25 - Despedidas
Assim como começou agora estava tudo terminando... De repente, não mais que de repente!!!
Quando acordei percebi que estava em local estranho. Através da porta os fundos do local eu podia ver uma claridade, imaginei que já fosse dia. Não era capaz de saber as horas ou quanto tempo havia ficado desacordada. Eu estava com as mãos e pés amarrados e deitada sobre uma superfície macia que depois identifiquei como sendo um colchão, coberto por um lençol simples.
O ambiente era limpo apesar de não possuir nenhum móvel além de uma cadeira de aparência antiga. A posição em que eu estava me causava um grande desconforto devido ao fato de estar amarrada.
Demorei alguns segundos para relembrar tudo que havia acontecido. Minha última lembrança foi o infeliz reencontro com Flávio e Márcia.
Ao lembrar das ameaças de ambos entrei em desespero imaginando o que eles poderiam ter feito com minha filha. Meu coração batia acelerado e tudo que eu queria era gritar o mais alto possível. Mas minha garganta estava ardendo e eu não conseguia articular nenhuma palavra, meu corpo estava dolorido e minha cabeça estava pesada como se eu tivesse bebido além da conta e agora sentisse os efeitos da ressaca.
Minha mente estava tumultuada com todas as possibilidades de ter acontecido algo grave com Isa. Como último esforço tentei me mover e sair do colchão, mas foi impossível com as mãos amarradas nas costas e os pés também imobilizados eu não consegui sair do lugar. Então fiz a única coisa que podia além de chorar.
Eu orei com toda a minha fé, convicção e confiança para Deus poupar a vida da minha filhinha. Minutos depois escutei a dupla malvada entrando no cômodo em que eu estava. Flávio não disse nada apenas Márcia se pronunciou.
- Então você acordou bela adormecida. Fico feliz por ver você desperta. Flávio vá vigiar a entrada do esconderijo. Preciso ter uma conversa franca com Allice. - Depois de ouvir as ordens ele saiu sem fazer nenhum comentário. Eu fiquei pasma, jamais imaginei que ele fosse tão obediente a alguém muito menos se essa pessoa fosse Márcia. Depois que ele saiu ela voltou a falar.
- Você deve estar se perguntando meus motivos para agir assim, não é verdade? - Com muito esforço por fim eu consegui falar.
- Eu quero saber o que você fez com minha filha e o que quer de mim?
- Ah, claro você como sempre é a boa moça, sonsa e dissimulada! Sempre tão boazinha, não é? - Depois de esperar por uma resposta que não não veio ela continuou.
- Não irá responder, eu já esperava por isso. Você acha que mantendo o silêncio conseguirá me fazer acreditar que não tem a intenção de tirar tudo que é meu, pelo que lutei durante anos. Está muito enganada! Eu vou lhe contar uma história...- Márcia parou por um segundo olhando para o horizonte com expressão distante logo depois sacudiu a cabeça para os lados como se pudesse espantar as lembranças. Então ela continuou falando.
- Trinta anos atrás eu fiz minha viagem dos sonhos. Visitei a Europa, passei seis meses lá fazendo um intercâmbio. Durante minha estadia eu conheci um rapaz lindo, romântico e rico. Nos apaixonamos e pretendíamos nos casar. Ele guardou segredo da família por receio de que fossem contrários ao casamento. Ao término do meu visto de estudante eu fui obrigada a voltar para o Brasil. Antes de meu retorno eu e ele combinamos de nos reencontrar logo que ele terminasse seus estudos. Mantivemos contato até o dia do nosso reencontro. Eu o apresentei a minha família e ficamos noivos. Meus pais foram contra o casamento alegando que seria um erro contrariar a vontade dos meus futuros sogros que também não concordavam com nossa união. Mesmo assim continuamos com os planos. Nesse intervalo de tempo, minha única e querida irmã retornou depois de anos morando fora do país. Com a chegada dela toda a atenção se voltou para ela e suas muitas conquistas, prêmios e realizações. Minha irmãzinha era muito estudiosa, inteligente e uma grande artista. Além de sua beleza e carisma que a faziam conquistar a todos com sua forma de agir e sua simpatia. Meses depois depois de seu retorno Michel terminou comigo e disse que não poderíamos nos casar por estar apaixonado por minha irmã. Eu não pude acreditar no que estava acontecendo, foi um choque muito grande. Ao conversar com minha irmã ela negou que tivesse acontecido algo entre eles e que torcia para nós resolvermos nossos problemas. Mas eu não acreditei nela!
Eu perdi o controle, a ataquei e a feri. Todos, inclusive minha irmã, me entenderam por considerarem meu ataque uma atitude desesperada causada pelos ciúmes. Assim,acabaram me perdoando com a condição que eu aceitasse passar por um tratamento psicológico numa clínica. Sem saída eu passei meses trancada naquele lugar horrível. Na ocasião eu descobri que esperava um bebê. E isso foi a única coisa que me fez sobreviver, mas decidi não contar a ninguém. Um dia Marisa foi me visitar e acabei contando a ela e a fiz prometer que caso acontecesse algo comigo cuidaria do meu bebê. Mesmo relutante ela acabou concordando. Eu posso ser bem convincente quando quero!
Quando eu saí e o bebê nasceu eu o entreguei a ela. Resolvi ficar fora por um tempo, ao retornar descobri que ela havia se casado com Michel e que eles criavam meu filho...- Aproveitando a pausa feita por ela e já cansada de permanecer em silêncio, não me contive e precisei perguntar.
- Esse bebê do qual você falou é Louis? - No fundo eu já sabia, mas precisava confirmar minha suspeita.
- Bingo! Você matou a charada! Espera ainda tem mais para você escutar. Com minha volta, eu tive a chance de me reaproximar de Michel com a desculpa de querer ver meu filho. Depois de dopar Michel eu fiz com que ele pensasse que estava grávida dele exigi que ele se divorciasse de Marisa para se casar comigo. Claro que ele se negou por não acreditar em mim. Acabei contando tudo para minha irmã que também não acreditou. Sem outra opção eu montei uma armadilha na qual Marisa nos flagrou juntos. Ela acabou não aguentando, pobrezinha! E ao dirigir descontrolada acabou perdendo a direção do carro e sofrendo um grave acidente de trânsito morrendo junto com o bebê que ela carregava.
Com o passar do tempo foi muito fácil fazer Michel se casar comigo, afinal tínhamos um filho para criar. Logo veio Mia que consolidou nossa união. E agora entende que não posso permitir que você acabe com minha família e tire tudo que é meu por direito?
Tudo fazia sentido! Eu precisava ter certeza se ela tinha algo a ver com minha separação de Louis. Por isso a questionei.
- Eu preciso saber se você teve participação no afastamento entre Louis e eu?
- Mas é óbvio que sim! Eu não poderia deixar que vocês ficassem juntos principalmente depois de descobrir sobre sua gravidez. Eu convenci Michel a procurá-la e lhe oferecer dinheiro. Eu ainda fiz mais umas coisinhas para os afastar. Mas no momento isso não importa. Estamos atrasadas e temos um compromisso inadiável. Venha! - Com isso ela me fez ficar de pé.
- Ah, desculpe havia me esquecido que você não consegue andar. Tudo bem não será preciso. Flávio, é a sua vez, faça bom proveito!
Ao sair ela fechou a porta logo depois de Flávio entrar.
Ele me olhava sério e silencioso. A cada passo dado por ele na minha direção me fazia sentir o pânico crescer dentro de mim. Ao me alcançar ele tocou meu rosto com uma das mãos e me fez uma promessa que eu não queria ouvir.
- Allice, ei preciso sentir você apenas uma vez então você ficará em paz para sempre livre de mim! - Eu não soube como reagir, fiquei ainda mais paralisada do que já estava.
- E minha filha, aonde vocês a levaram? Preciso vê-la, por favor, me diga se ela está bem?
- Se você se comportar direitinho comigo. Eu prometo que deixarei você e sua filha viverem. Basta você me deixar ter você. - Eu não sabia o que dizer. Eu era prisioneira dele e ainda assim ele pedia que eu o aceitasse. O nível de loucura de Flávio estava piorando bem rápido. - Se você colaborar eu não precisarei machucá-la! - Disse enquanto passava seus dedos pelos meus lábios de forma grosseria.
- Eu não posso, não consigo! - Sacudi a cabeça de um lado para o outro e as lágrimas eram quase tão abundantes quanto a dor e a angústia por não saber nada sobre Isa.
- Tudo bem eu levei isso em conta e vim preparado desta vez. -Ao dizer isso ele sacou uma injeção do seu bolso frontal e aplicou em mim.- Eu gostaria que você aproveitasse junto comigo, mas se prefere assim, você não sentirá nada.
Ele se afastou um pouco para descartar a seringa na lixeira próxima ao canto da porta do quarto. Se sentou calmo na cadeira a minha frente e esperou. Ele parecia que aguardar alguma coisa acontecer.
Alguns minutos depois eu entendi que ele esperava o tempo do remédio agir em meu organismo. Eu ainda estava usando o vestido da festa e o vi ser rasgado de cima a baixo pelas mãos dele com uma agilidade incômoda e inesperada.
Eu sentia uma raiva, pavor, agonia, culpa e arrependimento por tudo que estava acontecendo, mas de um modo entorpecido como se tivesse sob efeito anestésico, como se não fosse eu a viver aquela circunstância. Como se eu assistisse aquela cena do lado de fora do meu corpo e não tivesse como manifestar nenhuma atitude. Eu não conseguia reagir, nem mesmo mover qualquer parte do meu corpo. Só conseguia chorar e nada mais...
Cada toque dele na minha pele era como se abrisse uma ferida no local. Cada carícia, cada beijo era como se me matasse um pouco. Minha única reação era chorar e chorar, nada mais além disso. O estrago maior viria depois, mas eu ainda não sabia disso.
Quando ele finalmente me deixou, eu senti um frio insuportável. Como se estivesse sendo tocada por centenas oi milhares de cubos de gelo, como se tivesse mergulhado no meio de um lago congelante. Eu senti um peso tão grande na consciência, asco de mim mesma, uma dor que apesar de não ser física era como se me quebrasse inteira e sufocasse me deixando sem ar,como se não fosse capaz de viver... De imediato lembrei de minha filha e chorei ainda mais.
Eu me odiei infinitamente quando Flávio me olhou nos olhos e disse que se sentia realizado e que tinha válido a pena cada minuto de espera. E completou falando que eu não precisava me preocupar porque minha filha estava segura. Eu senti uma mistura de alívio e frustração. Não sabia se poderia acreditar nele ou não. Mas no momento não tinha outra possibilidade. Daí para frente a única coisa que eu desejava era me certificar que Isa estava bem e então eu poderia me libertar de uma vez por todas. Eu não suportaria viver com aquelas lembranças me atormentando. Todos os meus dias seriam como um inferno. Eu sabia que não seria capaz de superar o que tinha acontecido.
Era oficial, quando tivesse absoluta certeza do bem estar de Isa eu poderia entregar os pontos. Mas não naquele instante, eu ainda precisava resistir...
Eu me sentia tão exausta, eu chorei tanto que não sei como nem quando eu adormeci...
Embora não soubesse ainda quando eu acordei, estava usando outra roupa. Para minha surpresa era o vestido que eu tinha escolhido e que fora levado da loja. Isso me fez perceber que Flávio estava por trás do furto. Eu só não entendia qual seu intuito. Eu estava confusa e com o pensamento disperso.
Ao longe eu ouvia os sons abafados de vozes que me pareciam familiares. Não conseguia as identificar, mas sabia que as conhecia. Após muito esforço consegui me levantar e percebi que não estava mais amarrada. Não conseguia caminhar direito, meus movimentos se assemelhavam ao que as crianças pequenas fazem antes de aprender a andar. Eu estava engatinhando! Ironicamente isso me fez lembrar de Isa.
Chegando ao outro compartimento visualizei uma cena que minha mente nunca vai apagar. Estavam Flávio, Márcia, Louis e meu pai. Todos tensos em meio a uma forte discussão.
Eles gritavam uns com os outros. Não entendia como eles haviam me encontrado. Mas de alguma forma senti uma pontinha de esperança de que as coisas pudessem terminar bem. Ledo engano de minha parte. Nada terminaria bem.
- Allice é minha hoje ela provou que me ama e disse isso várias vezes enquanto a tinha entre meus braços! - Ouvir Flávio se gabar me causou ânsia de vômito.
- Isso é uma mentira deslavada. Minha filha odeia você, ela nunca deixaria que a tocasse em um fio de seu cabelo seu desgraçado!- Papai gritou indignado.
- Engano seu, ela me retribuiu muito bem e eu posso garantir que conheço cada pedacinho daquela pele lisinha e cheirosa. E que a fiz gemer como louca enquanto a possuía. - Dessa vez Louis não suportou escutar e partiu para cima do troglodita o acertando um soco, mas também sendo acertado e indo ao chão. Ele se levantou rápido e teria ido de encontro a Flávio outra vez se não fosse a intervenção de Márcia. Que falou absurdos a meu respeito e admitiu que me odiava e queria me ver morta.
A confusão estava armada e não havia como eu interferir. Ao olhar ao lado próximo do local onde me encontrava avistei um celular que deveria ter sido esquecido por alguma das pessoas ali às minhas costas. Pelas chamadas realizadas eu percebi que era de Márcia.
Eu o peguei e logo depois de verificar o sinal eu enviei uma mensagem para o número da única pessoa que eu sabia que agiria de forma rápida e discreta. Essa foi o único jeito que encontrei para avisar a polícia sem fazer alarde, pois caso eu fosse descoberta antes de terminar a ligação não conseguiria o socorro necessário.
Eu sabia que Mia reconheceria o número de sua mãe, mas não havia tempo para explicar. Apenas digitei um curto texto que dizia para ligar para polícia e ambulância, pedir urgência e localizar o celular que ficaria ligado. Mas que eu não podia explicar nem receber chamadas do contrário poderia acontecer o pior. Pena que nada do que fiz foi o suficiente para evitar o que eu tanto temia.
Estavam todos de costas e não me viram chegar, talvez por estar abaixada. De repente, eu escutei diversos tiros e não sabia só certo de qual direção eles vinham. Por instinto me escondi atrás de um velho sofá localizado atrás do grupo. Ao final do tiroteio eu vi que apenas meu pai e Márcia se encontravam de pé. Ao que parece papai atirou em Flávio que mesmo caído conseguiu atirar em Louis. Márcia se voltou para Flávio o atingindo. Meu pai atirou nela, mas também acabou sendo atingido por ela e caiu do lado de Louis.
No final eu não sabia o que fazer, a quem socorria primeiro. Por eles estarem lado a lado foi mais fácil alcancá-los ao mesmo tempo.
Eu tentava estancar o sangue do ferimento de Louis enquanto tentava acordar meu pai. Após conseguir acordá-lo eu verifiquei suas condições e percebi que ambos estavam em situação idêntica. Os ferimentos eram graves e sangravam sem parar. Mesmo com todo o treinamento que recebi, todas as coisas vivenciadas no estágio e exemplos de ocorrências semelhantes durante minha atuação no hospital. Naquele momento eu não sabia o que fazer. Parece que tudo fugiu da minha mente. Eu estava apavorada, tremia freneticamente e chorava sem controle algum sobre meus nervos.
A voz de Louis me acalmou um pouco.
- Amor, você precisa parar o sagramento do seu pai e tentar estabilizá-lo. - Ele me instruía e me ajudava.
Quando conseguimos fazer o planejado. Eu passei a verificar as condições dele. Ele continuava a me acalmar e por alguma razão eu pensei que sua condição não fosse tão séria. Mas estava muito enganada!
Pouco antes da ambulância chegar eu já imaginava que tudo aquilo teria um fim trágico. Apesar de não ter total noção de como terminaria...
Foi tudo tão repentino que eu ainda não conseguia acreditar... Tudo que aconteceu depois disso foi para mim como um borrão...
Eu estava em choque!
O amor da minha vida estava entre a vida e a morte, meu pai não resistiu aos ferimentos, havia partido para sempre e eu me encontrava mais quebrada do que jamais estive em toda a minha vida.
Eu não entendia como tudo isso tinha acontecido... Eu só me lembrava de estar presa e em meio a um estado de semi consciência ver meu corpo ser violado sem poder esboçar nenhuma reação além de lágrimas...
Eu não senti dor física devido ao meu estado alterado pela droga administrada para me dopar. Entretanto a confusão mental que me dominou fora o bastante para me fazer sentir o pior ser da face da terra e ter vontade constante de morrer. Cada vez que eu inspirava e expirava o ar eu desejava que isso não fosse uma reação involuntária, que eu pudesse parar por minha própria vontade. Mas como isso não era possível eu permanecia viva dia após dia mesmo que isso fosse a última coisa que eu desejava.
Eu sentia um imenso desejo de poder trocar de lugar com Louis ou com meu pai. Isso também não era possível. Nada que eu fizesse fazia eu me sentir melhor. Ao contrário, cada ação minha me fazia perceber que papai tinha trocado sua vida pela minha e eu não sentia que merecia seu sacrifício.
As únicas razões que me impediam de cometer uma loucura era o fato de Isa correr o risco de ficar sem pai, se acontecesse o pior eu teria que me reinventar para servir de suporte para ela. Mesmo que significasse que viveria somente por ela por nada no mundo teria significado para mim.
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Voilá!!!
Esse foi de longe o capítulo mais difícil de escrever até hoje. Confesso que suei, sofri e chorei o escrevendo. Espero que os satisfaçam. E não se preocupem a segunda parte sairá logo que eu conseguir terminar de escrever. Não se esqueçam de votar e comentar. Isso me ajuda imensamente!
Obrigada por me acompanharem nessa aventura que tem se tornado mais profunda conforme se aproxima do fim.
🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩
À bientôt!!!
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