1 - Meu novo... lar?
6012 Words
Alguém já te disse que pensamentos ruins atraem coisas ruins?
Pois bem...
Graças à minha vida de merda, a minha cabeça é bem fodida, então já aviso para esperar desgraça atrás de desgraça de agora em diante, combinado?
E como prometido, assim que as rodas do avião tocaram o chão, essa minha jornada começou.
Mal cheguei à ala de desembarque e já estava em busca daquelas plaquinhas com meu nome. Não conseguia parar de pensar que eu já devia tê-lo visto, pelo menos no dia do julgamento; mas por algum motivo tinha apenas as fotos antigas como referência.
Entretanto aquele dia foi uma grande tempestade, que saiu destruindo tudo que eu conhecia e eu me senti arrastada pelo tornado. Imagina descobrir que tudo que acreditava sobre o mundo, não passavam de mentiras de uma pessoa louca?
Eu não estava nada bem.
Voltei do tribunal junto dos meus anjos para arrumar todas as coisas, mas me sentia totalmente paralisada, tudo parecia um sonho nebuloso. Foram eles quem arrumaram tudo que tinha e enviaram via correios para onde seria meu novo lar; foram eles que compraram minha passagem e me puseram dentro do avião.
Me sentia presa dentro de mim assistindo minha vida.
Durante as horas de voo, fui me acalmando tentando me convencer de que meu pai era uma pessoa boa; e que não precisava ter medo dele ou do futuro.
Afinal, mesmo sem jurisdição ele quis acompanhar a polícia local, enquanto eu só queria distância de tudo aquilo, e acabei me trancando dentro da minha mente tentando desesperadamente me anestesiar e não sentir nada, indo com o meu furacão particular de nome Catheryne.
Olhei nossa última foto no celular.
Diferente de mim ela podia ser ela mesma, e sempre admirei tanto isso: usava os negros cabelos curtos e repicados, estava sempre com alguma lente de contato colorida para evitar precisar de seus óculos, era gordinha e aproveitava de suas curvas fartas sendo logicamente bem mais baixa que eu, um tamanho que invejava. Linda de mais, com um sorriso que iluminava meu dia.
Na foto, ainda estava toda de cor de rosa com branco e detalhes dourados nos seus adornos, uma verdadeira bonequinha preciosa.
— Chegamos. — Fui retirada dos meus devaneios pelas doce aeromoça que me sorria gentil. Mal percebi sua aparência pelo nervoso que estava; mas algo nela me fez sentir um arrepio; como se seu sorriso fosse falso, como se tivesse algo errado e ela soubesse.
Achei ser neura minha por tudo que estava passando, peguei a mala que havia trazido comigo e sai, em busca das demais no desembarque.
Não demorou e logo vi uma plaquinha de papel improvisada, com uns coraçõezinhos desenhados em volta como se alguém tivesse o enfeitado depois de feita, de forma simples.
Meu nome estava escrito com uma letra grande e caprichada de modo mais social e nada fofo, mas o "filhinha" estrito abaixo com uma canetinha rosa tinha uma letra mais desenhada e delicada. Ri. Só com isso já percebia que ele tinha amigos bem divertidos.
Fui me aproximando puxando nas minhas bagagens o peso de uma vida que estava deixando para trás, e logo pude ver que de fato aquele homem era enorme. A foto que Katy me mandou deveria estar pelo menos uns sete anos desatualizada; ele já possuía leves cabelos brancos e parecia bem mais forte que na foto. Sem falar que era muito alto.
Pensa comigo: eu já deixei claro o quanto sou alta, meço exatos um metro e setenta e nove centímetros e ao me aproximar dele percebi que minha cabeça batia na altura de seu mamilo.
Ele estava bem distraído em uma conversa empolgada com um colega que usava uniforme de polícia, mas cessa a conversa, me olha e sorri, um sorriso afável e muito acalentador; me faz sentir acolhida e muito bem-vinda apenas com esse sorriso gentil que ele possuía.
― Bem vinda. Quer dar um tour pela cidade? ― Diz e logo cora meio sem graça e se curva ao se oferecer para puxar as minhas bagagens até o carro. Acho que ele se embananou um pouco nas ideias... foi fofo.
Mas como estava mesmo tudo muito pesado deixei que aquele monte de músculos levasse tudo, e fiquei apenas com minha mala de mãos que apesar de muito pesada não deixaria com ele não.
É verdade, eu acabei ignorando completamente o colega dele.
Não me leve a mal, é que eu estava tentando ser otimista e conhecer o meu pai e esse cara meio que estava sobrando ali no rolê. Okay que imagino que esse homem precisava de um apoio emocional para virar pai do nada... um amigo, mas o meu interesse estava em conhecer o meu pai, e estava nervosa demais para conseguir dar atenção a mais alguém agora.
Entretanto não conseguia tirar os olhos das pessoas que nos observavam.
Pela primeira vez eu não era o centro das atenções ali e sim ele. E era incrível ver como ele parecia não se importar nem um pouco com os olhares que recebia, parecia estar tão acostumado; mais do que isso ele estava confortável. Diferente de mim, ele escolheu ter esta aparência... Acho que tinha algumas coisas a aprender com ele afinal.
E assim distraída em pensamentos, chegamos a um carro.
Eu sou péssima narrando carros, você terá de sofrer um pouco com isso; ok?
Era destes enormes que as pessoas vão correr no meio do mato e sujam ele todo, são bem bonitos e alguns tem teto outros não (Eu descobri recentemente que a maioria tem teto e porta, mas acho que as pessoas mandam tirar. Tiram principalmente as portas), mas todos têm rodas enormes e fortes. Bem... na real imaginei que se fosse um carro comum ele não caberia dentro ou ficaria muito desconfortável, e ri com essa imagem engraçada, de ele esmagadinho tentando dirigir um carro comum, como um palhaço em um fusca.
"Homi" alto da peste!
Ele pôs tudo no porta-malas como se fossem plumas em sua mão e abriu a porta para mim como se fosse um príncipe ao fazer reverência. Ri com a gracinha e o colega dele também.
― Seu pai só tem tamanho. ― O homem que estava conosco diz ao entrar no lado do motorista deixando meu pai como passageiro. ― Em todos os sentidos que essa palavra pode parecer. ― Completa ao tentar dar um tapinha no ombro dele acertando a altura das costas e se põe a dirigir, vendo pelo retrovisor que eu já estava com meu cinto de segurança.
Mas não me leve a mal; eu realmente não tinha interesse algum no colega dele, era uma pessoa da vida do meu pai e eu já entendi que ele era um tipo iluminado e cheio de amigos e admiradores. Então sempre tinha alguém conversando com ele, vindo em casa ou ao seu redor; e não tenho condições de ficar descrevendo ou citando tanta gente que não vai ter relevância para que você compreenda o que preciso contar.
Só que neste dia eu estava extremamente nervosa então logicamente mal o olhei para saber como era sua cara, só sei que estava fardado e parecia um cara comum demais para ser lembrado, diferente de uns aí que logo descrevo; com seus cabelos coloridos ou trajes marcantes. Parece que fazem de propósito para aparecer. (risos)
― A viagem de volta é longa. Vamos conversando e nos conhecendo. ― O grandalhão diz me olhando pelo retrovisor do carro e eu me encolho automaticamente. Deve ser por isso que o outro iria dirigir; para ele poder ficar me dando toda atenção.
Mas... Era estranho demais estar sob a tutela de um completo desconhecido. Mesmo que seja simpático.
― Ah não. Você não vai fazer esse jogo com sua própria filha! ― O amigo briga e o... meu pai, ri. Como é estranho chamar ele de pai.
― E por que não? É a forma mais fácil de conhecer alguém. ― Debocha da cara azeda do colega ou amigo - não sei - e volta a me olhar. ― É um jogo que eu faço muito quando vou conhecer... uma mulher. Entende? Sou solteiro, sabe. Mas, na real, não tem nada de maldade nele. Só é uma forma de conhecer melhor as pessoas. Eu já fiz com esse bobalhão aqui também; ele só está de gracinha. — explica com um tom divertido, tentando me acalmar. Creio que percebia bem meu nervoso e medo.
Seus olhos de caleidoscópio me olhavam como um scanner.
― Entendo. E como é este jogo? ― falo tentando me mostrar interessada; afinal era muito acusada de parecer esnobe simplesmente por estar distraída ou até focada demais. E é por isso que estou tentando ao máximo me explicar aqui.
― Nem posso chamar de jogo. É assim: você faz uma pergunta e responde ela e a outra pessoa é obrigada a responder também. Assim fica algo justo.
― Esse doido sempre pergunta se alguém já tirou uma vida como legítima defesa. Dá pra acreditar nisso? ― o menor bufa.
Parece que ele iria mesmo querer participar disso. Ok. Nada contra esse carinha... mas estava me esforçando pra tentar criar uma relação com o homem que era meu pai e ele ficar se metendo não ajudava muito. Nem o próprio tinha dito seu nome ainda!
― Pode começar por favor. ― digo olhando para o homem enorme que fazia o carro parecer um fusca. Como e por que minha mãe escondeu ele de mim? Ou seria eu dele?
Como eles se conheceram? O que rolou?
Tantas perguntas...
― Certo. Você é bem nova então vai ser fácil responder tudo. ― indaga pensativo e posso ver seus olhos coloridos vagando entre as ideias como se lesse um roteiro que preparou. ― Qual foi a coisa mais estranha que já viu? Eu sou policial então as minhas são meio pesadas.
― Eu não sou criança. Pode falar. ― assim que digo isso ele gargalha alto da minha cara como se estivesse esperando tal resposta de mim, e só me sinto como um clichê adolescente batido. ― A-a coisa mais bizarra que já vi foi um grupo de jovens atacando um casal. Pareciam possuídos. Estávamos no carro, e minha mãe falou que era normal acontecer esse tipo de coisa naquele bairro, que deveriam estar drogados. ― falei gaguejando de vergonha pela forma que ele riu. Mas assim que disse a palavra "possuídos" ele me olhou levando a sério.
― Pois bem. A coisa que eu vi foi um canibal em "ação". ― responde simples analisando a minha reação friamente. Ele foi bem vago para não ser gráfico com uma pessoa menor de idade, mas mesmo assim entendi em seu tom de voz o nível de pesado que estava a situação.
Olhar em seus olhos, quase me faziam saber mais do que gostaria.
Ele parecia relatar só com o olhar. Ele ouviu a vítima gritando? Foi assim que encontrou a cena?
― Sua vez, garota. ― diz me tirando do transe de seus olhos coloridos.
Tantas coisas que eu quero perguntar a ele.
Essa é mesmo uma brincadeira perfeita!
― Por que escolheu ser policial? Não tem medo? ― parei para refletir, não era uma pergunta que eu podia responder. Mas eu queria perguntar sobre ele e minha mãe: se foram namorados ou se foi um caso de uma noite. Tantas perguntas. ― Eu ainda não sei o que quero fazer da vida... Que profissão ter. Mas queria ajudar as pessoas. Só não sei como.
― Eu teria mais medo se não fosse da polícia. Assim eu pelo menos posso me defender e saber o que está acontecendo. Posso fazer algo legalmente para ajudar também. ― ele respondeu de uma única vez. Não como um discurso ensaiado, mas como quem tem total noção do que diz. ― E é bem normal não saber ainda. Mas fico bem orgulhoso de você querer ajudar as pessoas; deve ter puxado isso de mim... ― afirma com um sorriso honesto meio que alfinetando minha mãe.
Ele aparentava ser bem criança, uma alma pura e um sorriso lindo e iluminado sem pesar.
E assim passamos o trajeto todo conversando dessa forma, com esse bate volta.
Não posso negar que foi um ótimo quebra gelo e eu me pegava rindo em muitos momentos, e até parei de olhar para a estrada e devanear sobre a minha vida, para continuar os assuntos que se alastraram mais que os outros.
— Jura? Sua mãe nunca te levou à escola... ela fez tudo isso com você... e ninguém "nunca" estranhou? — ele parecia indignado, como se tivesse algo errado com isso. E parou para refletir.
Pude ver no olhar do amigo que também estranhou meu relato, mas que não sabia o que se passava na mente do grandalhão; que estranhamente mantinha a forma como nos dias de competição e apresentação no dia a dia. Algo bem incomum para mim ou pra qualquer ser humano conseguir, se não for um personagem dos quadrinhos.
— Mas chamaram a polícia... e eu to aqui. — murmuro o respondendo meio confusa, pensando como alguém consegue manter este nível de competição no dia a dia.
— Sim. Está certo... — mas ele não diz mais nada sobre esse assunto, apenas olha pela janela pensativo e aperta a mandíbula como se removesse suas palavras.
Parecia até saber de algo que não desejava me contar...
O que faz sentido, na minha cabeça na época achei ser referente a relação dele com minha mãe... e não da dela com... Depois eu conto, senão fica muita informação de uma vez atropelada.
Perguntei como ele mantinha esse porte físico sendo tão ocupado, e como ele se sentiu ao descobrir que tinha uma filha de dezessete anos. E ele foi tão direto em suas perguntas e respostas que até me assustei, esperava que ele fosse ser mais delicado ou mandasse indiretas, mas não; meu pai era esse tipo de pessoa que falava na cara mesmo.
Gostei muito disso.
Ele me perguntou: se eu tenho medo de ele fazer algo comigo já que não nos vemos como pai e filha, perguntou se quer que eu seja matriculada na escola ou se prefiro fazer um supletivo ano que vem e também meus planos para minha nova vida.
― Bem. Eu quase infartei. ― ele ri alto ao responder minha pergunta. ― Mas quando seu amigo apareceu na minha porta e me contou tudo que a sua mãe fez com você, eu não podia deixar você lá. ― completa apreensivo em tocar no assunto, e eu volto a pensar na briga que tive com este amigo antes de partir. Ele... veio até aqui depois da nossa briga? Eu tinha de falar com ele assim que chegasse na casa. ― Na moral to bem... apavorado com essa porra. Afinal nunca me casei ou tive filhos. Não sei se vou ser bom nisso. A casa é de um cara solteirão. ― ri meio sem graça.
Era mesmo um cara simpático, isso eu não posso negar.
― Gostei muito dos... seus olhos. Queria ter puxado eles. ― comento sem graça e ele me olha meio sério.
O clima fofo e acolhedor esfriou e mudou completamente do nada.
― Infelizmente... ― ele parecia que ia falar algo, mas se contém e muda até a expressão. ― Isso é considerado uma anomalia. Não se puxa assim, mas pode dar uma tendência. ― Sorri meigo, logo parando e me olhando mais analítico como se percebesse algo em meus olhos, sorrindo de uma forma que não compreendi. O que tem nos meus olhos?
Isso me deixou muito curiosa. Teria algo por trás do motivo destes olhos tão únicos?
― Será que puxei algo de você? Tipo uma mania ou gosto? ― tal pergunta pareceu o preocupar. ― A altura foi minha mãe... com cirurgias. Não sei como não te puxei... você é enorme. ― ele engoliu seco com minha observação, e voltou a disfarçar.
― Não sei... Meus pais eram de estatura normal, as pessoas costumam dizer que: "eu valho por dois". ― brinca como se fosse alguma piada interna; e eu me atento a essas palavras, valer por dois. ― Mas vamos descobrir muitas coisas em comum, acredito eu. Já sabemos que ambos gostamos de ajudar o próximo.
― Concordo. ― respondi tentando espantar essas sensações estranhas, afinal ele parecia ser uma pessoa legal.
Mas como falei minha alegria é curta como a vida de uma mosca de banana.
Sem que percebêssemos; havia mais uma pessoa me aguardando no aeroporto além dos dois policiais e assim que as rodas do avião tocaram o chão e sinalizou no telão de que havia pousado o meu avião...
Não tenho por que embromar: Em resumo, alguém estava seguindo o nosso carro desde que partimos da estação.
Mas como a viagem era longa, e eu já estava morrendo de fome quando entrei no carro, já que todo mundo sabe que comida de avião não enche; ele parou no único shopping local para comermos e quis aproveitar para me mostrar o lugar.
E eu já fiquei em choque por ter apenas um único shopping em toda a cidade, e por conta disso me perguntava como seria essa tal cidade e o que as pessoas faziam para se divertir; afinal de onde vim... Mas taquei um foda-se monstro pra isso, e me sentei na mesa com meu hamburger gigante olhando aquilo como se fosse um presente divino, já que nunca comi um na minha vida toda; enquanto eles foram pegar seus pratos.
*O pão macio tinha sido selado com cuidado e carinho com uma manteiga pura e caseira, o molho igualmente forjado com capricho escorria tímido sem molhar o pão deixando meus lábios úmidos e toda lambuzada a cada nova mordida. E a carne do hambúrguer? Parecia um pecado puro... Muito bem temperada era alta e grossa, possuindo um recheio de queijo dando uma surpresa maravilhosa. Um queijo temperado com orégano que preenche toda minha boca de sabores. Cheguei a lacrimejar de emoção com a salada simples temperada de forma suave para contracenar com os demais sabores; nunca imaginei ver a cebola roxa sem ser em uma salada.*
Olhei para o homem sentado à minha frente que ria muito da minha reação, me dando um lenço como se eu fosse uma criancinha fofa; eu até consegui o ver como um pai.
Quem liga para luxos se agora eu teria liberdade? Foi o que pensei naquele período de alegria.
E logo que eles saíram para buscar o pedido, um senhor se aproximou de mim.
Se eu soubesse quem ele era... tudo teria sido tão diferente nesta conversa. Eu perguntaria tantas coisas; e não o deixaria ir. Não sem ajudar.
― Posso me sentar aqui? ― ele diz ao apontar para a mesa ao lado da nossa, e faço que sim. Estava entretida demais com o lanche.
Aparentava ter seus oitenta e poucos anos por conta do tom fino que sua pele mostrava, e levava consigo um grande acúmulo de manchas em seu rosto e mãos, bem vestido e muito bem cuidado parecia abastado e bem de vida além de saudável; ele segurava um livro enorme nas mãos e o olhava com tristeza quase chorando.
Não consegui ignorar isso.
― O que houve, posso ajudar?
Essas palavras...
Por muito tempo achei que foram essas palavras que o fizeram me escolher entre tantas pessoas daquele lugar, mas não. Ele já estava ali por ter me escolhido, afinal era eu ou... Alex. A situação era de emergência, mas ele eu apresento futuramente com mais calma; como disse é muita informação para jogar tudo de uma vez, só grave todos os nomes que eu for dizendo ok? Prometo não flopar de nomes que não forem importantes.
Nada que eu estou escrevendo aqui é atoa.
― Você ajudaria um estranho? ― ele me olha assustado pela minha conduta, e sorri limpando a lágrima de seus olhos escuros como a noite que já começavam a ficar encobertos pela pele que caia com a idade. ― Me chamo Sebastian, prazer. ― não disse seu sobrenome. Acho que "nós três" temos isso em comum; essa mania de ignorar nossos sobrenomes. Será por conta da ligação? Uma coisa de "porta voz"? ― Este é um livro muito importante para mim. E... temo que seja perdido quando morrer. Eu que o escrevi, entende? A senhorita poderia por na internet para mim? Meu neto ia fazer, mas... ele faleceu a pouco tempo.
Eu não podia negar. Podia? Você negaria?
― Mas é claro que posso! ― exclamei ao me levantar e ele sorriu satisfeito me passando o livro com cuidado.
Ele me olhou surpreso, parecia não esperar por isso. Pela minha atitude, creio que não havia tido tempo hábil de me pesquisar ou saber mais sobre mim...
Era um livro realmente enorme, e muito pesado de capa de couro e pontas douradas. Muito lindo de se ver. Na capa existia apenas uma palavra escrita com arabescos: Térekin, e fiquei olhando para ela curiosa; tinha algo ali que me atraia como a capa do jogo "original" do primeiro filme de Jumanji; não esse novo... nada contra o novo tudo bem, mas eu prefiro o original. Tinha esse encanto magico de atrair a pessoa sem ela saber o por que, o som dos tambores marcantes que chamavam como um transe; mas eu não ouvi tambores, vi cores... cores inexplicáveis em um forte tom de azul no fundo se dividindo em vários tipos de azul, era lindo.
― O que é Térekin? ― perguntei e ele sorriu. ― E tudo bem confiar em uma estranha que encontrou em uma praça de alimentação o seu tesouro?
― Eu não tenho mais ninguém para confiar o meu tesouro, pequena. E... você parece uma pessoa de muito valor. ― Não notei o trocadilho com meu nome em suas palavras, afinal não tinha como ele saber meu nome, mas ele sabia muito mais sobre mim do que eu mesma. ― E você vai saber quando transcrever. ― Até mesmo este trejeito que ele usou para me tratar. Foi carinhoso mas... por coincidência foi o mesmo apelido que o meu pai me deu pela ironia de ele ser a única pessoa maior que eu. "Pequena". Ele previu o futuro ou...? ― Mas... por favor não saia repetindo este nome tudo bem? ― sussurra o pedido como um segredo.
Achei fofo.
Não entendia o poder deste nome, ainda.
E assim os dois voltam; acabei ignorando o prato do colega do meu pai pois estava tão focada no grandalhão que não tinha como prestar atenção em mais ninguém, nem mesmo o senhor com quem conversava, pois meu pai se fartava com três hambúrgueres enormes me entregando um milkshake de morango. Que vontade de o abraçar!
― Como pode uma pessoa estar saindo da adolescência e nunca ter comido porcaria? ― diz indignado. ― Acho que eu tive uma infância maravilhosa. ― ri ao abrir o primeiro lanche e abocanhar com vontade e quando me viro para voltar a falar com o senhor, percebo que ele não estava mais ali.
Mas calma.
Ele não era o Batman.
Estava a poucos centímetros das mesas, andando lentamente para algum lugar, e eu apenas o deixei ir, afinal já tinha pego seu e-mail e contatos durante a breve conversa que tivemos.
Com isso pus o livro no colo para não sujar com nada.
Senti um arrepio estranho na nuca, como se estivesse sendo observada; e uma sensação muito ruim me invadiu. Era como se ouvisse uma dica "não olha", uma sensação interna para fingir não ter percebido seja lá o que estava olhando pra mim.
— Opa. Esqueci de lavar as mãos. — o grandalhão diz ao se levantar, me tirando dessa imersão plena e o vejo seguir entre as pessoas, e essa sensação ruim passa de uma vez. Deve ser algo da minha cabeça.
Comi de passar mal como nunca na minha vida e voltei mole para o carro, coisa que fez meu pai soltar piadinhas ruins e dolorosas de tio. E ao chegar a cidade nem quis olhar e conhecer nada, teria muito tempo para isso e estava sem pressa.
Os dois riram o caminho todo da minha gula descabida e eu só pensava como o meu pai mantinha este corpo comendo assim. O quanto ele malhava?
― Chegamos pequena. ― ele diz ao descer do carro e me entregar uma chave, já começando a me chamar desta forma carinhosa, mas eu mal me dei conta que foi depois de Sebastian ter o usado antes. ― Eu não posso ficar muito, pois tenho uma agenda corrida no trabalho. Mas volto sempre às onze para casa, ok? Juro que vou tentar mudar meus horários, pra você não ficar muito tempo sozinha. Ok?
― Não tem de mudar suas rotinas por mim. ― sorrio sincera ao pegar as malas que ele entregava. Eu já havia compreendido muito bem que caí de paraquedas na vida dele; e que ele possuía um trabalho complicado que não podia sair a hora que bem desejasse, e não queria de forma alguma ser um problema para alguém que até agora só mostrou ser um anjo.― Sou grandinha.
― Certo. Pode xeretar a casa toda. Afinal ela é sua agora. Mas se for sair por favor me manda sua localização em tempo real, sempre. Combinado?
Foi uma exigência extremamente estranha de se ter, mas não tive por que negar. Sincronizei meu GPS do celular ao dele e entrei na casa.
Foi um jeito estranho de querer ficar de olho em mim e me dar total liberdade ao mesmo tempo. É... ele falou que não sabe ser pai; e era um policial afinal.
Respirei fundo e me virei.
Tinha plena certeza de que seja como for, eu iria amar aquela casa; pois não tinha como ela ser meramente semelhante a mansão cor de rosa e branca de minha mãe; não apenas por ser rosa, mas por que suas personalidades eram totalmente diferentes.
Para a minha surpresa a casa era marrom e não branca, tendo dois andares, com um marcante telhado preto e um jardim sem flores cheia de pedras coloridas e cascalhos.
(Vou levar um tempo para descrever este local, afinal ainda estou aprendendo a escrever; então se desgosta de longas descrições não se sinta obrigado a conhecer o lugar. Mas saiba que tudo que revelo é útil de alguma forma e vai perder os esteregs das estátuas, entre outras dicas do que tem de errado.)
A porta de entrada era daquelas duplas, enormes sabe? Além disso, a porta ficava para o lado esquerdo da casa no fim de um corredor, deixando a enorme janela ao centro da fachada e a garagem logo em seguida a direita em um estilo que lembrava o clássico americano.
Em resumo, parece muito com as casas que via nas séries de TV, que se dividiam apenas por cerquinhas só que com muros dos dois lados da casa ao invés de cercas de madeira.
Entrei com a chave que me foi dada e me deparei com um hall de entrada completamente vazio. Tudo bem não ter uma mesa ou espelhos, mas estranhei a ausência de um mero cabide de casacos ali; entrando na única porta a direita estava a sala gigantesca, que tinha apenas um sofá e uma televisão enorme.
Um puta desperdício de espaço útil!
Real casa de homem solteiro.
Não tinha uma decoração sequer.
Dentro da sala havia duas passagens: sendo uma delas a porta para a garagem e a outra um corredor longo bem no centro da casa; e bem no começo dele ficava uma escada de canto. Olhei para o andar de cima e tive a sensação de estar em um filme de terror, com tudo apagado. E como a casa não tinha decoração alguma, (e quase nenhum móvel também) essa sensação de casa abandonada era muito forte, então para tentar espantar o medo pus meus fones e fiquei a cantar; além de logicamente sair acendendo todas as luzes da casa, e fodasse a conta de luz por que eu tava assustadinha.
Deixei aquele bolo de malas na sala e fui levando uma a uma escada a cima.
A escada surgia paralela ao corredor central da casa, ficando com sua base próximo à sala e culminando no final do andar superior, sendo apenas uma linha reta que dominava a parede à direita, então não cansava tanto as viagens.
Deixei as malas no corredor de cima e desci em busca de água; a cozinha era nos fundos como os modelos mais antigos de casa que escondiam a cozinha, como se fosse uma área de vergonha, ao invés de deixar no coração da casa próximo a sala. E me peguei pensando nessa mudança de ideologias.
E por sua vasta janela podia ver o quintal largo típico destas casas de série de T.V. onde podia ver ter uma lavanderia na sua lateral, que era a única porta de saída da cozinha para fora.
Pela janela percebi algumas esculturas estranhas que com certeza me dariam pesadelos: Rústicas pareciam terem sido feitas por alguém que não era profissional, mas tinha muita dedicação...
"Grandes, até pareciam pessoas paradas ali, o que era outra coisa estranha já que normalmente estátuas de jardins eram gnomos fofinhos ou sapinhos... Se tratavam do que parecia ser uma família. A mãe tinha cinco tranças lindas e grossas saindo de sua nuca, que jogadas para frente de modo delicado caiam sobre seu colo chegando até a cintura. Só consegui pensar: que cabelo grande!"
"Sua franja também havia sido presa em duas tranças distintas e lindas onde uma se dependurava a frente de seu rosto e a outra se prendia delicada em sua orelha, enquanto que o pai estava com ambas as mãos nos ombros da esposa de forma dominadora e possessiva como uma sombra ruim. Mas quando me aproximei pude perceber que eram estátuas separadas e aquelas mãos não deveriam estar originalmente segurando essa moça..."
" E por último uma criança que se portava em uma pose animalesca olhando firme para mim como se seus olhos me seguissem; uma forma maligna do belo efeito da monalisa mas entalhado em pedra. Com ambas as mãos no chão, ela parecia pronta para me dar um bote e arrancar meu rosto."
"E em falar de rosto... boa parte das estátuas estava destruída. O rosto da mulher parecia ter sido destruído de propósito com uma marreta, enquanto os demais pareciam ter se deteriorado com o tempo. O mais interessante era que suas roupas não estavam esculpidas na peça sólida, na verdade se tratavam de roupas em tecido, costuradas na obra maciça, destruídas pelo tempo e devoradas pelo mato do quintal."
Me perguntei por um segundo quem foi o doente que esculpiu uma família nua. Mas minha impressão de ser uma família não fazia sentido algum, eles pareciam montados desta forma como arte e não construídos juntos. Nem mesmo combinavam. Não sei por que fiquei com familia na cabeça, só sei que fiquei.
Ignorei e peguei a água no filtro vendo ser uma cozinha simples com armários planejados e altos, uma geladeira gigante de duas portas, mas não achei uma mesa o que dava um ar de buraco vago na cozinha. Só o que vi foi um mural com coisas rabiscadas e riscadas em frente à porta deste quintalzinho, e meu nome estava ali.
Então lógico que parei para ler com atenção, mas apenas estava anotando as coisas que ele tinha de fazer para ter minha tutela riscadas, e o estudo circulado. Fofo. Estava tentando lembrar de tudo. Peguei o canetão preto que estava grudado nela e escrevi: roupas e quarto, e logo as risquei para ele saber que já estava certo, e com isso percebi que o gigantesco quadro branco era estranho e parecia desprender da parede.
Olhei e olhei, e assim percebi que este realmente soltava se convertendo na mesa da cozinha faltante. Incrivelmente prático.
Voltei pelo corredor vendo ter apenas duas portas ali.
Abaixo da escada tinha várias gavetas e as ignorei, afinal xeretar ali parecia muito errado, dando foco às portas do lado oposto às escadas; a mais próxima a sala era um banheiro e a outra parecia ser um depósito de tralhas. Quando acendi a luz para ver melhor dei um grito por conta de uma uma decoração de dia das bruxas que estava ali; parecia ser um corpo em decomposição, como se meu... pai fosse um assassino maluco que matou o dono da casa e deixou o corpo apodrecer no armário.
Xinguei mentalmente e fechei a porta com raiva, voltando e apagando a luz que tinha esquecido acesa e voltei a subir batendo os pés com raiva de ninguém.
Que ódio desse susto besta!
Como disse antes a casa não tinha decoração alguma, a única coisa que tinha eram paredes brancas e meio sujas, devo dizer até riscadas e meio quebradas em uns pontos como se alguém tivesse feito uma festa ali.
Mas quando vi as portas do andar de cima, até ri um pouco.
A última porta do corredor, ou seja, a que ficava de frente a rua estava escrito na porta: "Seu novo quarto espero que goste, estava imundo e pedi pra limparem." Foi fofo demais.
Tirei a plaquinha com carinho para guardar e me deparei com um quarto comum e uma cama simples de metal, destas antigas onde o bicho papão cabe debaixo. A porta ficava de frente a parede onde a cama se recostava no canto esquerdo e a cabeceira encostada na parede da janela. Me lembrei da "pose do homem-morto" que Katy odiava deixar sua cama e ri, afinal isso era bobeira e não imaginei que aquele homem enorme teria tido esse mesmo cuidado ao elaborar o quarto.
Estranhei não ter um armário ali, mas logo me espantei ao ver um gigantesco walk-in closet, atrás de uma discreta porta que mais parecia um espelho de corpo todo. E por último uma escrivaninha de canto com um computador novinho em cima, e na tela tinha outro bilhetinho: "Desculpa, ele não é muito moderno, mas foi de coração."
Gente que 'homi' fofo!
Me deu vontade de abraçar o travesseiro.
E assim aos poucos fui trazendo as coisas para o quarto e arrumando no closet, que era composto de vários armários de madeira pesados e enormes.
Não tenho de narrar esses detalhes tenho?
Parece bem chato. Afinal só estou detalhando
a casa por que real você precisa saber isso
em um filme de terror. Notou que não tem
rotas de fuga?
Anotou onde dá pra se esconder?
Beleza. Continua assim.
Arrumei tudo e fui xeretar no resto da casa como ele me permitiu fazer.
Tinha um quarto quase em frente ao meu, e quando abri vi se tratar de uma academia toda completinha, o que explicava bem o seu porte físico impecável. Linda demais mesmo, com uma parede de vidro, tatame no chão e aparelhos impecáveis de tão elegantes.
Continuando, do lado da academia em frente a escada tinha um banheiro igualmente lindo com uma banheira, parecia até coisa que eu via nas fotos de motel que os meus anjos da guarda me mostravam. E por fim, próximo ao topo da escada, estava o quarto que devia ser o dele.
Era gigante e eu demoraria uma eternidade narrando cada detalhe inútil. Então apenas imagine que era lindo e enorme mesmo, pegava todo fundo da casa e tinha uma janela central gigante que dava para os fundos e com isso trazia uma visão maravilhosa das casas da cidade em cascata até as colinas ao fundo que eram cobertas por nuvens densas.
Aquela visita era praticamente um quadro.
Então o que acha que fiz o resto da tarde?
Fui passear?
Não.
Eu fui transcrever o livro.
Desculpa pela descrição longa da casa, juro que é o único cenário que será descrito assim por que quero mostrar que ela vai aprendendo a narrar.
A mansão será a única outra descrição importante e será feita de outra forma para ser comparada a essa e mostra a evolução constante da nossa narradora. Cenários como escola parque etc tbm vai existir pra vc n ficar no espaço voando kkk, mas muito menos detalhado por ser irrelevante por tanto detalhe ok? Mas pra ajudar ponho umas plantas por que essa plataforma permite por fotos. No real não era pra ter esta ajuda por isso a descrição é tão importante. ^_^
Citação especial a autora @LineChan42 me ajudou com uma descrição quando a Valery tenta falar que o Sebastian a chamou de pequena, o que é uma mania graciosa para ele em comparação ao apelido que o pai dela deu. Não estava conseguindo uma palavra especifica para este tipo de mania que umas pessoas tem de chamar outras de: amor, querido, flor etc. E ela criou o termo "floreio vocativo" que usarei posteriormente. Assim como em "laranja mecânica" poderei usar termos criados como este apenas para exaltar a arte que se passa em outro mundo e explicarei seu significado antes. ^_^
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