25 - Despedidas (parte 2)
Se algum dia eu pensei ter sofrido e chorado muito mais do que fosse capaz de aguentar estive errada ao ponto de jamais imaginar que poderia passar por momentos tão difíceis quanto os que estavam ocorrendo depois de perder o homem que amei desde meus primeiros anos, por toda a vida e estar correndo o risco de perder aquele a quem mais amava no presente e amaria até meu último suspiro.
Porém ao recobrar os sentidos e estar a par de todos os fatos ocorridos durante meu cativeiro eu desejei ter permanecido para sempre sem ver, ouvir ou sentir toda a avalanche de sensações que existia dentro de mim. Meu pai morto, ele nem chegou a ser atendido, morreu a caminho do hospital. Louis estava gravemente ferido, em estado crítico e eu continuava respirando, porque não me considerava de modo algum viva de verdade. Eu apenas existia. Não estava mais vivendo, apenas existindo...
O pior de tudo, surgiu como a cereja do bolo quando dias depois eu me descobri grávida. Isso mesmo, eu estava carregando um ser vivo no meu corpo que despertava em mim toda uma gama de sentimentos ambíguos. Em alguns momentos pensava que este poderia ser o fruto do meu amor com Louis, motivo de muita comemoração e felicidade...
Em outras ocasiões pensava que esta seria a razão da minha maior desgraça e o grande desgosto e motivo para o afastamento definitivo do meu amor. Eu passava todos os dias nesse impasse.
Mesmo tendo consciência de que essa criança não tinha culpa nenhuma, eu não conseguia conciliar todas essas dúvidas e aflições.
Fora eu e meu pai, Louis era o único que sabia realmente o que aconteceu comigo. Eu não aguentei contar para ninguém, nem mesmo para minha irmã. No início
foi por estar em estado de choque, nas primeiras semanas eu não fazia ideia da gravidez. Depois quando tive a confirmação eu não pude falar, não quis admitir para mim mesma. E agora, devido a incerteza tanto da paternidade como da recuperação de meu marido eu não poderia lidar com tamanho peso que todos os fatos me causavam.
Eu sei que minha família me apoiaria, mas não me sentia pronta para ser alvo de críticas e julgamentos mais uma vez por parte de outras pessoas que sequer sabiam o que realmente se passou entre as paredes daquele quarto no período em que fui prisioneira...
Já passei por isso uma vez e não poderia suportar novamente... Eu não tencioninha intenção de enganar a ninguém, eu preferiria lidar com isso do meu jeito, gostaria de sofrer sozinha sem ter a intervenção alheia...
Me apegando às mínimas probabilidades de Louis ser o pai do bebê, ainda que isto representasse uma chance em um milhão...
Eu revivia cada minuto das cenas que tinham ocorrido, em pensamentos que sequer conseguia controlar ou em pesadelos nas raras vezes em que podia dormir. Eram lembranças vívidas dentre as quais eu parecia passar por tudo outra vez...
Meu primeiro momento de lucidez verdadeira foi no pronto socorro depois dos exames superficiais, eu não permiti que realizassem exames além dos básicos necessários. Foram feitos testes sanguíneos para identificar o tipo de droga que me fora administrada e seus possíveis efeitos colaterais imediatos ou retardatários.
À parte, eu pedi para uma amiga que trabalhava no laboratório do mesmo hospital que eu, que analisasse meu sangue para detectar a possibilidade de uma DST ou outra doença que pudesse ter contraído. Ela sugeriu um teste de gravidez, mesmo tentando descartar essa opção eu tive que aceitar, afinal se tratava de algo provável de acontecer. Pedi absoluto sigilo, não desejava que meu abuso se tornasse conhecido nem mesmo pelos membros restantes de minha família. Eles já estavam sofrendo demais pela perda do meu pai e pelas consequências das mortes de Márcia e Flávio.
Não contei nada sobre o que se passou enquanto estive presa. Na minha mente eu pensava que se eu não dissesse nada a ninguém, se as pessoas não soubessem o que houve seria como se não tivesse acontecido. Como se não fosse verdade... Eu sabia, sentia no mais profundo do meu ser, na minha alma que foi tudo real. As marcas nos meus pulsos, tornozelos e em outros lugares menos visíveis provavam isso, locais onde os outros não enxergariam. Onde apenas eu sabia o que sentia... Era uma dor intensa, incômoda e interna que deixaria para trás uma cicatriz impossível de ser ignorada, de ser esquecida. Algo que permaneceria comigo até o último dia da minha existência...
Minha mãe trouxe roupas limpas para eu me trocar porque me recusei a deixar o hospital enquanto Louis não tivesse acordado. Ao adentrar o banheiro e ver meu rosto refletindo no espelho eu senti todo o peso da realidade cair sobre mim. Eu estava toda ensanguentada, coberta com o sangue do meu pai e de Louis. Aquela imagem desencadeou uma nova crise de choro que me fazia tremer convulsivamente. Ao observar cada um dos hematomas no meu corpo eu via a imagem de alguém que não se parecia em nada com a pessoa que eu era, que eu fui...
Os primeiros dias foram quase insuportáveis, eu pensava que desabaria a cada minuto. Participar do velório e do enterro do meu herói, do homem que foi meu primeiro amor durante minha vida toda foi terrível. Ainda mais difícil foi olhar nos olhos dos meus irmãos e da minha mãe e sentir o peso da culpa esmagar meus ombros e ameaçar acabar comigo...
Todos me diziam que eu não era culpada, no entanto era exatamente assim que eu me sentia. Dizer adeus...como dizer isso a uma parte de mim, um pedaço do meu coração? Eu não podia, não era possível... Tive que fazê-lo, fui obrigada.
Quando baixaram o caixão na sepultura junto com ele foi enterrado uma porção de mim mesma, aquela que fora ensinada a andar de bicicleta, a jogar damas, baralho, entre outros jogos. A parte que aprendeu a soltar pipa, dirigir um carro bem o suficiente para tirar a habilitação... Coisas que ele e somente ele, me disseram e que valiam como se fossem leis para minha vida...
Ao sair do cemitério eu mal conseguia respirar, caminhava a passos lentos tentando me segurar ao máximo e não me desfazer em lágrimas que jorravam como cascatas.
As semanas seguintes passaram como se fossem flashes de luz e ao mesmo tempo numa lentidão agonizante. Eu passava os dias ao lado do leito hospitalar acompanhando Louis, cada movimento respiratório do peito dele, cada bip dos aparelhos conectados ao seu corpo.
O tiro que o acertou perfurou vários órgãos internos como fígado, intestino e baço. Devido a hemorragia ele entrou em estado de choque hipovolêmico ou hemorrágico. Mesmo que eu tivesse feito todo o possível para parar o sangramento eu não consegui. Talvez devido ao calibre da arma ou da distância que ele recebeu o disparo ou ainda alguma outra circunstância não explicada.
Depois de sofrer uma parada cardíaca e de eu conseguir reanimá-lo. Agora ele estava em coma induzido para ajudar na sua recuperação depois da cirurgia, que diga-se de passagem, foi uma odisseia para ser realizada.
O grande problema foi que quando eu pensei que sabia tudo sobre Louis acabei sendo surpreendida pela descoberta do tipo sanguíneo dele ser o mais raro que existe. Ele é portador do fator Rh nulo, chamado de “sangue dourado”, devido a sua pouca ocorrência e raridade.
Foi uma verdadeira maratona contra o tempo. Nas horas seguintes depois de quase desistirem de consultar os bancos de sangue dos principais hospitais e hemocentros das regiões mais próximas. Eu já estava acreditando que Louis não sobreviveria quando lembrei de meu querido sogro poderia ajudar. Ele estava resolvendo as coisas com as autoridades... Pedi a Mia que o contactasse, mas a decepção veio quando já no hospital ele revelou que não poderia ser o doador por ter sido infectado pela hepatite B.
Nossa única chance seria Mia que até então não sabia da verdade sobre o fato de sua mãe ter me sequestrado junto com Flávio e ser a causadora de toda a tragédia das nossas vidas. Ela só descobriu depois, no dia do enterro de Márcia quando minha mãe apareceu e revelou tudo... O fato é que graças a Deus, ela também tinha o mesmo tipo sanguíneo que o irmão e foi sua doadora, salvando a vida dele. Mesmo amando minha cunhada posso jurar que nunca fiquei tão feliz por ela estar junto comigo, mesmo que ela fosse um dos meus principais apoios nos últimos tempos. O fato de ela ter salvado a vida de Louis me fez quase idolatrá-la.
Passaram-se semanas e mais semanas...
Já faziam mais de dois meses e ele continuava em coma, agora minha barriga estava começando a aparecer e enquanto todos me diziam para ficar feliz por ter alguém a quem me apegar mesmo que o pai não sobreviva eu me desespero cada dia mais e me preparava para renascer ou deixar de vez essa vida conforme o desfecho desse meu drama.
Mia foi mais que uma irmã para mim, além de estar sempre comigo, me ajudando, ela cuidou de Isa e me amparou e fortaleceu a todo momento. Meus irmãos e minha mãe estavam sempre ao meu lado, mas eu me sentia culpada pela morte do meu pai e isso criava uma espécie de barreira entre nós. Pelo menos era dessa forma que eu pensava. Eu sentia que havia tirado papai deles. Ele poderia estar aqui conosco se não fosse por mim...
Três meses depois...
Louis ainda não acordou.
Os médicos tiraram a sedação e estavam aguardando sua resposta. Até então nada de novo ocorrera. Eu não iria desistir, mas estava sendo cada vez mais difícil, ainda mais por estar sofrendo com os enjôos, a fraqueza e os outros sintomas comuns na gravidez. Ver Louis todos os dias e estar com ele era o que me dava forças... Eu quase não saia do hospital, só mesmo quando Mia praticamente me obrigava e se oferecia pra passar a noite com o irmão. Nessas noites eu não conseguia dormir tranquila imaginando se ele iria acordar e eu não estaria do seu lado.
Recordava com frequência da promessa dele sobre estar ao meu lado quando decidíssemos ter nosso segundo filho. O choro constante era minha válvula de escape, antes de entrar no quarto para vê-lo, não queria ser mais um peso para ele além do fardo de ter que voltar a realidade.
O hábito de conversar com ele era automático, falava-lhe coisas do dia a dia, dos nossos planos futuros, sobre como Isa estava indo na escola. Porém não conseguia falar sobre a gravidez, alguma coisa me impedia de dizer. Talvez me sentisse responsável por isso, por esconder dele... ficava imaginando ele despertando e ficando decepcionado e me expulsando da vida dele para sempre. Eu não iria aguentar se isso realmente acontecesse.
Mais três semanas se passaram...
Pelos exames que fiz estava tudo bem com o bebê apesar de eu estar com uma anemia um pouco acentuada e da obstetra ter requisitado uma segunda ultrassom para confirmar sua suspeita da existência de um segundo feto. Tal notícia me fez ter um ataque de ansiedade que me deixou de cama por algumas horas na sala de observação. Quando me senti um pouco melhor segui meu caminho até Louis, eu precisava dele naquele momento, mais do que o oxigênio para continuar respirando.
Dessa vez não pude me conter. Entrei no quarto dele tão nervosa depois de ser liberada após tomar um soro vitaminado e um calmante leve e chorei compulsivamente. Lágrimas silenciosas junto a um choro abafado pelas declarações mais desconexas sobre uma gravidez não planejada, que contava com a existência de dois bebês fortes e saudáveis cuja mãe desconhecia a identidade do pai...
Foram minutos de descontrole que terminaram com um breve sono encostada na maca segurando a mão esquerda dele enquanto afagava seu anelar onde esteve localizada a aliança com nossos nomes gravados e ainda existia uma marca quase invisível da mesma. Esta fora retirada devido ao inchaço em seus dedos e para não causar nenhum risco de infecção por microorganismos durante o coma induzido.
Acordei sobressaltada com alguém tocando meus cabelos. Depois do susto mal pude acreditar no que meus olhos viam. Louis estava diante de mim desperto...
Eu não sabia se sorria, se chorava ou se o abraçava. Fiz tudo isso de uma vez só, enquanto o beijava por toda parte. Foram minutos preciosos nos quais apenas nós dois existimos naquele lugar cercado por quatro paredes claras.
Logo depois de conseguir me controlar um pouco eu olhei Louis decidida a revelar a ele sobre a gravidez. Porém foi desnecessário, ele já sabia.
De alguma forma ele sabia! A maneira como ele me olhou me fez ter certeza disso. Eu fiquei paralisada sem saber o que dizer ou como agir...
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Voilá!
Finalmente consegui terminar! Espero que gostem e aproveitem a leitura! Por favor, deixem seu voto e comentários!
Preciso dizer que estamos na reta final. Quero terminar essa história antes do fim da semana. Conto com a colaboração de todos.
Obrigada!
À bientôt!!!
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