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60_ That's my girl

O dia do festival chegou e com ele toda aquela confusão de dia de evento. Arruma isso, arruma aquilo, leva o que precisa, volta na CA pra buscar o que esqueceu, gente cuidando de figurino, bailarinas fazendo coque, grupos de dança ensaiando, pessoas da produção andando de um lado para o outro. Era um verdadeiro caos.

A praça estava repleta de pessoas. Trevor havia desaparecido desde que chegamos. Acho que a função de professor deve ser ainda mais pesada  em dias como esse. Minha turma estava dividida pelo lugar, uns estavam ensaiando, outros bebendo café, outros entrando em pânico, já eu... Eu estava sentada num dos bancos despreocupada. É claro que eu ficava nervosa, ainda mais nesse festival, mas estava confiante. Eu tinha ensaiado muito, não só na CA, como também na casa do Trevor. Fui dormir tarde vários dias dessa semana porque estava ensaiando sozinha no quarto. Eu não tinha com o que me preocupar ou surtar.

Dobrei as pernas em cima do banco que eu estava sentada e alonguei os meus braços. Mexi os ombros e também o pescoço. Meus olhos estavam fechados, um fone estava nos meus ouvidos e eu estava concentrada apenas na minha respiração.

Quando abri os olhos, Flávia estava sentada ao meu lado no banco. Ela vestia um figurino de ballet tão bonito que mal tive tempo para expressar o meu susto, só admirei a roupa dela.

ㅡ Aqui. ㅡ Ela me entregou um livro. Um livro grosso cujo o título era Seja confiante! Subtítulo: Tenha autoestima e nunca mais se sinta inferior. Fiz uma careta sem entender o motivo dela estar me entregando aquele livro.

ㅡ Por que me deu isso?

ㅡ Eu li e estudei esse livro durante toda a minha adolescência. Ele tem sido o meu manual de vida. ㅡ Franzi as sobrancelhas e folheei as páginas do livro. Parei numa que dizia: andar de nariz em pé não é ser metida, é mostrar pros outros que aquele território é seu, mesmo não sendo. Vão respeitar e invejar você se andar por aí como se fosse o centro das atenções.

Assenti quando comecei a entender.

ㅡ Funcionou?

ㅡ Se funcionou? Deixa eu ver... Quando comecei a ler esse livro, meu objetivo era parar de me sentir inferior, não ter mais baixa autoestima, arrumar um namorado e conseguir que as pessoas olhassem para mim e gostassem de mim. O que eu consegui? Eu continuo me sentindo inferior, só que agora não pela aparência, mas sim pelo que mais importa: personalidade. Eu continuo com baixa autoestima, porque por mais que eu ande por aí me achando a gostosona que todos os caras querem, não consigo arrumar a droga de um namorado. Todas as noites me pergunto o que há de errado comigo que os caras só ficam comigo uma vez e depois não querem mais saber de mim! ㅡ Me assustei com o desabafo repentino. ㅡ O meu último objetivo também está longe de se tornar realidade. As pessoas olharam para mim e gostarem de mim? As pessoas não me suportam! Eu tenho amigas, mas sempre que ouço elas falando sozinhas, estão falando mal de mim. Droga, eu não sirvo pra nada! ㅡ A voz dela começou a falhar. Seus olhos ficaram vermelhos e eu descruzei minhas pernas para conseguir me virar para ela.

ㅡ Não chora. ㅡ Toquei de leve embaixo de seus olhos quando uma lágrima ameaçou escorrer. ㅡ Você está com uma maquiagem linda e seria uma pena estrega-la. ㅡ Ela abriu um sorriso fraco. ㅡ Eu sei bem como é se sentir uma inútil ou pensar que não sirvo pra nada. Vivi isso por muitos anos e por muitos anos isso foi jogado na minha cara. Flávia, eu admito que também acho insuportável, mas não por quem você é, porque... Não conheço quem você realmente é. Eu não gostava de você pelas atitudes que você tinha. Você não precisa agir desse jeito para ter autoestima ou para se sentir melhor. Vai parecer bem clichê e brega o que vou dizer, mas é a verdade: se você for você mesma e agir como você gostaria de agir, as pessoas certas vão se atrair por você e gostar de você. É uma frase que você já deve ter escutado, mas é a mais pura verdade. Não se machuque, não enterre sua verdadeira personalidade em troca do amor ou olhar das pessoas.

ㅡ É fácil falar... Eu realmente não me sinto boa ou útil em nada. ㅡ Suspirou.

ㅡ Você não se sente boa ou útil em nada? Flávia, olha onde você está! Você passou para um festival nos Estados Unidos porque é talentosa! Porque é uma excelente bailarina, e o ballet é uma coisa difícil pra caramba! Sério, eu quase morro nas aulas de ballet e quando olho pra você, você faz parecer fácil. Eu fico morrendo na meia ponta e você vai lá e dança leve como uma pena na ponta! ㅡ Ela riu e olhou para o alto, tocando embaixo dos olhos para secar as lágrimas.

ㅡ Não é tão difícil quanto parece. ㅡ Ela disse rindo e eu a encarei. ㅡ Mentira, é sim. Minhas pontas estão aqui. ㅡ Mostrou uma bolsa pequena de pano fechada com uma cordinha. ㅡ Não to ansiosa para colocar.

ㅡ E eu não estou ansiosa para passar pra ponta. Na real, acho que isso nunca vai rolar. ㅡ Rimos juntas e ouvimos uma mulher chamar pelas bailarinas. ㅡ É melhor você ir, mas sem a personalidade falsa. ㅡ Lhe entreguei o livro de volta. ㅡ Esse é um momento que não vamos viver de novo tão cedo, provavelmente. Aproveite sendo sincera com você e com as pessoas.

Flávia sorriu, pegou o livro e, surpreendentemente, me abraçou. Um abraço que me pegou de surpresa, mas retribui com um sorriso. Ela se levantou, jogou o livro na lixeira mais perto e correu para junto das outras bailarinas.

Voltei a me alongar e respirei fundo quando fechei os olhos. Eu entendo perfeitamente como ela estava se sentindo e torço de coração para que ela consiga superar esse sentimento de se sentir inferior e inútil.

ㅡ Minha linda... ㅡ Abri os olhos quando ouvi a voz de Trevor. Ele estava usando o figurino da sua turma, mas eu já tinha visto alguns alunos dele e cada um estava com uma fantasia diferente, então acho que a tema da dele era uma coisa de fantasias. Ele estava vestido de bombeiro.

ㅡ Trevor, o que que é isso? ㅡ Ri do modo como ele veio correndo na minha direção vestido daquele jeito.

ㅡ To só na correria. ㅡ Ele se abaixou para me alcançar, já que eu estava sentada, e me deu um beijo rápido. ㅡ Boa sorte na sua apresentação. ㅡ Ouvi alguém chamar por ele e ele se afastou de mim com sua expressão de quem já estava esgotado. ㅡ Eu te amo! ㅡ Gritou correndo de costas e se virou para ir na direção do pessoal.

Ri dele e ouvi o professor da minha turma me chamar também. Tirei os meus fones e corri na direção. Ele reuniu os alunos, falou sobre o palco, a formação, o tempo, qual era o número da nossa dança e disse para nos divertirmos.

O festival começou e as turmas que se apresentariam estavam todas na parte de trás do palco, onde as pessoas que assistiam as danças não conseguiam nos ver. Estava sol naquele dia, mas não estava muito calor. Eu estava com calor, óbvio, estava ensaiando com a minha turma, mas o clima em si estava muito bom.

Ouviamos as músicas tocarem, as pessoas gritarem, os aplausos, mas não conseguiamos ver nada. Chegou a hora da apresentação do Trevor e a minha turma foi pra coxia e eu fiquei feliz porque poderia vê-lo dançar.

Começou com um hip-hop, vários raps e músicas com batidas fortes, mas aí começou a parte que ele veio trabalhando. Vários passos de danças de várias culturas diferentes, até teve o momento com batida e funk e uns passos de samba, representando o que ele aprendeu no Brasil.

Foi incrível vê-lo brilhando e se divertindo no palco. Os sorrisos que ele abria parecia que iam me fazer derreter ali na coxia.

A música terminou, os dançarinos saíram pelo outro lado e nós entramos. Paramos em nossas posições e eu olhei pro lado que a turma do Trevor tinha saído, todos já tinham ido para a parte de trás, mas ele estava ali, vestido de bombeiro e com um sorriso para mim.

Sorri de volta, fechei os olhos, contei e estalei os dedos. Quando percebi, a música começou a tocar.

( Narrado por Trevor )

Eu não sei o que as pessoas sentem quando me vêem dançando num palco. Nem ao menos sei o que a Sophia sente quando me vê dançando num palco. Mas... Posso dizer que sinto o maior orgulho quando vejo ela dançando em cima de um palco.

É incrível como ela é talentosa e como consegue deixar isso claro em tão pouco tempo. Ela mal começou a dançar e eu já estava admirado.

Não tinha como pra mim... Eu era muito apaixonado nela.

Pelo meu olhar, só faltava tocar a música That's my girl.

Quando a música terminou e as pessoas aplaudiram e gritaram, ela correu junto dos demais alunos na direção que eu estava. Dei espaço para eles passarem e abri os braços em tempo dela pular em mim num abraço apertado.

ㅡ Eu fiquei com medo. ㅡ Ela sussurrou no meu ouvido e eu me afastei um pouco para olha-la.

ㅡ De que? ㅡ Ajeitei os fios desalinhados do seu cabelo.

ㅡ De cair do palco de novo. A última que vez que subi num... Não deu muito certo. ㅡ Ela riu e olhou nos meus olhos. ㅡ Mas, aí vi que tinha um bombeiro aqui na coxia e fiquei mais tranquila. Ele provavelmente me salvaria se algo acontecesse. ㅡ Ri de suas palavras e lhe beijei.

Segurei sua cintura, puxei seu corpo para mim e tentei demonstrar todo meu orgulho e minha felicidade em tê-la, naquele beijo.

ㅡ Eu te amo. ㅡ Sussurrei.

ㅡ Eu te amo. ㅡ Ela sorriu para mim e nós nos assustamos quando uma música começou a tocar e outra turma começou a se apresentar no palco. Corremos para sair da coxia enquanto riamos.

•••
Continua...

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