34_ O beijo
O domingo chegou e com ele a nossa volta para a cidade. Surpreendentemente, o dia amanheceu chovendo e frio, novamente. Pareceu até que a Íris tinha feito um feitiço para fazer sol nos dois dias que estávamos ali e depois o tempo podia voltar ao normal.
Nos despedimos dos avós do Patrick e entramos no carro. Eu e Trevor não conversamos desde ontem e eu não sabia se queria. Fui o caminho inteiro com o fone no ouvido ouvindo músicas tristes que não ajudariam em nada.
Voltamos para a cidade mais rápido do que percebi. A chuva ainda caía com insistência lá fora e eu comecei a tossir. Já tinha acordado com a garganta ruim e dei uns espirros a noite, mas agora parecia que eu realmente estava ficando gripada. Ótimo. Tudo o que eu precisava.
Tossi boa parte do caminho, o que fez eles logo perceberem que eu estava mal e me deixaram na minha casa primeiro.
ㅡ Toma remédio, amiga. ㅡ Íris disse após eu sair do carro. A chuva tinha dado uma amenizada, mas ainda estava chuviscando. ㅡ E descansa. Bebe bastante água.
ㅡ Ta bom. ㅡ Acenei para eles. Dei um último olhar a Trevor antes do carro partir e suspirei assim que me peguei sozinha na frente do portão da minha casa.
Entrei quando senti a chuva apertando e precisei correr pelo quintal para chegar à porta. Entrei em tempo de ouvir as gotas pesadas caindo lá fora. Encarei a minha casa sentindo a garganta doer, o nariz entupir e o coração em pedaços. Na verdade, parecia que um pedaço do meu coração já não estava mais comigo. Estava naquele carro indo para longe.
Me desencostei da porta após tranca-la e fui tomar um banho. Vesti um pijama mais quentinho e procurei por algum remédio. Não encontrei. Eu não ficava doente com frequência, então não costumava ter medicamentos em casa. Deveria ter, eu sei.
Subi para o meu quarto e me sentei na cama. A chuva ainda caía forte lá fora e molhava a minha janela. Tentei encomendar um remédio na farmácia, mas o motoboy não conseguiria trazer enquanto a chuva não melhorasse, então deixei para lá.
Me deitei na cama ainda com o celular em mãos e abri o vídeo da coreografia que fiz no sítio ontem. Assisti umas vinte e três vezes antes de decidir que o final poderia ser melhor e me levantei. Com meias de Van Gogh nos pés, me posicionei na frente do espelho e tentei melhorar o final da dança.
ㅡ Pan, pan, gira, pan, desce, braço... ㅡ Tentei coordenar meus passos, mas meu corpo estava pesado. Estava com os passos na cabeça, mas não conseguia reproduzi-los sem parecer que estava carregando um saco de cinco quilos de arroz em cada ombro. ㅡ Droga...
ㅡ Sophia! ㅡ Franzi as sobrancelhas quando ouvi alguém chamar por mim. O grito foi meio abafado por conta da chuva e, por isso, pensei ter sido coisa da minha cabeça. ㅡ Sophia! ㅡ Ouvi de novo. Era o Trevor??
Desci as escadas correndo, quase voando, e destranquei a porta da sala quando vi um reflexo no vidro redondo que tinha na minha porta cor de rosa. Não foi eu, ela já era desse tom rosa pastel quando aluguei.
A visão que tive quando abri a porta foi de um Trevor com as roupas respingadas pela chuva e um sorriso sem graça no rosto. Ele também tinha uma sacola de papel nos braços.
ㅡ Trevor, o que... O que faz aqui? ㅡ Dei espaço para que ele entrasse e fechei a porta para deter o vento gelado que entrava. Ele tirou o seu tênis e deixou a sacola sobre a minha mesa. Minha pequena mesa, comparada a da casa dele. Minha nossa, minha casa é minúscula, ele deve estar se sentindo numa gaiola.
ㅡ Te trouxe remédios. ㅡ Olhei para ele sem acreditar que ele tinha vindo até aqui na chuva só para me trazer remédios.
ㅡ Mas... Ta chovendo... ㅡ Abracei os meus próprios braços e lembrei que estava vestindo um pijama branco de coraçõezinhos.
ㅡ Eu sei. ㅡ Ele parou de sorrir. O seu " eu sei " pesou como: " eu sei que não devia, mas queria estar com você ". E eu sentia exatamente o mesmo...
Tentei respirar fundo, mas acabei tossindo umas cinco vezes. Me sentei no sofá e Trevor me trouxe uma garrafa d'água que tirou na sacola que trouxe.
Bebi um pouco da água e me joguei para trás, encostando as costas no sofá.
ㅡ Odeio ficar doente... ㅡ Espirrei.
ㅡ Toma... ㅡ Ele me estendeu um xarope vermelho. Fiz uma careta. ㅡ Você odeia ficar doente, certo? ㅡ Concordei com a cabeça e engoli de uma vez a dose do xarope que ele me deu.
ㅡ Arg... ㅡ Fiz uma careta e puxei novamente a garrafa d'água para beber e tentar tirar o gosto amargo.
ㅡ Eu também trouxe vitamina C e laranjas. ㅡ Ele se guardou o remédio de volta na sacola. ㅡ Só queria me certificar de que você fique bem logo. ㅡ O observei. Ele parecia tão desconfortável... ㅡ Acho... Acho que já vou. Assim você pode descansar.
ㅡ Espera! ㅡ Me levantei no instante em que ele caminhou na direção da porta. Me olhou. ㅡ Ainda está chovendo muito. ㅡ Tentei arrumar uma desculpa.
ㅡ Eu estou de carro. ㅡ Droga, Trevor!
Talvez o meu olhar parecesse até desesperado para ele, mas eu não estava me importando. O sentimento que eu tinha por ele estava doendo no peito só de pensar nele saindo por aquela porta.
ㅡ Só... ㅡ Abaixei o olhar. ㅡ Fica mais um pouco.
ㅡ Mas, eu... ㅡ O interrompi.
ㅡ Droga, Trevor, só fica aqui comigo. ㅡ Voltei a olha-lo nos olhos. Ele me encarou por uns segundos parecendo pensar seriamente no que fazer.
ㅡ Tudo bem. ㅡ Fechei os olhos em alívio e coloquei as mãos na cintura. Minha casa era pequena, bem pequena, mas parecia ainda mais agora. ㅡ O que você estava fazendo antes de eu chegar?
Ergui o dedo indicador e pedi para ele me seguir. Subi as escadas para ir ao meu quarto e ele veio atrás de mim. Tentei manter naturalidade e fingir que aquilo era totalmente comum para mim, mas vê-lo entrar no meu quarto me deixou meio receosa. Eu nunca levava ninguém ali para cima. Até a Íris eu acho que só subiu ali uma ou duas vezes.
Me sentei na cama para observa-lo. Ele subiu as escadas e olhou de um lado para o outro, percebendo que ali era o meu quarto. Seus olhos passaram por cada canto do cômodo, até pararem em mim.
ㅡ Eu estava ensaiando. ㅡ Apontei para o espelho que tinha na minha parede. Junto dele também tinha uma barra móvel de ballet.
ㅡ Ensaiando? Sophia, era pra você estar descansando. ㅡ Ele me repreendeu.
ㅡ Eu sei. Mas, estou com ideias e queria executa-las na dança pro vídeo. ㅡ Abaixei os ombros. Eu realmente odiava ficar doente.
ㅡ Eu posso te ajudar, se quiser. ㅡ Balancei a cabeça de imediato.
ㅡ Seria trapaça.
ㅡ Não. Você me diz suas ideias e eu reproduzo para você ver se dá certo. ㅡ Explicou. ㅡ Não vou criar os passos para você.
Pensei por uns segundos e acabei aceitando. Eu não estava com forças para tentar mesmo.
Fui falando os passos para ele e ele foi reproduzindo. Tentamos na música e percebi que estava mesmo dando certo.
ㅡ Passa o braço direito pra cima. ㅡ Expliquei. ㅡ Não, não, tenta pro outro lado. ㅡ Comecei a ficar com dificuldades para explicar o próximo passo, então me levantei e fui até ele. ㅡ Assim. ㅡ Peguei sua mão e guiei o seu braço para que ele fizesse o passo do jeito que imaginei.
Estava de costas para ele, virada para o espelho. Repeti o passo segurando sua mão e notei pelo espelho que ele estava olhando para mim.
Virei o rosto para olha-lo, mas fui pega de surpresa quando sua mão, que antes fazia o passo, soltou a minha e pegou na minha cintura. Trevor me virou para ele num ato cuidadoso. Ele uniu os nossos corpos passando o braço por minhas costas. Olhei em seus olhos sentindo o meu coração pulsar mais rápido que o normal e percebi que ele encarava a minha boca.
Minha pele se arrepiou. Meu coração acelerou. Minhas pernas pareciam que virariam gelatina. Borboletas começaram a dançar, correr, voar, pular dentro do meu estômago.
Trevor aproximou o seu rosto devagar. Aquilo estava acontecendo. A medida que os centímetros que nos separavam iam acabando, mas eu sentia que iria morrer ali mesmo.
Foi quando os lábios dele tocaram os meus. Eu não morri... Mas me senti tão viva que retribui o beijo sem nem pensar duas vezes.
•••
Continua...
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