25. ecos da pureza esquecida.
Mary estava sentada no balcão da cozinha da casa de Lois, com as pernas cruzadas e uma taça de vinho na mão, observando a mulher mexer uma enorme panela de sopa no fogão. O aroma da comida, misturado ao cheiro do cigarro que ambas fumavam, criava um ambiente denso, quase sufocante, mas de uma maneira curiosamente reconfortante.
O calor da cozinha, o som suave da sopa borbulhando e a fumaça se dispersando no ar carregado de vinho, ofereciam uma sensação de abrigo que Mary raramente encontrava.
Havia algo em Lois que fazia com que Mary baixasse a guarda, que permitia a ela existir para além da "freira mentirosa", como se aquela cozinha fosse um refúgio onde as verdades feias pudessem ser admitidas sem julgamento. Desde que Megan entrou em coma no hospital, a vida de Mary havia mudado de maneiras inesperadas, e, de todas, Lois havia se tornado sua companhia mais constante.
Enquanto Lois mexia a sopa, suas mãos trabalhando automaticamente com a prática de quem já fizera aquilo mil vezes, Mary a observava em silêncio. Não precisavam de palavras ali — um acordo silencioso de que, por mais complicadas que fossem suas vidas, ali estavam seguras, livres para serem quem eram de verdade.
Lois continuava mexendo a sopa, o vapor denso envolvendo a cozinha em uma névoa quente. Ela deu mais uma tragada no cigarro, soltando a fumaça lentamente antes de lançar a pergunta no ar, com o tom casual de quem já pensava sobre aquilo há algum tempo.
—— E o Padre Charlie? —— perguntou, a voz carregada de uma curiosidade cuidadosa. —— Ele tem algo estranho, você não acha? Megan falava dele como se fosse... como se ele fosse alguém pra se admirar.
Mary encarou o fundo da taça de vinho, observando o líquido girar enquanto ouvia. A menção de Charlie sempre trazia uma onda de emoções misturadas. Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que falar sobre isso.
Com um suspiro profundo, Mary jogou as cinzas do cigarro no cinzeiro ao seu lado e, sem rodeios, soltou a bomba.
—— Charlie e eu fizemos sexo.
Lois parou de mexer a sopa instantaneamente, o som abafado da colher contra a panela desaparecendo. Seus olhos arregalaram, surpresos, como se não tivesse ouvido direito.
—— Vocês... o quê? —— Lois virou-se, cigarro no canto dos lábios, encarando Mary com descrença. —— Vocês transaram? Isso é uma... uma quebra de celibato pra você, garota. Para a igreja.
Mary deu de ombros, não se deixando abalar.
—— Foi mais de uma vez. Várias, na verdade. —— Ela deu uma tragada longa no cigarro, deixando a fumaça sair lentamente de seus pulmões, os olhos fixos em Lois. —— E o pior de tudo... é que eu não me arrependo.
Lois ficou sem palavras por um momento, sua mente processando a revelação. Ela balançou a cabeça, como se tentasse assimilar a enormidade do que Mary havia acabado de confessar.
—— Meu Deus, Mary... isso é... —— Lois tentou se recompor, ainda incrédula. —— É como... é como transar com Deus, para você?
Mary soltou uma risada amarga, o som ecoando na cozinha abafada. Ela balançou a cabeça lentamente, um sorriso sombrio se formando em seus lábios.
—— Não, Lois... —— murmurou, os olhos fixos no cigarro entre seus dedos. —— É como trepar com o diabo.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Lois, ainda segurando a colher da sopa, encarava Mary com uma mistura de choque e fascinação. Mary, por sua vez, parecia aliviada, como se finalmente tivesse se libertado de um fardo, mas com plena consciência das consequências que vinham junto com aquela verdade.
—— Jesus... —— Lois sussurrou, olhando para o cigarro e soltando um suspiro, enquanto a cozinha mergulhava em uma tensão que só as palavras não poderiam desfazer.
(...)
A noite estava fria e úmida quando Mary voltava para o convento. As ruas estavam praticamente desertas, iluminadas apenas por alguns postes solitários e o brilho pálido da lua, que mal conseguia atravessar as nuvens densas. O som de seus passos ecoava no silêncio, cada batida no asfalto parecia mais alta do que o normal, como se a noite estivesse conspirando para amplificar sua inquietação.
De repente, Mary sentiu uma presença.
Parou de caminhar e olhou ao redor, tentando identificar a fonte daquele desconforto que a fazia tremer, mas de uma forma diferente do frio.
Foi então que ela o viu.
Do outro lado da rua, sob a luz fraca de um poste, alguém estava parado, observando-a. O coração de Mary acelerou instantaneamente. Seus olhos estreitaram-se e seu corpo ficou tenso quando reconheceu quem era.
Ele.
Aquele maldito homem que havia destruído sua vida, cujas cicatrizes ela carregava na alma. O mesmo homem que pensava ter deixado para trás. Mas lá estava ele, como uma sombra do passado, a atormentando.
Ela sentiu o sangue subir ao rosto, o coração batendo tão rápido que mal conseguia respirar. Sem pensar duas vezes, Mary gritou, sua voz carregada de raiva e desespero.
—— Vai embora! —— ela berrou, os punhos cerrados ao lado do corpo. —— Vai embora!
Ela deu um passo à frente, o instinto lhe mandando atravessar a rua e confrontá-lo de uma vez por todas. Sua mente estava em chamas, o ódio e a dor se misturando enquanto gritava novamente, ainda mais alto.
—— Sai daqui! Me deixa em paz!
Seus pés mal tocaram o asfalto quando um carro passou em alta velocidade, rasgando o silêncio da noite e forçando-a a recuar rapidamente para a calçada.
O barulho das rodas cortando o ar a fez parar por um instante, e quando olhou de volta para o outro lado da rua, o homem havia desaparecido. Não havia sinal dele, apenas o poste iluminando a calçada vazia, como se tudo tivesse sido um pesadelo.
Mary sentiu um nó se formar em sua garganta. Seu corpo tremia, não apenas pelo susto, mas pelo horror de reviver algo que ela acreditava estar enterrado. Ela olhou em volta desesperadamente, mas ele já não estava mais lá. Apenas o silêncio e o frio da noite a cercavam, deixando-a sozinha com seus demônios.
Ofegante, ela recuou um passo, ainda olhando para o vazio do outro lado da rua. Será que foi real? pensou. Ou ele sempre esteve comigo, escondido nas sombras, esperando o momento certo para assombra lá novamente.
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