Matilde
Enquanto em Basto Mato era terminada a reforma do casarão, em Flor Bonita a família tirava uma sesta após o almoço. Todos estavam reunidos na sala e conversavam sobre assuntos triviais. Valentin e Clementine estavam em um dos sofás, Bárbara e Tinoco no outro. Marcel, Maria Belinha e Émile brincavam sobre o tapete. Os adultos estavam a um metro de distância e faziam a criança andar entre eles até que a jovem abraçou o menino e beijou a bochecha dele.
Émile soltou uma risadinha, contente com o carinho de Belinha, e todos riram junto.
Antônia entrou na sala de cabeça baixa, serviu uma limonada que foi enviada da cozinha e depois saiu.
Clementine observou que o olhar de Antônia sempre se demorava em Marcel quando ele não estava atento.
Matilde irrompeu na sala com seu vestido laranja ornado em rendas brancas. Trazia um escapulário de ouro no pescoço e o cabelo com seus primeiros fios grisalhos presos em um coque feito de trança. A pele negra resplandecia, mas não mais que o enorme sorriso que trazia no rosto. Logo atrás vinha Justino, o jardineiro.
— Boas tardes senhores. — Cumprimentou.
— Boas tardes, todos responderam. — Estavam curiosos, pois o homem segurava o chapéu na frente do corpo e parecia tímido.
— Tenho uma notícia boa e outra ruim. — O jardineiro coçou a cabeça.
— A ruim primeiro. — Tinoco retrucou.
— A ruim é que vou me mudar para a cidade, então o menino Jesuíno vai ficar no meu lugar. — Anunciou.
Um "aaaah" prolongado de pura decepção tomou a sala. Todos gostavam de Justino porque ele era gentil e competente. Tinha anos de casa e realmente deixava tudo lindo. Entretanto Justino era livre e se ele queria partir, estava dentro de seu direito. Para trás deixaria a saudade.
— Agora diga a boa notícia, monsieur. — Valentin solicitou com curiosidade.
— Teremos uma festança. — Justino segurou uma mão de Matilde e ela sorriu tão largamente que era impossível não rir junto. — Pedi a mulher mais linda do mundo para ser minha companheira e ela aceitou.
Matilde mostrou a aliança do pedido e a sala explodiu em felicitações e comemoração efusiva. Abraços e palavras de carinho foram direcionados ao casal.
— Não posso acreditar que monsieur Justino roubou ma cherie. — Marcel falou com ares de desalento e recebeu um tapinha no ombro vindo da própria noiva. — Que desatenção a minha.
— Não seja bobo, menino. — Matilde repreendeu de jeito bobo.
— Levou sua favorita bem debaixo de seu nariz, Marcel. — Clementine brincou e abraçou Matilde. — Que vergonha para os Desfleurs! Uma desonra, uma desonra!
Todos riram da brincadeira de Clementine e o riso continuou depois da intervenção de Valentin:
— Sugiro um duelo entre os cavalheiros. A dama é de grande valor.
Depois de alguns minutos todos se acomodaram novamente, mas o ambiente se transformara completamente e estava festivo.
— Quando será a cerimônia? — A francesa questionou. — Devemos chamar o padre?
— Não. — Justino recusou com um aceno da mão esquerda, pois a noiva estava pendurada no braço direito. — Queremos uma cerimônia tradicional como as dos nossos antepassados.
— Sim, como as dos nossos avôs africanos. — Matilde frisou. — Trabalhei a vida toda em casa cristã e até mesmo fui batizada na Santa Igreja Católica, mas não é ali que meu coração está.
— Nós temos a liberdade e queremos gozar dela completamente. — Justino complementou.
— Ah... Isso será esplêndido! — Bárbara comemorou.
— Não sei como são as cerimônias, mas creio que seja preciso comprar algo. Oui? — Clementine perguntou. Tinha tirado um bloco de anotações e um lápis de um bolso na saia do vestido.
— Não se incomode com isso, Clementine. — Matilde tranquilizou.
— Por favor, eu insisto. — Disse a francesa.
— Nós insistimos. — Marcel juntou-se à irmã. — Será nosso presente de casamento.
Matilde via a sinceridade dos mais jovens.
— Compraremos apenas os materiais de corte e costura. As roupas serão cosidas pelas meninas. — Matilde contou. As "meninas" eram as amigas que fizera em Flor Bonita.
— Decidido! Iremos todos até a cidade. — Marcel anunciou.
— Será a primeira vez que precisaremos usar as duas carruagens. — Clementine riu.
— Prevejo muita "diverrrrsón". — Valentin falou com toda a empolgação.
— Há anos que não temos um casamento em Flor Bonita. — Maria Belinha falou com ares pensativos e olhar perdido.
— Certo. — Disse Clementine. — Iremos à cidade fazer as compras e os que ficam na fazenda se encarregam de começar os preparativos para o banquete.
— Nem acredito que isso realmente está acontecendo. — Matilde colocou a mão sobre o peito e sentiu o coração que batia forte.
Justino nada disse, apenas apertou a mão dela com todo o carinho.
— Está decidido. — Clementine definiu e imediatamente começaram os preparativos da viagem.
A casa estava um pandemônio de pessoas agitadas procurando por objetos. Em pouco tempo uma montanha de malas podia ser vista na varanda da frente. Paradas sobre a grama do jardim, em frente à fonte que retratava uma ninfa dos bosques, estavam duas carruagens, a maior e mais larga era a carruagem oficial da marquesa e a menor era a de uso comum. A carruagem de Sorte não era das mais práticas, por isso preferiam deixá-la guardada.
Ficou acordado que nela iriam Clementine, Maria Belinha, Bárbara, Matilde e Émile, pois era mais confortável e as senhoras viajariam melhor. Também as mulheres decidiram se isolar para falarem dos assuntos que quisessem. Na outra carruagem iriam Tinoco, Justino, Marcel e Valentin, todos contentes com uma garrafa de cachaça de engenho e duas de bom vinho, pois planejavam ficar mais bêbados que uma cabaça.
No último minuto Clementine desceu da carruagem e buscou dois litros de licor e uma das garrafas de vinho que Marcel tinha pego, depois voltou para a carruagem onde as senhoras a fitaram com olhos brilhantes de antecipação.
Assim que a carruagem se pôs em movimento, a primeira coisa que fizeram foi tirar os sapatos, afrouxar os corpetes e soltar os cabelos. Depois começaram a beber, menos Maria Belinha que ficara no primeiro turno de cuidados com Émile.
Matilde trabalhara para os Olivares durante toda a vida. Era escrava do pai de Pedro e depois do próprio Pedro. Ainda nova apaixonou-se por outro dos escravos de Pedra Negra e dele teve um filho que morreu logo que Sorte nascera, assim se tornou ama de leite da menina. Infelizmente o amado morreu também e Matilde nunca chegou a se casar. Ela assistiu a vida se desenrolar e se considerou feliz de ter a sorte de obter a liberdade e ver seus iguais também em liberdade. Depois de livre continuou com os Olivares porque eles eram bons, e sinceramente, de uma maneira estranha era o que tinha mais perto de ser uma família.
Quando Sorte se casou, finalmente a senhora procurou o próprio caminho longe do conde e da condessa. E esse caminho estava em Flor Bonita.
De todas as propriedades do conde, aquela sempre fora sua favorita desde menina. Era suntuosamente bela e, a seus olhos, tinha uma paz rara de encontrar em outro lugares.
Ali conhecera Justino ainda menino também e com ele brincara, quando oportunidades apareceram.
Depois de muitos anos eles se reencontraram e a chama da amizade reacendeu. Quando Justino soube do filho de Matilde ficou completamente arrasado de tristeza porque via nos olhos dela o vazio que estava no coração.
Na ocasião em que Matilde se mudou de vez para Flor Bonita Justino não poderia ficar mais feliz. Todos os dias dava a ela as mais lindas rosas do jardim e aos poucos a amizade se transformou em algo maior e mais quente. Aquele sentimento terrível que o deixava nervoso e ao mesmo tempo fazia caminhar sobre nuvens.
Decidiu pedi-la em casamento, pois já tinham idade um pouco avançada apesar de ainda serem jovens e cheios de vigor. Queria viver tranquilamente com ela em um lugar distante daqueles que conheciam e construir memórias que não incluíssem os Olivares. Queria desfrutar totalmente da liberdade que recebera havia tantos anos. Se podia ir, desejava ir. Se podia amar, desejava amar.
Justino sempre fora desse tipo de pessoa que fala pouco, mas sente muito. Por isso a profissão de jardineiro lhe coube como uma luva. As plantas precisam de muito cuidado e amor, mas nenhuma conversava, apesar de que às vezes ele conversava com elas.
Os pais estavam enterrados em Flor Bonita e esse era seu único pesar em dizer adeus àquela terra, mas sempre poderia voltar para visitar. Se ainda fosse abençoado com filhos, gostaria que eles pudessem desfrutar de algo novo.
Com coração cheio de alegria Justino bebeu e cantou com os outros homens. Quando o efeito do álcool se tornou demasiado forte para ignorar, Justino encostou a cabeça na parede da carruagem e começou a pensar em Matilde. Como era linda com sua pele de cor quase igual à do ônix e o enorme sorriso jovial. Nos olhos despontavam as primeiras rugas e ela cantava como ninguém. Matilde era como os canários do jardim.
Além disso, pelas apalpadelas que dera com ela às escondidas, sabia que todo aquele tecido dos vestidos cobria um corpo que ele considerava muito desejável. Esse pensamento fez com que Justino sentisse uma leve fisgada na virilha.
Olhou para o lado e viu que os beberrões dormiam, por isso ficou à vontade para ajeitar as partes íntimas que estavam tortas dentro da calça.
Justino fechou os olhos e começou a imaginar a lua de mel.
Na carruagem das mulheres, que vinha logo atrás, Bárbara e Clementine jogavam com Matilde uma acirrada partida de cartas. Havia uma aposta em jogo e todas se empenhavam ao máximo para ganhar. A aposta era uma confissão da noiva: se ela perdesse seria obrigada a contar seu mais inconfessável desejo erótico e realizá-lo na lua de mel. Jamais ela contaria a elas algo tão fogoso e se preciso fosse trapacearia no jogo.
O que Matilde não sabia era que Clementine era Mãe dos Vícios e na mesa de jogo sua filha era a trapaça. Ninguém podia vencê-la, nem por bem e nem por mal. Dito e feito, Matilde perdeu.
O queixo das vencedoras foi ao chão quando Matilde contou sua curiosidade acerca de uma certa técnica grega de estimulação de um ponto não muito convencional.
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Ma cherie: Minha querida.
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