19 - Desculpas
Não sei quanto tempo fiquei lá, encostado de qualquer jeito à lataria do carro, sentado no chão. A claridade dos faróis acesos era a única coisa que impedia o breu completo. Eu intercalava choros copiosos com vômitos ácidos até não sobrar mais nada dentro de mim. Alma vazia. Corpo vazio.
O coração doía tanto que não sei como ainda conseguia trabalhar. O peito carregado e comprimido me esmagava e me espremia inteiro. Todas as terminações nervosas do meu corpo estavam ligadas e doloridas. Estou sendo torturado pelo invisível. Eu voltava ao estado de negação e pulava para o ódio degradante, passando pela falta de ar, pânico e desespero, sempre conduzido pela mão por uma depressão insana, pútrida e nauseabunda. Um ciclo, vai e volta, depois repete. Tudo outra vez. E de novo, e de novo, e de novo, sem parar.
Eu estava longe, numa BR escura e vazia, vomitando e chorando enquanto me lamentava profundamente. A minha menina linda estava sozinha num quarto de hotel, morrendo por mim, e eu nem sabia como ou porque aquilo tinha acontecido. Dava para ser mais idiota do que isso? Eu olhei para mim mesmo pela primeira vez, a camisa toda amassada, as mãos no colo, tremendo.
Podia estar doendo em mim, mas dava para mensurar a dor dela? O desespero daquela menina? O pânico de ter que enfrentar essa situação sozinha? O esforço de esconder o medo que sentia? Eu tinha certeza absoluta que ela estava apavorada e estava escondendo isso de mim. Talvez a Alma já estivesse sentindo dores físicas muito piores do que as que vinha demonstrando também. Aposto que ela tem ficado calada para que o imbecil aqui não surtasse e sofresse.
Aquela linda jovem, totalmente normal que eu tinha destruído em pouco mais de um ano. Eu destruí a vida dela, por que é isso o que eu faço. Eu destruo tudo aquilo em que toco. Virei o mundo dela de pernas para o ar, baguncei tudo e ela aceitou sem reclamar. Eu sabia que deveria ter me afastado dela quando a conheci. Eu não trouxe nada de bom para aquela garota. Fiquei por perto por egoísmo. Por benefício próprio. Posso me ver com tanta clareza, por que ela não consegue? Egoísta. Arrogante. Miserável. Canalha. Imbecil. Idiota. Estúpido.
Eu a tinha insultado antes de deixá-la lá e sair do hotel. E aquela menina estava caminhando descalça no inferno por minha causa. Ao invés de ficar com ela... dei as costas e fugi. Covarde. Eu estava ali chorando por que o meu mundo ia morrer. Ela estava lá chorando pela minha reação. Eu fiz ela chorar.
— Seu babaca do caralho! — bati a porta do veículo com força e arrogância.
A velocidade cortante da noite, voando para casa, para ela. Alma não merece o que está vivendo. Não merece mesmo. Mas você merece, Gael. Você merece o afogamento em dor que vai ser obrigado a viver. Merece respirar cacos de vidro. Você merece perdê-la. Você não é digno dela.
Cheguei à entrada do hotel e entreguei a chave ao verdadeiro manobrista. Subi as escadas correndo e quando abri a porta do quarto, Alma estava sentada no chão aos pés da cama, abraçando as próprias pernas com o rosto enterrado nos joelhos. Se eu ainda não estivesse morto, teria morrido com aquela visão. Um anjo quebrado.
— Veio buscar as suas coisas? — ela levantou o rosto e olhou para mim com os olhos inchados.
— Por que está perguntando isso? — fechei a porta.
— Achei que não quisesse estar por perto para ver. — o tom de voz era suave, sem acusações.
Ela achava que eu ia embora, que iria deixá-la de verdade. Eu não estava morto afinal. Gente morta não sente dor, e aquelas palavras doeram no mais profundo do meu âmago.
— Minha menina linda. É tarde demais para pedir perdão?
Alma levantou correndo do chão e eu a segurei apertado no colo enquanto ela envolvia o meu pescoço com os dois braços. Inspirei o cheiro doce que ainda emanava daquele corpo. Uma dor aguda de saudade comprimiu a minha garganta. Em breve não existia mais isso.
— Eu sinto muito. Desculpe-me. — falei sentindo o calor do corpo dela fraquejar os meus joelhos. Como eu conseguiria viver sem ela?
— Fica comigo, Gael. Não quero passar por isso sozinha. Eu sei que...
— Para! Não... não fala mais isso. — coloquei a coisa mais preciosa que eu tinha no mundo sentada na cama e me sentei em frente a ela. — Eu sou um idiota. Eu não devia ter saído daquele jeito e deixado você aqui sozinha. Me desculpe. Não me peça para ficar porque eu nunca vou deixar você, carissimi. — limpei um olho borrado de maquiagem preta. — Nunca.
— Mas sei que não é justo pedir pra você assistir.
— Shiii. Não. — como aquela dor pulsante no meu coração ainda estava me permitindo falar?
— Mas você disse...
— Eu sou doido — cortei a frase dela. —, maluco, estúpido e inconsequente. Ainda não percebeu isso? — ela sorriu e a dor ficou um pouquinho mais fácil de suportar. — Esqueça tudo o que eu disse. Por favor. Eu estava sob o estado de psicose. Mais do que o normal.
— Desculpe ter mentido pra você, eu devia...
— Não, carissimi. — interrompi. — É errado pedir desculpas por salvar a vida de alguém. Não peça. Por favor.
— Tudo bem, então. — um sorriso glorioso respondeu, como se há pouco tempo não estivesse chorando de soluçar. Por minha culpa. Sei que isso me assombrará para sempre. Nunca vou me perdoar. — Era isso que eu precisava te contar. — falou com aquela voz doce e meiga de sempre.
— Só isso?! E o resto? Estou ouvindo. — tentei me preparar para a história que estava por vir. — Comece do início. Quero saber tudo. Não esconda nada. Entendeu? Nada!
— Entendi sim senhor. Mas essa parte eu só vou explicar amanhã.
— Amanhã? Por quê? Não está se sentindo bem? — a testa dela não estava quente. Alma não estava pálida.
— Eu estou bem, me sinto perfeita. — disse me tranquilizando.
— Está cansada? Quer alguma coisa antes de dormir? Um copo d'água? Um...
— Só não... quero falar sobre isso agora. Prometo que vou respondo a todas as perguntas que você fizer, mas agora... — se aninhou no meu colo como um animalzinho ferido. — Só... fica comigo e me abraça, Gael. Porque esse é o único lugar no mundo onde me sinto realmente segura.
E eu daria a minha vida para fazer disso uma verdade. Protegê-la... é tudo o que eu mais quero. Segurando-a contra mim, com a alma desfeita em frangalhos, não sabia como eu poderia um dia me despedir daquela criatura. A cabeça apoiada de encontro ao meu peito, quietinha, respirando com tranquilidade enquanto eu afagava a maciez de uma cortina de fios negros. Os meus braços não são o seu abrigo seguro, carissimi, minha menina linda. Eles não podem cuidar de você e mantê-la a salvo. E isso me fere e me aprisiona como grilhões feitos de ferro em brasa.
Olá de novo.
Desculpas pedidas, desculpas aceitas. Vamos ao último capítulo do dia?
E não esquece da minha estrelinha! ;)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro