Casamento tradicional
Quando Ícaro chegou à pousada onde alugaram quartos na cidade, procurou direto pela mãe. Perpétua estava no próprio quarto e olhava pela janela, sentada em uma cadeira de espaldar alto. Encontrava-se contemplativa e parecia tão perdida em pensamentos que nem mesmo se moveu quando o filho entrou.
— Mãe. — Ícaro chamou.
Ela não respondeu, no entanto. Por isso Ícaro se aproximou e colocou a mão sobre o ombro da mulher.
Perpétua olhou para cima, para o belo rosto de Ícaro, e sorriu. Pegou a mão do filho entre as próprias e as massageou.
— O que a distrai, mãe? — O homem perguntou.
— Recebemos um convite muito especial. — A mulher contou com olhos cintilantes. — Há tempos não vejo um casamento tradicional.
Ícaro jogou o chapéu sobre a cama e coçou a cabeça.
— Como não? Há pouco conhecidos se casaram. — Replicou.
Perpétua riu.
— Menino, não sabe que minha concepção de casamento tradicional é diferente. Refiro-me a casamentos como de seu bisavô e sua bisavó. Aqueles iguais aos da terra de onde vieram nossos antepassados. — Ela explicou.
O rosto do filho foi tomado por compreensão.
— Entendo. E quem serão os felizardos? — Ícaro questionou.
— Matilde e Justino da fazenda Flor Bonita. Encontrei-a pelo caminho e ela me convidou pessoalmente. — A mãe revelou.
Ícaro apenas anuiu com a cabeça.
— Veja, um presente para a senhora. — Estendeu o embrulho ornado por um laço de fita azul.
Perpétua pegou o pacote e abriu. Imediatamente ficou encantada pela caixinha de música, apesar de dizer ao filho que não era necessário por já despendido muitos réis com ela, ele sentiu que ela precisava sim de muitas demonstrações de amor.
— Você é o melhor filho que uma mãe poderia ter. — Perpétua comentou enquanto Ícaro dava um beijo em sua testa.
— Mal posso esperar para dizer isso a Antônio. — Ícaro disse em tom brincalhão.
— Não seja bobo, seu irmão também é o melhor filho. — Ela repreendeu.
— "Melhor" para minha mãe tem um significado diferente daquele conhecido pelo resto do mundo. — Ícaro implicou.
— O que posso fazer? É assim que sou. — Perpétua respondeu e deu uma risadinha.
— Amo você, mãe. — Ícaro declarou enquanto a abraçava.
— Eu sei. — Ela respondeu. — É por saber disso que ainda estou aqui.
Ícaro sentiu um nó na garganta. Daria o mundo para a mãe se o planeta estivesse ao seu alcance.
— Você está diferente. — A mãe perscrutava o rosto dele. — Parece que sua pele está brilhando.
— É o suor. — Ícaro retrucou rápido demais.
— Não é suor. — Ela estreitou os olhos. — Por acaso encontrou a moça francesa?
Ícaro tossiu antes de responder.
— Claro que não.
— Você não me engana. Está com a mesma expressão de cachorro perdido que tinha esses dias passados. — Perpétua passou o indicador pelas arestas da caixinha de música.
— Está enganada, nem mesmo sei se a senhorita Desfleurs está aqui. — O homem tentou disfarçar.
— Ícaro... — Perpétua riu. — Nós somos mais inteligentes que isso. Acabei de dizer que Matilde me convidou para o casamento, sendo assim, é óbvio que a senhorita Desfleurs "tá" na cidade.
— Não quero falar sobre isso. — Disse Ícaro que se sentia acuado.
Perpétua soltou uma sonora gargalhada.
— Crianças... — A mulher disse para ninguém em especial. — Pensam que nascemos ontem.
Enquanto mãe e filho conversavam, na casa dos Desfleurs os noivos comemoravam o imóvel que Justino tinha adquirido. Não fora difícil no fim das contas e ele agradecia por isso.
— Creio que depois do almoço podemos visitar o novo lar dos pombinhos. — Clementine falou enquanto dava comida a Émile. Era a única que conseguia alimentá-lo sem que ele ficasse todo lambuzado.
Todos estavam à mesa do almoço, exceto Tinoco que aproveitara a oportunidade para ver amigos e negociar algumas cabeças de gado.
— Não sei se consigo ver o lar onde minha ex-pretendente vai passar a lua de mel. — Marcel olhou para Matilde com uma expressão que sugeria saliência.
A mulher ficou toda envergonhada como uma mocinha e a amiga Bárbara implicou se aproveitando do comportamento pueril.
— Ora Matilde, sua flor já desabrochou.
— Bárbara! — Matilde repreendeu e todos riram.
Exceto Maria Belinha, que estava estranhamente quieta.
— Vocês não acreditarão no que soubemos há pouco. — Matilde desviou o assunto.
— Atualmente poucas coisas me são inacreditáveis, ma cherie. — Valentin comentou.
— Nem mesmo um casal que foi pego aos beijos, senhor? — Bá falou com um olho mais aberto que o outro e Valentin engasgou com um osso do frango que comia.
Maria Belinha, assustada, desviou os olhos para o teto. Clementine fitou o prato com intensidade descomunal e Marcel não sabia para qual das duas olhar. Todavia ambas tiveram reações fora do comum.
— Conte Matilde... — Marcel instigou enquanto vigiava a irmã e a amiga.
— Dizem que foi o dono da loja de presentes quem contou — Maria Belinha soltou um discreto suspiro aliviado enquanto Clementine arregalou os olhos por um segundo — que dois clientes estavam aos beijos lá dentro.
Marcel deu um sorriso discreto e significativo. Viu que a irmã tinha chegado à casa com um embrulho da loja. A pergunta era: quem Clementine agarrara? Valentin estava na casa com Maria Belinha.
Marcel olhou para Valentin e estreitou os olhos, afinal, o amigo estivera sozinho com Maria Belinha...
— Quem? — Bárbara perguntou curiosa.
— Disseram que ele não contou os nomes, pois não gosta de mexericos. — Matilde concluiu.
Bárbara soltou um suspiro frustrado.
— Os piores fofoqueiros são esses que fofocam pelas metades. — A senhora Silva estava realmente desgostosa da falta de maiores informações.
Clementine, por sua vez, se viu aliviada. Contudo não permaneceu aliviada por muito tempo.
Quando iam para a nova casa de Matilde, Marcel agarrou o braço da irmã e retardou o passo de propósito até que estivessem longe o suficiente para trocar algumas palavras sem que fossem ouvidos.
— Quem? — Questionou sem rodeios.
— Quem o quê? — Clementine se fez de desentendida.
— Você sabe que tal truque não funciona comigo. — Ele advertiu.
Clementine suspirou e olhou para o céu. Por alguns segundos só ouviram o barulho dos próprios passos e da bengala de Marcel batendo no chão.
— Ícaro Carvalho. — Finalmente confessou.
Marcel sorriu enigmático.
— Posso explicar. — Clementine afirmou.
— Não que seja necessário, mas quem sou eu para negar a oportunidade de esclarecimento. — O francês falou como quem não quer nada.
— Ele pegou uma mercadoria que eu queria e não soltava. — Clementine realmente falou como se fizesse sentido.
Marcel olhou para a irmã e riu.
— Você está um pouco velha para brigar por brinquedos, Clementine. — Troçou, e como pagamento recebeu dois tapas no braço.
Clementine ficou vermelha como pimenta malagueta.
— Era um excelente soldadinho de chumbo. — Justificou na tentativa de tapar o sol com a peneira.
— Você gosta dele. — Marcel afirmou e a irmã olhou para ele com estranhamento. — De Ícaro Carvalho.
— Não seja tolo, Marcel. — Clementine repreendeu.
— Quanto mais cedo admitir, menos doloroso será. — O irmão falou com tanta seriedade que Clementine não ousou responder.
Pelo contrário, duvidou de seu próprio julgamento sobre a situação. Uma palavra séria de Marcel tinha peso de ouro.
— Sabe... — Marcel chamou a atenção dela. — Acho que vocês não são os únicos que entraram em uma relação complicada.
O francês apontou para frente com o queixo e Clementine olhou para as costas do par que ia lado a lado. Eram Maria Belinha e Valentin.
— Você acha que...? — Clementine não arriscou terminar a frase.
— Ela é bonita, ele também. Ficaram sozinhos e ela está deveras silenciosa desde que chegamos. — Marcel expôs suas observações.
— O que faremos? — Clementine perguntou.
— Arrancaremos a verdade. — Marcel abriu um sorriso ferino.
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