Prólogo
A camada densa de poeira sobre o mobiliário velho e carcomido atiçou um comichão no nariz de Ivy que quase, por pouco, não ocasionou uma crise de espirros consecutivos que proporcionaria a pior recepção de boas vindas que teria. Por sorte fora ágil o suficiente para impedir que o pó impregnado ali lhe trouxesse problemas, entretanto, se não limpasse o quanto antes, logo esse empecilho retornaria para cumprir seu propósito. Seus tios estavam no andar inferior catalogando o que seria aproveitado no amontoado de tralhas e móveis velhos, algo que os pouparia do trabalho de comprar novos para preencher o espaço da casa que era muito, comodamente adequado para a quantidade de habitantes.
Colocou uma máscara para se proteger e iniciou o processo de limpeza, pensando em como ficaria o cômodo quando terminasse e decorasse tudo com seus pertences. Seria um lar para recomeçar. Apesar das mudanças apressadas, sentiu que finalmente tudo se estabilizaria e que sua vida tranquila e normal como de qualquer adolescente se iniciaria com o pé direito, precisava apenas conhecer o terreno e fazer amigos, algo que o colégio facilitaria. Esperava conhecer pessoas interessantes e se encaixar e tornar as circunstâncias, não somente benéficas financeiramente, como um marco em sua época no colegial.
Lentamente, o que antes não passava de um cinza opaco, fora preenchido por tons de azul atribuindo um aspecto revitalizador as paredes. A decoração e os móveis serviram como uma finalização perfeita de um serviço árduo que quase a consumiu. Assim que desocupou, tratou de se banhar para tirar a sujeira e tinta grudadas na pele e roupas velhas usadas exclusivamente para a ocasião. Verificou os horários que teria que seguir na escola, se preparando mentalmente para se apresentar para um bando de gente estranha na qual uma pequena parcela entraria para seu grupo de amigos.
– Querida, pedimos pizza! – ouviu tia Jodie chamar. – Venha logo antes que seu tio coma tudo!
Sem perder tempo, se aprontou e desceu correndo temendo que a brincadeira se concretizasse. Afinal, seu tio tinha uma fama de comer bastante, o que lhe rendia algumas dores de cabeça com ele devorando seus doces.
Quando chegou na cozinha fora recebida pela reluzente e adorável da representação viva de uma família perfeita, típica de comercial de margarina bem clichê. Nada que não estivesse acostumada desde que fora calorosamente aceita, isso para não especificamente dizer adotada, pela sua bondosa tia Jodie Lovelace e seu marido Emmett Lovelace. Após a morte de sua mãe, quando nasceu, acabou sendo acolhida pela família da parte materna, porque sequer sabia o paradeiro de seu pai biológico que priorizava o trabalho acima de tudo, sobretudo, da prole que gerou. Apesar dos contratempos, não reclamava muito de sua vida e condições sem a presença de seus pais e tinha os adotivos que preenchiam bem essa lacuna.
– Olha, querida – tia Jodie atraiu sua atenção. – Esqueci de comentar sobre seu novo colégio... – pausou por alguns segundos. – A diretora de lá é bem estranha, então fique bem longe dela – aconselhou, lhe entregando uma fatia de pizza.
– Não deve ser tão ruim, Jodie. – comentou tio Emmett com bom humor. – Aposto que é uma senhora divertida.
– Amor... Quando fui conversar sobre a transferência da Ivy, ela estava lutando com uma das merendeiras... Usando collant – explicou com uma expressão de pavor bastante incomum para seus traços gentis em um rosto com formato de coração que já ofereceu uma vaga ideia do que a esperava no ensino médio. – Espero que Mission Creek High School tenha sido uma boa escolha – disse enquanto o marido gargalhava incontrolavelmente ao seu lado, sem qualquer pudor para disfarçar o gesto.
– Não se preocupe, mãe – assegurou confiante, ignorando a crise de riso do tio. – Não vou arriscar ter contato com a diretora, mas tá aí algo que não se vê todo dia. Amanhã será um dia bem tumultuado na nova escola.
Desfrutou da pizza em profunda reflexão, traçando um plano mental de como se adaptaria ao ambiente completamente novo e pessoas estranhas, porque se todos fossem tão excêntricos quanto a diretora, talvez não fosse tão difícil assim. Com essa ideia em mente, se preparou psicologicamente para o dia seguinte cheio de promessas.
Na manhã seguinte, seu tio tocou seu ombro em um ato de conforto que, à princípio, não compreendeu a motivação.
– Ivy, você está prestes a enfrentar uma das piores fases da sua vida com direito a sobrevivência em meio a um ambiente selvagem, ao frio, calor, a fome e gente maluca – disse usando uma dosagem exacerbada de drama, o que funciona como especialidade dele e de seu senso de humor bem excêntrico. – Uma época terrível no qual você terá que ser firme, pois somente os fortes sobreviverão!
– Pai, eu só vou para escola – deu uma risada constrangida. – E não se preocupe, vou ser forte.
De fato, seu tio tinha um ar mais teatral para determinadas situações, contudo, seu esforço para fazê-la rir era genuinamente adorável. Munida somente com sua coragem e seus horários, caminhou para a entrada de Mission Creek High School. Ivy tinha dois planos bem arquitetados e nenhum deles, absolutamente nenhum, incluía ser atropelada no instante que cruzasse a porta no primeiro sinal. Não soube exatamente o que lhe acertou – somente que fora rápido e poderoso –, mas o impacto a derrubou com tanta força no chão que a atordoou, embora, miraculosamente, não desmaiou com o golpe.
– Foi sem querer! – ouviu uma voz feminina próxima.
– Será que ela morreu? – escutou uma segunda voz, dessa vez masculina, ganir de apreensão.
– Ela não morreu, só tá um pouco aérea – replicou a garota nervosa. – E agora, o que a gente faz?
– O grande D não tem nenhuma máquina pra apagar memória?
– Ninguém vai fazer nada comigo! – se ergueu abruptamente ao ouvir as duas pessoas, o susto levou um coro de gritos entre os três, os dois pelo impulso dela e o dela pelos gritos deles.
– Por que estamos gritando? – a garota indagou.
– Vocês me assustaram! – Ivy rebateu acusadoramente.
– Você assustou a gente primeiro – o garoto acusou também.
– Vocês me atropelaram e falaram de apagar minha memória!
– Não sei do que está falando – o rapaz tentou disfarçar, encurtando a distância da garota. – Será que ela viu algo, Bree? – murmurou.
– Eu consigo ouvir, sabia? – cruzou os braços, irritada.
– Foi ela! – apontou para a tal Bree. – Eu tentei impedir! Eu juro!
– Leo! – Bree grunhiu, perplexa. Com um sorriso sem graça, um pouco nervosa, gesticulou para iniciar sua replicação que nunca veio. – Olha... Desculpe, foi sem querer. Meu irmão tem um senso de humor bem irritante. Ele por si só já é uma coisinha bem irritante para ser honesta.
– Ei!
– Eu não entendi nada, mas estou bem. Inteira, acho eu. – respirou fundo, recuperando a estabilidade de seus sentidos. – Bem, meu nome é Ivy.
– Eu sou a Bree e esse é o...
– Sou Leo Dooley – cortou, abrindo um sorriso que a fez considerar, por um segundo, que ele estava querendo soar charmoso. – É um prazer conhecê-la, Ivy
– Obrigada, eu acho. Se importam em me ajudar? – indagou. – Sou nova aqui e, bem, não sei onde fica as salas e minha tia disse para evitar contato com a diretora.
Os dois adolescentes se encararam.
– É uma decisão sábia. E por mim tudo bem, serviria meio que para compensar o acidente – Bree concordou, solícita.
– Não se preocupe, o grande Leo vai lhe ajudar – deu outro sorriso obviamente querendo parecer mais atrativo. Pela diferença de idade, no máximo o veria como um irmão caçula.
Ao menos, de um jeito bizarro, conseguiu a vantagem de conhecer duas pessoas no colégio novo. Entretanto, em uma coisa seu tio tinha razão, o ensino médio era selvagem.
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