Finais de tarde
Alguns dias se passaram e nem sinal de Sherlock. Molly também não havia ligado pra ele. Um pouco por birra, pois queria que ele a procurasse, e também por medo. Mas aquele silêncio todo a deixava preocupada. Tom também não ia a casa dela já há dois dias e mal se falaram pelo telefone. Precisava fazer algo. E seu "monstrinho" particular pedia, praticamente implorava por um pouco de Sherlock. Resolveu então ir diretamente ao flat em 221B Baker Street. Não ligaria, não enviaria sms. Apareceria em sua porta e se jogaria nos em seus braços. Com certeza ele estaria aberto a isso, como naquela tarde no laboratório. Tão imprevisível.
Vestiu-se de um modo bonito, porém confortável. Calça skinny, blusa listrada, galochas vermelhas, pois ainda chovia. Era um outono difícil para Londres. Jogou um casaco impermeável por cima de tudo e saiu, decidida e novamente sentindo-se culpada, pois estava começando um livro sem ter realmente terminado o outro.
Chegou ao flat no finalzinho da tarde, quando as nuvens cinzas começavam a tomar tons mais escuros. Apertou a campainha duas vezes, bem rápido, como havia combinado com Sherlock há muito tempo. Todos que eram amigos apertavam a campainha assim. Não ouviu qualquer tipo de resposta. Então girou a maçaneta. A porta estava destrancada. Entrou e subiu as escadas. Bateu na porta do flat. Ouviu um sonoro "não" vindo lá de dentro e a porta se abriu. Do outro lado apareceu uma bela morena, alta, cabelos compridos ondulados e um belo sorriso. Ambas se lembravam uma da outra:
– Oi. Você não é... - Molly hesitou.
– Sim, Janine. Nos encontramos no casamento de John e Mary.
– Sim, sim... eu sou...
– Molly. Sherlock fala muito sobre você. - Completou Janine, ainda sorrindo.
– É mesmo? Disse Molly, um tanto desconfiada. O que aquela mulher fazia ali?
Sherlock então apareceu no corredor e quando viu as duas juntas, tentou dar meia volta:
– Que surpresa encontrar...ermm.. Janine aqui, Sherlock. - A raiva tomando conta do corpo de Molly. Um certo tom irônico na voz. Toda ciúmes.
Não foi Sherlock quem respondeu:
– É uma coisa meio recente Molly. Não havíamos contado a ninguém ainda.
Sherlock, já na sala, parecia ter sido atropelado por um trem. Estava pálido. Molly chegou a achar que era medo passando pelos olhos azuis:
– Não contou o quê? - Molly agora começava a sentir algo parecido com o desespero. Olhava para Sherlock, voltava a olhar pra Janine - O que é recente? Sherlock?
Ele não conseguiu falar. Janine já tomava a dianteira:
– Eu e Sherl... a gente... Estamos juntos. Estamos namorando.
Era como se Molly não tivesse mais forças nas pernas. Chegou a sentir um pouco de tontura, perder o ar. Sherlock colocou as mãos atrás da cabeça e sua expressão denotava que algo ali havia se quebrado. Saiu do seu canto da sala, empurrou gentilmente Janine para trás, segurou no braço de Molly e a levou para fora do flat. Janine ficou do lado de dentro, sem entender o que houve. Sherlock apenas disse que voltaria logo e fechou a porta atrás de si. Molly precisou de alguns segundos para se recompor. Ele agora a segurava pelos ombros, como se estivesse fazendo com que recobrasse a consciência:
– Molly! Molly.
Mas na cabeça da legista, a imagem formada de Sherlock e Janine tendo um momento intimo fazia com que quisesse vomitar de nervoso. Quando sentiu que poderia andar sem dificuldade, fez com que Sherlock a soltasse e desceu as escadas em alta velocidade. Ainda conseguiu ouvir Mrs. Hudson dizer olá, mas não se virou. Saiu, para a rua, deixando seu guarda-chuva para trás.
A água gelada a fez se acalmar por um momento. Até ela abrir os olhos e se deparar com Sherlock parado no degrau da entrada. Ela se pôs a correr novamente, fazendo o detetive revirar os olhos e correr atrás dela. Ambos sem nada para protegê-los da chuva. Molly ainda vestia o casaco impermeável, mas Sherlock estava com as suas roupas de sempre e a água começava a deixar sua camisa transparente, fazendo com que seu peito ficasse ainda mais exposto. Ele conseguiu alcançá-la e a fez parar:
– Molly...
– Por que, Sherlock? Por quê?
– Isso é para um caso.
– É para um caso ou é um caso?
– Estou em uma investigação, Molly. Uma investigação. E você não me ligou, não apareceu...
– Mas e você, Sherlock? Por que não me procurou? Você sabia onde me encontrar.
– A princípio não achei que o que tivemos naquela tarde causaria algum impacto em mim. Eu estava apenas testando...
Ela não deixou que ele terminasse a frase:
– Testando? O que você estava testando, Mr. Holmes?
Ele percebeu que havia sido sincero demais, usando apenas uma palavra:
– Testando como era conquistar alguém. Eu estava prestes a chamar Janine pra sair e... eu não poderia ir direto a ela.
Molly olhava para ele com olhos arregalados, de raiva e espanto. Sabia que Sherlock era um idiota às vezes, mas depois da queda ela achou que ele havia mudado seu comportamento com ela. Ali percebeu que ele era o mesmo canalha de sempre. Sherlock, por sua vez, entendendo que já havia passado do ponto, resolveu entregar tudo:
– Eu sabia Molly, que você estaria no laboratório. Sabia. Fui lá para encontrar você. Por um breve momento pensei em desistir, não tentar nada. Você estava tão bonita e eu não queria... Mas eu estava completamente entediado e achei que... achei que você gostaria de alguma coisa diferente também, já que vários fatores em você me mostravam que as coisas não iam bem com Tom. E vejo que ainda não vão. - ao falar o nome do noivo de Molly, o tom de desdém tomou conta da fala de Sherlock - Você estava ali e eu aproveitei o momento. Só não sabia que...
Parou de falar, com medo de se perder nas palavras. Estava prestes a dizer a maior das verdades naquele momento.
Percebendo a pausa na fala de Sherlock, Molly começou:
– Você não devia... você não precisava. Eu já tinha te esquecido, passado por cima de você e você trouxe tudo de volta por um capricho!
– Não era um capricho, Molly. Eu realmente... Depois daquela tarde, me arrependi completamente do que fiz.
– Deve ter sido horrível pra você, não é? Ficar todo agarrado comigo, daquele jeito tão comum, coisas de pessoas comuns!
Estavam encharcados. A água escorria pelo rosto dos dois, os cachos de Sherlock lhe chegavam aos olhos:
– Pelo contrário. Depois que você me beijou foi como se algo completamente diferente tomasse conta de mim. Molly, guarde bem essas palavras, porque elas são difíceis demais de serem pronunciadas. Naquela tarde, naquele canto do laboratório, eu estava me apaixonando por você. Estava me apaixonando por você e não fazia ideia!
Molly abaixou a cabeça e falou baixo:
– Mas mesmo assim você foi atrás dela.
– Você também não se separou de Tom. - Devolveu Sherlock, apontando para o anel de noivado - eu esperei você, dei espaço para que resolvesse sua vida, pois imaginei que você terminaria com Tom. Mas vejo que não teve coragem.
Molly sentiu como se tivesse tomado um soco no estômago. Sim, não estava completamente isenta de culpa. Mas naquele momento, em sua consciência, o pecado dele era maior que o dela:
– Você não me deu nenhum sinal e eu precisava seguir com meu plano. É um caso muito complicado, envolvendo membros do governo, cartas e eu... - continuou Sherlock, até empolgado, como se o que estivesse acontecendo ali entre ele e Molly pudesse ficar em segundo plano por alguns minutos - preciso recuperar essas cartas a qualquer...
Molly interrompeu bruscamente a enxurrada de palavras que não fazia sentido algum para ela:
– O que você quer de mim, Sherlock? O quê? O que quer que eu faça?
Gritou, enquanto se virava para ir embora, com um cansaço descomunal causado pelos minutos de estresse e debaixo da chuva incessante. Sherlock então a agarrou pelo braço e a puxou para bem perto de si. Molly podia sentir o hálito quente do rapaz em seu rosto, trazendo lembranças agradáveis e agora também doloridas:
– Eu quero você, Molly.
Por um segundo ela se deixou ficar. No outro ela estava se desvincilhando da mão que apertava o seu braço, enquanto as gotas escorriam pelos seus olhos. Se as lágrimas não fossem quentes, não saberia a diferença entre elas e a chuva:
– Não, não quer. Você quer o que eu represento, o que eu posso fazer por você. Não é a mim que você quer Sherlock, a Molly com todos os defeitos, o conjunto. Você quer a médica legista que te deixa fazer o que quiser com ela. Que escuta quando você precisa de ouvidos, que se deixa rabiscar quando você precisa de um caderno. Mas a Molly que quer compartilhar uma vida com você, seguir junto, você renega.
Andando de costas, encarando Sherlock, terminou:
– Eu cansei, Sherlock. Eu esperei por você, sonhei com você! E você colocou outra pessoa na sua vida. Pra ocupar um lugar que era pra ser meu. MEU! Adeus Sherlock. Quando for a St. Barts, por favor, certifique-se de que eu não esteja lá.
Enquanto se afastava, ouviu Janine gritar por Sherlock.
...
Um barulho tomou conta dos corredores em St. Barts. Molly parecia reconhecer todas as vozes. Vozes de pessoas que não via há algum tempo.
– Molly! Molly!
John Watson entrava, seguido de um Sherlock completamente desarrumado, Mary e mais dois desconhecidos:
– Precisamos fazer uma série de testes em Sherlock.
Mesmo com o coração batendo forte, Molly manteve a pose. Não deixou transparecer em nenhum momento que sua relação com Sherlock estava abalada. Ele também nada fez. Ela faria o que John estava pedindo e pronto, acabou. Só não imaginava que, após ver os resultados dos exames, ficaria muito mais irada do que já estava. Esbofeteou Sherlock, como queria ter feito naquele final de tarde chuvoso, mas tudo o que ele fez foi, mais uma vez, ser rude. Pontuou que ela havia terminado o noivado. Ninguém havia perguntado nada, sequer reparado, mas ele tinha. Ele sempre via tudo. Molly terminara o noivado no mesmo dia em que soube da "traição"de Sherlock. Não tinha mais conserto com Tom, nem com o detetive.
Alguns minutos depois Sherlock deixava St. Barts para trás, e Molly também.
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