56 - Retorno
Ela vai morrer. Alma vai morrer. Eu estraguei tudo. Justo agora tão perto do final. Eu estraguei tudo de novo. Ela vai morrer por minha causa. É culpa minha.
— Então... estamos presos aqui? — Ramon perguntou. — Para sempre?
Nós nos entreolhávamos incrédulos. Chegamos tão longe... só para dar de cara com uma saída inválida. Estamos presos aqui dentro.
Selva recompôs a sua postura alisando o seu manto e se dirigiu ao nosso anfitrião.
— O elixir que nos ofereceu já é um grande presente, de valor incalculável, e agradecemos imensamente, mas se não for pedir muito, vocês poderiam nos fornecer uma de suas pedras preciosas também? — ela perguntou. — Seria a nossa única passagem para casa.
É claro! O alívio no grupo foi instantâneo. Nós temos a fonte da magia que nos deu as chaves. Selva pode fazer outra com um simples cristal! O ar preso dentro dos meus pulmões voltou a circular.
— Mas é claro que sim! Nós temos pedras com fartura e abundância. — o homem falou. — Os ajudaremos a voltar para casa com todo o prazer.
— É muita gentileza do seu povo partilhar conosco suas riquezas. — ela agradeceu.
— A partilha e a generosidade por si só já são grandes riquezas. — o homem respondeu.
Selva baixou os olhos com essa afirmação. Ela ruborizou, um pouco desconfortável. O olhar dela pousou em mim um milésimo de segundo antes de se desviar.
— É verdade. — ela falou. — Obrigada.
Depois disso, nós descemos do templo. Uma bandeja cheia de pedras preciosas foi trazida até Selva. Ela escolheu uma que seria de tamanho mais apropriado e nos dirigimos a um lugar calmo e tranquilo. A criatura sentou-se de pernas cruzadas e começou a meditar. Ela inspirou profundamente e relaxou. O cristal pousado no chão à frente dela lentamente começou a levitar. Planando a meio metro do chão, uma luz suave começou a lapidá-lo. Depois de uma face pronta ele se desequilibrou e caiu ao chão. A filha da lua abriu os olhos e observou o emaranhado de gente ao seu redor.
— Vocês podem me dar um pouquinho de privacidade, por favor? — ela pediu com dezenas de olhos sobre si. — Não consigo com todos vocês olhando.
— Vamos pessoal. — o chefe começou a bater palmas e a afastar os curiosos. — Vamos dar algum espaço à nossa convidada. Vamos. Vamos logo.
Selva queria ficar sozinha. Literalmente sozinha. Todos nós tivemos que sair. O máximo que consegui, foi observá-la de longe. Depois de algum tempo de olhos fechados, o cristal voltou a levitar à frente dela e foi cuidadosamente lapidado com luz. Com o objeto com a forma da chave esculpida e pronta, faltava energizá-lo.
A filha da lua estendeu a mão esquerda sobre o chão e a direita em direção à esmeralda que planava sobre a sua palma. Selva se tornou o fio que conduz a energia. A vegetação abaixo dela morreu. A terra ficou seca e rachada. O verde se tornou carvão e virou pó. Uma luz branca fluía da terra para a mão esquerda dela, atravessando o seu corpo e saindo em direção ao cristal. O raio de devastação ia crescendo lentamente enquanto o cristal ia se alimentando de luz. A energia da terra sendo sugada para a pedra verde cristalina.
A criatura sagrada abriu os olhos e a pedra caiu inanimada sobre sua mão. A filha da lua se levantou sobre o círculo de terra morta carregando uma pedra viva na mão. Selva caminhou com seu belo manto branco em nossa direção. Ramon olhava embasbacado a cena que ocorrera.
— Posso aprender também, mestra? — ele pediu quando ela nos alcançou. — Por favor, por favor, por favor!
Selva olhou o garoto com um semblante liso. A esmeralda foi entregue às mãos de Elisa.
— Talvez. — ela respondeu. — Vou pensar sobre isso.
O clima se tornou jovial e de festa, animado e ritmado. O povoado de Shangri-la nos ofereceu roupas limpas e um banho em águas naturalmente quentes. Depois fomos escoltados para uma bela recepção que estava sendo preparada na cidade.
Os nativos estavam festejando a volta dos prisioneiros que retornaram em segurança ao lar, e nos agradecendo por tê-los libertado. Alguns há meses tinham sido capturados pela tribo rival e os familiares já não pensavam vê-los novamente naquela vida. A felicidade era doce, leve e farta.
Os utensílios, pratos, travessas, copos, jarros... tudo ali naquela mesa era feito em ouro maciço. Pedras preciosas cravejadas aqui e ali davam uma cor e brilho diferente, contrastando com a imensa abundancia do amarelo ouro.
— Então El Dourado existe, afinal. — Ramon falou observando seu reflexo na colher amarela que girava na mão.
— Parece que sim. — o chefe deu uma risada gostosa. — Para muitos não passamos de uma simples lenda. Não saber o paradeiro de um determinado caminho não significa que ele de fato não exista, apenas que você talvez ainda não o tenha encontrado. — o líder falou à cabeceira da mesa. — Embora alguns poucos já tenham acreditado o suficiente para se arriscar a tentar nos encontrar.
— Vocês não gostam muito de receber visitas, não é mesmo? — Selva falou saboreando a sua sopa de abóbora. — Foi bem difícil chegar aqui. — a voz dela demonstrou além de desgosto um pouquinho de ofensa.
O homem riu, apreciando seu comentário de forma relaxada e depois falou:
— Mas não é sempre assim? Os caminhos mais longos e mais difíceis não são os que valem mais a pena? Não são esses que guardam no final as maiores recompensas? — ele indagou.
Era verdade. Tudo tinha valido a pena. Toquei o alforje com a cura pendurado no encosto da minha cadeira. Alma ia voltar para mim.
Passamos algumas horas com eles, respirando a pureza daquele ar mágico. Ramon aproveitou para exibir um dote que ainda não tinha demonstrado: contador de histórias. Ele narrou ao longo de toda a refeição as grandes peripécias pelas quais passamos e enfrentamos bravamente para chegar ali. Digamos que... alguns detalhes... foram mais do que ligeiramente alterados.
Por exemplo, a serpente do poço das almas não só era gigante, como tinha três cabeças e uma cauda com ferrão venenoso. A estátua do macaco Mono havia tentado nos transformar em churrasco humano quando abriu a sua grande boca e cuspiu labaredas de fogo sobre nós. Escapamos ilesos por pura sorte! Ele dissera. Simplesmente para depois nos expulsar das imediações da floresta com seus chimpanzés gigantes nos perseguindo tentando nos devorar. Pois é! Se símios de dois palmos de altura viraram chimpanzés gigantes, imaginem as coisas que saíram daquela boca no restante da história!
As pessoas foram muito gentis e agradáveis. Queriam que ficássemos com eles por alguns dias, havia muitas maravilhas douradas ali a serem contempladas. Realmente o ouro se via em todos os lugares, adornando tudo como um sol nascente eterno, brilhante, reluzente e dourado. Nós havíamos trilhado a jornada que nos levara a El Dourado em busca do templo de Shangri-la e encontramos o que procurávamos. Era hora de voltar pra casa.
— Tem alguém esperando por mim em casa. Alguém que precisa muito desse elixir. — falei com o alforje na mão. — Esse sopro é a única coisa que pode curá-la. E nunca serei grato o suficiente por salvarem a sua vida.
O homem me olhou com compreensão e cumplicidade.
— Entendo. Alguém por quem o seu coração pulsa mais forte do que por si mesmo. — falou. — Um tipo de riqueza muito mais rara e valiosa que o brilho dourado.
— Exatamente. — respondi sorrindo. — Uma riqueza que não precisa de uma travessia tão perigosa como a de El Dourado, e ainda assim, muitos não se aventuram a procurar.
— Exatamente. — foi a vez dele concordar comigo.
— Então é isso. Muito obrigado por tudo. — Natan falou. — Mas o caminho ainda será bem longo até à saída.
— Ao menos agora já sabemos o que nos espera. — Elisa acrescentou desanimada.
— Agora vamos ter que passar por tudo aquilo de novo? — Ramon se amuou e resmungou. — Acho que não está levando cura suficiente consigo, Sr. Gael. Talvez fosse melhor levarmos um estoque bem maior disso.
— Talvez eu possa ajudar no caminho de volta. — o líder falou com o rosto se iluminando. — Que tal uma carona? Sigam-me.
Olá amados! Desculpe o atraso :)
Tem mais um capítulo hoje nessa reta final! Bjos!
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