponderou por alguns segundos. Ter uma dívida com Draco Malfoy era a mesma coisa que fazer um pacto com o diabo, essa era a última coisa que ela queria. Mas como todas as pessoas que recorrem às forças malignas, não havia muita escolha.
— Quem?
— Professor Snape.
Aurora queria rir. Queria gargalhar. O simples fato parecia insano. Impossível.
— Não. Nunca. — ela balançou a cabeça, achando graça.
O tom azedo na voz dela acabou com o resto da paciência de Draco.
— Por quê? Por implicância? — vociferou ele. — Não é possível que você seja tão burra assim! Ainda não entendeu a gravidade da nossa situação?! Isso dentro de você está crescendo e vai acabar destruindo todos nós!
Aurora ficou em silêncio. Estava cansada e irritada, principalmente porque parte sua sabia que Draco tinha razão. A coisa dentro de dela estava crescendo e se intensificando, tornando-se algo potente e assustador.
— Ele não vai concordar...
— Eu vou resolver isso. E você vai fazer o que for necessário. — ordenou Draco, as palavras saíram afiadas como gelo. — Há muita coisa em jogo. E eu não vou perder por sua causa.
Hesitante, ela o encarou. Não gostava que lhe dissessem o que fazer. Draco era um manipulador nato, alguém que só fazia o que achava que o beneficia de alguma forma. Uma voz dentro de Aurora a alertava sobre o perigo daquilo, mas ela a silenciou.
— Não sei qual é o seu papel nisso tudo, mas se fizer algo para me prejudicar, ou estiver de alguma forma tentando me enganar... vou fazer você se arrepender profundamente. Mesmo que isso cause minha própria destruição. — disse ela. Sua voz tinha uma suavidade perigosa, os olhos estavam sombrios. — Para seu próprio bem, não me desafie.
Draco abriu algo que poderia ser considerado como um sorriso ácido, e assentiu lentamente.
— Então temos um acordo. — A mandíbula travada e as sobrancelhas franzidas davam um toque ainda mais intimidante no rosto dele. Aurora encarou-o fixamente.
— Sim, temos um acordo.
ϟ
Olá, caro leitor, o que achou do capítulo de hoje?!
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