Capítulo 19: Reencontro familiar
Aquele velhinho começou a ficar com os olhos marejados. Em questão de segundos, iniciou um choro copioso.
— Por favor, fala alguma coisa! — eu disse tentando ser educada mesmo sentindo certo desespero devido àquela situação.
Ele então pareceu se acalmar.
— Mas claro: você para ter chegado aqui deve ter conhecido o Manu... —ele mais afirmou do que perguntou.
— Sim... Não muito bem... Conheci ele faz um tempo já, há algumas semanas atrás para ser mais exata... Mas quem é o senhor? De onde conhece o seu Manu? — Fiz uma pausa e o analisei melhor. — O senhor é bem parecido com ele na verdade, a não ser por conta dessa barba grande... — disse fazendo um sinal com a cabeça apontando para o rosto dele. — Tem algum tipo de parentesco com o senhor Manu ou algo assim?
— Meu nome é Samuel. Eu... eu sou o irmão do Manoel, ou melhor, sou irmão gêmeo dele...
Fiquei um tanto espantada com aquela revelação. Ele, então, sorriu.
— Você é a tão falada Helena Cortez, não?
— Como o senhor me conhece? — indaguei espantada.
Deu uma risadinha.
— Antes que eu te responda, minha jovem — retrucou —, quero saber: como veio parar aqui no mundo dos games?
Tomei um susto depois dessa frase, mas resolvi respondê-lo. Eu tinha passado por tantos perigos e aventuras – aprendi e adquiri tantas habilidades – que imaginei que um homem idoso como aquele não me seria perigo algum:
— Bem, eu conheci o seu Manu após uma confusão envolvendo a mim e alguns meninos da escola, o que não vem muito ao caso — falei constrangida. — Na verdade, ele que me ajudou a me livrar daqueles encrenqueiros e depois me apresentou uma máquina de fliperama que tinha muitos jogos antigos de videogame que, aliás, eu gosto. — Percebi que o senhorzinho deu um sorriso. — Só que como já estava tarde naquele dia, prometi ao senhor Manoel que eu voltaria depois. Foi o que fiz: no fim de semana, estava lá eu naquela loja de games dele. Quando eu estava jogando naquele Arcade, aconteceu uma coisinha inconveniente...
Parei meu relato e Samuel ficou me olhando. Ele incentivou:
— Continue, Helena, com o seu relato.
Respirei fundo e prossegui:
— Tá! Não vou mentir, nem sei onde estamos na verdade, mas eu te peço segredo, por favor!
— Tudo bem...
— Eu me lembro de estar jogando Street Fighter e tinha um carinha lá que era muito difícil de passar. Ele me derrotou várias vezes até que eu, com raiva, acabei dando um chute na máquina de fliperama da loja do senhor Manu... Algo que eu não esperava aconteceu: um pedaço dela saiu e nele tinha algo gravado... Um código e um escrito... Deixa eu me lembrar o que era aquela coisa escrita... — Parei a minha narrativa fazendo um gesto pensativo. — Ah claro! Estava escrito "Pasta X"!
— Pasta X... — ele me imitou.
— Isso! Esqueci de falar antes, mas dentro daquele Arcade cheio de jogos, tinham várias pastas que funcionavam como se fossem, cada uma, um videogame diferente. Também tinha essa tal "Pasta X", que, aliás, o próprio senhor Manu tinha me alertado para não acessá-la e eu deveria ter escutado ele... Depois que vi aquele código gravado no pedaço do fliperama que chutei, acabei acessando a "Pasta X". Uma senha me foi pedida, que era justamente aquele código. Eu o digitei com os botões da máquina e aí vim parar aqui...
Terminei o meu relato abaixando a minha cabeça, triste. Senti uma mão em meu ombro, levantei o meu rosto e vi o senhor Samuel sorrindo de um modo reconfortante.
— Menina Helena, como eu te disse antes: sou o irmão gêmeo do Manoel. Aquela máquina de jogos que você conheceu foi uma invenção minha e do meu querido irmão. Infelizmente, um dia, um acidente sério aconteceu... Assim que finalizamos a criação daquilo, eu quis mais, tentei inventar algo que desse para que os jogadores interagissem com os personagens, cenário, etc. A este meu projeto ambicioso, eu dei o nome de "Projeto X"...
— Isso tem a ver com aquela "Pasta X"?
— Sim, para dar vida a esse modo de interação, precisei criar uma pasta como qualquer outra naquele Arcade... Manu tentou me alertar sobre aquilo, que poderia ser perigoso, que quem estivesse jogando queria o game como era mesmo, mas eu não lhe dei ouvidos. Então, consegui criar o que queria, mas, de algum modo, aquilo não deu muito certo e também vim parar aqui...
Ele deu um suspiro. Aquela história era, no mínimo, impressionante!
— Era por isso que ele não queria que eu mexesse naquela pasta misteriosa... Há quanto tempo o senhor está aqui? — perguntei com certo temor.
— Não sei. O tempo do mundo dos jogos não bate com o do mundo real, mas devo estar aqui há anos... Meus cabelos estão brancos, tenho essa longa barba, rugas, etc.
— Céus! Então... Eu vou também ficar aqui para sempre? — questionei já alterando meu tom de voz.
— Oh não! — Ele riu. — Você veio para cá com a missão de me resgatar e com a sua presença aqui, podemos finalmente voltar para a casa!
Suspirei aliviada.
— Na verdade, Helena — continuou —, não era exatamente você que deveria ter vindo para cá, mas sim meu próprio irmão. Depois de muito tempo preso aqui, consegui desenvolver algumas coisas que possibilitaram que eu retornasse, por alguns segundos, para o nosso mundo a fim de comunicar ao Manu como ele deveria me tirar daqui. Então, tentei passar uma mensagem para ele. No entanto, nada me garantiria que o Manu fosse me ver, então fui eu que escrevi aquele código que você achou e que acabou te trazendo para cá. Era meu pedido de socorro aquilo que você digitou.
— Então, sua intenção era trazer o próprio irmão para o mundo dos games aqui para que ele te salvasse, passando por todas aquelas histórias que passei? Mas é um caminho difícil demais, eu quase morri muitas vezes...
— Você teve dificuldades por não conhecer os jogos que viu, Helena. Você tem treze anos apenas, não?
Respondi que sim com a cabeça.
— Manoel teria tirado de letra e resolvido mais facilmente por já conhecer os games... Ele até poderia ter evitado alguns acontecimentos: as mortes das amigas de Jennifer na mansão Barrows, os ferimentos que Cormano, Steve, Billy e Bob receberam em algumas missões, teria achado um jeito de encurtar o caminho de Ax, Tyris e Gilius, enfim... Mas isso não tira seu mérito, minha jovem! Você foi uma jogadora-aventureira muito formidável e sobreviveu até aqui!
Sorri, porém ainda uma dúvida pairava na minha cabeça e a pus para fora:
— Seu Samuel, e por que só antes de me despedir de todos aqueles que foram meus amigos de jornada que eles me revelavam que tudo aquilo não tinha passado de um jogo?
— Ah isso... Quando você veio parar aqui, também desenvolvi uma maneira de conseguir interagir, por um curto espaço de tempo, com os próprios personagens. Da maneira que codifiquei o meu comunicador, só dava para eu enviar a minha mensagem perto do fim de cada jogo. Em outras palavras, assim como você, aquelas pessoas também não sabiam da verdade até que, quando todos os objetivos tivessem sido completados, eu conseguia aparecer rapidamente para eles, explicando tudo para depois sumir de novo. É por isso que eu já sabia algumas coisas de você, Helena...
— E como eu não o via quando tudo isso acontecia?
— Assim como meu irmão, sou um inventor, não esqueça. Eu conseguia também manipular o tempo daqui do mundo dos games. Eu podia falar com Jennifer, com os cavalheiros do faroeste e com os guerreiros de Firewood, ao passo que você ficava congelada, mas acabava não percebendo isso de tão rápido que tudo isso acontecia.
Ainda estava impressionada com tudo aquilo, porém retornei a falar:
— Mas por que não falou comigo desde quando estava prestes a sair do primeiro jogo?
— Desculpe-me por isso, mas você precisava adquirir certas habilidades ao longo de tudo o que passou. Quem foi que sobreviveu a um garoto assassino, um bebê monstruoso e uma mãe louca? Quem aprendeu a manejar bombas nada convencionais e a atirar em pleno Velho Oeste? Quem conseguiu controlar uma das forças da natureza, além de usar uma arma de batalha? Ora, isso tudo foi você! Só uma pessoa com essa coragem, dedicação, foco e boa vontade seria capaz de conseguir o que conseguiu e assim me resgatar! E isso também valeria se, no seu lugar, estivesse meu próprio irmão...
— Eu? Eu que consegui tudo isso? — Já estava emocionada.
— Sim, Helena, você é a mais nova mestra dos games, ou melhor, uma Bitsmaster!
Não posso negar que fiquei orgulhosa de mim mesma depois de tudo o que passei e conquistei.
— Então senhor Samuel, o que estamos esperando? Já que eu tinha que te encontrar para ir para casa, vamos então!
— É pra já!
De repente, um equipamento com várias alavancas e botões se materializou na nossa frente. É... As leis da Física aqui não eram lá muito fidedignas... O aparelho também continha vários televisores que logo foram ligados. Em cada monitor aparecia uma imagem minha a cada fim de jogo que passei, de acordo com o que seu Samuel me relatou. Pude ver Jennifer e eu na saída da torre do relógio, os rapazes do faroeste comigo após vencermos Richard Rose e aqueles três guerreiros em minha companhia depois de derrotarmos Death Bringer. Era como se cada cena daquela fosse um código para o que estava por vir.
Em instantes, aquele aparelho se desligou sozinho e sumiu. Antes que me desesperasse, um portal apareceu. Fiquei receosa quando vi aquilo se formando.
— Vamos, menina Helena, é por ali que retornaremos para a casa!
Assenti e, caminhando ao seu lado, entramos juntos naquele portal. Segundos depois, senti que rolei até parar no chão.
Quando levantei meus olhos, depois daquela pequena queda, percebi o senhor Manu encarando a mim e a Samuel (que também tinha caído) com os olhos arregalados – parecia que iriam saltar do rosto. Ele abriu a boca para tentar dizer algo, mas nada saiu da sua garganta. Seu Samuel e eu nos levantamos.
— Helena... Meu irmão Samu... — Manoel disse bem pausadamente, ainda devidamente chocado.
Samuel deu um sorriso e tomou a palavra:
— Sim, meu irmão, sou eu: seu irmão Samu!
Os dois andaram até chegarem bem próximos um do outro. Nesse momento, pude perceber a extrema semelhança física que ambos tinham. Eles se abraçaram emocionados, chorando logo em seguida. Observei aquela cena tentando reprimir uma lágrima teimosa que insistia em cair dos meus olhos. Eles se separaram. Seu Manu olhou para mim e disse:
— Eu sabia que, assim como meu irmão, você também havia parado no mundo dos games... Oh Helena, não sabe como fiquei preocupado! Tive muito medo de você ter se perdido para sempre por um descuido meu...
— Sou eu quem devo desculpas, seu Manu... Eu que, cheia de raiva, meio que vandalizei o seu Arcade... Aí acabei descobrindo o segredo envolvendo a tal da "Pasta X" que, aliás, o senhor tinha me falado para não acessar, resultando em tudo aquilo que passei...
— Isso não importa — ele prosseguiu. — Enxerguemos pelo lado bom: você trouxe o meu irmão de volta!
Ele tornou a chorar, sendo imitado pelo irmão. Então eles se recompuseram e, se virando para mim, Manoel perguntou:
— Mas nos conte! Como foi a sua estadia no mundo dos jogos?
Relatei rudo envolvendo os eventos que passei ao lado de Jennifer, Cormano, Steve, Billy, Bob, Ax, Tyris e Gilius até o encontro com o senhor Samu (apelido que tinha acabado de descobrir). Eles me olharam impressionados depois que terminei minha narrativa.
— A menina Helena foi uma jogadora e personagem excelente mesmo, Manu! Mereceu o título que dei a ela de The Bitsmaster!
Abri um sorriso de orelha a orelha. Mas, eis que me lembrei de algo importante que também me deixou preocupada:
— Seu Manu, que dia é hoje e que horas são?
— Agora são cinco horas da tarde e ainda estamos no sábado.
— O que? Passei dias, semanas desde que fui sugada para o outro mundo, como ainda estamos no sábado?
— Lembre-se, Helena: o tempo do mundo dos jogos não é o mesmo que o do nosso mundo — respondeu o seu Samu.
— Então... Meus pais não estão preocupados comigo, me procurando em tudo quanto é canto... — mais afirmei do que perguntei.
Eu me despedi daqueles dois senhores e iria começar a correr até para minha casa, mas antes ouvi a voz de Manoel:
— Espere! Precisamos lhe dar um presente por tudo o que você passou e por tudo de bom que me propiciou: a volta do meu irmão que estava perdido há mais de vinte anos!
Arregalei meus olhos depois dessa última frase dele e fiquei parada. Seu Manu sumiu da minha frente por uns minutos e depois voltou com uma caixa de tamanho médio.
— Tome! É seu!
— O que é isso?
— É um videogame muito parecido com essa máquina de fliperama aqui que você jogou e... oh não se preocupe! Nele não existe aquela pasta X que te levou para o mundo dos games não!
Eles deram uma risadinha e eu fiquei sem palavras tamanha emoção. Samuel tirou um papelzinho que estava escondido com ele e disse:
— E um pessoal muito especial e que você conhece muito bem pediu para te entregar isso.
Ele me deu aquele bilhetinho e me pus a ler:
Helena,
Podemos estar separados por dois mundos diferentes, mas toda vez que você quiser nos ver, basta jogar nossos games:
— Clock Tower: jogo de Jennifer Simpson;
— Sunset Riders: game de Cormano, Steve, Billy e Bob;
— Golden Axe: história de Ax, Tyris e Gilius.
Um abraço,
Seus amigos.
Ao acabar a leitura, fiquei mais uma vez emocionada e com o pensamento que, um dia, eu me reencontraria com aquelas pessoas que me marcaram tanto. Sim! Eram pessoas! Sem dúvida, eles eram mais que qualquer mero personagem de videogame, sem dúvida nenhuma. Despedi-me dos dois velhinhos e fui correndo para a casa com aquela caixa nas mãos.
Cheguei em casa e encontrei meu pai lendo um jornal na sala e minha mãe assistindo televisão. Eu deveria estar olhando para os dois com os olhos brilhando e uma expressão um tanto boba na face, já que eles me notaram com uma cara de ponto de interrogação. Mamãe se pronunciou:
— O que foi, Leninha? Até parece que não nos vemos há dias...
Larguei a caixa com aquele console e corri para abraçá-la e, depois, fiz o mesmo com o meu pai. Eles ainda questionaram o que era aquela caixa e eu respondi que ganhei da loja do senhor Manu por causa de um sorteio... Tá! Menti mais uma vez, mas é que seu eu contasse tudo o que passei, eles não acreditariam em mim...
Mais tarde, testei aquela belezinha que ganhei. Os games que foram mencionados naquele bilhetinho estavam lá. Assim, joguei-os, me diverti e pude rever aqueles personagens que tanto me cativaram naquele tempo que passei em outra dimensão.
Preciso também relatar certa estranheza que senti quando vi os meus personagens-amigos do outro lado da tela... OK! Sei que tudo ali se trata de videogame e eu, como jogadora, já estou acostumada com isso, mas também foi inevitável não fazer uma comparação deles no ao vivo e no "aos bits"...
E essa foi a minha aventura louca que lhes narrei, meus leitores. Acreditem, foi real (se é que posso usar essa palavra) tudo o que me aconteceu!
Diário não mais secreto de Helena Cortez,
11 de fevereiro de 2014
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Notas do autor: E ela voltou pra casa e, de quebra, ainda trouxe o irmão do seu Manoel pra casa hehe. Ainda não é o fim, embora a história esteja mesmo se finalizando.
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