10. Os escolhidos do abismo.
A madrugada envolvia o convento em um silêncio quase sagrado, quebrado apenas pelo farfalhar das folhas e pelo ocasional canto de um pássaro solitário. No quarto de Mary, a escuridão era densa, apenas iluminada pela tênue luz da lua que filtrava através da janela, lançando sombras suaves que dançavam nas paredes.
Sentada na janela, Mary estava envolta em uma atmosfera de rebeldia e desobediência. Vestia uma lingerie preta, adornada com rendas delicadas que moldavam seu corpo com uma elegância provocante, um contraste gritante com a rigidez do convento e a vida que levava. O tecido suave acariciava sua pele e seus cabelos soltos, despertando sensações que pareciam há muito esquecidas.
Em uma mão, segurava um cigarro forte, a fumaça subindo lentamente e se misturando ao ar fresco da noite. A primeira tragada foi como um alívio, um sopro que atravessou sua mente e corpo, trazendo um conforto temporário em meio ao turbilhão de emoções que a consumia. Mary exalava a fumaça devagar, observando como ela se dissipava no ar, como se quisesse apagar não apenas a nicotina, mas também os pensamentos confusos que a assombravam.
Com um olhar distante, Mary fixou os olhos na escuridão lá fora, perdendo-se em reflexões. A brisa suave acariciava seus cabelos, e ela se sentia viva, uma mistura de coragem e vulnerabilidade.
Mary estava imersa em seus pensamentos quando um barulho repentino a fez saltar. O som da porta sendo batida ecoou pelo corredor, e a raiva surgiu instantaneamente. —— Filho da puta —— ela sussurrou para si mesma, sua voz carregando a frustração de ser interrompida em um momento tão íntimo.
A tensão subiu em seu peito enquanto ela se apressou a agir. Com um movimento rápido, jogou o cigarro pela janela, observando-o desaparecer na escuridão do jardim abaixo. A fumaça que ainda pairava no ar a incomodava, então, balançou os braços freneticamente, tentando dispersar os restos do vício que a envolviam. A última coisa que queria era ser pega em uma situação comprometedora.
Vestindo um casaco grande que encontrou jogado em uma cadeira, Mary tentou cobrir a lingerie preta que usava, uma tentativa desesperada de se esconder de qualquer curiosidade indesejada. O casaco a envolveu como uma armadura, abafando a provocação que ela sentia em sua própria pele. Assim que se ajustou, respirou fundo, esperando que sua aparência casual fosse suficiente para disfarçar o que estava prestes a enfrentar.
Com o coração ainda acelerado, Mary se aproximou da porta, o desconforto crescendo em seu estômago.
Mary abriu a porta com um movimento brusco, e lá estava Megan, parada no corredor com alguns papéis amassados em suas mãos. O olhar de Mary se transformou em uma mistura de irritação e surpresa. Ela suspirou, o som exalando toda a frustração que sentia.
—— O que você quer, Megan? —— perguntou, sua voz soando mais ríspida do que pretendia. Megan, com seu cabelo preso despretensioso e uma expressão concentrada, parecia alheia à tensão que havia se instalado no ar.
—— Eu fiz algumas entrevistas com os policiais sobre o crime —— ela disse, a empolgação quase infantil em sua voz. —— Preciso que você entregue isso ao Charlie amanhã. Estarei ocupada na investigação e não poderei ir.
Mary franziu a testa, a irritação crescendo dentro dela. —— Você é freira, não detetive! —— exclamou, a indignação evidente. Ela não conseguia entender por que Megan se envolvia tanto em algo tão mundano e perigoso. Um calor de frustração a envolvia, mas, em um instante, ela se lembrou de seu papel e rapidamente moldou seu rosto em uma expressão doce. —— Boa sorte na investigação —— disse, sua voz agora suave como o veludo, um sorriso forçado desenhando seus lábios.
Megan piscou, sem perceber a mudança repentina de atitude, e Mary a observou, uma parte dela se perguntando como poderia ser tão ingênua. Enquanto Megan falava sobre suas entrevistas, Mary se forçou a escutar.
Mary cruzou os braços, o nervosismo crescente, e deixou escapar um suspiro frustrado. —— Não posso entregar isso. O padre Charlie me deixa... incomodada —— ela disse, tentando se manter firme, mesmo enquanto suas palavras revelavam uma vulnerabilidade que ela não queria admitir.
Megan franziu a testa, confusa. —— Mary, o padre nunca deixaria alguém assim. Ele é um bom homem —— retrucou, a determinação em sua voz fazendo-a parecer mais uma amiga preocupada do que uma irmã em Cristo. —— Por favor, essa seria a última vez que te peço isso.
Impaciente, Mary revirou os olhos, um gesto que não passaria despercebido. Com um movimento brusco, ela pegou os papéis da mão de Megan. —— Está bem, farei isso uma última vez —— respondeu, sua voz soando mais gelada do que pretendia. Antes que Megan pudesse responder, Mary fechou a porta com um estrondo, bloqueando qualquer protesto que pudesse vir a seguir.
A segurança do seu quarto a envolveu como um manto, mas o peso da obrigação e da pressão das expectativas ainda a oprimia. Ela encostou-se contra a porta, fechando os olhos por um instante e se permitindo sentir a frustração e a raiva que estavam sempre à espreita, prontas para emergir.
Mary respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. O que Megan não entendia era que a presença de Charlie não era apenas desconfortável; ela a atraía e a repelía ao mesmo tempo, como um imã que a puxava para um abismo desconhecido. Ela se afastou da porta, a mente turvada por pensamentos conflitantes, enquanto se preparava para uma nova manhã que a aguardava.
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