20. o novo gênesis.
Flashback..... antes de Oklahoma.
A chuva caía pesada naquele dia, transformando o chão em um lamaçal e tingindo o céu de um cinza opressor. As freiras, em seus hábitos encharcados, corriam de um lado para o outro, tentando salvar os artesanatos que haviam deixado ao ar livre, enquanto o sino da igreja ecoava de maneira implacável. Mas, por mais alto que soasse, os trovões ainda dominavam a cena, retumbando no horizonte como presságios de algo mais sombrio que a simples tempestade.
A igreja antiga, com suas paredes de pedra envelhecidas e vitrais que reluziam à luz dos relâmpagos, parecia se inclinar sobre as freiras, como se a estivesse observando. O contraste entre o tumulto externo e a chuva aterrorizante.
Irmã Jude um pouco mais jovem, de rosto severo e os olhos sempre atentos, observava as freiras correndo em direção ao convento, cada uma tentando se abrigar da fúria do temporal. A chuva vinha pesada, as gotas grossas e implacáveis batendo nas janelas e no chão de pedra.
De repente, sua atenção foi capturada por uma figura distante, quase irreconhecível em meio à tempestade — uma adolescente, encolhida perto do portão do convento.
A garota andava com dificuldade, os ombros caídos, lutando contra o peso da chuva e do vento que a empurrava para trás. Suas roupas estavam encharcadas, grudando em seu corpo pequeno e frágil, tornando-a ainda mais vulnerável. Irmã Jude, contrariada, gritou.
—— Volte mais tarde, garota! Não vê o temporal que está?
Mas a adolescente não respondeu. Seu corpo cedeu, caindo de joelhos no lamaçal, afundando na terra molhada como se todo o peso do mundo estivesse sobre suas costas. Sua cabeça tombou para frente, os cabelos molhados cobrindo seu rosto pálido e sem expressão.
Irmã Jude sentiu o coração acelerar, um raro instante de alarme em sua compostura normalmente imperturbável. As outras freiras ao redor, igualmente chocadas, começaram a murmurar entre si. Algumas hesitaram, mas Irmã Jude, com sua autoridade habitual, ergueu a voz novamente:
—— Tragam toalhas! Rápido! Ela está exausta!
Várias freiras correram em direção à garota, o barulho dos sapatos chapinhando na lama se misturando ao som da tempestade.
Quando Irmã Jude se aproximou da garota caída, notou seu rosto pálido e juvenil, escondido sob os cabelos loiros e ondulados, agora encharcados e cobertos de lama. A chuva e a sujeira não conseguiam apagar a delicadeza de suas feições. Por um breve instante, Irmã Jude hesitou, chocada pela beleza quase sobrenatural daquela jovem, que parecia ter não mais que 16 anos.
Seus olhos, mesmo fechados, tinham um ar sereno, e seu rosto, mesmo coberto de sujeira, irradiava uma pureza que Irmã Jude raramente via. A culpa lhe percorreu a mente, um pensamento que ela logo reprimiu — mas era inevitável. "Deus me perdoe", ela pensou, mas a comparação foi imediata: aquela garota, com seu rosto angelical, parecia um anjo caído, abandonado pela tempestade.
—— Pelo amor de Deus... —— murmurou Irmã Jude, sem conseguir desviar o olhar. As freiras ao redor envolviam a garota em toalhas, tentando aquecê-la, mas Irmã Jude ainda estava parada, como que hipnotizada pela visão.
Aquela beleza contrastava terrivelmente com o cenário sombrio. A lama, a chuva, e a fragilidade da garota lhe traziam uma sensação inquietante, quase como um pressentimento. Algo sobre aquela jovem parecia profundamente errado, apesar de sua aparência angelical.
—— Irmã Jude? —— chamou uma das freiras, tirando-a de seus pensamentos. —— Ela está respirando, mas precisamos movê-la rápido.
Irmã Jude assentiu, sua expressão voltando ao rigor habitual, embora o desconforto permanecesse.
Quando as irmãs levantaram a garota, Irmã Jude ficou horrorizada ao notar o sangue que escorria pelas pernas da jovem, misturando-se com a lama e a chuva, criando um rastro vermelho vivo. O fluxo era intenso, como uma hemorragia que não parava, tingindo as roupas encharcadas da menina. O pânico rapidamente tomou conta das freiras ao redor.
—— Santo Deus! —— exclamou Irmã Jude, com a voz tremendo. —— Rápido, tragam mais toalhas! Precisamos de ajuda médica imediatamente!
A jovem estava desmaiada, incapaz de reagir, seu corpo pequeno e frágil agora ainda mais vulnerável. O rosto angelical parecia mais pálido, e o contraste entre a beleza delicada e o sangue que escorria pelas pernas tornava a cena ainda mais perturbadora.
—— O que aconteceu com ela? —— uma das freiras perguntou, assustada, enquanto segurava a garota nos braços.
—— Não sei, mas precisamos agir rápido! —— respondeu Irmã Jude, tentando manter a calma, embora sua mente estivesse inundada de perguntas e preocupações.
Enquanto as freiras carregavam a jovem para dentro do convento, a chuva continuava a cair lá fora, como um presságio sombrio. A urgência do momento era clara: aquela menina precisava de socorro imediato, mas a dúvida sobre o que exatamente havia acontecido com ela pairava no ar como um mistério pesado e inquietante.
(...)
O convento estava mergulhado em uma penumbra perturbadora, com apenas as chamas trêmulas das velas iluminando as freiras que se reuniam ao redor da jovem. O silêncio das preces era interrompido pelo som abafado da chuva forte lá fora e o ruído suave de toalhas sendo pressionadas contra o sangue que manchava os lençóis brancos. O chão do convento, geralmente imaculado, estava tingido de vermelho, e as freiras, com expressões tensas, tentavam manter a calma diante do horror inesperado que testemunhavam.
Nada jamais explicaria o que foi aquela noite tempestuosa.
Talvez, se Irmã Jude soubesse que aquele maldito momento acabaria, anos depois, com toda a sua fé e o espírito que tanto cultivara, ela não teria estendido a mão para ajudar aquela garota. No entanto, na época, a compaixão e o senso de dever guiaram suas ações, e ela seguiu os ensinamentos que havia prometido viver.
Assim que a garota acordou, a luz das velas iluminou seu rosto pálido, revelando os traços delicados de uma jovem marcada pela dor. Irmã Jude se aproximou da cama, notando o olhar assustado dela, que lembrava o de um animal selvagem capturado. Os olhos dela, grandes e cheios de medo, refletiam uma mistura de confusão e desespero.
—— Qual é o seu nome, querida? —— perguntou Jude suavemente, tentando transmitir conforto.
—— Marylin... Marylin Bruce —— respondeu a garota, sua voz trêmula como se ainda estivesse se recuperando de tudo.
—— Você é muito nova —— continuou Irmã Jude, preocupada. —— Você sabia, Mary?
Marylin negou com a cabeça, sua inocência e assombro evidentes em cada gesto. A freira sentiu uma onda de compaixão, mas a responsabilidade de cuidar da jovem pesava em seu coração. Jude começou a se afastar, mas Marylin rapidamente pegou sua mão, segurando-a com força.
—— Eu quero ficar, irmã —— implorou, sua voz cheia de desespero. —— Por favor, me deixe ficar...
—— Não posso deixar, você tem família, não tem, Mary? Onde estão os seus pais? —— a freira questionou, tentando entender a situação da jovem.
—— Eu imploro, irmã, eu imploro diante de Deus que me deixe ficar —— Marylin disse, a voz embargada de emoção.
O olhar intenso e cheio de dor nos olhos de Marylin fez com que Irmã Jude hesitasse. Ela olhou para as mãos frias da garota e as segurou, sentindo a fragilidade que exalava dela.
—— Eu vou te levar para um lugar —— disse Jude com a voz suave. —— E lá você ficará segura. Um dia, você poderá voltar, mas apenas como uma noiva de Jesus.
Marylin concordou, um sorriso tímido surgindo em seu rosto, e então, com um gesto afetuoso, beijou a mão de Jude, como se a promessa de proteção e amor divino pudesse oferecer um vislumbre de esperança em meio ao desespero.
Assim que Irmã Jude saiu do quarto, seu coração ainda pulsava acelerado após o encontro com Marylin. No entanto, ao chegar ao fim do corredor, encontrou um grupo de freiras reunidas, suas vozes baixas e entrecortadas por soluços. Elas rezavam, mas a atmosfera estava carregada de tristeza, um peso que pressionava o peito de Jude.
Irmã Jude empurrou algumas irmãs para o lado, a urgência em sua atitude exigindo respostas. Ela notou um pano ensanguentado na mão de uma delas, e o medo começou a se espalhar por seu corpo como uma sombra ominosa.
—— O que aconteceu? —— perguntou Jude, a voz tensa e firme, como se pudesse alterar o curso do que já havia ocorrido.
As freiras se entreolharam, a angústia estampada em seus rostos. Finalmente, uma delas, com os olhos marejados, teve coragem de se manifestar.
—— O bebê nasceu morto.
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