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Capítulo III

Evelyn caminhava trôpega por entre as vielas que levavam ao palácio. Ela tinha consciência de que, àquela altura, já não poderia mais evitar a radiação, e consequentemente, as mortes. Mas talvez nem tudo estivesse perdido. O príncipe poderia ser sua única válvula de escape, o caminho para salvar o Natal.

Ela lembrava-se vagamente do menino da realeza, que fugia dos pais para brincar com os plebeus na rua, incluindo ela. Depois do evento, os dois nunca mais haviam falado, o príncipe se recolhera, escondendo-se do mundo.

Eve mais que ninguém entendia os motivos do príncipe − forçado a assumir a coroa precocemente −, assim como ela, ele também havia perdido os pais, mas por sorte, ou qualquer outro acaso, o rapaz não estava condenado como a garota. Ela sabia o que a dor era capaz de fazer às pessoas, algumas se tornavam mais fortes, outras nem tanto. Relembrar o Natal, ver as luzes, decorações e doces a feriam também, pois ela não tinha ninguém para a abraçar em frente ao calor da lareira. Mas ao mesmo tempo, o Natal trazia-a memórias doces de felicidade e ela sempre se tentava agarrar a elas para superar toda a mágoa.

De longe, podiam-se ver as luzes piscando, eram de todas as cores e tomavam conta da fachada do palácio. Eve já não se recordava do quão magnífico o edifício se tornava nestas alturas, recortado pelo branco imaculado da neve.

A viagem no tempo havia enfraquecido, ainda mais, a saúde débil da garota. As botas se afundavam na neve, e Evelyne quase não tinha forças para as levantar. Por vezes, parecia que desfaleceria, deixada sozinha no branco vazio que a cercava. Mas tinha as estrelas sob si, que iluminavam seus passos, e a lua cheia, que lhe dava forças para continuar.

Eve estacou junto ao majestoso portão, sustentado por pilares de puro marfim. Não foi surpreendida ao ver que não estava trancado, o reino era pacífico e a tecnologia era a grande chave da segurança do local. Ela abriu-o cuidadosamente, e foi arrebatada por um jardim que parecia encantado. Enormes árvores, com o verde e inúmeros pontos de luz a romperem entre o branco da neve, estavam postas lado a lado por todo o caminho, até à entrada da morada real. Um ruído metálico despertou a garota do transe em que se encontrava. Ela encostou-se ao tronco mais próximo, ao perceber que uma câmera se voltava na sua direção. Avançar já não seria possível, devido aos vários lasers de movimento acionados por todo o jardim.

A música "Hallelujah" propagou-se no ar. As vozes eram melodiosas e a garota sabia que era o coral que cantava na capela do palácio. Aquilo bastou para ela respirar mais tranquilamente, seu coração voltando a adquirir um ritmo mais regular.

Eve olhou para baixo, encarando os arbustos rasteiros junto aos seus pés. O alívio tomou-a ao recordar-se do que Landon lhe havia confidenciado sobre suas escapadelas clandestinas. A menina loura sempre ficava embevecida ouvindo as aventuras do príncipe no palácio.

Tateando às cegas, por entre a grande fileira de arbustos, a jovem, finalmente, encontrou um velho alçapão. A passagem era bem estreita, mas a estatura esguia da moça permitiu-lhe avançar, rastejando pouco-a-pouco. A sua respiração, naquele buraco escuro, tornou-se bem mais pesada e ela teve de parar, algumas vezes, para recuperar o fôlego. O esforço que investia estava a ser demasiado para sua débil saúde. Mas sua determinação era tão grande que ela não se deixaria intimidar por um simples obstáculo como aquele.

De um momento para o outro, Evelyn encontrou uma superfície dura à sua frente. Reunindo todas as suas forças, ela empurrou-a com os antebraços. Ainda que esta tenha começado a ceder um pouco, não se abria mais do que uma pequena fresta. A luz entrava por um mísero segundo, mas o túnel se entregava sempre à escuridão implacável. O oxigênio faltava-lhe cada vez mais e os olhos batalhavam para se manterem abertos.

− Eu... não... posso... desistir... − pronunciou Eve, com dificuldade, entre investidas sobre a superfície teimosa à sua frente.


O pequeno Landon estranhou quando começou a ouvir a estante do quarto estremecer, quase ininterruptamente. "Estará um animal dentro da passagem secreta?", pensou. Poderia ser uma ameaça, mas Landon nunca havia sido capaz de controlar a sua curiosidade. Ao carregar no pequeno botão camuflado entre os livros, a estante deslizou pela parede vazia.

O rapaz manteve os olhos abertos bem atentos, porém, não se sentiu corajoso o suficiente para se aproximar. Ali, ficava mais perto da porta, caso fosse necessário fugir.

A saliência, que se mesclava com o tom branco da parede, levantou-se. Landon sobressaltou-se ao ver o corpo de uma mulher cair no chão de seu quarto. Vendo que ela não se movia, a criança aproximou-se e notou a palidez da jovem. Os curtos cabelos loiros se colavam, húmidos, à testa. Com cuidado, ele colocou a diminuta mão sobre a face da desconhecida e comprovou suas suspeitas. A mulher estava doente, ardendo em febre.

Ainda que o correto fosse avisar os pais ou algum dos criados, ele sabia que não era isso que a moça haveria de querer. Se tal fosse o caso, nunca teria entrado de forma clandestina. Além do mais, ela não lhe parecia perigosa. Era apenas uma pessoa que precisava de cuidados.

Movido pela compaixão, Landon tratou de acomodar a jovem e de lhe tentar baixar a febre.


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