Provas
Minatozaki Sana.
O alívio que senti quando larguei a minha mochila no quarto principal da casa de Kim na torre em Manhattan veio com uma asfixiante onda, espessa e quente de lágrimas.
Olhei em volta do quarto familiar. Cama ampla, edredom branco dobrado ordenadamente nas bordas.
A parede em frente à cama que se abria para revelar uma televisão do chão ao teto, que poderia funcionar como um monitor de computador.
Um conjunto de portas duplas que levavam a um closet, maior do que a maioria das casas de classe média.
A porta ao lado que conduzia ao banheiro, outro universo amplo de mármore escuro, vidro impecável e metal polido, de linhas modernas, curvas elegantes e uma iluminação suave.
A parede de frente era inteiramente de vidro e ela foi toda proietada para deslizar e abrir fazendo uma enorme varanda de canto aparecer no quarto em um espaço interior-exterior enorme.
A varanda onde Kim havia me dito a verdade sobre o assassinato do meu pai. A varanda, onde tudo que eu já tinha conhecido havia mudado. Me afastei dali. Kim estava na porta, imóvel, olhando fixamente por cima do meu ombro para o horizonte.
- Estamos em casa, Dahyun - Acenou com a cabeça.
- Estamos mesmo. - Ela tinha estado quase catatônica durante todo o caminho até aqui.
Inúmeras horas no barco, a partir de Alexandria até Istambul. Um avião bimotor de passeio aterrorizante, de Istambul para Paris.
De lá, um pequeno jato, pouco maior que o avião a hélice, com quatro assentos confortáveis e nenhum comissário de bordo.
Apenas Mina, Kim, eu e o piloto, que não falava Coreano e lhe foi dado um gordo envelope de euros, para nos tirar de lá a partir de um aeroporto particular no campo, fora de Paris.
Nenhum nome foi trocado, sem perguntas, sem um padrão de vôo apresentado. Horas de vôo ainda mais baixo sobre o Atlântico.
Ninguém falou nada. Mina tinha um laptop em que digitava sem parar durante toda a viagem.
Kim olhava pela janela, piscando lentamente de poucos em poucos segundos, suspirando e respirando profundamente, o dedo indicador tocando em seus lábios. Ninguém dormiu.
Agora eu estava no centro do quarto, de frente para Kim, em busca de algo para dizer. Algo para fazer.
Beijá-la? Dizer que eu a amo? Cair de joelhos e chupá-la? Ir embora? Ficar com a minha amiga Momo? Encontrar um hotel? Ficar no quarto de hóspedes? Não. Nada disso funcionaria.
Já lhe disse a que a amava. Tentei lhe beijar. Em algum lugar do Mediterrâneo, talvez em Istambul. No meio da noite, com a Lua brilhando através da janela, nos banhando com a luz prateada.
Nós duas estávamos acordadas, sem conseguir dormir. Rolei, colocando a minha cabeça contra o peito de Kim. Ela não passou o braço em volta de mim. Ainda não havia respondido ou percebido que eu estava lá.
Me inclinei para cima, beijando seu maxilar. Nada. Beijei sua bochecha. Nada. Beijei seus lábios. Eles estavam secos, rachados, ressecados. Sem resposta, apenas um olhar vazio para o teto.
Eu estava preocupada e com medo. Era aquela droga ainda? Ou era trauma psicológico? Eu não sabia e não sabia como lidar com isso.
Agora, de pé no centro do quarto, comecei a sentir coisas se abatendo em mim. Toda a emoção que eu tinha enterrado profundamente, começou a transbordar.
O medo que eu tinha me negado. O pânico que não havia me permitido sentir. A dor que Kim havia suportado.
O enjoo que sentia sobre a forma como Dahyun havia me prendido naquele barco. O olhar em seus olhos. A fome feroz, o poder brutal. O jeito que ela quase me obrigou.
E então o jeito que eu tinha guardado profundamente meu próprio medo dela, a minha raiva de Chaeyoung.
A maneira como fingi que estava tudo bem ela me prender. Mesmo sabendo eu sabia... que não era Kim. Aquela mulher não era a que eu amava quando me possuía e me dava prazer.
Aquilo era a droga. Aquilo era um monstro viciado em cima de mim, querendo me usar. Ela estava em agonia. Enlouquecida. E eu a perdi. Precisava dela. Esperava, ingenuamente, que o meu amor fosse suficiente. Que meus sentimentos a trariam de volta para si mesma de alguma forma.
Eu estava errada. E agora...? Estava exausta, física e mentalmente. E não aguentava mais. Tentei.
Fechei meus joelhos, cerrei os dentes e dei respirações profundas, dentro e fora, dentro e fora, pelo nariz, pela boca.
Fui tomada por tonturas.
Minha respiração veio em suspiros de pânico, recusando os meus esforços para respirar de forma uniforme e regular.
Meu estômago revirou e senti a bile em minha garganta, quente e amarrada como um pedaço de rocha.
Eu tinha sido tão forte quanto poderia ser, por tanto tempo quanto pude. Agora não conseguia aguentar mais. Não conseguia segurar.
Meus joelhos cederam e eu caí no chão, com minhas mãos sufocando os soluços. Ficando quieta no início, pequenos grossos ruídos, a minha voz travou, com um soluço depositado na garganta, eu não conseguia respirar.
Meus braços tremiam, incapazes de me sustentar por mais tempo. Eu senti o tapete contra a minha testa, meu peito queimava, meus pulmões doíam com a minha incapacidade de respirar.
Caí mais uma vez, desta vez para o lado e me enrolei. Algo quebrou dentro de mim, o silêncio foi quebrado e o soluço se tornou um gemido.
Cobri o rosto com as mãos, enfiando minha cabeça contra meus joelhos, em posição fetal e chorei. Momentos se transformaram em minutos e eu não conseguia me acalmar, e não tentava.
Senti o chão sair de baixo de mim, mãos passando por baixo do meu pescoço e quadril, rolando e me levantando, então estava no ar e o cheiro familiar que encheu minhas narinas, a sensação dolorosamente doce de seu peito em minha bochecha, estávamos na cama e ela me tinha segura em seus braços.
- Sana... Sana... - Sua voz era um murmúrio rouco, cheia de emoção e baixa, quase inaudível.- Eu estou aqui, amor. Estou aqui.
Me virei contra o seu peito lhe encarando. Seus olhos estavam molhados. Kim. Minha Dahyun, a poderosa, indomável Kim Dahyun... estava chorando. Por mim? Por você mesma? Por nós?
Ela não enxugava as lágrimas à medida que escorriam pelo seu rosto. Uma lágrima ... duas. Três. Quatro. Várias. Seus olhos estavam vermelhos, arregalados, olhando por cima da minha cabeça.
Seu peito subia e descia como se ela estivesse lutando uma batalha que soubesse que não podia ganhar. Levei minha mão em sua bochecha.
- Dahyun?
- Estraguei tudo. Eu cedi. Tentei lutar. Eu sabia que era você. Sabia que a droga estava agindo e isso era errado, mas não conseguia lutar contra. E eu sabia que você faria qualquer coisa por mim. Qualquer coisa. E você fez ... aguentou tudo. Eu ... violei você. Nós. Fiz isso para nós.
- Não foi você, Dahyun ...
- Eu não conseguia parar. - Me endireitei, fitando seus olhos. Olhando profundamente em mim mesma.
- Dahyun, ouça. Por favor, me ouça. O que aconteceu no barco? Não aconteceu nada, certo? Eu pedi para você parar e você continuou?
- Não, não realmente...
- Exatamente. Não era inteiramente você e eu entendo isso. Mas eu te amo. Te amo tanto. Eu não odeio você. E não me sinto violada.
- Eu sei. - Ela teve que fazer uma pausa para respirar, engolir e piscar. - E eu te amo. Mas ... o que acontece agora? Com a gente? - Ela quem deveria me dizer isso.
- Eu não sei.
- Sinto como ... se algo estivesse quebrado entre nós.
- Não. - Minha voz era tão baixa, que eu não tinha certeza se Kim me ouviu. Assim falei mais alto. - Não, Kim. Você não pode pensar dessa forma. Não pode deixá-la ganhar. Você me ama. Eu te amo. Isso é tudo que importa.
- O amor é o suficiente?
- Tem que ser. Ele tem que ser. Ela não pode ganhar, Kim. Não pode. Nós não podemos deixar. - Respirei fundo - expirando lentamente. - Eu não arrisquei minha vida, vi homens mortos e atravessei o mundo para encontrá-la, apenas para perdê-la. Apenas para nos perder para seus jogos fodidos.
- Toda vez que fecho meus olhos, me vejo lá naquele quarto. Eu não tenho dormido desde então. Não realmente. Toda vez que tento, sonho com ela. De ser torturada com água. De ser estuprada. De senti-la em mim, sua pele. Vejo o seu cabelo e seus seios falsos. Eu sinto suas unhas na minha pele. Provavelmente tenho cicatrizes das suas unhas cravadas em meu peito. E sinto isso tudo de novo, todas as coisas. Não consigo dormir. Não posso sequer tentar.
- Nossa, Dahyun. Como ela pôde? Por que? - Deixei as lágrimas deslizarem livremente pelo meu rosto. Ela deu de ombros, fingindo uma indiferença que eu não acreditava.
- Porque ela podia. Ela me queria. Sentia que era minha dona. - Esfregou seu peito.
- Ela é a porra de um animal.
- Não consegui evitar.- Eu toquei meus lábios em seu peito. Gentil e frágil, como uma borboleta, beijei sua pele, as cicatrizes onde seus dedos haviam deixado marcas avermelhadas.
Me debruçando, não em cima dela, apenas deitada ao seu lado e beijando seu peito. Todo, centímetro por centímetro.
Corri minhas mãos sobre sua pele, traçando os sulcos de suas costelas, os músculos do seu abdômen, beijando seu pescoço. Ela estava tensa, imóvel, sem respirar.
- Sana...
- Sim, Dahyun. Sou eu. Olhe para mim. Me sinta. Sou eu. - Beijei sua bochecha.
O canto de sua boca. Testa. Ao lado do nariz. Seu olho, tão gentilmente, sentindo a vibração sob meus lábios. Então o outro canto da boca.
- Ela fez isso, meu amor? Será que ela te beijava desse jeito? - Negou com a cabeça.
- Não. - Sussurrou, quase inaudível. Beijei-a, sentindo a superfície rachada da sua boca contra a minha.
- Estes são os meus lábios contra os seus. Você pode me sentir? Você me conhece? - Me afastei e seus olhos estavam fechados, a expressão estava tensa e triste. - Abra os olhos, Kim Dahyun e olhe para mim. Me olhe. Sou eu. - Seus olhos se abriram, assombrados em um tom castanho, como uma barra de chocolate.
- Sana. Eu vejo você, querida. Mas...
- O que? Mas o que?
- Quando você me beija, quando me toca, dói. Eu a sinto. Concentro-me em você, mas tudo o que sinto é ela. - Ela se atirou para fora da cama, caminhou sem camisa pelo quarto e tocou o painel ao lado da porta da varanda.
Toda a parede de vidro deslizou silenciosamente para o lado, deixando entrar o barulho das buzinas e os risos do clamor de dezenas de histórias que estavam ali embaixo em Manhattan.
O Sol estava se pondo, enquadrado entre as torres sem fim de aço e vidro espelhado. Kim estava agarrando o parapeito da varanda com as duas mãos, uma postura familiar.
Seus ombros caídos, com a cabeça pendurada. Eu sufoquei um soluço cortante, enquanto a mulher que eu amava se afastava de mim, cada linha do seu corpo firme, conflituosa e tensa.
Olhei para ela, a observei e me recusei a desviar o olhar até que o cansaço cobrasse seu preço, me puxando para baixo, como uma correnteza.
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