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Âncora

Não tire os olhos do horizonte.
- Will Turner

Navori, Ionia

O entardecer despontava nos céus quando os carregamentos foram entregues em Navori. Haviam chegado em Ionia há algumas horas, e depois de algum tempo trabalhando para descarregar tudo que devia ser deixado para o abastecimentos das casas e dos templos das Primeiras Terras, finalmente puderam ter um merecido descanso depois de dias de velejo.

Adoravam estar em alto mar, é claro, aquela imensidão era o que chamavam de lar, o mundo ficava infinitamente maior quando estavam à deriva e nenhuma sensação humanamente tangível podia se comparar àquela. Mas, toda vez que seus pés tocavam o chão da terra firme e o cheiro da grama e da terra invadiam suas narinas, sentiam-se preenchidos. Estar no mar trazia a sensação de liberdade, a autonomia de viver sem amarras, quase como se fosse possível voar sem asas, mas era em terra que sentiam o calor do solo, a estabilidade e a tranquilidade de estar em algum lugar firme, sem ter que se preocupar com as tempestades, com a ressaca e com os perigos. Sentiam conforto no que era sólido, e quando se passa tanto tempo navegando, é uma sensação que, vez ou outra, faz bem.

Navori estava agitada naquele dia e as pessoas nos vilarejos corriam de um lado para o outro, finalizando os preparativos para a Lua Sangrenta. As casas estavam decoradas com luminárias e enfeites avermelhados, adornos e pinturas marcavam os muros e as pilastras, barracas de jogos e comida já podiam ser vistas e elementos diversos relacionados a rica cultura Ioniana eram orgulhosamente expostos em todos os lugares onde os olhos podiam ver. O clima era leve, festivo, e a alegria parecia caminhar ao lado das pessoas. O cheiro da magia ancestral que habitava naquelas terras era forte e abraçava todos os que pisavam ali, como em um cumprimento de boas vindas.

Pouco a pouco os tripulantes que estavam espalhados entregando suprimentos iam retornando, juntando-se em frente ao Estrela da Manhã, a postos esperando por demais ordens. Permaneciam eretos em seus uniformes costurados com os mais finos tecidos que o dinheiro podia comprar, perfeitamente asseados, carregando as cores da bandeira do navio: azul, dourado e vermelho. Azul era para o mar, aquilo que os movia, a infinita imensidão. Dourado para o sol, representando o recomeço, a luz em seus caminhos. E o vermelho, como o sangue que os unia em irmandade, juntos por uma mesma paixão e um mesmo propósito. Aquelas cores carregavam grande significado em seu vibrar, e Leona sabia mais do que ninguém o quanto seus homens se esforçavam para honrá-las, respeitando seu imenso valor.

- Todos os carregamentos foram entregues, como solicitado. - Atreus começou, colocando-se ao lado de sua capitã e observando os homens enfileirados em sua frente. - Os vilarejos estão abastecidos, Irelia e os Kinkou conferiram pessoalmente a contagem de suprimentos para os demais locais, tudo em perfeita ordem.

- Releram os acordos?

- Cada linha. - o imediato confirmou.

Diana permanecia olhando aquela cena, embasbacada. Sua tripulação nem de longe se portava de maneira tão formal, eram todos cães sarnentos mal educados, alcoólatras, ladrões, alguns tinham até dentes faltando dentro da boca. Não exigia formalidades, é claro, era uma pirata, a última coisa que desejava era aquele tipo de etiqueta em seu navio, mas admirava a forma que os homens de Leona se portavam perante ela. Todos perfeitamente enfileirados, eretos, quase batendo uma continência. A Solari não parecia ser o tipo de pessoa que cobrava aquele tipo de etiqueta, apesar de claramente ser uma pessoa exigente. Sua tripulação não lhe prestava reverência e compostura porque tinham que fazer, agiam assim perante Leona porque queriam, como uma expressão muda de respeito e gratidão.

A ruiva conquistou o respeito de todos aqueles homens e mulheres, tidos como indignos, sem usar a força. Aquilo, sem dúvidas, era admirável, e Diana conseguia entender como ela conseguiu chegar onde estava e como tinha o poder de dobrar as pessoas tão facilmente. Leona era a pessoa mais extraordinária e venerável que teve o prazer de conhecer, era impossível não se render perante ela. E Diana rendeu-se.

- Bom, já que tudo foi devidamente feito e acertado, tenho mais uma ordem. - Leona cruzou os braços na altura do peito, assistindo seus homens assentirem com a cabeça e arregalarem seus olhos ao passo que ela abria a boca em menção de dizer algo. - Em poucos minutos chega o anoitecer, e com ele o início do festival. Sei que muitos de vocês, assim como eu, nunca participaram dessa festividade. Então, assim que os eventos tiverem início, eu quero que todos... - a tripulação levantou o queixo, prontos para atender ao que lhes fosse solicitado. - ... se divirtam.

Todos se olharam, confusos, logo voltando os olhos para Leona, que sorria abertamente. Logo, o semblante da tripulação se acendeu, e todos sorriram também.

- Mas, quero que voltem antes do amanhecer. - a capitã franziu as sobrancelhas de leve, vendo seus bucaneiros assentindo repetidamente com a cabeça. - Agora, vão. - deu sua última ordem, e assim todos o fizeram.

Restaram ali, com os pés sobre a curta faixa de areia da costa de Navori, Leona, Atreus e Diana. Olharam-se com cumplicidade, arqueando as sobrancelhas.

- Corrida até o vilarejo? - a platinada começou, mais como uma sugestão do que uma pergunta. Sorriu maliciosamente, gesto que foi retribuído pelo homem em sua frente, ao mesmo tempo que a ruiva meneava com a cabeça, colocando as mãos na cintura.

- Não estamos velhos demais para isso? - os lábios de Leona curvaram-se num riso incrédulo e divertido. Era como se Diana tivesse proposto a coisa mais louca de todas.

- Quem perder paga uma rodada de sukiyaki. - Atreus desafiou, sabendo que as duas gostavam tanto daquele prato tradicional Ioniano quanto ele. Nem mesmo Leona poderia resistir ao delicioso ensopado de macarrão, carne e legumes feito nas Primeiras Terras. Um sentimento de desafio e divertimento tomou o corpo dos três, e como se fossem crianças outra vez, dispararam a correr morro acima até a entrada da primeira vila de Navori.

Riam como jovens ao tentar ultrapassar uns aos outros, lembrando-se de quando apostavam corridas pelas ruas de Targon, ou brincavam de pega-pega descalços na terra molhada pela chuva, sempre voltando sujos para casa. Haviam pequenas poesias naqueles momentos, conseguiam arrancar as melhores memórias de si mesmos.

Diana acabou por chegar em último, reclamando pelo fato de estar fora de forma e por Leona e Atreus terem as pernas maiores que as dela. O homem, que não perdia uma oportunidade de caçoar da pirata, envolveu o pescoço da mulher entre a juntas de seu cotovelo, bagunçando seu cabelo platinado enquanto ria. Diana dava socos no tronco de Atreus incessantemente, até que ele finalmente a libertou do aperto. Aquela era a forma que os dois encontraram de dizer o quanto se amavam, fazendo da vida do outro um inferno.

Leona ria com as mãos sobre a barriga, achava divertida a forma que os dois se perturbavam. Ajudou Diana a arrumar seus cabelos bagunçados enquanto andavam em direção a barraca de comida mais próxima, tentando desviar das crianças que passavam correndo.

O vermelho tomava conta das ruas, das decorações, dos enfeites, das roupas e das pinturas que todos tinham pelo corpo. Havia muita música e alegria por toda a parte, e conforme passavam eram recebidos com muita hospitalidade pelos habitantes locais. Não demoraram muito até encontrarem algum lugar que servisse o famoso sukiyaki Ioniano, e após algumas reclamações por parte de Diana, três moedas de ouro foram postas sob o balcão de madeira da barraca.

- Obrigada. - Leona agradeceu no idioma local quando as tigelas foram colocadas a postos na bancada. A senhora de meia idade dona do pequeno comércio agradeceu com um sorriso.

- Você fala Ioniano? - Diana perguntou, segurando a cumbuca em suas mãos e deixando com que o cheiro daquele delicioso prato invadisse suas narinas.

- É claro que sim. - deu de ombros, como se fosse óbvio. - Falo ur-noxiano e demaciano também.

- Deuses, às vezes esqueço do motivo de você ter sido a queridinha dos professores. - a Lunare revirou os olhos rapidamente, fazendo Leona franzir o nariz em sua direção. - Nem agora deixou de ser uma CDF.

- Ei! Pelo menos eu não ia parar na detenção uma vez por semana. - rebateu a ruiva. - Perdi as contas de quantas vezes eu e Atreus tivemos que implorar para a diretora Thalaia não te suspender.

- Meus heróis. - Diana levou uma mão ao peito, fingindo um drama enquanto assistia os outros dois rirem, incrédulos.

Continuaram ali, revezando sua atenção entre as conversas e a refeição que saboreavam. Voltavam no tempo contando histórias da juventude, como a vez em que Diana trancou Atreus numa sala de aula junto com uma paixonite do homem na época, ou da primeira vez que conseguiram convencer Leona a beber álcool, fazendo-a ficar bêbada e ganhar um castigo de uma semana. Também houvera o dia no qual Diana teve de fugir correndo da casa de um nobre Targoniano após ser flagrada escalando a propriedade do homem, tentando roubar algo que nem a própria conseguia se lembrar o que era, fazendo com que Leona e Atreus tivessem que intermediar a situação para que seus tutores não tivessem conhecimento de tal infortúnio. Haviam muitas histórias como aquelas, e passearam por cada uma delas, recordando com alegria seus dias primaveris. Tudo já estava distante, mas rir enquanto reviviam em sua mente aqueles acontecimentos fazia tudo ficar mais concreto.

Após terminarem de saborear seus deliciosos sukiyakis, voltaram a caminhar lado a lado pelas ruas do vilarejo. Falavam animadamente sobre todo tipo de assunto, deixando-se levar pela alegria, como se aquelas horas não tivessem fim, como se tudo fosse durar para sempre. Paravam para tentar a sorte em algumas barracas de jogos, arriscando levar algum prêmio pela boa pontaria ou por fortúnio. Diana e Atreus competiam entre si, e Leona - fingia - tentar apartar as briguinhas bobas dos dois. Acabaram por desperdiçar algumas moedas, já que perdiam mais tempo rindo do que jogando de fato.

Até se depararem com uma barraca com um prêmio diferente. Era o que precisava da pontuação mais alta para ser ganhado, um conjunto de três braceletes de couro com escritas gravadas em Ioniano, que significavam respectivamente: terra, mar e céu.

- Vocês são tão bregas, sabiam? - a platinada revirou seus olhos azuis enquanto os dois maiores sorriam em sua direção com as pupilas dilatadas. Por mais que preferisse negar, queria aquilo tanto quanto eles - se não mais. Suspirou, contendo um sorriso ao que Leona deixou algumas moedas no balcão.

Logo, o dono da barraca explicou as regras, que eram simples. Foram dadas três bolinhas para cada um, e teriam esse mesmo número de chances para encaixar as esferas nos aros em movimento. Quanto menor o aro, mais pontos.

Se olharam com determinação, começando suas jogadas. Atreus acertou um aro grande e dois médios, fazendo uma boa somatória de pontos, mas longe do que precisavam, o que acabou por deixá-lo levemente frustrado. Pontaria não era muito o seu forte. Leona, com as sobrancelhas juntas e os lábios franzidos em concentração, acabou por acertar dois aros grandes a princípio, mas conseguindo triunfar em sua última tentativa ao encaixar sua esfera no menor aro, ficando satisfeita com seu desempenho. Mas, Diana ainda precisava acertar a menor argola para conseguir o prêmio.

Soltou um pouco de ar pelo nariz, tentando se concentrar ao máximo. Apertou os olhos e ergueu sua mão, pronta para jogar a primeira esfera, que pela falta de força na jogada, atingiu o maior arco. Diana reclamou, seu espírito competitivo não iria deixá-la em paz se perdesse, e sabia que Atreus assombraria seus pensamentos para sempre. Então, focando no jogo mais uma vez, acabou por fazer a maior pontuação com suas últimas tentativas, acertando o menor aro duas vezes consecutivas. Não pôde conter um grito animado, que foi acompanhado por Leona e Atreus ao passo que o homem dono da barraca os parabenizou, entregando-lhes as pulseiras. Formavam uma boa equipe, e sobre aquilo não restavam dúvidas.

Amarraram as tiras de couro nos pulsos, não tendo receios sobre quais usariam. Diana era o mar, belo, ao mesmo tempo que imprevisível e implacável, tendo diversas belezas escondidas em suas profundezas e inimagináveis tesouros em seu desconhecido. Leona era o céu, imensurável, reconfortante em seu gigantesco infinito, carregado de maravilhas em suas mudanças, para onde todos olham em busca de esperança. Por fim, Atreus era a terra, sólido e inabalável, símbolo de casa e proteção, onde tudo começa e termina, e onde céu e mar se encontram. Aquele era o símbolo de uma ligação que cortava o tempo, algo que seria carregado pelos ventos e pelos mares, mais eterno do que o divino, mais brilhante que o celestial.

E, mesmo se tentassem, um dia, suprimir da memória as lembranças, apagar as marcas que outrora foram deixadas na alma, sabiam que jamais conseguiriam. Pois, na vida, há pessoas inesquecíveis, e para isso não existe cura.

As horas se passavam, e a cada minuto o céu ia ficando mais escuro. Demoraram-se alguns instantes para que a lua abençoasse os céus com sua majestade, mas quando ela apareceu, banhando a imensidão do firmamemento negro com seu brilho avermelhado e prateado, todos pararam para admirar o seu esplendor. Estava soberana lá em cima, e os olhos de todos estavam firmes naquele raro espetáculo agraciado e proporcionado pelo cosmos. As orbes de Diana brilhavam quase tanto quanto a lua, e a luz do satélite acentuava mais ainda os traços do rosto da platinada.

Leona apenas a admirava silenciosamente, reparando em seus lábios entreabertos e expressão radiante ao observar tamanho milagre astronômico. Seus olhos refletiam o brilho lunar como um espelho e as estrelas pareciam dançar na imensidão de suas íris. Diana tinha o próprio céu noturno dentro dela, era mágico, e podia ser visto em seu olhar.

A Lunare vestia um dos uniformes que ganhou de Leona, e na opinião da ruiva, aquele era o mais bonito de todos. Seu tronco era coberto por um tecido azul escuro, simples, sem muitos adornos ou estampas, com alguns detalhes que se destacavam sobre a pintura, combinando com a frugalidade da mulher que o usava. As mangas de sua túnica iam até um pouco antes dos pulsos, dando lugar para que um par de luvas pretas cobrisse suas mãos. Uma calça preta delineava suas pernas, acompanhadas de botas da mesma cor que iam até os joelhos. Em suas costas, uma linda e longa capa corria pelas extremidades do seu corpo, colorida com as cores do céu noturno e pintada com suas estrelas.

Diana estava radiante.

- Vá. - Atreus disse baixo, olhando para Leona, que o encarou com as sobrancelhas juntas e os lábios franzidos. - Tá na hora. - apontou para Diana com a cabeça, deu um beijo na testa da ruiva e afastou-se, deixando com que elas tivessem seu momento. Agora, mais do que nunca, precisavam dele.

Leona observou Atreus sumir na multidão, voltando sua atenção para a Lunare. Aproximou-se dela, afastando gentilmente algumas pessoas que estavam ao redor e pousando uma mão sobre o ombro de Diana, que estava tão absorta de tudo em seu entorno que demorou a perceber o toque quente da palma de Leona, conseguia senti-lo mesmo por cima das roupas.

Já tinha visto a Lua Sangrenta outras vezes, mas estar ali, naquele momento, era diferente de qualquer coisa. O encanto e a eletricidade de todos os corpos ali era palpável, o cheiro da magia ascendente das Primeiras Terras ficou ainda mais forte, quase que corpóreo, era como se pudesse sentir os raios lunares acariciando o seu rosto, como o toque de uma mãe para um filho. Seu coração batia mais forte e vez ou outra Diana podia sentir-se perder o fôlego, aquela visão era um deleite para seus olhos.

Sempre amou a lua, não sabia dizer como aquilo começou, e nem porque, só sabia que seu coração se acalentava sempre que a noite chegava. Apenas Ela sabia seus segredos mais profundos, as coisas que lhe perturbavam a mente, que lhe tiravam o sono e abarrotavam o coração. Era sua confidente, sua amiga, e navegar sob o céu noturno, banhada pelo brilho e presença dEla, era o que enchia seus pulmões de fôlego de vida. Nutria uma conexão sobrenatural com a noite, e tudo que a envolvia, e só sabia que era forte demais para ser algo meramente terreno.

Diana colocou uma mão sobre a de Leona, que ainda estava em seu ombro, entrelaçando seus dedos com os dela. O toque dela era quente, diferente do seu, ela emanava um calor aconchegante, como o do fogo de uma lareira no inverno ou da fumaça de uma xícara de chocolate quente. Diana sentia seu corpo inteiro amolecer.

- É linda, não é? - a pirata permanecia olhando o céu, ainda encantada.

- É sim. - Leona concordou, mas não era sobre a lua que ela estava falando.

As pessoas voltaram a circular, a música voltou a ser tocada e o ritmo das festividades foi retomado. Ainda tinham muitas horas de Lua Sangrenta para celebrar.

Diana pegou Leona pelo pulso e a mais alta apenas riu, deixando-se levar. A platinada estava animada, ainda tinha muito o que queria ver e fazer naquele festival, ainda restavam boas horas até o amanhecer e queria passar o máximo de tempo possível ao lado da Solari, pois sabia que, quando a luz do dia chegasse, teria que partir. Então, naquele momento, só queria manter Leona o mais perto possível.

Riram, beberam, correram e dançaram juntas, como adolescentes indo a um primeiro encontro e se apaixonando pela primeira vez. Tudo o que sentiam parecia novo, ao mesmo tempo que aquela sensação de conforto tão familiar lhes preenchia o peito. Era como se seus pés mal tocassem o chão e o mundo ao redor não existisse, mas o fim ainda soava como um silêncio denso, como uma música que o vento canta ao soprar. Cada momento era único e precioso, e até mesmo os suspiros que davam eram guardados no fundo da mente. Seus corpos doíam, mas seus corações descansavam no aconchego daqueles instantes carregados de amor, e a cada segundo que passava, se apaixonavam mais. A paixão era uma loucura, uma insanidade, um crime que ambas estavam dispostas a cometer.

Amavam-se em todas as partes, facetas e peculiaridades do universo caótico que eram, junto a todas as outras mil coisas que se pode amar. Sentiam arder em cada organismo, tecido, órgão, célula, elétron, partícula de estrela que explodiu há milhões de anos atrás, há mil anos luz daqui. Era divino, ancestral, uma ligação forjada pelo cosmos e abençoada pelo sol e pela lua, antes que o mundo fosse chamado como é. Antes de existirem céus e terra, já era amor. E elas eram duas malucas.

Falavam sobre o quão louco era o mundo lá fora, sobre as coisas que viram e sobre as que queriam ver. Mostraram uma para a outra a maneira singular com que experimentavam a vida, cedendo suas visões para que pudessem enxergar além do que seus olhos podiam ver. Contavam sobre seus sonhos, e sobre as coisas que esperavam nunca fazer na vida. Sobre as pessoas que cruzaram seus caminhos, as que ficaram e as que foram embora. Compartilhavam o que sabiam e aprendiam o que desconheciam, proseavam sobre música, bebidas, suas cores favoritas, os livros que leram, suas constelações preferidas e orações silenciosas que faziam aos deuses antes de deitar. Se conheciam muito bem, mas, ao mesmo tempo, ainda tinham muito o que queriam saber.

Porém, não havia tempo, pois estariam por conta própria ao amanhecer. Então, tudo o que podiam fazer era estar o mais perto que conseguiam, até não estarem mais.

As horas voavam rápido, como o bater de asas de um beija-flor, e já era madrugada quando as cores da magia enfeitaram o céu, tão majestosas quanto uma aurora boreal. A junção de cores frias e quentes que dançavam na abóbada celeste era encantadora, diferente de qualquer outra coisa que já tinham visto.

- Vem comigo. - Leona sussurrou para Diana, que franziu as sobrancelhas em confusão, sentindo a mais alta a segurar pela mão e a levar para trás de uma das casas, saindo do meio da multidão.

A ruiva olhou de um lado para o outro, verificando se não havia ninguém bisbilhotando. A platinada apenas observava com um sorriso de canto no rosto, abrindo-o ainda mais ao ver Leona encaixar os pés nos vãos dos tijolos do muro de uma das casas ali, subindo em direção ao telhado e estendendo uma mão para que Diana a acompanhasse, do mesmo jeito que faziam quando eram mais novas.

- Onde está a Leona certinha? - a mais baixa caçoou, fazendo Leona rir pelo nariz.

- Eu aprendi algumas coisas com você.

Acomodaram-se sobre as telhas, sentadas no alto, no escuro, longe do fervo do festival. Seus braços roçaram um no outro e ambas se encolheram, como se tivessem sido queimadas. Olhavam-se de rabo de olho, procurando algo para dizer, mas naquele momento as palavras lhe foram roubadas dos lábios. Se aconchegaram mais perto, fazendo com que Diana encostasse a cabeça no ombro de Leona, descansando seus pensamentos ali. As digitais da ruiva deslizaram sobre o tronco alheio, abraçando a cintura da pirata por trás, e com a outra mão entrelaçou seus dedos com os dela. Diana admirava o céu em silêncio, e Leona admirava Diana.

Seus cabelos brancos ficavam ainda mais claros banhados pela mistura de cores no céu, sua pele exalava um brilho prateado em seus poros, e suas íris refletiam com perfeição a beleza exuberante e solitária dos astros na escuridão da noite. Era como se ela pertencesse às sombras, ao escuro, mas não de uma maneira ruim. Diana era diferente, extraordinária. Rara. Cada detalhe seu parecia ter sido pintado a mão, com os pincéis mais finos e as mais bonitas cores, uma arte que não podia ser encontrada em lugar nenhum se não em seus olhos estrelados. Um exagero de mulher, tudo era violento demais quando se tratava dela. O primeiro abraço, a primeira briga, o primeiro toque, a primeira música, a primeira lágrima. Diana era intensa em todos os seus começos, e também em todos os seus finais. Amá-la era uma eterna aventura, daquelas impossíveis de sair ileso.

E ali ficaram, descansando sobre a luz noturna por minutos, ou horas, não sabiam dizer ao certo. Revezavam o olhar entre o céu e o rosto uma da outra, não trocando um vocábulo sequer. Algumas palavras eram ditas apenas com os olhos, e o silêncio era o que acontecia quando nada mais podia. Não queriam arriscar expressar qualquer coisa, tudo o que pensavam em dizer parecia fútil, e não queriam tirar daquele momento o seu valor.

As coisas pareciam ter certa fragilidade conforme o fim ia chegando.

A madrugada corria, e quanto mais Diana olhava para Leona, mais tinha vontade de olhá-la. Falava de liberdade para quem quisesse ouvir, mas seu coração estaria sempre preso ao de Leona. Tal hipocrisia jamais lhe acometeu, nunca poderia alcançar a completa liberdade. Se alguém lhe dissesse isso anos atrás, acharia uma loucura, sucumbiria à frustração com o pensamento de nunca poder ser plenamente livre, mas agora, ali, nunca se sentiu tão bem em estar amarrada a alguém. Amá-la era como um culto para uma deusa lunar obscura, com uma luz prateada que resplandecia nos cantos mais escuros do seu coração, mostrando seus pecados ocultos. A mais bonita das heresias. Mesmo que Leona fosse dona de seu coração para o resto da vida, não havia prisão tão libertária como aquela. Aquele amor era seu ato mais selvagem, o mais bonito, e o mais violento.

- Falta pouco para o amanhecer. - Diana proferiu, quebrando o silêncio. A lua já estava posicionada a oeste nos céus, indicando o romper da aurora dali algumas horas. Leona acenou positivamente com a cabeça, evitando as palavras naquele momento, pois sabia que, se dissesse alguma coisa, não conseguiria conter as lágrimas que segurava em seu peito.

Desceram do telhado e andaram de mãos dadas pelas ruas até o Estrela da Manhã, atracado na costa em todo seu esplendor. A tripulação já estava a postos sobre o convés, prontos para o momento da partida.

Aquele mar tinha um significado mais forte ainda agora, pois sabiam que jamais poderiam voltar para aquelas mesmas águas. Não só porque não seriam mais os mesmos quando voltassem, e sim porque aquelas águas também não seriam. A natureza mudaria, assim como as marés, as correntes, as montanhas e a posição do sol no horizonte. Quando voltassem, mesmo que tudo parecesse igual, aqueles mares estariam diferentes, assim como quem navegasse por ali. É uma coisa que se aprende depois de muito tempo velejando, você nunca cruza um mesmo lugar duas vezes. Tudo está em constante mudança.

O caminho até Águas de Sentina foi turbulento. Não pelos mares estarem agitados ou os ventos não estarem favoráveis, a inquietação vinha dos corpos de Diana e Leona. Tentavam encontrar suas próprias maneiras de dizer adeus, mas nada parecia bonito o suficiente, ou genuíno o bastante, todas as palavras se figuravam duras e sem sabor em suas mentes, mas não podiam partir sem dizer algo.

Estavam abertas em todas as suas vulnerabilidades. Gostariam de definir palavras que dissessem tudo que já significaram uma para a outra, e tudo que ainda significam. Perderam minutos tentando expor a complexidade do que sentiam, em toda a sua grandeza, em todas as suas nuances, cores e formas, mas era impossível. Pareciam redundantes e vazias.

Diana olhava fixamente para Leona, que segurava sua mão e sorria um sorriso quase imperceptível a olho nu. Seus cabelos ruivos tinham reflexos dourados que brilhavam mais que a estrela ardente. Mantinha a postura ereta sob suas botas de couro azul, que contrastavam com a calça marrom que ela usava. Seu superior era coberto por uma camisa branca que vestia por baixo de um longo colete azul, que descia por seus quadris com detalhes pintados em dourado. Ombreiras adornavam a parte superior dos seus braços e uma capa do mesmo tom de azul que seu colete e botas caía até a metade das coxas.

Leona brilhava, mesmo sob o céu ainda escuro. Diana a olhava e via a melhor parte de si.

A capitã foi a primeira pessoa a enxergar de perto os medos de Diana, e sua covardia. A olhava com a calma e a coragem que faltavam no mundo inteiro, mesmo depois de saber de suas cicatrizes, e da escuridão que a pirata carregava dentro de si. Leona a amava com o olhar de quem viu suas partes mais obscuras, mas quis ficar mesmo assim. E mesmo longe, ficaria para sempre.

O romper da aurora mostrou-se discreto sob o crepúsculo quando avistaram o porto de Águas de Sentina. O escuro da noite se misturava com as cores quentes do amanhecer, pintando os céus com a mais bela arte. Algumas estrelas mantinham seu brilho singelo, a lua estava pronta para se despedir, e o sol ia chegando aos poucos para brilhar novamente. Um raro, mas perfeito encontro entre o dia e a noite, sempre andando juntos, mas nunca permanecendo de fato.

Diana pôde reconhecer seu navio conforme chegavam mais perto, e quando seus tripulantes a viram, não tardaram em gritar e acenar para ela, felizes com o seu retorno. A pirata retribuiu os gestos, igualmente alegre. Estava em casa, finalmente, em seu lugar. Seu interior se efervescia numa mistura de euforia e tristeza. Estava pronta para partir, mas ao mesmo tempo não estava, como podia ser?

Leona olhava aquela cena, sentindo uma felicidade genuína crescer de dentro para fora. Diana estava de volta, pronta para conquistar os horizontes e os mares ao seu redor. Havia beleza em sua chegada, e também em sua partida. Era um privilégio para Leona amar aquela pirata tão infame, e era igualmente um privilégio deixá-la ir. Ambos os sentimentos a fizeram se tornar quem era. A amava com o desespero de quem sabia que não amaria mais ninguém, nunca mais, mas também sabia que teria Diana para sempre, naquela vida e em todas as outras.

Se teriam para sempre. E mesmo após os anos, nunca deixariam de escutar suas vozes em cada canto de seus silêncios, nos mais audaciosos e sorrateiros ruídos, no arrastar dos móveis à procura dos aglomerados de palavras sem nexo que costumavam guardar para si. Se arranharam fundo na alma como quem marca a estrada do caminho por onde vai voltar, mas elas sabiam que não tinha volta. Se guardariam na lembrança de um sorriso, num pôr-do-sol no verão, nas noites longas no inverno. Numa página de um livro, pintado nas paredes, nas canções jamais cantadas e nas histórias nunca contadas. Deixariam aquilo guardado, no fundo de suas almas, onde ninguém conseguiria tocar, escondidas nas palavras mais bonitas que nunca seriam ditas, o conto de um amor tão lindo, mas que não estava destinado a dar frutos. Encontravam paz em sua violência.

Atracaram o Estrela da Manhã ao lado do Plenilúnio Prateado, com apenas um deque de madeira separando as embarcações. Os bucaneiros de Diana olhavam o navio em sua frente, mal acreditando no que estavam presenciando. Estavam completamente boquiabertos, confusos, ao mesmo tempo que tinham milhares de perguntas rondando suas mentes. Diana desceu do navio por uma larga tábua colocada entre o barco e o deque, indo de encontro a sua tripulação.

A abraçaram com lágrimas nos olhos, radiantes ao finalmente vê-la. A platinada apenas conseguia sorrir, sentindo-se tão amada e querida por seus cães sarnentos que mal cabia no peito. Sabia o quanto valia para eles, o quanto se importavam, e não podia ser mais grata por ter sido abençoada com uma tripulação tão fiel quanto aquela. Não compartilhavam os mesmos sobrenomes, muito menos laços de sangue, mas eram uma família, peculiar e imperfeita, mas uma família ainda sim.

Após o emocionante encontro, Diana pediu que todos voltassem ao navio e esperassem. Ainda tinha algo que precisava fazer. A luz do dia havia chegado, agora, estaria por conta própria, mas precisava encerrar aquele capítulo, seu coração precisava. Pois há muito de nós na maneira em que amamos, mas também há muito de nós na maneira em que partimos.

- Isso é para você. - Atreus foi ao encontro de Diana, carregando consigo a caixa feita a mão que entalhou, com o tabuleiro e as peças de xadrez dentro. A mais baixa arregalou suas orbes azuis, como se o amigo estivesse cometendo um ato de insanidade. Fez menção de recusar o presente, não podia aceitar algo assim, sabia o quanto Atreus amava aquele tabuleiro e o quanto de trabalho aquilo lhe rendeu. Mas, antes que pudesse protestar, o homem interferiu. - Tudo bem, eu faço outro, é para que você se lembre de mim, e de como eu te derrotei naquela partida.- sorriu.

- Mas você ama esse negócio. - Diana tateou os entalhes da caixa, observando os detalhes minuciosamente feitos e pintados. Era palpável o carinho que ele colocou em cada detalhe.

- Sim, é verdade. - os olhos de Atreus se encheram de lágrimas, não havia razão para esconder o choro, e pela primeira vez, Diana o viu chorar. - Mas eu te amo mais.

E a pirata, quando percebeu, estava chorando chorando também.

- Nunca achei que fosse dizer isso, mas mal posso esperar para perder para você outra vez.

Pediu para que um de seus homens segurasse seu presente, e sem nem hesitar, pulou nos braços do amigo, o abraçando com toda a força que tinha. Atreus se surpreendeu com o gesto, Diana nunca foi fã de contato físico nem de demonstrações de afeto, então sabia o quanto aquilo significava para ela. Aquela era sua forma de dizer que também o amava, e muito.

Envolveu o tronco da mulher com seus braços fortes, não sabendo por quanto tempo ficaram assim. O abraço de Atreus era como um lar, uma casa, e o corpo de Diana encheu-se de alento, seu coração acalmou-se. Guardariam aquele abraço para sempre, a sensação de conforto que ele trazia e todos os significados que carregava. Diana jamais esqueceria aquele homem, nem suas implicâncias, cicatrizes, defeitos, e tudo mais que conseguia admirar nele. Atreus foi o irmão mais velho que nunca teve, que cuidou dela quando ninguém mais o fez, que abraçou suas loucuras e seus defeitos como nenhum outro. O amava, verdadeiramente, e aquele homem tão gentil e forte sempre ocuparia um espaço em seu coração. Pois, é isso que acontece quando se ama.

Separaram-se, e por fim Atreus deixou um beijo na testa da pirata, se afastando ainda com os olhos marejados.

E como um furacão em meio a tempestade, os olhos de Leona e Diana se encontraram. Até ali viajaram juntas, passaram vilas e cidades, cachoeiras e rios, bosques e florestas. Não faltaram os grandes obstáculos, frequentes foram as cercas que ajudaram a transpor abismos. As subidas e descidas foram realidades sempre presentes. Juntas percorreram retas, se apoiaram nas curvas e se seguraram nas estradas sinuosas. Mas, havia chegado o momento de seguirem viagem sozinhas. Porque o tempo passa, e devora.

Tudo levanta e cai, vive e morre, ama e parte.

- Está pronta? - Leona suspirou, sem saber ao certo o que estava dizendo. Sentia-se uma boba, uma idiota por pensar demais, mas ao mesmo tempo tudo que ousasse querer dizer parecia trivial.

- Eu nunca estou realmente pronta quando o assunto são despedidas. - Diana franziu os lábios, sendo o mais sincera que podia. Tinha ciência de que a ruiva sabia de seus sentimentos, mas ela merecia ouvi-los mesmo assim. - Dói.

- Dói, mas, ao mesmo tempo, há beleza no fim, e eu prefiro enxergar assim. - Leona segurou ambas as mãos de Diana, encarando o fundo de seus olhos azuis. - Tudo que é bonito parece um pouco com você.

A pirata sentiu seu interior se aquecer, algo cresceu em sua alma. Leona, assim como o sol, fazia florescer em tudo que tocava.

- Espero que você encontre um dia, seja lá o que esteja procurando.

- Não tenho nada para achar lá fora, não mais. - a pirata mergulhou nas orbes castanhas da mais alta, sentindo seu coração na boca. - Você é minha âncora, Leona.

- E você é a minha, Diana. - dizer o nome alheio tinha um significado diferente agora.

- Vamos ficar bem?

- Sempre ficamos, não é? - Leona segurou forte as mãos de Diana, deixando que uma lágrima solitária caminhasse por sua face. - As coisas se ajeitam, eu aprendi a amar a minha dor.

- Como?

- Eu sempre a vi andar de mãos dadas com você.

Eram sol e lua, e juntas formavam todas as constelações. Sentiam o infinito correndo em suas almas, e aquele era um dos deuses mais lindos. Todos os sentimentos lhes cortavam por dentro, de um extremo ao outro, e não faziam ideia de como lidariam com aquela bagunça depois. Talvez, nada daquilo tivesse conserto, pois não havia remédio para as marcas que o amor deixou. Sempre ocupariam espaços infinitos uma na outra, pois não poderiam existir se não juntas.

Eram sol e lua, e formaram um eclipse ao tocarem os lábios uma última vez. Nem céus e terra haviam visto um beijo tão lindo antes.

Sentiam seus lábios macios e quentes, num gesto carregado de saudade antecipada. Nada podia descrevê-lo, pois descrição alguma faria juz ao que era. Era como se voassem, ao mesmo tempo que seus pés estavam firmes no chão. Era como fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente. Eram duas estrelas em colisão, colapsando todo o universo particular que portavam em si, e tudo se quebrava em milhões de pedaços. Ordem e caos, num gesto tão simples, e ainda sim, tão complicado.

- Acha que nos veremos novamente? - Diana perguntou, esperançosa de que Leona diria sim. Havia lágrimas em ambos os olhos, e não sabiam dizer qual das emoções que sentiam as faziam chorar.

- Confia no destino?

- Confio.

- Então, sim. - a ruiva sorriu. - Mesmo longe sempre será eu e você. - acreditava fielmente em suas palavras. Pois, no fim de tudo, amores épicos são para sempre.

- Eu te amo, Leona.

- E eu te amo, Diana.

Sabiam que aquilo não era um adeus, soava mais como um até breve. Afinal, pessoas ligadas pelo destino sempre se encontram.

Seriam sempre a âncora uma da outra, e quando estivessem perdidas no mar, aquele amor seria a canção que seus corações cantariam, de novo e de novo. Até algum dia, fatalmente, se cruzarem outra vez.

Fim.

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