C i n c o
Clare
_Parada, erga as mãos e saia daí lentamente!
Meu coração se agita ao ouvir a voz bruta e ameaçadora, uma luz forte está dificultando a minha visão, ah meu Deus, pisco tentando não me mover demais ao me erguer e me lembro de manter as mãos erguidas também. Engulo em seco saindo detrás do meu esconderijo na faixada do banco, fui pega, que vergonha.
_Me desculpe. — Tento não parecer uma ameaça e ao enfim estar no chão o homem que percebo agora ser um segurança aponta uma arma para mim e uma lanterna. — Eu sinto muito, não vai mais acontecer.
_Uma menina?! Você é só uma menina? — Menina?! Eu sou uma mulher, senhor. Ignoro a falta de respeito e ele desliga a luz potente e agora me analisa de cima a baixo franzindo o cenho, está sozinho e é um homem alto e magro com um bigode engraçado. Pisco e aguardo uma reação sua além de surpresa e confusão. — Moça, o que faz aqui? Este lugar não é para abrigar sem-tetos, vá embora.
_Sim, me perdoe. Estou indo e não voltarei. — Baixo as mãos e sinto meu coração acalmando quando ele guarda seu instrumento de trabalho e me encara com curiosidade.
_O que a vida fez para uma garota como você vir parar nessa situação? — Uma garota como eu? O que ele quer dizer? Me contenho a perguntar, dou passos para trás e ele suspira apontando para a rua. — Garotinha, seja lá o que tenha acontecido volte para casa e se não puder, se você ir direto aqui e dobrar à esquerda vai encontrar um abrigo, eles cuidam bem de pessoas em situação de rua, tem comida e é seguro, não faz bem uma moça como você estar nas ruas.
_Ah, grata pela orientação. No entanto, me custa perguntar o que quer dizer com a expressão "uma moça como você"? — Não entendo por que as pessoas dizem isso para mim, sou tão esquisita a ponto de causar esse mal-estar, por falta de palavra melhor? O homem que agora está na entrada envidraçada da agência sorrir e nega.
_Você fala bem para uma garota de rua, com certeza sabe que isso significa que você é uma moça bonita demais, na verdade nunca vi ninguém tão diferente e bonita antes e você está mal cuidada, o que é mais estranho. É uma beleza natural e pessoas más destroem pessoinhas lindas como você. Fique longe das ruas, para o seu próprio bem. Vá para o abrigo, é o meu conselho.
Meu rosto esquenta com suas palavras sérias e cortantes, ele aponta e entra no banco me deixando para trás ainda estática com a situação, olho para o meu esconderijo atrás da cerca-viva, suspiro assentindo. Durmo aqui a quatro dias e ainda não havia sigo pega, era questão de tempo de qualquer forma, um abrigo... como o que eu sai? Não é o que desejo, mas não acho que seja igual ao lugar de onde vim, a madrugada está mais fria e as ruas pouco movimentadas, talvez seja a única opção, há comida, isso deve ser mais do que o bastante para me convencer e eu preciso desesperadamente de um banho. Sigo em direção a sua indicação e chego ao local calmo e muito diferente do que imaginei. É grande, como tudo aqui nessa cidade, iluminado e... acolhedor. Pela janela vejo algumas pessoas distribuídas em colchonetes em um piso limpo e amplo a meia luz, parece quentinho. Passo pelas portas de vidro altas, há uma recepção e cerca de três pessoas com uniformes azul-escuro estão em uma balcão e ao me verem levantam e sorriem amigavelmente.
_Boa noite! Seja bem-vinda ao centro de acolhimento Sobreviver, em que podemos ajudar? — Sobreviver. A comicidade da situação me enerva e me acalma, há esperanças afinal. A senhora baixinha deseja, paro a uma distância segura e me preparo para uma conversa decente e as pessoas estão olhando para mim e parecem de dar conta da cor dos meus olhos pois os seus se abrem e piscam rapidamente. — Uau, que moça mais linda. Não tenha medo, querida.
_Boa noite, me disseram que há comida e que oferecem abrigo seguro, mas veja, não possuo nada de valor, porém preciso de ajuda nesse momento. — Dizer a última frase mexe ligeiramente com as minhas emoções, sim, eu preciso de ajuda. Preciso de ajuda. Espero uma rejeição e como não vem e eles me fitam com confusão continuo. — Não tenho uma casa, nem bens materiais ou ainda um trabalho, se me disserem o que fazer para que me deixem fica farei.
_Ah... está tudo bem, tudo bem. Qual o seu nome? — Uma outra mulher, mais jovem e com uma aparência bem cuidada pergunta com hesitação.
_Eu sou Clare. — É tudo o que digo, elas assentem e o rapaz na ponta me trás algo embalado em um pacote, me afasto lentamente, ele sorrir e aperta o pacote me fitando nos olhos.
_Clare, não tenha medo, é apenas um kit higiene. Não precisa pagar nada, não se preocupe, somos uma instituição sem fins lucrativos e ajudamos quem precisa. Vamos precisar de algumas informações suas somente e você poderá tomar banho, comer e descansar. — Ah, adorável. O alívio e a desconfiança duelam e no entanto estou farta de estar em alerta constante. Concordo assentindo e pego o pacote com calma. — Você é muito cautelosa, não posso imaginar por tudo o que já tenha passado, mas não precisa ter medo de nós, enquanto estiver aqui será bem tratada.
_Assevera? Fico muito grata, obrigada.
Não sorrio, não consigo ser expressiva ainda, talvez em outro momento ou em outra situação, ainda é difícil para mim não ser impassível, são anos de repreensão para deixar para trás, ele engole secamente e assente. Forneço as informações necessárias, nada além de dados pessoais, documentação e análise de antecedência criminal, passo pela triagem e acho tudo muito eficiente e humano. Impactada com a gentileza observo o local e há áreas de segregação por sexo, quase desmaio de alívio ao poder tomar um banho decente e por estar tarde da noite não há ninguém perambulando pelo ambiente, me fornecem água, comida quente e um colchonete! Ah meu Deus, eu tenho um colchonete só para mim em uma espacinho mais afastado próximo a uma enorme janela. Entre esses acontecimentos, ainda inacreditáveis, ouvi os voluntários cochichando sobre mim e outra a expressão "uma moça como essa" sobressai na conversa e a descrição da cor dos meus olhos, é claro. Sempre caótica, Clare. Havia uma pequena lavanderia na área interna do banheiro onde a roupa seca logo após ser lavada e pude me confortar em usar algo meu, aproveitei e lavei todas de uma vez e agora que posso deitar a cabeça sobre o meu próprio colchão aperto a mochila entre os braços e o silencia é reconfortante e o calor bem-vindo.
Ah Deus, obrigada. Obrigada. Não sabia que existiam lugares como esse, que pessoas boas, olho ao redor, há muitas mulheres deitadas e enroladas na manda oferecida, toco a minha, quase posso sorrir de tão feliz por estar com o estômago satisfeito e aquecida aqui dentro. Os voluntários me explicaram como funciona a dinâmica do lugar e que há horários para todas as tarefas do dia a dia, o café começa a ser servido às cinco e eles dão quatro refeições por dia! Posso ficar pelo tempo que achar necessário, mas há uma reorganização a cada três dias, posso sair e voltar a noite, há atividades ocupacionais todas as tardes e o núcleo de reintegração ajuda a grade parte a se manter em um emprego e abrir espaço para novos necessitados. Engulo a vontade de chorar por estar recebendo um pouco de calor humano e empatia, o mundo é sim um lugar bonito e há pessoas boas também. Suspiro pedindo a Deus que cuide do meu filho e da minha irmãzinha, que Aurora esteja bem e que eu consiga voltar para buscá-los. Não posso ir atrás de Cici por ser óbvio demais para aquela mulher ir atrás de mim, por enquanto irei fazer tudo o que estiver ao meu alcance para estar bem e me recuperar para enfim tê-los de volta. Com as esperanças mais renovadas do que nunca sinto o sono chegar e a imagem nítida do meu bebê em minha mente aquece meu coração, eu voltarei querido, a mamãe volta logo. Me certifico de ser grata, nem tudo estar perdido.
* * *
É incrível o quanto podemos ser resilientes, os dias tem se arrastado e semanas se transformaram em meses, o que brilhava e se mostrava promissor só se provou ainda mais doloroso, o tempo, o ano findou e eu ainda estou neste lugar, sem perspectivas de quando irei sair. Minhas tentativas de trabalho são escassas e muitas infrutíferas, a maior parte dos trabalhos disponíveis requer uma personalidade totalmente diferente da que possuo. Consegui fazer diárias em locais de venda, porém apenas durante as festas de fim de ano e mais nada, como se tudo já não estivesse caminhando mal há a sensação inquietante e assustadora de que estou sendo observada e perseguida, ultimamente tenho tido pesadelos recorrentes e violentos, a ansiedade está me dominando novamente e tudo está se amontoando a ponto de me sufocar e me paralisar. Não consigo sair, a aproximação da data do meu aniversário deve ser o motivo, sonho que sou encontrada, dizimada e reduzia a nada. Não sei o que fazer, a saudades do meu filho aumenta inexoravelmente e tudo o que mais desejo é me ver livre de aflições. No entanto não posso, está impossível, o meu fim de ano foi bárbaro, à espera pelo o que sempre recebia nas festas graças aquela mulher demoníaca ainda está grudado em meu corpo e cérebro como uma memória inextinguível e eterna, meu corpo vibra na espera de vê-la me machucando e sofro alucinações de um passado insolente, cada data comemorativa tem um peso cruel em minha mente e amanhã é o dia em que faço vinte e um anos, posso sentir a pressão emocional que é viver a espera do pior sempre.
Por enquanto o que me mantém distraída são os meus novos amigos, senhor Guilherme e a madame L'estet, pessoas gentis e boas que conheci aqui no centro de acolhimento durante esses meses. Minha aproximação com a madame foi demorada e desconfiada, por sorte ela já mantinha uma amizade com o senhor Guilherme a quem me apresentou mais tarde. Ele é um senhorzinho magricela e careca, um exímio contador de histórias, ele é muito gentil e cavalheiro, apesar de não saber de onde veio o senhor Guilherme mantém um sorriso cordial no rosto e uma personalidade agradável. Quanto a madame, é uma senhora fofa, com bochechas muito coradas e olhos brilhantes, vinda da França, de interior de Bourgogne, ela teve o infortúnio de passar por uma situação adversa aqui após descer de um cruzeiro e ser vítima de um assalto a dez anos, após muitas tentativas de voltar ao seu país e sem a ajuda necessária ela se viu vagando de um lugar a outro até vir parar aqui sem esperanças de um dia voltar a ser professora. Ensinar é a sua paixão, então ela está me ensinando sua língua nativa em nossas muitas horas vagas, não tive dificuldades de aprender e quando consegui conversar com ela fluentemente ganhei um aperto forte nas bochechas é um sorriso largo e orgulhoso.
_Orra querrida chérrie! Que mademoiselle mais encantadorra. Oui, élégante é você. Aprrende mui rápido. Mui rápido.
A vida é mesmo confusa, não supôs que aprenderia uma língua estrangeira em um centro de acolhimento para sem-tetos, seguimos cuidando uns dos outros, a cada dia vejo o quanto são bons amigos e que mereciam mais do que uma vida de impossibilidades, eles me dão apoio sob qualquer circunstância, me elogiam e dizem que tenho muito potencial para alcançar grandes coisas, queria tanto contar a eles que não quero grandes coisas, quero apenas ter Ryan de volta para mim. É o desejo do meu coração, o meu único desejo. Prometo a mim mesma que se um dia Deus os ouvir e eu for capaz de chegar a um novo estágio da vida onde posso oferecer ajuda eles serão as pessoas que me lembrarei, pessoas com quem tenho uma dívida de gratidão por serem bons comigo quando o restante do mundo é indiferente. Guilherme diz para mim quando me vê sentada debaixo de enorme árvore do pátio que tudo é apenas um momento, que estou em um momento difícil mas logo tudo vai melhorar, gastaria de poder acreditar nisso, porém a cada dia tudo fica ainda pior e vejo a minha chance escorrendo entre os meus dedos. Seja como for eu não posso parar, há muito o que fazer.
Suspiro voltando a mim, os sons externos voltam de uma vez e meus olhos percorrem o salão movimentado, hoje é a festa de arrecadação de alimentos e doações aqui no centro, há muitas pessoas visitando o lugar, pessoas privilegiadas, essas pessoas pousam para as fotos e sorriem enquanto abraçam um ou outro interno, há muita comida e música alta, meus amigos e eu mantemos a discrição ao ficar em um canto afastado da mesa coletiva enquanto os demais circulam pelo ambiente.
_... e eu acredito que ele não era um homem de honória. — Sorrio mentalmente com a palavra que Guilherme diz de forma errada e inarticulada, honra. — Vocês sabem como a honória é importante na vida de um homem, esses garotos de hoje em dia não sabe nada disso, garanto e carimbo.
_Ah, oui... oui.
Ao menos a madame consegue se comunicar com ele sem problemas, fito os dois com carinho, são tão queridos. Remexo os pãezinhos do prato, a fome me abandonou e tudo o que penso e faço fica suspenso no ar como um grito sufocado, queria poder rir e gargalhar, contar piadas e agir como uma pessoa normal. Mas uma nuvem cinza e pesada cobre a minha cabeça e tudo o que vejo são trevas, problemas sem solução e preocupações que não cessam. Participo de partes da conversa confusa e repleta de resmungos quando sinto alguém passar atrás de mim, um arrepio reverbera pela minha espinha e como em uma peça mal ensaiada sinto algo frio e metálico ser pressionado contra o meu pescoço de repente, pisco para ter certeza do que está acontecendo rápido demais.
_É você, você é a escolhida. Eu preciso fazer isso, eu preciso que tudo seja perfeito. Muito bem. — Perdão, o que disse? Eu sou a escolhida? Ofego sendo puxada para cima e a lâmina em meu pescoço afunda na pele, ah não. Fecho os olhos sem crer no que está acontecendo, meu Deus, de tudo o que poderia me escolher porquê isso?! Uma onda de incredulidade e revolta cresce em meu peito porém não esboço reação. Um grito agudo e alto me assusta, o silêncio se faz presente e abro os olhos para ter ver muitos pares de olhos em mim e no homem desequilibrado as minhas costas, ele está tremendo e eu ruborizando, incrível e adorável como sempre, Clare. — Ouçam bem todos você! Eu vou concluir meu chamado aqui neste lugar imundo, em nome de Sirtus, senhor dos fortes e corajosos eu me sacrifico e sacrifico essa menina que não tem culpa alguma, seremos mártires e assim aceitos no novo plano celestial.
Agora sim estou com vontade de rir copiosamente, a arma em meu pescoço abre caminho na pele, havia tanto tempo desde a última vez que alguém me cortou, senhor. Como uma brincadeira de mal gosto e de profunda infâmia vejo as pessoas não nosso redor gritarem e se desesperarem com o homicida atrás de mim falando absurdidades, sinto o líquido quente escorrer, pela reação da plateia é o meu sangue. Meu corpo está frio e embora eu queira parecer uma vítima não tenho mais energia para lidar com o meu destino, seja como for espero apenas que seja rápido. Não importa aonde eu vá ou onde me esconda as maldições me encontram e além de me desgastarem ainda me humilham publicamente, odeio estar em evidência, uma morte espetacular? Não, não foi assim que imaginei um fim. Francamente.
_Calados! Vamos acabar logo com isso. Primeiro a garota. Assistam. — Sua voz está desesperada, porém resoluta, vamos mesmo, senhor? Suspiro lentamente porque ele está sendo um pouco covarde, anseio por questionar se não seria mais espetacular se ele fosse primeiro... de tudo o que mais me incomoda é saber que ele está cheirando a algo poluente.
_Senhor, tem mesmo que fazer isso? Por que não conversamos um pouco antes? Veja bem, essa será a nossa última conversa. — Tento adiar o inevitável, uso meu tom mais doce e baixo, para que apenas ele escute, as pessoas ao redor falam sem parar e há uma movimentação eufórica. Sou agarrada pelo cabelo, graças a Deus o mantenho sempre preso em um coque baixo e apertado, odeio que puxem meu cabelo, me sinto indefesa.
_Você não entende garota esquisita, sinto que devo fazer isso e farei logo, você tem uma aparência demoníaca, feita para seduzir como um meretriz, por isso escolhi você, é a encarnação de uma deusa pagã. — Ah meu Deus, seguro a vontade de revirar os olhos, ele está mesmo me insultando de forma tão aberta?! É claro, por que fui abrir a minha boca? Uma deusa pagã? É a deusa do azar e da maldição? Por que não creio nessas coisas, malfeitor idiota. Me preparo para dizer a ele a verdade quando uma mulher abre caminho em meio a pequena multidão, ela está olhando diretamente para mim e seus olhos são tão intensos que me paralisam.
_Vou te dar trinta segundos para soltar a garota e pôr as mãos atrás da cabeça. — A mulher alta e loira, usa calça jeans e blusa preta e é muito bonita, como a boneca famosa, porém a sua voz destoa completamente da aparência angelical, é autoritária e sem indícios de hesitação, percebo agora que ela está apontando uma arma para mim, ora, por que para mim?! — Agora, seu bastardo desequilibrado. Solte a garota imediatamente!
Me arrepio com o tom de ordem dito tão alto que o salão inteiro mergulha em um silêncio ensurdecedor, aguardo o que será feito com o sangue tão frio que sinto minha abrigar ter espasmos dolorosos e o aperto do homem no meu braço dói na mesma intensidade, mal respiro pois agora ele treme contra o meu pescoço, ah não, por favor me ajude, moça. Seja como for, apesar do meu horror a armas de qualquer natureza não me importo se uma for usada para salvar a minha vida e se ela a tem é porque pode. Sua postura é impecável e ela está usando salto altíssimos e parece muito ameaçadora, a expressão compenetrada e a sua mão não vacila nem por um segundo. Tudo o que consigo pensar é em um pedido simples: "Me salve, me deixe viver por mais um dia, me deixe ver o meu filho mais uma vez, me salve."
_Como ousa atrapalhar meu chamado?! Não adianta tentar, nós vamos morrer aqui hoje, pelo bem de todos. — No canto esquerdo do salão vejo pessoas segurando meus amigos que estão grunhindo para virem até mim, ah não, fiquem calmos, por favor! O bem de todos? Eu não morreria pelo bem de todos, me considero ligeiramente altruísta, de fato, no entanto a poucos pessoas nesse mundo por quem eu morreria. Fecho os olhos e a lâmina afunda um pouco mais, a frustração me atinge com força e apesar de tudo posso dizer que esperava mesmo sobreviver.
_Eu avisei e o seu tempo acabou, idiota. — A voz dela não passa de um murmúrio com facetas de cinismo e de repente um som estrondoso e alto ecoa no ambiente, me encolho crente de que morri, não sinto mais os braços do homem ao meu redor e nem a faca sobre o meu pescoço. Ouço gritos agudos e desesperados e um especialmente mais alto vem do meu lado, a curiosidade de ver como estou é maior do que o medo, abro os olhos e ainda estou de pé, mas o homem que está com uma máscara preta grita inconsolavelmente alto segurando o pé em uma bota, inclino a cabeça para o lado vendo a quantidade de sangue manchar o piso com uma uma pequena poça, isso é um tanto assustador. Engulo em seco piscando para me situar melhor, acho que estou viva, volto o olhar para a mulher e ela está muito calma e caminha na minha direção como uma modelo enquanto baixa a arma retirando algo do bolso da calça, uma algema, para mim?! Me escolho minimamente e tento respirar sem parecer nervosa como estou, sinto meus neurônios disparando furiosamente em meu cérebro.
_Ninguém mata ninguém se puder evitar, seu desgraçado. Da próxima eu não avisarei. — Ela se abaixa perto dele sorrindo maliciosamente e ergue as sobrancelhas, o homem rugi de dor e quase posso sorrir ao ver o pé dela sobre o dele apertando com satisfação, uau. Ela o algema e se ergue olhando para mim descaradamente, observo a mão estendida. Ela salvou a minha vida, a cumprimento. — Meu nome é Pérola Queew, delegada do 15° quadrante e da delegacia da mulher de repressão a feminicidios. Como você está?
_Eu sou Clare. — Encontro a minha voz e para a minha consternação não passa de um sussurro, ela aproxima o rosto de mim me fazendo abrir mais os olhos, os delas são azuis e brilham em reconhecimento, impossível, nunca a vi antes. — Obrigada delegada, a senhora salvou a minha vida, tem minha gratidão eterna.
_Eu já vi você em algum lugar, já nos conhecemos? — Seus olhos se estreitam perigosamente, tiro minha mão da sua pois ela aperta demais, nego lentamente e me afasto. — Você me parece muito familiar, venha comigo, deve prestar queixa e cuidar desse corte. Tudo bem para você, Clare?
_Sim senhora, posso ir. — Ela ainda me encara sem piscar, decido expressar meu desconforto franzindo o cenho, com um suspiro inquieto ela puxa um celular do bolso e liga para alguém, ela é alguém de muita autoridade pois comanda com uma graça natural e muita determinação, o caos está se desfazendo a medida que ela esclarece a situação a alguns policiais que chegam ao local.
_Nós vamos agora, me siga.
É claro, não há como não obedecer a ordem imperativa, ela não deve ser alguém acostumada a fazer pedidos, é alguém acostumada a dar ordens, entro em seu carro após dizer aos meus amigos que estava bem e que tudo ficaria bem, a madame estava a ponto de desmaiar e o senhor Guilherme muito preocupado falava sem parar. Seguimos para uma delegacia, certamente esse não era o dia que eu esperava ter, se há mesmo uma luz no fim do túnel todas as vezes que tento chegar perto acontece um apagão, é a minha única conclusão, sinto que sou infinitamente amaldiçoada, por sorte desta vez não foi o fim, graças a moça que me enche de perguntas, perguntas muito incisivas e até mesmo um pouco invasivas e sem conexão clara com o atentado, deixei passar, de toda a forma ela parecia muito curiosa com a minha pessoa. Todos ficam curiosos quando me veem, isso para dizer o mínimo, estou sendo atraindo atenção indesejada, as decepções vem aos montes, principalmente as que são destinadas a mim mesma. Mais um dia Clare, seja grata, você vai viver por mais um dia, não obstante sobreviver é a palavra correta para o meu caso sem solução.
Sou examinada, tratada e me fazem um curativo, a enfermeira fez questão de enfatizar a minha aparência cadavérica, de pelos insuportável, de uma forma muito gentil e me disse para ir ao médico, apenas agradeci e me lembrei de Cecília dizendo que um médico poderia me ajudar, impossível, não há médico no mundo capaz de curar a minha doença. A delegada me entregou uma cartão de vistas e me disse que se algo acontecesse não deveria hesitar em entrar em contato, também agradeci e voltei para o abrigo seguindo nas ruas de cabeça baixa e o coração batendo em descompasso graças a sensação de estar sendo seguida, seja paranoia ou ansiedade me angustia que esteja me sentindo assim, o medo é real e latente, só espero que nenhum dos meu pesadelos se torne real.
* * *
A madrugada se estende e as horas não passam, o pior dia da minha vida, o dia em que nasci, está demorando demais para passar, encaro os ponteiros do relógio se sobrepondo e parecem nunca sair do três, pelo amor de Deus, isso é demais para mim. Encaro o salão quieto e silencioso, todas dormindo e eu tendo uma ataque de pânico, à espera está me deixando louca, algo vai acontecer? Estou sendo pessimista demais? Anos em alerta e me sinto tão idiota e destruída por estar longe e ainda assim o poder daquela mulher ainda paira sobre mim, me atormentando e me fazendo sofrer, não contei a ninguém sobre a data além dos voluntários a nível de informação para preencher minha ficha, porém não acho que serão capazes de me atacar de repente sem motivo algum, dizer isso a minha mente está sendo uma tarefa muito difícil, inspiro e expiro lentamente e sinto os meus batimentos diminuindo de forma gradual.
_Está tudo bem... ela não pode te machucar aqui. Está tudo bem, Clare.
Sussurro para mim mesma voltando a me deitar, enrolo o corpo na coberta e sinto um frio que não existe, o frio que adentra os ossos e me faz tremer, o frio psicológico do terror que foi viver por tanto tempo naquele lugar. Está tudo bem, tento relaxar e descansar um pouco, minhas noites tem sido insones graças aos pesadelos que ando tendo inadvertidamente, é o efeito da prisão mental na qual estou, sempre com a sensação de estar sendo observada, de estar sendo perseguida, o medo de ser encontrada e a agonia de estar no dia exato em que tudo acontece. Exercito a respiração e fecho os olhos, assim que o faço ouço um barulho. Me sento rapidamente com o corpo e a mente em alertar, o que foi isso? Meu coração dispara e atinge um estado doloroso de batidas rápidas, que som é esse? Me atento para ouvir melhor, olho para a janela, me arrepio involuntariamente, ninguém além de mim parece estar ouvindo, mas tenho certeza que a algo sendo lançado contra o vidro da janela.
É um som fraco, baixo, no entanto hoje esse som está sendo capaz de aterrorizar até a minha alma, contra tudo que estou sentindo eu tenho que ver quem é. Preciso saber se isso tem algo a ver comigo, levanto ignorando os disparos de alerta que meu corpo produz em grande quantidade, meu corpo parece pesar toneladas nesse momento. Aproximo-me lentamente da janela com as pernas trêmulas e as mãos em punhos, respiro fundo e tenho certeza absoluta agora que o barulho vem daqui, a janela dar para o pátio externo do átrio esquerdo do centro, onde fica a área garden. São pedrinhas... pisco confusa e toco o vidro com a ponta do dedo, me assusto com outra pedra batendo nele, engolindo meu desespero e olho para fora devagar, a primeira vista há apenas a enorme árvore balançando com a força do vento, está parcialmente escuro e a noite está silenciosa demais. Meus olhos captam o movimento anormal atrás do tronco grosso, uma pessoa...
O ar me falta ao ver a pessoa apontar para mim como se fosse uma entidade, trajando preto dos pés a cabeça, engulo em seco apavorada demais para fazer outra coisa além de correr de volta para o meu colchonete e me cobrir completamente sentindo as lágrimas molharem tudo com uma profusão alucinante, estou chorando silenciosamente agarrada a minha mochila, quem é?! Quem é que está fazendo isso comigo?! Por que? Por que?! Me deixe em paz! Me deixe em paz... por favor. O som ainda se faz ouvir, agora com mais velocidade, tremo cansada demais para enfrentar meus medos, eu não consigo mais lidar com isso, quem pode estar fazendo uma coisa dessas?! Por que me torturar desse jeito? Choro despedaçada, quando terei paz? Quando eu vou poder viver realmente? Ah Deus, faça isso parar, por favor! Por favor. Pare! Pare! Não aguento mais! Pare... Por favor...
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Olá queridas, gostando?
Lembrando que essa é a versão final do meu livro, os capítulos estão sendo repostados após terem passado por uma edição. Spoiler! Os dias de sofrimento da nossa heroína estão chegando ao fim, aguentem firme e verão nosso vilão em ação, Max. O que estão achando?
Contem para mim.
Votem e comentem.
Bjjsss e continua...
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