39 - Poço das almas
Os gritos foram imediatos e a escuridão foi absoluta. Nós caímos deslizando por um espaço apertado e escorregadio. A queda terminou bruscamente e o peso foi sendo jogado em cima de mim. Espremido entre o chão e os meus colegas, o ar ia sendo expulso dos meus pulmões a cada novo corpo jogado em cima de mim.
— Estou morrendo aqui! — consegui falar.
Depois de levar chutes, pisadas, empurrões e cotoveladas, o meu corpo foi finalmente liberado. Uma lanterna se acendeu e iluminou o ambiente.
— Estão todos bem? — Natan ia passando a luz pelo grupo para conferir os presentes.
Estavam todos ali. A minha coluna deu uma reclamada, mais iria sobreviver. Ninguém tinha se machucado realmente. Pelo buraco onde havíamos caído, não havia possibilidade de volta, a passagem estava fechada. A única opção seria seguir em frente.
— Droga! — Elisa falou. — Mais um beco.
— Conseguiu ler a escritura antes de cairmos, Selva? — Perguntei.
— Não tive tempo. — ela respondeu.
— Então vamos andando. — falei me encaminhando para a única direção visível.
O corredor por onde passamos fedia a mofo e estava cheio de teias de aranha. Elas iam se enrolando em nós com aqueles fios finos e pegajosos. Quase me senti um casulo quando saímos de lá. Limpei o rosto o máximo que deu, mas o resultado não foi dos melhores.
O beco dava em um lugar sem chão e sem teto. A luz da lanterna não conseguia tocar o fundo do buraco e nem a parte de cima. Não conseguíamos ver nada. Duas opções: para baixo ou para cima? Decidimos que o caminho ascendente era mais convidativo, então, o meu par de asas foi muito útil ali.
Lá em cima, chegamos em uma câmara quadrada. Nós saímos bem do meio do chão. De algum lugar vinha claridade, embora eu não conseguisse identificar a fonte, porque a escuridão total tinha se transformado em penumbra. Em cada uma das faces do cubo, com exceção do teto, havia uma abertura.
O buraco no chão de onde havíamos saído e mais quatro corredores, centralizados nas paredes. Decidimos analisar nossas opções antes de escolher. No primeiro corredor, havia marcas nas paredes aproximadamente a meio metro do chão. Provavelmente algum tipo de lâmina sairia por ali. No segundo, havia perfurações no teto. Lanças, talvez? Nós discutíamos as hipóteses já nos encaminhando para a terceira opção.
— Silêncio! — pedi ao grupo. — Que som é esse?
Um som muito baixo chegava até os meus ouvidos. Elisa e Natan ouviram também.
— É o sibilar de uma serpente. — o caçador confirmou a minha suspeita.
— Serpente?! — Ramon ficou nervoso. — Não vejo nenhuma!
— É porque você está olhando para o lugar errado! — Elisa virou o rosto dele com urgência.
O som ficou alto e claro, ecoando e reverberando pelas paredes. Do buraco por onde havíamos saído, uma cobre imensa despontava com a língua bifurcada.
— Achei que tivesse dito que não era literal! — Natan empurrou a pessoa a sua frente para dentro do corredor, sem que sequer tivéssemos visto a armadilha de lá. — É assim que você define figura de linguagem?!
— Eu achava que fosse! — Selva rebateu fugindo da serpente gigante corredor adentro.
— Cuidado! — puxei Elisa para trás com tudo. Um dardo venenoso passou voando.
— As pedras do chão! — Selva gritou quando a cobra mostrava a cara logo atrás de nós. — Os triângulos acionam os dardos! — falou transformando-se numa bola branca que passou por baixo das minhas pernas em direção à saída.
Nós começamos a pular os ladrilhos com a maior velocidade que conseguíamos. Era apertado demais ali para conseguirmos voar rápido o bastante. Numa mistura entre triângulos e quadrados, nós íamos seguindo de forma desajeitada. Um zunido e outro indicava que não estávamos sendo eficientes da maneira que planejamos. Espalhados em diferentes alturas ao longo do corredor — infinito! —, em ambas as paredes, rostos como de máscaras indígenas olhavam com seus olhos vazados para nós. Das cavidades oculares e da boca, dardos venenosos eram soprados em nossa direção quando pisávamos no lugar errado.
Nós saímos em disparada daquele lugar apertado. Os meus pés deixaram o chão, as asas ganhando o ar. O aprendiz gritou o meu nome acenando os braços para mim. Puxei o corpo dele e o garoto teve reflexo suficiente para encolher as pernas no instante exato em que a serpente abocanhava em sua direção.
Os outros dois caçadores tiveram o mesmo reflexo que eu, mas a criatura branca felpuda não tinha asas para voar. Acuada e encolhida num canto, o bichinho não passava de um aperitivo para a imensa cobra já de boca aberta.
A lâmina cortante da minha espada se cravou no corpanzil do bicho como um palito. O animal urrou. A raposa correu. O aprendiz foi deixado no chão. Natan e Elisa vieram ajudar. O bicho chicoteava e mordia, mas somos três contra um. Estamos em vantagem. Elisa lhe cortou fora a língua, que caiu se contorcendo como outra cobra. Credo!
Natan fez um talho na jugular do animal e perdeu metade da camisa que ficou aprisionada à presa da criatura. Eu recuperei a minha espada. Vamos trabalhar em equipe, primeiro o cerco, depois o ataque. Com apenas um único olhar, cada um de nós já sabia o que fazer.
Voamos ao redor dela, como moscas chatas que incomodam, esquivando-se de um bote assassino. O bicho precisava se concentrar e focar em um alvo. Descendo sobre a serpente ao mesmo tempo, a minha espada entrou fundo pela lateral esquerda do pescoço, Natan num movimento reflexo do lado direito. O bicho ficou entalado entre nós.
O metal da caçadora cantou e a garganta se abriu. Virei o rosto. O sangue quente espirrou sobre o meu corpo. Retiramos nossas espadas ao mesmo tempo. A cabeça da criatura morta tombou.
— Me ajudem aqui! — Selva gritou.
— Ai droga!
O corpo do animal ainda tinha movimento. Ele se enroscava e comprimia com força o jovem aprendiz. O garoto estava roxo e sem respiração. Selva tentava inutilmente aliviar a pressão sobre o torso dele. Juntamo-nos num esforço conjunto.
O aperto era de aço. Nem dava para acreditar que o bicho tinha morrido. Depois de alguns instantes, uma greta começou a aparecer. Selva desentalava o seu aprendiz, puxando-o para cima, enquanto nós tentávamos folgar o torno.
O jovem caiu inconsciente no chão. Coloquei a cabeça no peito dele. O coração estava batendo, os pulmões estavam respirando.
— Ele vai viver. — falei.
Com algum esforço, Selva e Elisa conseguiram acordá-lo. Ele estava dolorido e meio desorientado, mas ia ficar bem. Uma boa dose de ar fresco e puro seria um belo remédio. Queria uma dose dele para mim também.
— Consegue andar? — Elisa perguntou.
— E eu lá tenho opção, senhorita? — o jovem respondeu seguindo adiante meio descadeirado.
Olhei uma última vez para trás, só para ter certeza que a serpente gigante estava no mesmo lugar em que a deixamos. O monstro estava imóvel. Uma cobra gigante que segundo Selva deveria ser apenas um simbolismo. Seguimos para a próxima câmara com um mau pressentimento me cutucando o cérebro.
Para acessar o próximo compartimento, tivemos que ir rastejando por uma passagem estreita. A escuridão completa que tinha dado lugar à penumbra, agora tinha desaparecido totalmente. O lugar era tão bem iluminado quanto o dia. Nenhum sinal de onde viria aquela luz toda. Não sei se isso incomodou o restante do grupo, talvez estivessem ocupados com outros pensamentos. Decidi não levantar a questão.
A ruiva tremia se escondendo atrás de mim, segurando-se ao meu braço. Uma quantidade de esqueletos humanos, muito maior do que eu gostaria de ver, estavam espalhados pelo recinto. Era uma ala ampla, com amontoados de ossos expostos de forma escancarada para o grupo que acabara de chegar. Um mar de ossos.
— O que foi que fez isso com eles? — Natan perguntou analisando o lugar.
— Nada aparente para mim. — declarei.
— Esse é o problema. Como vamos evitar o que não podemos ver? — ele respondeu.
— Talvez possamos ir voando. Podem existir armadilhas no chão. — Elisa sugeriu. — Se não tocarmos em nada, talvez nada aconteça.
— Então vamos. — falei sustentando Ramon que deu um gemido leve quando o levantei do chão.
Nós atravessamos o recinto sem dificuldades, mesmo assim, fomos devagar e com cautela. O final daquela sala era o início de outra, tão iluminada quanto a anterior. Ali não tinha nenhum ser, nem vivo e nem morto. Não tinha nenhuma saída também. Esse detalhe é ótimo! Pousamos e ficamos observando as coisas de forma ressabiada. As paredes eram lisas e feitas do mesmo material da estátua que nos enclausurara ali.
— Eu ainda não entendi para onde estamos indo. — Elisa falou.
— É aqui o poço das almas? Ou estamos indo para lá? — Ramon perguntou.
— Eu não sei. — Selva franziu a testa. — Não consegui ler o que estava inscrito na figura.
— Talvez seja aqui mesmo. — Natan deu de ombros. — Poço das almas pode ser só um nome que simboliza esse lugar em baixo da terra, a própria representação do submundo guardado pela serpente.
— E agora? Como vamos sair daqui? — perguntei. — O que é que diz mesmo, aquela lenda?
— O puma vem resgatar os espíritos daqueles que foram bons em vida. — a filha da lua esclareceu.
Eu olhei o nosso grupo com um profundo pesar. Se aquele lugar estava representando o submundo, então nós éramos obviamente os espíritos, será que o puma seria muito exigente? Fiquei com a ligeira sensação de que ele não viria para buscar nenhum de nós. Três caçadores — dispensa comentários. —, uma criatura sagrada e seu aprendiz, que são, respectivamente, indireta e diretamente responsáveis por tramar a morte de uma jovem inocente. É. Não é um grupo promissor.
Percebi que a luz ali dentro estava mudando. As nossas sombras começaram a ficar visíveis na parede à nossa direita.
— Alguém está achando essa iluminação estranha? — Ramon soltou a pergunta.
— Por quê? Com medo da própria sombra, Ramon? — Natan implicou observando a forma de nossas silhuetas.
— É claro que não! — o garoto estufou o peito. — Eu só estava curioso, só isso!
— É claro que sim! — ele zombou.
— Acho que encontrei alguma coisa aqui. — ouvi a voz de Selva. — Deve ser uma porta.
Aproximamo-nos da ruiva que analisava a parede. Ela tinha encontrado uma pedra com uma textura diferente, mais rugosa que o restante e ligeiramente protuberante. Nós tentamos empurrar, ou deslizar, como uma alavanca, mas não funcionou.
— Deixe-me tentar uma coisa. — Elisa pediu.
Com uma faca pequena, ela enfiou a ponta na ranhura lateral e tentou mover a pedra.
— Espere! — Ramon falou. — Como saberemos se é uma porta e não é uma armadilha?
Bingo! Esse era exatamente o "X" da questão. E ele nem sempre guardava um tesouro.
Olá amados.
Segundo capítulo de hoje. Alguém lembrou da Lilith quando leu serpente? Acho que eu tenho uma queda por elas Kkkkkkkk
Se gostou deixa uma estrelinha. Bjos!
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