27. em nome do pai, do filho...
Lois ficou paralisada no momento em que atravessou a porta da ordenharia. O cheiro do leite azedo, misturado ao som angustiante de choros e gritos, encheu o ar, criando uma atmosfera de desespero. Policiais caminhavam ao redor, alguns com expressões de choque, outros tentando manter a compostura diante da cena macabra que se desdobrava.
Na sala ampla e mal iluminada, mulheres estavam presas a máquinas de sucção, os tubos de ordenha, normalmente usados para vacas, estavam conectados aos seus peitos, extraindo leite de maneira brutal. O som mecânico dos aparelhos contrastava com os gritos de dor. Elas choravam incontrolavelmente, lágrimas misturadas ao suor em seus rostos pálidos, enquanto tentavam se soltar dos dispositivos.
Lois engoliu em seco, seu estômago revirando, mas manteve os olhos fixos na cena horrível. Em um canto do local, bebês choravam. Pequenos berços estavam dispostos em fileiras, com tubos que alimentavam as crianças com o leite extraído das mulheres. A imagem era aterradora, como algo saído de um pesadelo distorcido.
—— Meu Deus... —— Lois sussurrou, incapaz de desviar o olhar.
As mães olhavam para ela, suplicando em silêncio, com olhos vermelhos e esgotados. Seus corpos estavam exaustos, como se tivessem sido reduzidos a meras máquinas para produzir alimento.
Lois sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao caminhar mais profundamente pelos corredores da ordenharia, seus passos ecoando no chão sujo. O ambiente ao redor era sufocante, mas algo mais a aguardava adiante. Ao virar uma esquina, ela parou abruptamente diante de uma parede coberta de fotos. Suas mãos tremiam ligeiramente enquanto ela tentava processar o que via.
Havia várias imagens de Mary. Nas primeiras fotos, ela parecia normal, trajada em seu hábito de freira, o olhar distante. Mas, ao avançar pelas fotos, algo mudou. Em uma delas, Mary adolescente, visivelmente mais jovem, com cabelos despenteados e um vestido simples. O que mais chocou Lois foi o fato de Mary estar grávida. Sua barriga estava proeminente, destacando-se de maneira inquietante.
A expressão de Mary, no entanto, não era de felicidade, mas de medo e angústia.
Lois sentiu um nó na garganta, sua mente conectando rapidamente as peças que ela nunca havia tido coragem de juntar antes. E então, seus olhos se voltaram para a parede, onde palavras macabras estavam escritas em sangue, escorrendo de forma grotesca.
Aborteira assassina, freira mentirosa.
Lois deu um passo para trás, assustada e perturbada, enquanto as palavras manchadas de sangue pareciam sussurrar um segredo terrível que a perseguiria.
Lois, ainda com as mãos trêmulas, pegou o telefone do bolso, seus dedos mal conseguindo acertar os números corretos. A cena grotesca das mulheres sofrendo, os gritos e gemidos ecoando em sua mente, e a visão perturbadora das fotos de Mary a atormentavam.
Com o telefone junto ao ouvido, a ligação parecia demorar uma eternidade para conectar. Cada segundo aumentava sua ansiedade. O som do toque interminável fazia o coração de Lois bater ainda mais forte, como se algo estivesse prestes a desmoronar.
Finalmente, o toque foi interrompido, mas não houve resposta imediata do outro lado. Havia apenas silêncio, e então, a voz baixa e quase desinteressada de Mary soou.
—— Alô?
Lois sentiu um alívio momentâneo, mas não conseguiu evitar o tremor em sua voz ao responder.
—— Mary... eu... eu estou na ordenharia... Você precisa vir aqui agora —— ela disse, a urgência em suas palavras transparecendo.
Do outro lado da linha, houve uma pausa. Lois podia ouvir a respiração de Mary, curta e hesitante.
—— O que você está fazendo lá, Lois? —— A voz de Mary soava tensa, como se já soubesse o que Lois havia encontrado.
—— Mary... tem fotos suas aqui, de você... grávida.
O silêncio voltou a se instalar. Lois podia sentir o peso da revelação pendendo sobre ambas, esperando uma resposta que talvez Mary não quisesse dar.
—— Lois —— Mary finalmente murmurou, a voz fria e cortante. —— Saia daí agora. E não me ligue de novo.
(...)
Mary sentou-se na beirada da cama, seu corpo rígido com a tensão que corria pelas suas veias como um veneno. Ela olhou para o celular em suas mãos, a chamada com Lois ainda ativa. Por um segundo, hesitou, como se alguma parte dela quisesse enfrentar o que estava por vir. Mas o medo era mais forte. Sem dizer mais nada, desligou o telefone bruscamente, o som do botão ecoando no quarto silencioso.
Ela passou as mãos pelos cabelos, a respiração curta e ansiosa. A descoberta de Lois era um golpe que ela não esperava, uma ferida antiga que agora sangrava novamente, ameaçando expor tudo que Mary havia enterrado profundamente.
Estava na hora de ir embora. A decisão era rápida, sem espaço para dúvidas.
Levantando-se, Mary se ajoelhou ao lado da cama e puxou a mala que havia mantido escondida. Com mãos ágeis, começou a jogar suas roupas e pertences lá dentro, sem se importar com a organização. Cada peça de roupa, cada item que colocava na mala, era um passo mais perto de desaparecer novamente. Fugir era a única saída. Ela não podia permitir que aquele passado voltasse para arruinar tudo o que havia construído — por mais frágil e falso que fosse.
Enquanto a mala se enchia, o quarto ao seu redor parecia encolher, as paredes quase a sufocando com a proximidade. Ela precisava sair dali, antes que tudo desmoronasse de vez.
Mary congelou no corredor, seu coração batendo forte. O ar no altar parecia pesado, quase irrespirável. Diante dela, o homem coberto de sangue continuava ao lado do corpo de um cordeiro morto, seus olhos escuros fixos nela.
—— "Escolham um cordeiro por família, matem-no e derramem o sangue nas vergas e ombreiras das portas das casas," —— A figura ensanguentada recitou em voz baixa, a citação do Êxodo saindo com uma estranha solenidade.
A figura não se moveu, mas continuou com o verso:
—— "Para que o anjo destruidor passasse adiante e não mate os primogênitos das casas marcadas."
O eco das palavras pairou no ar por um momento, e Mary sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela se aproximou lentamente, tentando ver mais claramente o rosto daquele homem, lutando contra a crescente sensação de que estava presa em um pesadelo.
O homem ensanguentado sorriu de leve ao perceber sua aproximação, seus olhos se estreitando. A cena diante dela era surreal — uma mistura de devoção e violência. Mary sentiu uma pontada de terror e familiaridade ao mesmo tempo, como se tudo aquilo estivesse escrito de alguma forma em seu destino.
—— Pai? —— Mary murmurou, sua voz mal saindo enquanto sua mente tentava processar o que estava vendo.
Ele se virou lentamente para ela, deixando o cordeiro no chão, e deu um passo à frente.
—— Minha doce, Marylin.
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