03. O culto das almas perdidas.
Mary arremessou suas malas no chão do novo quarto, um gesto carregado de frustração e alívio ao mesmo tempo. O convento, com suas paredes limpas e um design moderno que contrastava com o que ela havia deixado para trás. Ela olhou ao redor, absorvendo cada detalhe — a luz que entrava pelas janelas amplas, o cheiro fresco de madeira polida e a aura de serenidade que preenchia o ar. Mas foi a cruz acima da cama que atraiu seu olhar, o símbolo que parecia vigiar sua chegada com uma expectativa silenciosa.
Mary ficou parada, fixando os olhos na cruz, como se estivesse buscando respostas nas sombras que se projetavam ao redor. A imagem evocou uma sensação confusa dentro dela — uma sensação ruim.
O momento de introspecção foi interrompido quando a porta se abriu com um leve rangido, revelando uma freira que entrou com um sorriso acolhedor.
—— Olá! Seja muito bem-vinda! —— A freira, jovem assim como ela de cabelos cacheados e volumosos, tinha uma presença tranquila que imediatamente parecia aquietar a tensão de Mary.
—— Sou a Irmã Megan —— ela disse, estendendo a mão. —— E você deve ser...?
—— Mary. Irmã Mary —— a jovem respondeu, o tom da voz quase hesitante, mas acompanhada por uma simpatia que tentava transparecer.
Irmã Megan observou Mary por um momento, seus olhos iluminando-se com um reconhecimento. —— É um prazer conhecê-la, Mary.
Mary notou o jornal que a irmã segurava nas mãos, as páginas amareladas sugerindo que ele havia sido lido e manuseado com frequência.
Um impulso de curiosidade a fez perguntar. —— Você está lendo sobre o jornal católico? Eu ouvi que estão escrevendo sobre os crimes da cidade.
—— Na verdade —— Irmã Megan respondeu, um brilho de orgulho na voz, —— Eu sou a autora do jornal. Faço isso para manter a comunidade informada e engajada.
A admiração por Megan cresceu dentro de Mary, e ela forçou um sorriso que quase soou genuíno. —— Eu amo o jornal —— ela disse, sua voz mais animada. —— Na verdade, eu tenho uma pequena coleção de livros sobre crimes reais. —— Com um movimento ágil, Mary abriu uma das malas e retirou um livro com uma capa escura e impactante. —— Eu sou obcecada por crimes. Peço desculpas se isso parece pecado.
Irmã Megan sorriu com uma expressão encantada, suas feições se iluminando como se Mary tivesse revelado um segredo precioso.
A conversa fluiu naturalmente entre as duas, um laço inesperado começando a se formar. Irmã Megan tinha uma abordagem genuína e acolhedora, que parecia criar um espaço seguro para Mary, onde a jovem podia explorar suas paixões sem o medo do julgamento. A luz da cruz acima da cama parecia brilhar um pouco mais intensamente, como se reconhecesse o potencial de crescimento que estava prestes a florescer naquele ambiente.
Mary sentiu-se um pouco mais leve, como se as correntes de sua antiga vida começassem a se soltar. Com Irmã Megan ao seu lado, o convento se transformava lentamente em um lar, um espaço onde suas inquietações poderiam encontrar um pouco de paz — um lugar onde ela poderia ser não apenas uma noviça, mas também a verdadeira Mary, repleta de sonhos, interesses e uma curiosidade incontrolável sobre a complexidade da vida e da morte.
(...)
A noite começou a se infiltrar pelo convento, tingindo o céu de um azul profundo e misterioso. As luzes do santuário brilharam, aquecendo o espaço sagrado e criando um ambiente acolhedor para o culto semanal. Mary se sentou entre as poucas irmãs e bispos presentes, suas mãos nervosamente unidas sobre o colo, enquanto ela observava o espaço que agora se tornava parte de sua nova vida. As velas acesas lançavam sombras dançantes nas paredes, e a atmosfera estava carregada de expectativa e devoção.
À medida que o culto começava, Mary notou o Padre Charlie em pé diante do altar, sua presença carismática iluminando o espaço. Ele estava cercado pelo coral, que se preparava para entoar hinos, e a energia no ar era palpável. Charlie começou a falar, sua voz poderosa e clara ressoando através do santuário. —— Irmãs e irmãos —— ele começou, —– Armas, facas e todas essas coisas podem ser poderosas, mas não são mais fortes do que a fé que carregamos em nossos corações.
Mary sentiu a intensidade de suas palavras, a verdade impregnada em cada sílaba. Ele falava sobre como as armas que deveríamos brandir em nosso cotidiano não eram físicas, mas espirituais. —— Nossas armas devem ser a fé e a compaixão —— ele continuou, sua paixão incendiando a congregação. As irmãs e os bispos ao redor de Mary se deixavam envolver pela eloquência de suas palavras, seus rostos refletindo admiração e reverência. —— Quando nos unimos em fé, podemos superar qualquer obstáculo que a vida nos apresente.
O discurso de Charlie era inspirador, e Mary ficou absorvida. Mas, de repente, seus olhos se cruzaram, e o mundo ao seu redor pareceu se desvanecer. O olhar dele a hipnotizou, como se uma conexão inexplicável tivesse sido formada entre eles naquele instante. Ele ficou paralisado, as palavras em sua boca se perderam, e ele se esqueceu do que estava prestes a dizer. O calor de seu olhar penetrante a envolveu, e Mary sentiu um misto de emoções — fascínio, confusão e um calor desconhecido que pulsava dentro dela.
A congregação ao redor continuou a murmurar as palavras de devoção, mas para Charlie e Mary, o tempo parecia ter parado.
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