Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Novas cicatrizes

As próximas semanas passaram voando. Nos primeiros dias Clementine só sabia amaldiçoar mentalmente. Ícaro e sua falta de postura a irritavam profundamente e faziam com que se lembrasse de tempos passados, quando, se preciso fosse, domava homens com a força do chicote.

Em certo ponto pensou que estava sendo muito radical e dava importância demais para alguém que ela veria muito pouco. Daí em diante tratou de esquecer.

Não tinha costume receber visitas, por isso ficou surpresa quando em uma das tardes quentes que fazia por aqueles dias, Maria da Moita apareceu para fazer um convite. Todas as propriedades eram muito distantes dali, por isso era mais comum que as pessoas se deslocassem em ocasiões especiais, e o que motivara a jovem senhora a ir até Flor Bonita foi o batizado do primeiro neto. A filha de Maria da Moita, Ana Luziana, era ainda muito jovem, mesmo assim a casaram com um tal velho Augusto. O homem tinha seus quase setenta anos e Clementine não aprovava aquela união, mas diziam que Ana Luziana era feliz. E ela cria nisso, pois a mocinha estava sempre radiante e o marido atendia suas vontades.

Dos males, o menor. Certo? Bem, não tinha o que fazer.

A francesa não sentia vontade de ir ao batizado, mas acabou aceitando. Clementine era como uma representante de Sorte, portanto, cabia a ela manter as relações de diplomacia com os demais da região.

Dois dias antes do batizado Clementine Desfleus rumou para a fazenda de Maria da Moita, onde havia uma capela. Os anfitriões preferiram hospedar as pessoas porque o batizado seria realizado pela manhã e era mais difícil que as pessoas viajassem somente para o evento.

Da fazenda Flor Bonita foram Clementine, Marcel, Maria Belinha e Émile. Paulínio conduzia a carruagem que os levava.

Durante todo o caminho a francesa pensou uma sorte de coisas que ela mesma considerava inúteis, mas que pelo menos serviam para passar o tempo. Em algum momento fez profunda reflexão sobre o apelido que a anfitriã tinha. Maria da Moita. De certo que era um pouco exótico, mas todos a chamavam por tal nome com muita naturalidade. Segundo Bárbara, corria a boca miúda o boato de que a mulher tinha bastos pêlos em suas regiões íntimas e nas axilas. Entretanto essa não era a única teoria. Maria Felisiana, que trabalhava na cozinha da Flor Bonita, soube de alguém que, na verdade Maria era adotada e tinha tal apelido por ter sido encontrada em uma moita de capim. Havia até mesmo uma versão sombria que narrava assassinatos de animais e enterros em túmulos marcados por moitas.

Quando percebeu que refletia sobre isso, Clementine deu um suspiro profundo. Já começava a se enfastiar de ficar presa naquele carro apertado de assentos duros. A própria bunda já formigava dormente. Evitava usar a carruagem de Sorte porque a manutenção era complicada e ela ocupava muito espaço.

— Tens expressão muito azeda, amiga Clementine. — Maria Belinha disse enquanto sacudia Émile sobre os joelhos.

— Ela não gosta da sensação de estar presa. — Marcel replicou antes mesmo que Clementine abrisse a boca.

— De fato, não gosto. — Clementine confirmou. — Também não sou afeita a desperdiçar tempo em eventos sociais, mas faz parte de meu trabalho.

Émile ergueu os braços para a mãe. A mulher sorriu para o filho e pegou com cuidado.

— Como está grande mon enfant. — Clementine admirou-se antes de pousar um beijo suave na testa do menino.

Émile soltou um risinho abençoado.

— Anime-se! Pode ser divertido. — Maria Belinha tentou argumentar.

Clementine, entretanto, não sentiu o coração se deslocar um milímetro em direção ao espírito festivo.

— Você não pode estar sendo sincera sobre isso, Marie. Um monte de pessoas amontoadas conversando sobre bordados e problemas quotidianos. — Clementine retrucou.

Marcel assistia divertido. Queria ver quanto tempo Maria Belinha levaria até desistir.

— Talvez haja convidados interessantes. — A mocinha pontuou enquanto afofava os cabelos crespos presos em um penteado elaborado que apresentava alguns cachos.

— Nem mesmo tu crês em tal afirmativa, menina. — Clementine ergueu Émile e fez uma careta engraçada. O menino, alheio às enfadonhas preocupações dos adultos, riu dos atos da mãe. — Todas as festas da região reúnem sempre a mesma gente.

— Está errada, Clementine. — Maria Belinha cruzou os braços frente ao tórax. — Ano passado os Torquatos receberam o senhor Murat.

Clementine revirou os olhos quando ouviu o nome daquele a quem chamava de "desprezível monsieur Murat". Marcel gargalhou em face da reação da irmã e recebeu como resposta um olhar de repreensão.

— O quê? — Dissimulou não entender porque ela estava irritada. — Que culpa tenho se ele encontrou em ti um partidão?

— O homem beijava minha mão quando tinha o bigode todo ensebado de sopa, Marcel. — Clementine sentiu um calafrio só de lembrar. — Segundo a senhora Torquato, ele vestia a mesma ceroula durante uma semana toda sem lavar.

— Um visionário! Não queria gastar as roupas com lavagens. — Marcel debochou.

— Um imundo! — A francesa exclamou irritada. — Nós não evoluímos nossa higiene para que um bruto dessa estirpe ainda circule entre nós.

— Entre os empregados há muitos que repetem as vestes e a senhora nunca reclama. — Maria Belinha implicou por prazer.

— Eles lavam, eu já vi! — Clementine defendeu. — Em Flor Bonita só temos porcos nos chiqueiros.

— Talvez Murat esteja lá, no batizado. — Marcel infucou.

— Juro que retorno no mesmo instante. Vocês que façam meu trabalho. — A francesa determinou enquanto Maria Belinha ria.

Para a alegria de Clementine, e de qualquer ser humano que gostasse de um bom asseio, Murat estava bem longe do Brasil, em seu país de origem.

Já na tardinha da véspera do batizado, o grupo de Flor Bonita chegou à fazenda Cafezal de Deus.

Logo à entrada da propriedade o grupo avistou escravos trabalhando no plantio com grilhões presos nos calcanhares. Maria Belinha assumiu a expressão mais indignada que podia fazer. Bárbara avisava sempre que ela saía com os demais que poderia se deparar com situações desagradáveis, mas ela insistia em ir, pois nasceu livre e usufruiria de sua liberdade com máxima diligência.

Contudo, doía a ela ver outros dos seus serem tratados sob o julgo do chicote. Sabia bem que muitos eram torturados e morriam à míngua, sem comida ou remédios. Os senhores, entretanto evitavam ao máximo torturar os escravos, pois naqueles tempos de mudanças políticas eles se tornavam mercadorias cada vez mais caras.

"Mercadorias"... A moça refletia sobre aquela revoltante condição quando a carruagem parou frente à casa grande da fazenda. Dois escravos domésticos vestidos com elegância abriram a porta do carro e ajudaram todos a descer, depois se encarregaram de transportar as malas aos quartos já destinados para os que chegavam de Flor Bonita.

Clementine almejava ir embora ao dia seguinte o mais rápido possível. Ali Paulínio seria obrigado a permanecer na senzala, junto com os escravos da propriedade. Pelo menos a francesa pôde exigir que ele tivesse boa alimentação com a justificativa de que era valioso demais para que adoecesse.

Marcel ofereceu o braço a Maria Belinha e Clementine os seguiu com Émile no colo. Subiram uma pequena escada e chegaram à área da frente que era ligada às das laterais da casa. No local havia algumas senhoras sentadas em cadeiras que rodeavam uma mesa enquanto desfrutavam algum tipo de jogo no qual Clementine não pôs atenção.

Da porta aberta surgiu Maria da Moita, a anfitriã. Estava toda esbaforida, com a cara vermelha e os seios fartos lhe saltavam dos limites do corpete do vestido.

— Sua chegada era esperada, senhorita Desfleurs! — A mulher falou alto demais e todos voltaram sua atenção para a francesa.

Alguns, como sempre, fitavam com ironia por ela insistir em ser chamada de senhorita, já que era mãe solteira. O clima ruim se instaurou, mas Marcel tratou de acabar com ele.

— Ora, nos perdoe bondosa madame. — Disse enquanto fazia um gesto expansivo com a mão, então chegou mais perto da mulher e falou um pouco baixo, como quem segreda: — As estradas estão terríveis, horrendas, quase ficamos presos em um enorme buraco. Felizmente Paulínio é muito habilidoso, ou só chegaríamos aqui no mês que vem.

Marcel disse as últimas palavras com descarado tom de flerte e a senhora corou, mesmo que o conteúdo da conversa não remetesse a conquista. Clementine sorriu internamente porque os olhos que a fitavam agora estavam escandalizados, voltados para Maria da Moita. Ela tinha certeza que muitas daquelas mulheres ficaram cheias de inveja, pois Marcel tinha tanto carisma que parecia impossível não querer tê-lo.

Maria da Moita pediu que eles a acompanhassem e nesse momento Émile começou a chorar de fome.

— Pobrezinho, está fatigado da viagem longa. O entregue para a ama, ela fará milagre. — Maria da Moita disse e lançou o olhar sobre Maria Belinha.

A mulher sabia bem que a menina não era escrava e nem mesmo ama, mas fez questão de humilhar gratuitamente, pois era daquelas que defendiam fervorosamente que os negros deviam saber qual é seu lugar no mundo civilizado.

Maria Belinha sentiu vontade de derrubar a velha no chão e lhe dar uns bons cascudos, mas Clementine interrompeu aqueles pensamentos vingativos.

— A senhora pode chamar a ama milagreira, "entón". Nós três precisamos de algum descanso antes de nos unir aos demais em suas diversões sociais. — A francesa solicitou.

Por precaução, Marcel – que já conhecia bem Maria Belinha – segurou firme o braço da moça.

Um tanto desgostosa da vida, a velha Maria da Moita chamou uma das amas da casa, a quem Clementine entregou Marcel. Ela confiava bem nos cuidados daquelas mulheres, apesar de preferir não se separar do filho. Não tinha escolha.

No caminho até os quartos o grupo passou por uma sala onde Ana Luziana, cercada por mulheres, tecia elogios ao próprio filho. Entre as conversas, os ouvidos de Clementine captaram nitidamente quando alguém disse algo como:

"— É um negro, como permitem que conviva com os demais?"

A outra pessoa respondeu algo sobre ter herdado alguma fortuna, mas Clementine já estava longe demais para ouvir. Após passarem por algumas salas e corredores, subiram uma escada e entraram em outro corredor onde finalmente encontraram seus aposentos. Clementine e Maria Belinha estavam no mesmo quarto enquanto Marcel ficara sozinho em outro. Os aposentos foram distribuídos de modo que os do lado direito do corredor ficaram para as senhoras e os do lado esquerdo eram dos senhores. Os casais estavam em outra ala de quartos.

Clementine avaliou o quarto que tinha duas camas de solteira e um guarda roupas médio. Em um canto via-se penteadeira modesta com um espelho oval. A janela larga estava coberta por cortinas de pesado veludo, o que – na opinião de Clementine – era de extremo mau gosto.

Apesar da opulência na decoração do térreo, o quarto era relativamente simples. A senhora não fizera a gentileza de colocar ali um berço para que Émile pudesse dormir perto da mãe, sinal de que ficaria junto às demais crianças. A francesa não se sentia bem de estar longe do filho, entretanto aceitou, pois seria por um curto espaço de tempo.

— Não estou habituada com tamanha modéstia em meus aposentos. Sou uma mucama mal acostumada. — Belinha ironizou pouco tempo após a anfitriã fechar a porta.

Antes de ir a mulher avisou que logo o jantar seria servido.

— Sinto-me tão miserável quanto você, minha amiga. Óbvio que por motivos diferentes. — Clementine suspirou enquanto tirava o chapéu.

Colocou o acessório em um cabideiro de madeira e depois se sentou na cama. Estava tão cansada da viagem que não queria jantar, mas era preciso interagir. Deixou o corpo cair sobre o colchão e fechou os olhos sentindo a chegada de forte dor de cabeça. Por um instante lembrou-se de outros tempos, quando desfilava pelos salões nobres com opulenta indumentária integrada por ornamentos em ouro, procurando uma vítima perfeita para seus planos. As conversas com distintos senhores, vestidos em todo o rigor da elegância, cheirando a tabaco caro e loção de barbear.

Tempos nos quais jamais sonhara com a vida que tinha então. Daqueles momentos lhe restara apenas o dinheiro e nem disso podia desfrutar. Onde gastaria tamanha quantia? Já considerava comprar alguma terra e contratar alguém para trabalhar nelas, mas o cenário político estava instável demais e preferia ver o desenrolar do cenário econômico para fazer investimentos seguros.

— Devia ter dado ouvidos à mamãe. Mal pus os pés neste pardieiro e já tenho ganas de partir. A anfitriã é ridícula, a filha cheia de si e não vi rapaz bem apessoado que me possa ser boa companhia. — A moça sentou-se ao toucador.

— Não seja assanhada, mocinha. Mantenha brando esse fogo nos fundilhos. — Clementine asseverou.

— Não há com que se preocupar! — Maria Belinha riu para o espelho. — Serei o mais forte pilar do recato.

— Acho bom que assim seja, ou só dançará com Marcel. — Clementine avisou.

— Não seria sacrifício, mas Marcel não me serve de pretendente. Somos quase irmãos. — Comentou.

— Bem sei. — A francesa virou-se de lado sobre o colchão. — No início pensei que seriam mais que amigos. Não nego que faria gosto e uma união de ambos, mas a cada dia que passa ficam mais amigos.

Maria Belinha deu de ombros antes de dizer:

— O que posso fazer? É assim que a vida é. Não tenho amores românticos por Marcel e no coração dele já habita uma musa por quem suspira às escondidas. — Maria Belinha alinhou o penteado enquanto Clementine sorria ao ter suas suspeitas confirmadas.

A musa de Marcel tinha nome, sobrenome, endereço e uma terrível fama. O que mais esperaria do irmão, afinal? Aquele coração não fora moldado para amores comuns. E ela já observara que quanto mais piorava a fama de Ofélia, mais o irmão suspirava pelos cantos.

Maria Belinha levantou-se do banquinho da penteadeira e aspirou o ar a fim de tomar fôlego e talvez ânimo.

— Já me junto aos demais, Tine. — Avisou à mulher. — Talvez se a anfitriã vir nossas faces cansadas ela se compadeça a nos alimentar.

Clementine riu enquanto a moça saía do quarto. No fundo da alma buscava coragem para descer. Buscou tanto que acabou por cochilar alguns minutos. Acordou com uma criada batendo à porta e chamando para o jantar.

Clementine levantou-se da cama e foi até a penteadeira para alinhar o penteado com coque, trança e cachos caindo pelas laterais do pescoço.

Encontrou os cosméticos nas malas que foram cuidadosamente dispostas no canto do cômodo. Passou perfume e colocou um pouco de cor nas faces. Depois respirou fundo e com energia saiu do quarto.

Acabou se trombando com alguém que passava perto demais da porta, por fim se desequilibrou e quase tombou ao chão. Por sorte um par de mãos firmes a seguraram.

— Estás bem? — Perguntou uma voz familiar.

— Sim, obrigada. — A francesa agradeceu enquanto ainda se recompunha.

Só depois de dois segundos os olhares de ambos se cruzaram.

Ícaro sentiu um estranho arrepio, surgido do além sobrenatural para percorrer especialmente sua espinha. Quase como se um oráculo soprasse em seu ouvido palavras que ele não compreendia, mas que lhe inspiravam medo.

Jamais antecipou encontrar Clementine Desfleurs naquele evento, mas quando refletiu rapidamente sobre isso percebeu que era normal que ela estivesse nesse tipo de acontecimento. Na verdade o intruso era ele mesmo.

Não queria aceitar o convite para aquele batizado. Sabia que só tinha recebido tal cortesia porque os boatos de sua fortuna corriam as léguas, assim sendo, muitas pessoas estavam interessadas em estabelecer negociações com a fazenda. Na verdade as terras de José Tibúrcio eram boas, se não fosse o descuido do beberrão elas teriam produzido muito.

Mesmo sabendo das vantagens para os negócios, não queria ir àquele batizado. Entretanto a mãe o convencera.

Sabia que nada de bom poderia ser extraído de tal ocasião. Em outros tempos tivera convivência com gente daquela estirpe e tudo que obteve disso fora feridas no coração. Agora já se tornaram cicatrizes, mas sabia que novas feridas seriam abertas e outras cicatrizes surgiriam.

Essa era a triste fortuna de um bastardo "mulato".

— Fico feliz que esteja bem. — Disse em tom neutro e desviou os olhos dos de Clementine.

— Outra vez: obrigada. — A mulher não sabia o que mais poderia dizer.

Ícaro acenou com a cabeça e saiu antes que Clementine pudesse dizer qualquer coisa. Nem se deu conta que o chapéu tinha caído no chão.

A francesa, confusa sobre como agir, pegou o acessório e jogou sobre a própria cama. Devolveria depois.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro