Duas almas solitárias reunidas
Aquela tarde estava mais fria que as outras. Uma garoa limpava as estradas. As palavras dela ainda ecoavam em minha mente. O que ela quis que eu entendesse ao manter aquele silêncio angustiante? Isso ainda me incomodava. No fundo eu acreditava que ela me amava. É isso que chamam de coração iludido? Eu não a culpo de nada, nem ele.
— Merda — às vezes falava sozinho.
Não tinha mais cigarros e havia me esquecido de pedir mais à Key. Para aliviar minha vontade, passei a brincar com meu isqueiro. Minho o havia me dado à algum tempo atrás. Estava sentado do lado de fora deixando a garoa lavar meus pecados enquanto eu refletia. Odeio dúvidas.
Pude escutar Onew caminhar e falar impaciente no celular. Há tempos que o fornecedor nos deixava na mão. Ele nos devia, e muito. Filho da puta metido. Nenhum dos nossos fornecedores anteriores comentam sobre nós, sempre termina do mesmo jeito. Eles fazem merda, e então batemos um papo amigável. Pelo olhar de Onew, eu sabia o que iria acontecer. Não demorou muito, e junto de Key e Jonghyun, foram resolver as coisas. Sempre deixavam Minho e eu de fora. Talvez nos achassem novos demais. Eu não ligava, desde que voltassem inteiros. Saíram a toda velocidade com um semblante sério.
Passaram-se duas horas, eles estavam demorando, foi então que decidi procurar Minho. Estava quieto demais, ainda era cedo, mas ele já devia ter acordado. Enquanto eu me aproximava do quarto, pude escutar alguns murmúrios.
— Eu também...
— Estou dizendo agora...
— Não vão gostar...
Não consegui escutar o que diziam, apenas algumas frases soltas. Não fazia sentido, antes que eu pudesse me aproximar mais, ouvimos o carro estacionar do lado de fora. A garoa diminuiu, eles voltaram.
A hora do almoço estava se aproximando, Jonghyun estava irritado, mas acho que eles resolveram nosso problema. Onew não saiu do celular, se manteve isolado no quarto até Key nos chamar para comer. Minho cozinhou. Estranhamente todos estavam muito quietos, e eu parecia ser o único que parecia perdido. Hwayoung lançava olhares à Minho e mesmo que ele não os retribuísse, ela permaneceu com o ato.
— Conseguimos receber o pagamento adiantado. Adicionei alguns juros, mas acho que ele não se importou. A parte de vocês está na mochila — Onew cortou repentinamente o silêncio.
— Pícaro bom, é pícaro morto — Jonghyun parecia mais calmo à medida que comia.
— Isso explica a demora — Minho encontrava-se ao lado de Hwayoung, seus cotovelos se encostavam.
Quando me tornei tão ciumento?
— Vamos ficar sem trabalho por um tempo — Key concluiu a conversa deixando claro, ele não queria mais falar a respeito disso.
A tarde parecia limpa, o chão totalmente encharcado. Admito ter visto um rastro de líquido mais escuro se prolongar até debaixo do carro. Ignorei este fato. O cheiro forte de gasolina havia cessado devido à chuva, Key se livrou dos galões e todos estávamos juntos dentro da sala. Mesmo que com chuva, o céu parecia limpo e claro. Um arco íris não se formou no céu. Enquanto conversávamos, Minho se levantou com quietude e se afastou. Eu não notei sua ausência imediatamente, contudo posso afirmar que faziam longos minutos, só pude perceber quando Hwayoung também não estava mais lá. Enquanto eu me perguntava onde os dois poderiam ter ido, a garrafa de cerveja que Jonghyun fora abrir inexplicavelmente se quebrou cortando fundo o dedo dele.
— Você está bem? — exclamei por ver o semblante entristecido e amargurado do mais velho.
— Não está doendo... É só que — ele hesitou — Senti um mal pressentimento.
— Taemin pega alguma coisa pra limparmos e cobrirmos isso aqui — Key sempre gostou de me dar ordens, mas eu já estava indo pegar alguma coisa.
Subi as escadas às pressas, encontrei a mochila de Minho no caminho e a vasculhei por um curativo qualquer. Se foi sobre isso que a intuição de Jonghyun quis me avisar, não sei, entretanto tenho minhas dúvidas. Perto da janela, próximo aos finos tecidos da cortina eu pude ver. Foi como morrer. Minho envolveu vagarosamente seu braço pela cintura dela e trouxe seu rosto para perto. Conforme seus lábios dançavam, meu coração chorava. Algo que deveria ser tão belo, se tornou cruel. Senti minha força minimizar e como um perdedor, eu fugi dali.
— Você está bem? — os três me olhavam espantados enquanto Onew indagou.
Entreguei o tecido limpo com álcool à Key. Eu ainda estava perdido.
— O quê? — não ouvi bem o que eles disseram — Ah, sim, estou bem — acho que os deixei falando sozinhos e me direcionei ao lado de fora.
A garoa se tornou chuva e eu esperava que ela levasse meus pensamentos embora. Doía, mas não sou um covarde, eu não queria ser um covarde. Senti raiva pela primeira vez de Minho. Como pude pôr a culpa nele?
— Vamos entrar. Você ficou muito tempo aqui fora — Key não demonstrava tanto afeto, mas eu sempre soube o quanto ele se importava comigo.
Eu já estava encharcado, quando me virei a ele, estava chorando. Ele jogou uma toalha sobre meus cabelos. Pensei que ele fosse me perguntar, mas tudo o que disse foi:
— Garotos não choram — ele me deu um sorriso extremamente entristecido.
Eu não sei com certeza, mas tive a impressão de que ele já sabia de tudo.
Passei a tarde toda olhando as diversas cruzes que ela desenhou na parede. O marcador ainda tinha tinta, então escrevi:
"Me diga o que fazer"
A noite se aproximou e o céu parou de chorar. Evitei qualquer contato com Minho e Hwayoung. Eu não os odiava, só queria me reerguer. Não comi nada aquela noite, apenas observei a chama do meu isqueiro. Ela estava azul assim como eu. Minho se aproximou com duas garrafas de cerveja, estendeu uma à mim enquanto bebia a outra. Guardei meu isqueiro no bolso da jaqueta e sem fitar seus olhos me encostei na parede engolindo, contra a vontade, àquele líquido que descia rasgando minha garganta.
— Aconteceu alguma coisa?
Continuei olhando para frente enquanto ele falava.
— Você acha que aconteceu? — retruquei
— Está quieto demais.
Foi então que decidi olhar para ele e responder cara a cara.
— Por que? Aconteceu alguma coisa Minho?
Ele estava confuso, mas pareceu entender onde eu queria chegar.
— Espero que me conte primeiro.
Ele me irritou.
— Cala boca.
Talvez tivesse dito alto demais. Me levantei e fui para fora. Não me siga, eu exclamava em minha mente. Como eu queria que ele não tivesse feito isso. Fui diretamente ao carro depois de pegar a chave. Com um puxão em meu braço, Minho me alcançara.
— Qual o seu problema?! — ele demonstrava raiva ao mesmo tempo em que estava confuso.
Todos já estavam do lado de fora.
— Ei, o que deu em vocês? — Hwayoung ficou entre nós dois enquanto segurava o braço de Minho.
— Conta logo!
Ao vê-la o tocando, me lembrei daquele beijo, não consegui mais calar minha cólera.
— Ou acham que sou idiota?! Eu vi! Como podem esconder assim na cara dura?! O que mais vocês fazem quando ninguém está olhando?!
Minho me empurrou com força, ele realmente estava irritado. Hwayoung tentou nos separar, mas meu olhar a assustou, o que a fez recuar dois passos para trás de Minho.
— REPETE! — ele explodia em raiva, nesse momento Jonghyun tentou nos separar, contudo Minho o empurrou.
— Qual o problema de vocês hã?! O que você fez pra ele?! — Jonghyun passou a empurrar Minho também, cada vez mais forte — É POR CAUSA DELA?!
Onew se manteve observando tudo, mesmo que irritado, não se meteu naquela desordem. Key se aproximou às pressas e puxou Jonghyun para impedir uma briga pior, mesmo que ele se recusasse a parar de falar.
— EU AVISEI QUE ELA IRIA EMBORA SE ALGO ACONTECESSE ENTRE NÓS!
Quando eu estava prestes a dar um soco em Minho, Key nos empurrou e jogou a chave do carro para ele.
— Vão embora daqui! — a reação de Minho àquelas palavras me fizeram repensar o que fiz — AGORA!
— Que tudo mude, menos nós né?! — Minho jogou suas últimas palavras sobre mim — Uma grande piada, pena que eu acreditei nelas. Isso só prova como sou um idiota — ele pegou na mão de Hwayoung e a puxou para dentro do carro.
Uma mistura de ódio com mágoa. Senti o isqueiro pesando em meu bolso. "Você precisa parar de fumar". Eu não tinha consciência do que estava fazendo. Apenas o peguei e joguei em direção ao carro. Ao atingir o asfalto, a brasa se acendeu no momento em que ele deu a partida.
Me lembro como se fosse ontem. Um som estrondoso. Com as chamas se tornou um dia claro no meio da noite. Duas almas solitárias foram reunidas. Para sempre.
Onde eu errei...? Perdi um amigo em meio à está amargura. Eu ficaria com você a noite inteira, se eu soubesse como salvar uma vida.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro