Capítulo 11
- O plano -
Quando Aurora deixou os aposentos particulares de Snape, já passava das dez da noite. Ela saiu da sala tonta e exausta, com os pensamentos confusos e uma fome avassaladora.
Caminhou pelos corredores desertos - àquela hora iluminados apenas por arandelas, que queimavam num fogo eterno - e dirigiu-se até a cozinha, localizada diretamente sob o Salão Principal.
Os elfos domésticos já estavam preparando os pratos para o café da manhã, mesmo assim, sorriram e inclinaram a cabeça quando viram Aurora, rapidamente oferecendo-se para ajuda-la. Todos eles usavam o mesmo uniforme; uma toalha de chá estampada com o timbre de Hogwarts e amarrada como uma toga. E logo, cinco se juntaram para fazer o maior sanduíche de queijo quente que ela já havia visto.
Quando se deu por satisfeita, Aurora voltou para a comunal da Sonserina, torcendo para que Pansy e Daphne já estivessem dormindo. Não queria responder a nenhuma pergunta naquele momento, muito menos explicar o que estava fazendo.
Felizmente os deuses ouviram suas preces, pois quando chegou ao dormitório, o cômodo estava mergulhado na escuridão, e era possível ouvir apenas a respiração suave das duas colegas. Com a cabeça ainda latejando de dor, Aurora deitou-se e logo a exaustão pesou sobre seu corpo, fazendo com que ela dormisse assim que a cabeça tocasse o travesseiro.
Em contra partida, não demorou muito para que pesadelos antigos aparecessem, adicionando mais angústia e desespero aos seus sentimentos usuais.
Mais uma vez, Aurora estava na Mansão Malfoy, atravessando a passagem secreta que levava a uma masmorra. O ar ali era denso e sinistro, pesando sobre os ombros como um manto pesado. Dessa vez, a porta no fim do corredor estava aberta, e lá dentro, diversas pessoas encapuzadas organizavam-se num grande círculo. Todos com a cabeça baixa, imóveis, em um silêncio sombrio.
Aurora aproximou-se com passos lentos, incapaz de controlar as próprias pernas. Ninguém parecia ter notado sua presença, e por um momento, ela pensou que eles não podiam vê-la. Mas então, uma das figuras encapuzadas deu um passo a frente, revelando seu rosto.
Os olhos inconfundíveis de Arcturus piscaram para ela. O belo rosto era quase um espelho do seu, exceto pelo medo e assombro que transformavam as feições dela.
— Não... — sussurrou Aurora, com dor na voz.
— Esse é o seu destino. Esse é o nosso legado. Não há como escapar. — disse Arcturus, o tom suave e manso como veludo. — Junte-se a nós.
Aurora deu um passo para trás, em pânico, suas mãos tremiam assim como o resto do corpo. Tentou se afastar lentamente, mas sentiu o corpo chocar-se contra algo sólido.
Ela congelou. A respiração ficou presa na garganta, o medo penetrou os ossos. Era possível sentir uma sombra volumosa erguendo-se às suas costas. E ao olhar sobre os ombros, ela o viu. Um ser alto e esguio, com uma frieza gélida que emanava do corpo. Um rosto desfigurado, inumano, semi coberto por um manto preto. Pele cinza e escamosa, olhos vermelhos irreais, visíveis até na mais profunda escuridão.
Aurora recuou, gritando, os olhos arregalados. Tropeçou nos próprios pés e sentiu o corpo cair no vazio, os braços estendidos, tentando agarrar qualquer coisa que a impedisse de despencar naquele abismo. De repente, seu corpo bateu contra a cama novamente e o choque a fez acordar aos berros.
— Não! Não, por favor! — gritou ela, esperneando e chutando os cobertores para longe. — Não!
Mãos geladas a seguravam de todos os lados, tentando agarra-la. Leva-la de volta para aquele inferno.
— Não me toquem! — Aurora continuou debatendo-se com força.
— Aurora! Sou eu, está tudo bem, você estava sonhando!
Aquilo fez com que ela abrisse os olhos. Seu rosto estava pálido e suado, os olhos cheios de lágrimas não derramadas. Ela piscou com força, olhando loucamente ao redor, o dormitório ainda estava escuro, exceto pela luz esverdeada que vazava por debaixo das cortinas.
Olhos azuis e uma cabeleireira loira entraram em seu campo de visão, e Aurora sentiu a respiração desacelerar. Daphne estava curvada sobre ela, encarando-a com preocupação. Pansy estava ao lado da loira, observando tudo com certo receio.
Aurora se sentou na cama, confusa e envergonhada. A cabeça latejava e o coração parecia prestes a explodir no peito.
— Me desculpem, eu... eu não queria acordar vocês.
— Bom, você acordou. — resmungou Parkinson, coçando os olhos sonolentos. — o que diabos foi isso?
— Pansy. — repreendeu Daphne, com firmeza.
— Eu só perguntei! — a morena bufou, jogando as mãos para o alto, e voltou para própria cama.
Daph revirou os olhos e virou-se novamente para Aurora, a expressão demonstrava cautela e certa inquietação.
— Você está bem? — perguntou, suavemente.
— Sim... — Aurora balançou a cabeça, limpando o suor que escorria da testa. Seus olhos não tinham foco nenhum. — desculpe, pode voltar a dormir.
— Pare de se desculpar por tudo. — Daphne juntou suas mãos e deu um leve aperto. — somos amigas, você pode contar comigo. Apenas tente descansar mais um pouco, ok?
Aurora assentiu, embora soubesse que seria impossível voltar a dormir. Deitada com o corpo tenso, envolta novamente pelo silêncio, ela passou a observar o dossel da cama. O pouco da luz que entrava por debaixo das cortinas fazia com que sombras e imagens estranhas dançassem nas paredes, intensificando o medo que tomava conta de suas entranhas.
Em silêncio, ela levantou-se, colocou um robe sobre os ombros e subiu para a comunal. Alguns dias sem pesadelos foram o suficiente para faze-la esquecer da terrível sensação de angústia e tormenta. A sensação de um futuro imprevisível. Da possibilidade de uma guerra se aproximando.
Agora, tudo voltara com a força de um furacão, no qual ela se via exatamente no olho. Aurora ficou horas sentada nas poltronas da comunal, observando o fogo queimar lentamente na lareira, pensando constante e implacavelmente, oscilando entre estados de preocupação, raiva e medo.
Gradualmente, as chamas foram baixando até só restarem brasas que se desfizeram em cinzas e, olhando ao seu redor, ela percebeu que o sol nascia lentamente.
Logo, vários alunos sonolentos começaram a aparecer, então Aurora resolveu para o dormitório e começar a se arrumar para o dia. Com Pansy e Daphne ainda dormindo, ela separou um uniforme limpo, tomou banho, escovou os dentes e passou maquiagem, a fim de esconder as olheiras e os resquícios daquela noite terrível. Quando saiu do banheiro, Daphne e Pansy ja haviam acordado, e se arrumavam cada uma na própria escrivaninha.
Daphne foi a primeira a perceber sua presença. Pelo reflexo do espelho, os olhos azuis se arregalaram e ela se virou, com o frasco de perfume ainda em mãos.
— Ei, como você está?
— Bem. Um pouco cansada. — respondeu, com um pequeno sorriso. Ela andou em direção a cama e começou a mexer na mochila para disfarçar o desconforto. — Podemos falar sobre isso depois?
— Claro. Sem problemas. — Daphne sorriu, com uma compreensão delicada nos olhos.
— Não acredite nela, Daph. Depois significa nunca mais. — disse Pansy, que ainda se maquiava em frente ao espelho.
— Não é verdade. — retrucou Aurora. Embora soubesse muito bem que era sim. Pansy revirou os olhos, mas não voltou a questiona-la sobre.
A amizade delas sempre dera certo por isso, independente de qualquer coisa, uma respeitava o limite da outra. E se Aurora realmente precisasse de alguém para desabafar, sabia que tanto a morena, quanto a loira estariam ali.
Pouco tempo depois, elas terminaram de se arrumar e subiram para a sala comunal. A luz da manhã fluía através dos vitrais esverdeados, e apesar de grande parte dos alunos estarem espalhados, conversando amenidades, havia uma pequena aglomeração em torno do quadro de avisos, lendo um pergaminho que acabara de ser afixado.
Enquanto se aproximavam para ver o que estava acontecendo, Bennedict e Theodore saíram da multidão, carregando sorrisos de orelha a orelha.
— Acabou de sair a lista do quadribol. Fomos designados para o time titular. — contou Ben, passando a língua pelos dentes brilhantes.
— Primeiro treino na quarta-feira — informou Theo.
Daphne soltou um gritinho animado, parabenizando o moreno com um beijo na bochecha.
— Eu disse a vocês que seriamos titulares. Não é como se houvesse muitos outros candidatos a altura. — zombou Aurora, com sorriso de satisfação. O reconhecimento acadêmico sempre fazia a adrenalina pulsar em suas veias.
— Você precisa de mais humildade nesse seu coração, chérie. — disse Bennedict.
— E ela tem um? — a voz ácida de Draco surgiu primeiro que ele.
Aurora não precisou virar para sentir sua presença. Era sobrenatural a forma como ele podia ser sentido. Quase como uma sensação de perigo iminente.
— Você já pensou em virar comediante? — retrucou ela, cruzando os braços.
— Eu não preciso. — respondeu ele, avançando através dos alunos que se afastavam rapidamente para deixa-lo passar. A sombra de um sorriso apareceu no rosto pálido quando Draco apontou para o próprio nome escrito no alto da lista.
Aurora bufou, revirando os olhos. Porque ele não podia simplesmente morrer sufocado com o próprio ego?
— Então, com quem acham que será o primeiro jogo? — Pansy perguntou, alheia a troca de olhares fulminantes que seus amigos trocavam ao seu lado.
A aglomeração já estava se desfazendo e eles seguiram a grande massa de alunos para fora da sala comunal, rumo ao Salão Principal.
— Corvinal ou Lufa-Lufa — chutou Theodore. — nunca colocariam a Grifinória contra nós no primeiro jogo.
— Sabem, esse ano estou sentindo um bom pressentimento. Já consigo ver o brilho da Taça de Quadribol chegando. — Bennedict sorriu, estalando os lábios. — vou beber champanhe dela como um bebê chupando leite das tetas da mãe, anotem o que estou falando.
— Pelos Céus, Clinfford. — suspirou Aurora, com uma careta.
No meio do caminho, Blaise apareceu de onde quer que estivesse e se juntou à eles, silencioso como uma sombra. O grupo continuou avançando pelos corredores, conversando sobre deveres e quadribol, até chegarem ao salão para tomar café bem na hora em que pousavam as corujas trazendo o correio.
Aurora conseguiu ver Dahlia ao longe; suas penas eram tão escuras que no brilho fraco do sol, pareciam azuladas. Os olhos vermelhos de caçadora encontraram a garota com facilidade, e a coruja pousou com um gesto gracioso na mesa da Sonserina. Trazia no bico curvo um pequeno envelope pardo, cujo nome de Remus estava gravado no verso.
Aurora sentiu os dedos tremeram levemente ao abrir a carta. Seus olhos correram da esquerda para a direita enquanto liam a mensagem. A vozeria do Salão parecia ir cessando ao seu redor e uma expressão de sinistra se espalhou por seu rosto.
Remus dizia que estava abandonando a Mansão Black pois as perseguições aos lobisomens haviam aumentando. Ele também contou sobre todos os horrores que acontecera em Londres nas últimas semanas; os ataques cada vez mais brutais, as pessoas abandonando suas casas, o aumento constante da perseguição aos trouxas e mestiços. Tudo aquilo Ministério não queria compartilhar.
Uma onda de náuseas passou por Aurora e ela fechou a carta novamente, perdida nos próprios pensamentos. Tudo aquilo estava correndo para o desfecho óbvio de uma guerra. Uma guerra onde as consequências seriam inimagináveis. Catastróficas.
Ela observou os amigos, alheios a tudo que se passava em sua mente e a tudo que acontecia fora dos muros do Castelo. O momento mais temido enfim havia chegado, era hora de tomarem uma decisão.
(...)
Na sexta-feira a tarde, quando o sino da última aula tocou, vários alunos irromperam das salas de aula por toda a extensão do corredor, numa corrente humana rumo às comunais ou ao Salão Principal.
O grupo de sonserinos, por outro lado, contornou a multidão por um atalho que levava às masmorras. Onde, no quarto piso abaixo do nível do Lago, havia uma sala abandonada, descoberta e nomeada por Bennedict.
O "Covil" era um lugar onde eles estudavam até suas têmporas latejarem. Bebiam em dias de vitória ou fracasso. E não precisavam esconder suas verdadeiras índoles.
Com o passar dos anos, o cômodo deixou de ser um resquício esquecido da escola - com seus móveis antigos e milhares de teias de aranha - e passou a ser um ambiente confortável, que tinha um pouco da personalidade de cada um.
Blaise adicionou uma estantes de livros improvisada e uma mesa de madeira circular. Bennedict transfigurou um sapato velho em um sofá surrado. Pansy consertou a lareira que não funcionava, enquanto Aurora e Daphne a decoraram com velas aromáticas e globos de neve. Theodore construiu um pequeno ringue de duelos. E Malfoy fez seu próprio laboratório de poções, com um conjunto químico que apenas pocionistas profissionais tinham e uma estante inteira de livros gastos e volumosos.
— Você podia dizer logo do que se trata ao invés de fazer todo esse suspense. — sugeriu Pansy, assim que eles adentraram ao cômodo.
— Abra seu coração para nós, belle. — concordou Bennedict, se jogando no sofá, as pernas para cima e os braços dobrados sob a cabeça. — todo problema tem uma solução. A não ser que esteja grávida, ai precisaremos...
— Meu deus, é claro que não!
Bennedict a encarou com desconfiança, batendo um dedo no queixo.
— Matou alguém e precisa de ajuda para esconder o corpo?
— Não. — Aurora revirou os olhos.
— Tem certeza? Sei maneiras ótimas de desovar um cadáver...
— Cale a boca e deixe-a falar, por Merlin — interrompeu Blaise.
Bennedict sorriu ironicamente, mostrando o dedo do meio para ele. O moreno retribuiu o gesto.
— Acho que vão querer se sentar. — disse Aurora, engolindo seco, enquanto tomava um lugar para si numa pequena poltrona.
Theodore jogou as pernas de Bennedict para o lado e se sentou no sofá surrado, deixando um espaço para Daphne se acomodar. Blaise, Pansy e Draco também obedeceram, sentando-se em seguida, as expressões despreocupadas, sem ter ideia de que o assunto a seguir pudesse mudar para sempre o rumo de suas vidas.
— Recebi uma carta do meu tio alguns dias atrás. — começou Aurora, pigarreando.
Tinha seis ou sete discursos preparados, mas nenhum deles parecia bom o suficiente para iniciar aquela conversa.
— As coisas estão realmente ruins lá fora. As pessoas estão aterrorizadas. Há tanta gente inocente e crianças morrendo que eles perderam as contas e... tudo isso vai piorar, sei que vai.
Houve um momento de silêncio. Cada um deles se remexeu no assento, desconfortável. A tensão era quase palpável no ar.
— Não acho que podemos ficar parados enquanto tudo isso acontece.
— Bom, parece que chegou a hora, não é? — disse Blaise, apoiando as mãos no joelho. Seu tom era tranquilo, quase como se estivesse falando que havia chegado a hora do chá.
Aurora o encarou, balançando a cabeça lentamente.
— Sim... sim, chegou.
O silêncio recaiu sobre eles, mais pesado do que antes. Todos estavam com a cabeça baixa, sem olhar diretamente nos olhos uns dos outros. Sabiam que se olhassem veriam apenas o reflexo do próprio pânico.
A realidade pairava sobre eles como corvos em volta de carcaça. E a verdade era terrível demais para ser pronunciada em voz alta.
Até o momento, eles puderam viver orgulhosamente, apenas carregando os frutos de seus ancestrais. Aproveitando-se das festas chiques, do dinheiro, e do poder de quebrar as regras sem sofrer as consequências.
Portanto, tudo tinha um preço. E eles sabiam que uma hora a tradição falaria mais alto. Sabiam que pelas histórias de suas famílias, deviam recorrer a maior fonte de poder, qualquer que seja ela. E com isso, havia chegado a hora de fazer uma escolha.
— Não podemos continuar fingindo que nada está acontecendo. — continuou Aurora, inspirando profundamente. — Uma hora ou outra vamos ser puxados para dentro desse caos e precisamos estar preparados.
— E o que vamos fazer? — questionou Theodore, com uma expressão confusa.
— Fugir? — arriscou Pansy, olhando-o de esguelha.
— E viver no meio da floresta, como Wendy e os Meninos Perdidos? — zombou Aurora. — Não, estaríamos apenas dando início a uma nova era de negação. As consequências chegariam uma hora ou outra.
Pansy franziu a testa, a irritação consumiu seus olhos.
— Olha Aurora, sei que você não entende, mas não podemos simplesmente dar as costas aos nossos pais. — cuspiu ela.
— Pansy! — exclamou Daphne, chocada.
— Sinto muito, mas é a verdade.
— Eu sei disso. — respondeu Aurora, sem se abalar.
E ela realmente sabia, o nome que eles possuíam não era apenas poderoso, era um fardo pesado a ser carregado; uma corrente; um castigo.
— É por isso que minha intenção não é fazer com que deem as costas a ninguém. Não precisamos de nada definitivo, tudo que precisamos é de uma estratégia.
— Aurora... — Daphne mordeu o lábio inferior. A boca estava sem cor, assim como o resto do rosto dela. — onde está realmente querendo chegar com isso?
— Como eu disse, precisamos de uma estratégia. E onde melhor planejar a queda do inimigo, a não ser ao seu lado?
Ninguém falou nada. A expressão no rosto de Daphne poderia ser classificada como o início de um derrame. Ao seu lado, Theodore enfiou uma mão no bolso e puxou um cigarro, inalando fortemente. Bennedict parecia confuso. Pansy riu. Blaise apenas piscou.
— Você sabe que há maneiras mais fáceis de cometer suicídio, não é? — indagou Theo, estremecendo enquanto soprava a fumaça.
— Será como um ato de devoção. — continuou Aurora. — Um presente... e as vezes um presente é uma apenas armadilha.
— Você enlouqueceu? — Draco finalmente falou. Ele a encarava fixamente, o rosto sombrio, a expressão não se alterando nenhuma vez.
— Não! Você não consegue perceber que estamos no limite? — vociferou ela. — vivendo como se nada tivesse acontecendo a nossa volta, como se não houvesse uma guerra bem na nossa frente!
— Bom, ainda não sabemos se vai ter uma guerra. — murmurou Ben, baixinho. A cabeça estava apoiada em uma das mãos, parecendo pensativo.
— Vai acontecer de um jeito ou de outro.
— Isso é loucura, Aurora, acho que dessa vez Draco está certo. — falou Daphne, devagar, ainda se recuperando do choque.
— Eu sei o que parece. Mas qual disfarce seria melhor que esse? — praguejou ela. — nós somos os únicos capazes disso.
— Há uma diferença grande entre o que somos capazes de fazer e como escolhemos usar essa capacidade. — disse Pansy, com os lábios contraídos.
Aurora sentiu sua irritação, ultimamente tão à flor da pele, subir para a superfície mais uma vez. Ela encarou Pansy com certa fúria e sangue nos olhos.
— Pelo que lutamos, Parkinson? Você ainda se lembra? Leais até a morte. Não nos dobramos e nem quebramos. Nunca.
Apesar do olhar feroz, Pansy não respondeu. Aurora estava certa, afinal, aquele era o lema deles. O início de suas amizades não fora um ato natural, fora estrategicamente pensado. Uma aliança na qual podiam aumentar seus poderes. E assim, protegerem uns aos outros.
Mas dali surgiu algo verdadeiro. Lealdade e amor. Graças a Bennedict, o elo que tinham se transformou em algo emocional. Os fez enxergar de outra perspectiva, fazendo com que uma simples aliança virasse uma amizade inseparável. Ninguém estava disposto a perder aquilo.
— Precisamos proteger uns aos outros. Agora mais do que nunca. — enfatizou Aurora. Os demais apenas trocaram olhares significativos, medo e hesitação estava gravado em cada face.
— Espere ai — falou Pansy, os olhos alternando rapidamente entre Theodore, Draco e Blaise. A surpresa fez com que seus lábios separassem levemente. — vocês foram marcados? Porque ninguém me disse nada?
— Theo apenas me disse que estava fodido ao quadrado. — Bennedict riu, sacudindo os ombros.
— Você realmente não sabe guardar um maldito segredo, sabe?! — Draco resmungou.
— Ah cale a boca.
— E como foi que você descobriu? — Pansy virou-se novamente para Aurora.
— É uma longa história. — ela balançou a cabeça, olhando rapidamente na direção de Malfoy. Fogo e fúria dançavam nos olhos dele.
— Porra, isso muda tudo.
— É isso que estou dizendo. — retomou Aurora, desviando o olhar do dele e reprimindo um arrepio. — Arcturus falou que não tem como sair depois da iniciação. E é por isso que nós precisamos entrar. Precisamos destruir ele de dentro para fora.
A incerteza ainda pairava entre eles, mesmo assim, houve uma pequena mudança no ar conforme a possibilidade se instalava.
— Sei que ninguém aqui quer essa vida. Mas pra mudar isso precisamos agir juntos. O poder dos nossos nomes e poder de nossas famílias nunca fariam ninguém desconfiar. É o nosso dever.
— Aurora está certa. — disse Theo. — Talvez seja uma péssima ideia. Mas talvez seja o único jeito de escapar disso vivos.
— Eu não achei uma péssima ideia. — opinou Zabini, tranquilamente.
— Obrigada, Blaise.
— Vocês estão todos loucos? — exclamou Draco, olhando descontroladamente de um para o outro. As mãos agarravam com força os braços da poltrona, os nós dos dedos estavam completamente brancos pela força direcionada ali.
— Malfoy... — começou Aurora, devagar.
— Vá se ferrar, eu estou fora. — esbravejou ele, antes de se levantar com raiva da poltrona e caminhar de depressa para fora dali.
— Merda... — murmurou ela, também se pondo de pé.
Aurora avançou para fora do cômodo, andando rapidamente atrás dele. Draco já estava no meio do corredor quando ela o alcançou, puxando-o pelo antebraço para que parasse.
— Apenas me ouça, por favor.
— Você não podia deixar de se intrometer, podia? — ele virou-se, desvencilhando dela com rispidez.
A expressão em seu rosto estava vazia mas os olhos transbordavam, como uma tempestade lentamente se formando.
— Sinceramente? Não, não podia — disse Aurora. — sinto muito se eu não consigo mais fingir que não estamos no meio de uma guerra, enquanto pessoas inocentes morrem e desaparecem dia após dia.
— E quanto a nós? Você tem alguma ideia do que pode acontecer com a gente se algo der errado, uh? — desafiou ele. A fúria contorceu sua expressão. — você não sabe do que ele é capaz... do que faz com traidores...
— Estaremos seguros. Tudo que precisamos fazer é ficar juntos. Essa é a nossa chance, Malfoy. A única chance. Não da mais para tapar os olhos e fingir que nada está acontecendo. Simplesmente não tem como.
— Você realmente não sabe no que está se metendo. Arcturus pode ter tentado te alertar, mas é claro que você não escutaria.... A partir do momento em que se entra nisso, não há como sair. Não se pode deixar para trás. Eles vão te perseguir, te caçar até o fim do mundo. Vão acabar com sua vida e arrancar de você as coisas que mais ama! — suas palavras estavam marcadas pela amargura. Os dentes cerrados fortemente. — A arma dele somos nós. Nossas crenças, nossas fraquezas. Consegue entender isso, porra?!
Aurora ficou em silêncio, encarando-o como se fosse a primeira vez o via. Os olhos pratas estavam escuros, os ombros contraídos e a testa levemente molhada com partículas de suor. Eram pequenos sinais, quase imperceptíveis, mas eram o suficiente para que ela entendesse.
Embora Draco fosse bom em esconder, Aurora conhecia aquele olhar, conhecia o medo e o pânico que o assolavam. Olhando para ele agora, com o rosto perturbado e quase maníaco, ela conseguia ver a verdade em sua pose. Aquilo tudo não passava de uma fachada para esconder o medo. Um medo que era possível sentir nele, assim como sentia sua respiração acelerada.
Mas por outro lado, Aurora também conseguia ver o ódio. Um tipo de ódio desequilibrado e incontrolável. E para conseguir te-lo ao seu lado, a única coisa que ela precisava era alimentar aquele sentimento, transformar a faísca em fogo.
Ele tentou sair andando pelo corredor, mas ela se pôs novamente a sua frente. Draco fechou os olhos, respirando com força.
— Porque você me ajudou? Tanto aquele dia no Ministério quanto na sua casa? Você poderia muito bem ter me entregado para os comensais, mas não fez isso.
— Você queria que eu tivesse? — desafiou ele.
— Pare de fugir das minhas perguntas e responda o porquê? — insistiu Aurora. — uhn?
— Não sei. — Draco balançou a cabeça, como se tentasse se livrar da voz dela.
— Sim, você sabe. Você não é burro. Repugnante e idiota sim, mas não burro. Você sabe onde sua lealdade realmente está. Você sabe que para ele, você sempre será um instrumento, alguém que passará o resto da vida se curvando e buscando aprovação. Você pode escolher esse caminho se quiser, a escolha é sua. — a voz dela era como um rugido feroz. — Mas eu conheço você, Malfoy. Sei que em algum lugar ai dentro, você preza pelos seus amigos. E sei que você deseja ter poder tanto quando eu, sei que tudo que você mais quer é reinar por cima da sociedade, e não acredito por um segundo sequer que esteja satisfeito em ser a porra de um peão no tabuleiro de alguém.
— Você não me conhece. — retrucou ele. Seus corpos estavam tão próximos que era possível sentir o calor um do outro. Seus olhos não se desviaram, travando uma eterna batalha.
— Ou — continuou ela, o cortando. — você pode escolher outro caminho. Pode conquistar o que quiser. Pode ter um papel grande nessa guerra. Porque a guerra vai acontecer, e não se iluda achando que está seguro do lado em que está.
Ele ficou em silêncio. Mesmo assim, era possível ver algo se movendo, trabalhando, em sua mente. Os cantos da mandíbula apertaram novamente. Aurora percebeu que ele oscilava entre a raiva e o medo.
— Segurança... Você realmente acredita nisso não é? — Draco perguntou, quase rindo. — realmente acha que se por algum motivo vencermos essa guerra, tudo ficará bem? Nós vamos ser caçados e mortos, Black. Nunca estaremos seguros...
— E você pensa que deixar Voldermot vencer é a melhor opção? — rebateu ela.
— O que eu penso não importa. Mas o que eu sei, é que o risco é muito alto. E o preço também.
— Eu sei, sei o que está em jogo! — gritou ela, sua paciência já estava se esgotando. — mas mesmo assim vou atrás do que é meu. Vou fazer isso por Arcturus e pelos outros. Vou fazer pelo meu pai e por todos aqueles inocentes que morreram sem ter a chance de lutar. E mesmo que o mundo esteja caindo sobre a minha cabeça, não vou desistir. Não vou parar até que ele esteja morto. — as palavras dela ecoaram pelo corredor e pairaram no ar. — Escolha o caminho que quiser, mas pelo menos não seja a porra de um covarde.
Draco não respondeu. Ele apenas a encarou por longos segundos, sem deixar que sua expressão revelasse quaisquer pensamentos. Dessa vez, quando ele retomou seu caminho, Aurora não fez nada para impedir.
(...)
Como alguém podia ser tão absurda? Tão impossivelmente difícil de lidar?
Ela era o inferno personificado. Uma fusão de teimosa e ignorância, que com poucas palavras estava desmoronando tudo que ele construiu. Graças a ela, naquela noite seus amigos dormiriam tranquilamente, com grandes esperanças e falsas expectativas.
Graças a ela, Draco contemplava o dossel da cama, inquieto e perturbado, escutando o tiquetaquear do relógio avançar rapidamente, aguardando ansioso o momento da explosão.
Eles não tinham ideia do que estava por vir. Eles não viram as coisas que ele tinha visto. Draco tinha certeza de que nunca se esqueceria. Como poderia afinal? A imagem do pobre sujeito que fora acusado de traição, e então torturado por horas, das piores maneiras possíveis, sempre estaria guardada em sua memória.
Voldemort conseguiu destruir aquela alma muito antes de mata-lo. Conseguiu quebra-lo por inteiro.
E quando finalmente se cansou, forçou uma serpente pela boca dele e deixou-o para morrer de agonia, enquanto a víbora o comia de dentro para fora.
Draco remexeu-se na cama com a lembrança, o corpo coberto de suor. Tentava não se afogar no próprio pavor, no medo do que estava por vir, no risco que todos corriam, no destino que os aguardava caso fracassassem. Um ato de tão elevada traição teria um destino muito pior.
Mesmo assim, o outro lado de sua mente não conseguia parar de pensar no que aconteceria caso as coisas dessem certo. Nunca lhe fora permitido pensar sob essa perspectiva. Entretanto, uma parte sua, aquela guardada a sete chaves, queria o desafio.
Mesmo com os riscos, mesmo com o medo. A ideia de estar no controle da situação era tentadora. A ideia de pela primeira vez na vida, sair da curva, surpreender o espectador. Ele realmente queria aquilo. E isso o assustava mais do que tudo.
ϟ
Olá, caro leitor, o que achou do capítulo de hoje?!
Lembre-se que seus votos e comentários são muito importantes! 🖤
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