1x02 - Garota Nova
Manuela estava mais do que pronta para fazer uma reclamação formal à sua tia pelo tratamento que recebeu assim que a mulher chegasse em casa, mas não esperava encontrar um verdadeiro caos na república.
Ela havia chegado lá exatos trinte e sete minutos após sair do aeroporto internacional de Porto Dourado, a capital de Costa Malva. A cidade da sua nova moradia se chamava Coralina e ainda fazia parte da região metropolitana do país, além de ser parada obrigatória dos turistas. Segundo o motorista do uber, a cidade tinha esse nome por causa dos grandes recifes que havia nas praias do norte – que eram lindos de morrer (palavras dele mesmo). Ele disse também que Coralina era a cidade dos cangrerros, o que Manuela achou que significava caranguejo (?), mas não teve tempo de perguntar, porque, a essa altura, eles já haviam chegado na casa.
Ela nunca tinha morado numa república antes e não sabia muito bem o que esperar dessa nova realidade. Pra ser totalmente sincera, a única pessoa com quem Manuela já dividiu a casa na vida foi seu avô, porque sempre havia sido apenas eles dois no mundo. A sua única família. Na república, ela sabia, moravam cinco rapazes do ensino médio que vieram para Coralina para jogar no time de rúgbi da maior escola da cidade – onde Manu estudaria também.
O que era um pouco estranho, porque garotos de dezesseis anos não saíam de casa até outro estado pra jogar no time da escola. Pelo menos não no Brasil. Mas quem era ela para julgar os desejos de evasão alheios, não é mesmo?
Afinal, a própria também estava bem ali parada na porta da mesma pensão da Janaína com mala e tudo.
Por saber de tudo isso, ela não se alterou quando um garoto que devia ter a sua idade abriu a porta. Ele é que ficou olhando para a menina baixinha em seus saltos plataforma, usando aquela jaqueta jeans oversize que ela não tirava do corpo e com os óculos de sol redondos na cabeça. Ela tinha encontrado um pirulito de coração na bolsa de mão durante a viagem de carro e já estava quase no fim.
― Aqui é a pensão da Janaína? – perguntou depois de tirar o doce da boca para ser entendida melhor.
Assim que o rapaz ouviu o sotaque brasileiro, a nuvem de confusão foi embora do seu rosto. Ela era esperada, afinal. Ou assim ela esperava.
― É, sim. Mas ela não está na casa. Você é a rapariga nova, correto?
Rapariga. Se era pelo nervoso ou não, a garota quase soltou uma risada.
― Se por rapariga nova você quer dizer a sobrinha dela então sim, sou eu mesma em pessoa – ela bateu continência de brincadeira. Ela mal podia acreditar que havia chegado e sua circulação sanguínea estava a todo vapor.
O rapaz abriu um pequeno sorriso e escancarou a porta para que Manu pudesse passar. Tentou oferecer ajuda com as malas, mas a garota disse que estava tudo bem. Ele fechou a porta novamente e parou de frente para ela bem no meio da saletinha de entrada da casa. As paredes tinham um tom vibrante de laranja e o piso era bege, daqueles que formavam mosaicos quando estavam todos juntos. Havia um vaso de cactos no chão com uma placa escrito "trate-me como um ser vivo" e a escada para o segundo andar os recebia convidativa.
― Eu sou o Davi – disse o garoto, estendendo a mão. Manu, que já tinha colocada o pirulito de volta na boca, apertou com força. Davi olhava para ela com curiosidade, porque apesar de pequena, Manuela Pimenta tinha uma presença que podia encher uma sala inteira.
― Manuela – cumprimentou, empolgada. – Em carne e osso. A minha tia vai demorar?
Pelo modo como Davi coçou a testa e contorceu o rosto, ela imaginou que sim.
― Aconteceu um problema.
Pausa.
― Que tipo de problema?
Davi encolheu seus ombros largos. Ele, ao contrário da menina, podia até ser alto, mas tinha uma presença pequena. Parecia ser o tipo de pessoa que estava sempre dormindo ou desligado demais para prestar atenção no que acontecia ao seu redor.
― Acho que ambos vamos descobrir quando ela chegar.
Então Davi direcionou Manu até a sala de estar da casa e disse a ela que ficasse à vontade. Ela notou que a sala era cheia de quadros na parede laranja e havia três sofás com mantas de cores diferentes por cima. Era um ambiente convidativo e alegre, mas ao mesmo tempo cacofônico. Havia cores por onde quer que Manu olhasse e ela levou um susto com o som estrondoso que saiu da TV de cinquenta polegadas quando Davi a ligou. Estava passando um jogo de rúgbi.
Quarenta minutos e cento e vinte mensagens de texto depois, a porta da casa foi aberta novamente, trazendo para dentro uma manada de rinocerontes falando sem parar. Manu ficou atenta na mesma hora e Davi nem desviou a cabeça do jogo quando disse:
― São eles.
O coração da menina começou a bater mais forte. Eles, no plural? Será que seu irmão estava com a tia também? Então era agora, assim, que ela conheceria sua família perdida em uma pequena ilha da Europa que ela nunca tinha ouvido falar direito antes? De repente Manuela se sentiu muito malvestida e muito suja da viagem que fizera atravessando o Atlântico. O sangue subiu inteiro para a cabeça dela, que parecia pesada enquanto Manuela achava que ia vomitar.
May day! May day!
Ela não era o tipo de pessoa que se acovardava, muito pelo contrário, Manu e seu pavio curto se atiravam de cabeça em tudo. Mas chegar no momento da verdade foi estranhamente paralisante.
― ... E eu espero que isso não se repita! – tia Jana entrou na sala dizendo. Os cabelos rebeldes e castanhos estavam presos em um rabo de cavalo e a mulher ainda usava um avental todo sujo de algo colorido amarrado na cintura, mas com a parte de cima abaixada. A camisa branca dizia "Madre Teresa é uma farsa" e ela usava tênis all-star também sujos de... tinta? Manu estava tão eufórica, gritando horrores por dentro, que não saberia dizer.
Junto da tia estavam dois garotos, mas para seu desapontamento, nenhum deles era o seu irmão. O loiro estava com o cabelo todo para cima e parecia que tinha escolhido a primeira roupa que viu pela frente, pois usava uma camisa social aberta e bermuda de praia. Já o outro, com uma pele moura tipicamente árabe, estava sem camisa e tinha o braço engessado até o cotovelo, apenas com as pontas dos dedos para fora.
― O que eu vou dizer pros seus pais, hein? – Jana pousou a mão na cintura e bufou. Ela tirou um maço de cigarro de dentro do bolso da calça jeans e acendeu com o isqueiro que pegou na prateleira abaixo do espelho que parecia da madrasta da Branca de Neve.
― Você não disse que tinha parado de fumar? – o mouro perguntou, confuso.
Jana apontou o cigarro para ele, acusativa.
― Olha só o que vocês estão fazendo comigo! – ela fez drama. – Eu estou desassossegada, pensando em como vou dizer para os seus pais que você quebrou a porcaria do braço, Esteban. – Tia Jana deu outra tragada no cigarro, se remexendo inteira como se fosse um raio de luz refletido no vidro. – Como foi que isso aconteceu, afinal? O que vocês dois estavam fazendo?
O garoto loiro e o garoto mouro trocaram um olhar cúmplice e desviaram na mesma hora. Ao lado de Manu, Davi tentava segurar o riso, o que fez o garoto mouro o repreender com o olhar. O loiro roía a unha do polegar, mas havia um brilho de triunfo sobre ele que não parecia combinar em nada com a situação.
Em sua expressão a resposta para a pergunta de Janaína era "você não ia querer saber". Ela não podia descobrir ou então os dois estaria duplamente ferrados.
― Bom, isso não importa. O que importa é: como você vai jogar rúgbi com o braço assim? Reflita sobre isso, Esteban, reflita sobre isso!
― Jana, nós sentimos muito – o loiro tentou segurar as rédeas da situação, pois seu amigo havia perdido toda a cor do rosto quando caiu a ficha da gravidade do problema. – Não vai se repetir de novo, eu juro.
A tia tragou o cigarro mais uma vez, mas acabou suspirando. Encarou os dois garotos, que pareciam realmente arrependidos, como dois cãezinhos voltando para o canil ainda com as patinhas sujas de terra após terem cavado todo o quintal. Como ela poderia resistir?
― Ainda bem que não foi você, Christoffer, ou seu pai mandaria te buscar de volta na mesma hora.
O loiro pousou a mão no peito, fingindo ofensa.
― Você sabe como me sinto quando me chama pelo nome completo.
Janaína estava prestes a responder, mas foi só então que notou a presença de Manuela sentada em um dos sofás da sala. Ela parou no meio da frase, com a boca ainda aberta, e os olhos se arregalaram tanto que Manu achou que fossem saltar do rosto a qualquer momento. Então ela soltou um grito e saiu em disparada ao encontro da sobrinha, levantando-a do sofá e a abraçando tão forte enquanto dava pulos, que as duas quase se desequilibraram.
― Você chegou! Meu Jesus, olha pra você! Está mais bonita ainda do que o seu irmão.
Manu, que nunca ficava sem ação, sentiu um bolo na garganta tão grande por aquele primeiro contato, que não soube nem o que dizer. Até então a tia parecia apenas um fruto da sua imaginação, uma pessoa que não parecia real, que não podia ser real porque aquilo era simplesmente absurdo.
Mas ali estava ela, abraçando a menina com tanta força naqueles braços que parecia ela mesma ser uma jogadora de rúgbi. Janaína começou a chorar e falar um monte de coisa que ninguém mais conseguia entender porque suas palavras se atropelavam umas nas outras. O coração de Manu batia descompassado e ela tentava dizer alguma coisa também, mas tudo o que saiu foi uma risada nervosa e feliz, daquelas que a gente não tem controle.
― Trupe, quero que vocês conheçam a minha sobrinha Manuela – Jana passou o braço pelo ombro da menina e a apresentou aos três garotos que estavam com elas na sala.
Manu acenou com a cabeça e o garoto loiro sorriu para ela na mesma hora. O mouro parecia ainda muito abalado pela sua mão quebrada, mas foi capaz de cumprimenta-la brevemente.
― Onde está o Matheus? Chama esse gajo agora mesmo, Chris. Onde está o Luís também?
― O Matheus saiu sem falar nada, disse que ia dormir na casa da Lea hoje – Chris informou. Ele era a pessoa que sempre sabia tudo sobre todo mundo dentro daquela casa e, por isso, o braço direito da Janaína. – Mas não disse mais nada.
Jana suspirou teatralmente e largou Manuela por um instante. A garota achou estranha toda aquela situação, embora estivesse eufórica demais naquele momento para conseguir pensar com coerência.
― Ele não sabia que eu chegava hoje?
Janaína coçou a testa, ficando tensa. Chris cruzou os braços e se sentou na primeira poltrona que encontrou, esperando para ver o que a dona da república faria, já que ele era o único além dela que sabia o que estava acontecendo. Manu, é claro, precisou se controlar para não ser totalmente levada pela vertigem que a atingiu. Toda a exaltação cessou tão rápido quanto tinha chegado e a garota sentiu um buraco se abrindo no seu estômago. Ela mordeu o cabo do pirulito ainda em sua boca e, pela expressão de culpa e nervosismo no rosto da sua tia, tudo o que Manu conseguia pensar era "essa não".
― Manuelita, meu suspiro, tem algo que preciso te contar – tia Jana disse.
Os olhares das duas se encontraram e Manuela se tremeu inteira. Se havia uma coisa que vinha acontecendo na vida dela sem parar eram surpresas, mas nem mesmo isso era capaz de preparar uma garota para a frase mais temida em toda a língua portuguesa, não importava o sotaque:
― Nós precisamos conversar.
~MOMENTOS DE TENSÃO PARA MANUELA PIMENTA~
Heyyyy, Folks! Como eu falei no post anterior, demorei pra postar o capítulo porque estava focada no final de Platônico, mas também no novo lançamento da Duplo Sentido Editorial, que foi domingo (o livro é Fangirlish e ele tá lá lindo e belo pra ser adquirido no site da editora. Inclusive tanto Fang quanto o meu livro, Sob o Mesmo Teto, estão com 20% de desconto até dia 15/03 no site <3).
Mas já estou de volta!
O que vocês acharam desse capítulo, hein???? Algum palpite do que a tia Jana precisa conversa com a Manu? Conhecemos também a nossa barbiezinha Christoffer e já deu pra ver que ele é bem devassa né hahaha Como diria Pabllo Vitar "eu não espero o carnaval chegar pra ser vadia, sou todo dia." #Paz
Espero que vocês tenham curtido o postzinho antes do capítulo, eu tô bem empolgada com esse lance das redes sociais etc, aprendi a mexer no photoshop e agora NINGUÉM ME SEGURA *risada maléfica* A música do capítulo é Dream girl - SHINee (não me pergunta pq. Mas amo shinee e essa música ficou tocando na minha cabeça o tempo todo enquanto escrevia). Apreciem a dança maravilhosa do videoclipe, que é uma das minhas preferidas do kpop inteiro.
Beijos e queijos, câmbio desligo.
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