capítulo dois
APÓS COMPLETAREM A PRIMEIRA REFEIÇÃO, os dois se dirigiram para o hospital, separando-se. Beatriz Wong foi rapidamente tratar dos medicamentos das crianças que acordam mais cedo que as outras assim como as refeições, pois escondia a medicação dentro delas, assim conseguindo controlar toda a medicação que os médicos passavam direitinhos e as crianças não queriam tomar. Enquanto isso, San se preparava para cantar uma música suave para elas, tendo em mente que iria cantar a mesma para as outras que ainda não tinham acordado.
Porém, enquanto ele cantava para aquelas crianças, pareceu ouvir algo, parando bruscamente e assustando as crianças como a garota e, por sorte, uma das funcionárias tinha entrado e perguntado se estava tudo a correr bem, aliviando San que aliviou as crianças e disse que só tinha se assustado com a moça vindo.
— Ele se assusta muito fácil. É fofo. — Ele olha para o lado quando ouve tal coisa, saindo com uma voz suave que não soube diferenciar de quem era, mas quem vê é apenas a garota que dá um pequeno sorriso. — Meu deus, ele está olhando demais para mim, será que eu tenho algo na minha cara?
— Quê? — O subconsciente de San acaba falando por ele não poder soltar para fora, tendo que ouvir a funcionária falar com ele e tanto com as crianças.
— Você está ouvindo? Não, pera, eu sou muda agora.
— Como eu estou te ouvindo? — San olha a garota novamente, que se encontrava falando por gestos. — Ei, olha para mim. — A garota olha para ele ao finalizar a conversa, e San se assusta.
— Você está me ouvindo?
— Essa é a sua voz? Como eu estou te ouvindo sem falar?
— Você também tem uma voz dentro de você, apenas.
— Fale comigo por gestos.
— Você se assusta fácil. — Quando San viu os gestos a serem feitos e ainda uma pequena risadinha nasal sair dela, ele se assusta mais.
— Como isto é possível?
— Nem eu sei, supostamente eu só oiço as crianças e elas me ouvem a mim. Mas por favor, não faça um escândalo. Talvez seja melhor conversarmos assim. Não é só um choque para você.
— Eu estou me sentindo tonto. — San se levanta rapidamente, ficando ainda mais tonto, sendo segurado rapidamente pela funcionária, mas Beatriz Wong diz que o levará até ao banheiro, já que eles têm mais intimidade e qualquer coisa ela chamaria pela funcionária. Graças a Deus, o banheiro era já em frente ao quarto das crianças.
— Você está bem? — Fez os gestos também, mas San sequer encarou isso, olhando para o chão.
— Telepatia é a coisa mais estranha que já fiz na minha vida. — A voz sai trémula. A mão pequena é sentida em suas costas.
— Acho até mais fácil. Já não me assusto. O problema é que só eu oiço o que não devia ouvir.
— Como assim? — A voz sai novamente e, desta vez, San olha a garota. — Como que alguém se habitua a isto? Porque eu consigo te escutar? Não é por ser muda, é simplesmente por eu falar por você através do pensamento. Isso que está me assustando e me deixando assim.
— Uma pergunta de cada vez, San. Calma, bebe água.
— Tem como voltar a falarmos só em linguagem de sinais?
— Sempre que eu faço os sinais, minha voz interior narra, então... desculpa, mas será impossível dado a que me ouve. Mas... é ruim me ouvir?
— Nada disso! É só... estranho. Nem sei se essa é realmente a sua voz.
— Para mim, é parecida com a que eu tinha. Não posso reclamar muito, já é bom pelo menos ter uma voz dentro da minha cabeça. Só é ruim quando pensamentos bem intrusivos surgem.
— Mas... Calma, meu Deus, são várias perguntas.
— Terei todo tempo para te explicar melhor, mas agora, talvez seja melhor beber um pouco de água. Você está falando muito rápido, mal estou percebendo.
— Eu me recuso a falar novamente por telepatia.
— Não se recuse. Até será mais fácil entre nós. Ainda mais se alguém precisar da ajuda do outro sem ter que chamar. Assim também não fazemos barulho ou interrompemos alguém.
— Ok, isso é uma boa ideia, mas tirando isso. Está sendo estranho eu te responder, parece que eu estou falando sozinho.
— Mas não está, pelo menos, eu também estou na sua frente, e fazendo os gestos, mas você nem precisa mais se preocupar em aprender eles.
— Nessa parte, não quero parar o aprendizado.
Após a estranha experiência no banheiro, San e Wong decidiram não contar a ninguém sobre a telepatia — ainda mais porque ninguém ia acreditar —, pelo menos por enquanto, já que Wong disse que as crianças lhe entendiam, mas isso assustava San ainda mais, pois pelo que ela falava, parecia que ela também conversava, sendo que elas estavam sofrendo. Será que ela conseguia escutar a dor delas? Era assustador e agoniante pensar em escutar a dor das crianças sofrendo.
Voltaram ao trabalho com uma nova dinâmica, tentando se ajustar à nova forma de comunicação, pois, de facto, era muito mais fácil, mesmo sendo bem assustador de início.
[...]
Os dias seguintes foram uma mistura de rotina e descobertas para San. A cada manhã, ele e Beatriz encontravam formas mais eficazes de se comunicar telepaticamente, sempre mantendo uma aparência de normalidade para os colegas de trabalho e as crianças.
Durante as refeições, Beatriz continuava escondendo a medicação nas comidas das crianças, enquanto San cantava suas canções suaves. A ligação telepática entre eles se tornava mais forte, permitindo que partilhassem pensamentos e sentimentos com uma facilidade assustadora. Tudo era assustador, na verdade.
Uma noite, após um longo dia de trabalho, San estava em casa refletindo sobre os últimos acontecimentos. Ele se sentia mais conectado a Wong do que jamais imaginara possível — até mesmo a amizade se tornou mais forte com isso, mesmo sendo assustador, como citado. Pegou o celular para enviar uma mensagem a ela, mas antes que pudesse digitar qualquer coisa, ouviu a voz dela em sua mente.
— Estou pensando no que aconteceu hoje. Aquela nova criança parece estar muito assustada. Precisamos pensar em algo para ajudá-la a se sentir mais confortável.
San sorriu, respondendo mentalmente.
— Sim, eu notei. Talvez eu possa levar um violão amanhã e tocar algumas músicas diferentes. Quem sabe ela goste.
— Boa ideia. E talvez eu possa tentar conversar com ela, mesmo que seja por gestos. Às vezes, um pouco de atenção extra ajuda.
No dia seguinte, a rotina do hospital pediátrico estava mais estabilizada. San e Beatriz desenvolveram uma sintonia impressionante, quase como se fossem duas partes de um mesmo ser. As crianças também notaram a conexão especial entre os dois, e isso parecia trazer um pouco mais de alegria para o ambiente. Até mesmo havia comentários felizes das crianças comentando que eles eram a princesa e príncipe encantado dos contos de fadas que lhes liam antes de dormir.
Isso assustou um pouco os dois, mas deixaram eles acreditarem que eles eram tais personagens. Afinal, elas não durariam muito, então, o melhor pensamento possível estava primeiro.
Enquanto preparava as refeições da tarde e San tocava violão para as crianças, tentando amenizar o estado da criança assustada, uma das funcionárias, de nome Anny Lee, se aproximou deles com um olhar curioso. Eles se afastaram para a Lee fazer seu trabalho. Quando terminou, os puxou para um canto, a fim de falar com eles a sós das crianças.
— Vocês parecem ter uma conexão muito especial — comentou, sorrindo raso. — É raro ver dois colegas de trabalho tão em sintonia.
San e Wong trocaram o olhar, sabendo que sua conexão realmente estava mais profunda. — Muitos até acham que vocês são um casal e eu queria dar na cabeça deles para eles não serem assim, mas eles estão felizes com a vossa relação, mesmo sendo uma mera amizade, possivelmente, de colegas.
— Nós só queremos fazer o nosso melhor pelas crianças — respondeu Beatriz em linguagem de sinais, enquanto San, automaticamente, ouvia suas palavras em sua mente. — E nossa amizade não é só entre colegas. Considero-o um amigo muito especial.
— E ter alguém com quem contar faz toda a diferença — completou San, sorrindo para Anny. — Por isso não julgo as crianças acharem que somos um casal. Elas partilham essa notícia felizes umas com as outras e as une também, ficando a achar tal coisa e comentando se alguma delas já viu um beijinho. — Riu fraco.
Naquela mesma noite, San estava arrumando suas coisas quando ouviu a voz da garota em sua mente novamente, mas desta vez havia uma urgência que ele nunca sentira antes.
— San, preciso falar com você.
San parou imediatamente o que estava fazendo e se concentrou na voz dela.
— O que houve?
— É sobre as crianças... e os medicamentos que estou dando para elas para poderem sobreviver. Não estão sendo suficientes. Eu consigo ouvir elas.
San sentiu um frio na espinha. Passou a ouvir como se a voz dela mentalmente chorasse e, de facto, Wong estava chorando.
— San, San! Uma delas, San.
— Precisamos ir ao hospital!
— San, elas estão morrendo!
Chegando ao hospital, San e Wong correram para o quarto das crianças. O ambiente estava carregado de uma tristeza palpável. Algumas crianças estavam chorando, enquanto outras olhavam fixamente para seus amigos que haviam falecido. A mais nova correu para a cama de uma das crianças que ainda estava viva e a abraçou com força.
— Eu estou aqui, eu estou aqui... — Beatriz repetia, tentando acalmar a criança que chorava e a abraçava com a mesma força.
San sentiu um nó na garganta ao ver a cena. Ele se aproximou e colocou a mão no ombro da garota, tentando transmitir um pouco de conforto. A voz dela em sua mente estava cheia de desespero e tristeza.
— Elas estão sofrendo tanto, San. Eu fiz de tudo para ajudá-las, mas não foi suficiente.
San apertou o ombro dela com mais força.
— Você fez o seu melhor, Beatriz Wong. Elas sabem disso.
Beatriz continuou a abraçar a criança, murmurando palavras de consolo. As outras crianças que ainda estavam vivas se aproximaram mesmo com dificuldade, nem tendo estabilidade para sair da cama, mas elas se agruparam em torno dela, buscando conforto na sua presença. Porém, elas sabiam que também partiriam. Seus corpos choravam por dentro, falecendo aos poucos.
Com o passar das horas, as crianças que estavam em estado crítico, muitas que a abraçaram, começaram a falecer, uma por uma. Beatriz Wong sentia cada uma delas se apagando em sua mente, como uma chama que se extinguia. Ela chorava silenciosamente, seu coração se partindo a cada perda.
San, ao lado dela, sentia a dor através da ligação telepática que compartilhavam. Ele sabia que precisava ser forte por ela, mesmo que seu próprio coração estivesse despedaçado.
Quando a última criança falecida finalmente encontrou a paz, o quarto ficou em um silêncio profundo, Wong sentiu um alívio estranho, como se as almas das crianças estivessem finalmente livres do sofrimento. Ela olhou para San, suas lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.
— Eu consigo escutá-las, San. Elas estão em paz agora. Mas... ainda me dói. Eu vi... eu vi elas morrendo... uma por uma.
San fechou os olhos. E então, ele também ouviu. As vozes das crianças, suaves e serenas, ecoam em sua mente.
— Elas estão orgulhosas de você, Beatriz Wong. Elas não estão mais sofrendo. Mesmo que tivessem uma vida inteira pela frente, elas não estão mais sofrendo.
Beatriz soluçou, segurando a mão de San com força.
— Obrigado, San. Obrigado por estar aqui comigo.
San sorriu suavemente, suas próprias lágrimas caindo.
— Sempre estarei, Beatriz Wong. Sempre. Assim como as crianças.
Eles ficaram ali, em silêncio, ouvindo as vozes das crianças que haviam partido. Sabiam que, embora a dor da perda fosse grande, as crianças finalmente tinham encontrado a paz. E, de alguma forma, isso lhes dava a força para continuar. Elas faziam parte de si e nunca, mas nunca as esqueceriam, pois podemos dizer que elas também geraram ainda mais aproximação dos dois.
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