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- Não, mas é sério, imagina como seria legal acompanhar a família real, ter castelos, bailes, casamentos e coroações!

- É uma loucura, mas pelo menos a gente saberia onde nosso dinheiro está sendo usado - ele riu - Preferia pagar imposto pro rei do que para esse bando de político corrupto.

- Sim! Nossa monarquia durou muito pouco tempo. Por exemplo, se tivessem descobrido o Brasil nos tempos da idade média, talvez no fim dessa trilha tivesse um castelo escondido, mas qual é a probabilidade disso nesse Brasil como conhecemos?

Ele chacoalhou a cabeça, rindo, à minha frente. Eu estava tagarelando demais, talvez porque eu estava com ele, talvez porque havia tomado muito café para acordar às 6 da manhã para fazer uma trilha no meio do nada, como ele havia proposto.

- Não é um castelo, mas é tão bonito quanto - ele comentou

- Falta muito? Parece que a gente está andando, andando e não saímos do lugar.

- Mais uns cinco minutos, eu juro. Vai valer a pena.

Fui seguindo seus passos, desviando dos galhos e tentando não pisar em falso. Estava tão concentrada que não percebi de primeira que ele havia parado.

- Chegamos? - perguntei, me aproximando dele

- Sim, meu lugar secreto. Além do restaurante, é claro.

Havíamos chegado em uma cachoeira aberta, com água cristalina e uma piscina natural calma bem aos pés dela.

- Isso é lindo, Levi. Como você descobriu esse lugar?

- Está no guia de turismo - ele riu - Nós só pegamos o caminho mais complicado, o da trilha. Em fins de semana, tem até barraquinha de comida aqui.

- Espera. Você me fez andar nessa trilha por não sei quanto tempo quando havia um caminho fácil? Quando poderíamos ter vindo de carro?

- Sim, mas qual seria a graça?

- Você tem sorte de não estarmos lá no topo da cachoeira porque eu te empurraria de lá com toda a certeza.

Ele riu e me puxou pelo braço.

- Vamos, tenho certeza que você também está louca para entrar na água.

Sim, eu estava com muita vontade de me jogar na água, mas com um baita frio na barriga ao pensar que teria que tirar minha roupa e ficar de biquíni. Todo desespero tentando achar um biquíni no shopping de última hora, todos os modelos que eu vesti e desvesti desde que ele me avisou que precisava levar roupa de banho, tudo se resumia a este momento. Respirei fundo e, quando ele já tinha tirado a camisa e a jogado de lado, resolvi tirar rapidamente meu short e minha camiseta e pular na água antes que ele me visse direito. Contudo, meu plano não deu muito certo, já que eu escorreguei de leve em uma pedra antes de chegar à água. Levi, que estava olhando para a cachoeira, se assustou, olhando para trás e tentando me ajudar a levantar. Ou seja, acabou sendo pior do que eu imaginava: ele havia me visto de biquíni toda estabanada no chão.

- Você se machucou? Está tudo bem? Esqueci de avisar que as pedras aqui são muito escorregadias, tem que ter muito cuidado - ele parecia preocupado tentando me ajudar a levantar

- Foi só um escorregão, eu tô bem, sem problemas.

Na verdade, eu não estava bem, minha canela estava doendo e eu estava morrendo de vergonha.

- Tem certeza? Não tem nada doendo? Não bateu em nenhum lugar?

- Tenho certeza. Talvez eu fique com alguns roxos, mas isso acontece o tempo todo. É melhor entrar na água para esquecer.

- A água é gelada, pode ajudar. Mas não precisa mentir, se tiver se machucado a gente pode ir correndo pro hospital.

- Um roxo na perna e você querendo me levar pro hospital? - eu ri - Relaxa, tá tudo bem.

Ele se convenceu. Eu respirei fundo. Levi fez questão de me acompanhar para dentro d'água, me dando a mão. Eu achei fofo, mas assim a atenção ficou muito voltada a mim. Eu só queria entrar debaixo da água e me esconder, mas a água gelada não estava colaborando. Molhei a nuca, os pulsos e tentei aos poucos deixar a água passar meu tronco.

- De uma vez é melhor. O nervoso vai embora em um segundo.

Levi disse isso e mergulhou. Eu tentei não reparar em seu corpo quando ele o fez, mas seus braços para frente do corpo fizeram seus músculos ficarem aparentes. Eu não havia pensado muito em seu corpo até aquele momento, já que eu estava muito preocupada com o meu.

- Entra, a água fica ótima depois que você mergulha! - ele falou assim que voltou à superfície

Eu tomei coragem e mergulhei. O frio na barriga não foi tão grande quanto o fato de estar ali, sozinha, em uma cachoeira com ele... Sem camisa.

- Não é muito fundo aqui, né? - eu perguntei

- É só não se aproximar muito da queda d'água - ele explicou - Lá perto é mais fundo, dá até para pular ali daquelas pedras.

- Quer dizer que pular de cachoeiras também fez parte da sua fase radical? - brinquei

Ele sorriu, sem graça, e eu não consegui deixar de reparar em seus cílios molhados, deixando seus olhos ainda mais bonitos.

- Eu disse que queria aventura, me sentir vivo, então sim - ele riu

- Não vai pular hoje?

- É melhor não. A não ser que você queira pular também - eu neguei com a cabeça um pouco rápido demais

- Por que melhor não?

- Porque eu já estou me sentido absurdamente vivo no momento.

Desviei meu olhar, mexendo na água ao meu redor.

- Ei - quando ouvi sua voz e me virei, ele já estava perto demais e colocou sua mão molhada em meu rosto de leve - Eu não faço os elogios que quero fazer o tempo todo porque eu sei que você vai ficar incomodada. Mas não precisa se envergonhar toda vez que eu digo que eu gosto de estar com você.

- Eu só... Não estou acostumada.

- Então é melhor eu começar a dizer com mais frequência.

- Eu acho que eu não quero me acostumar. Não quero que vire algo normal para os meus ouvidos, quero que me faça sentir alguma coisa toda as vezes.

Levi me olhou fundo com seus olhos grandes, seus cílios longos e molhados. Eu roçei de leve meu rosto em sua mão e ele, respondendo a esse gesto, levou somente seu polegar ao meu lábio inferior, pressionando-o. Tudo o que eu ouvia enquanto ele se aproximava era o som da queda d'água logo ao nosso lado. Até quando essas borboletas vão permanecer no meu estômago?

O beijo foi gelado no início, molhado. Mas logo ficou mais forte, logo o barulho da cachoeira foi ficando no fundo, cada vez mais esquecido, cada vez mais fraco perto de nós. Levi colocou de leve as pontas de seus dedos em minhas costas nuas, debaixo d'água, me fazendo desconcentrar um pouco. Eu diminuí a distância entre nós ao colocar meus braços sobre seus ombros, levando minhas mãos ao seu cabelo úmido. Eu já teria derretido dentro da água se ele não tivesse apertado suas mãos em minhas costas, me trazendo fortemente junto a ele.


Bruscamente, tive que cortar o beijo, colando nossas bochechas. Eu respirava forte em seu ouvido, tentando buscar o ar perdido. Foi assim que ouvi outras vozes; nós não estávamos mais sozinhos ali. Abri meus olhos e vi que havia mais umas três pessoas colocando suas roupas sobre as pedras, ainda distantes da água, mas uma delas olhou diretamente para nós, abraçados, agarrados, no meio da água.

- Parece que não fomos os únicos a ter a ideia de vir aqui numa segunda - eu comentei, sem desgrudar meu corpo dele, minha bochecha da sua

- Vamos fingir que ainda estamos sozinhos - Levi disse, com o fôlego pesado, também em meu ouvido

Eu devo ter corado e acabei me afastando um pouco ao ver que agora tinham mais pessoas lançando olhares discretos a nós. Ele logo me puxou de volta para mais perto.

- Não precisa ficar com vergonha. Eu não me importo. Na verdade, estou cansado de me importar.

Devo ter lançado um olhar confuso a ele, pois logo se explicou.

- Estou cansado porque nós,  que realmente notamos o que está ao nosso redor e nos preocupamos, somos sempre os que sentem vergonha. Sentimos vergonha por estarem nos olhando ou sentimos vergonha alheia pelos outros. E esses outros nunca se importam com nada. Por que a gente precisa sentir vergonha duas vezes?

- Hum... Sabe, isso é bem convincente. Deixe que os outros se importem dessa vez - eu sorri

Ele retribuiu meu sorriso, mal olhando para o grupo que estava entrando na água. Levi me deu alguns beijos rápidos enquanto eu tentava me desligar das coisas ao meu redor. Depois, fechei os olhos enquanto ele beijava meu pescoço e seguia para o meu ombro. Eu estava feliz e eu não ia sentir vergonha disso.

Nós nos tornamos inseparáveis ali, como se tivéssemos um magnetismo em nossos corpos. Até mesmo quando nos sentamos nas pedras para almoçarmos a coxinha da única barraquinha aberta, nossos joelhos estavam encostados, nossos ombros se tocavam às vezes. E eu gostava de como não era invasivo; ele podia me beijar a qualquer momento e eu não me incomodaria com a surpresa, mas era como se ele sempre esperasse o momento certo, sempre observando minhas reações, quase lendo minha mente.


A cachoeira continuava a correr, incessante, mas algumas das pessoas que haviam chegado já tinham ido embora. Quando o Sol começou a se pôr e os mosquitos começaram a incomodar, Levi perguntou se eu não queria ir embora também. Eu quase disse que não, que não queria que aquele dia acabasse.

- Você parou o carro aqui? A gente basicamente deu uma volta gigantesca quando poderíamos ter andado uns trinta passos!? - eu exclamei

- A cachoeira não ia parecer algo tão especial se não tivéssemos pegado a trilha, eu juro - ele sorriu, desativando o alarme do carro e abrindo a porta

- Da próxima vez você vai parar ainda mais perto, ok? Nada de caminhar na terra e no meio das árvores.

Ele riu enquanto entrávamos no carro. Ele deu a partida e ficamos em silêncio, vendo a estrada pelo para-brisas. O céu estava em tons de rosa e azul quando o vento vindo da janela parou.

- O que foi?

Eu achei que havia acabado a gasolina, mas ele havia desligado o carro.

- O dia ainda não acabou.

Eu olhei ao redor. Não havia muita coisa. Estávamos parados no acostamento de uma estradinha, sem muitas árvores ou civilização ao redor.

- Ok, eu estou ficando assustada. Por que estamos em um lugar deserto? O que você está pretendendo fazer?

Eu tinha mania logo pular para o pior cenário possível. Se alguém não atendeu o telefone, é porque não quer falar comigo e não porque não ouviu. Ou se alguém falou que ia chegar tal hora, não chegou e não deu sinal de vida, com certeza foi roubado ou sequestrado e nunca é porque se atrasou. Nesse caso, eu logo pensei que ele iria me beijar à força, que iria tentar algo comigo em um lugar no qual eu não poderia pedir socorro.

- Assustada? - ele franziu a testa - Depois de tanta conversa e tanto tempo juntos, você ainda não confia nem um pouquinho em mim?

Era melhor não responder a essa pergunta.

- Aqui é um ótimo lugar para ver o céu anoitecer, ver as estrelas aparecendo, Olívia. Quase não tem nenhuma luz ofuscando o céu - Levi falou como se estivesse falando o óbvio

- Eu sei, eu sou um pouco paranóica - eu suspirei

- Vamos, é mais bonito fora do carro - ele sorriu sem mostrar os dentes

Nós nos sentamos no capô do carro e eu me cobri com a canga que havia levado. Olhamos para cima calados por um tempo, vendo o céu ficar cada vez mais escuro.

- Eu acho que eu não fui criada para confiar nos outros - eu soltei no silêncio

Levi me olhou, intrigado.

- Por que você acha isso?

- Porque eu sempre fui muito independente. Fui criada para ser uma pessoa que pensa por si só, alguém que não pede ajuda antes de correr atrás. Mas acho que isso me deixou muito desconfiada das intenções dos outros, até um pouco desconfiada da capacidade dos outros.

- Isso faz sentido. Ainda mais sendo filha única. A responsabilidade era só sua, você acabou se virando sozinha e viu que não precisava depender dos outros. O problema é que não dá pra colocar tudo nas suas costas não, você precisa dividir suas dores e suas alegrias com outras pessoas.

- Sim, é bem isso. Celina sempre foi como uma irmã para mim, mas ela sempre teve outros planos, outra vida. E parece que a cada decepção que eu tive ou via, eu ia ficando mais sem confiança, principalmente nessa questão de relacionamentos.

- Quais decepções, além daquele idiota que você já falou sobre?

- Meus pais, que para mim tinham o casamento mais perfeito do mundo, se divorciaram. Foi como um balde de água fria. Tudo o que eu achava que sabia sobre o amor tinha sido destruído ali na minha frente. Depois é claro todas as decepções pessoais e com amizades, fui me afastando de tudo. Até mesmo a Celina que tinha um relacionamento perfeito passou por uma fase que me fez ficar ainda mais descrente.

- Por qual fase?

- Ela e o Du se conheceram na escola ainda, acho que eu já te contei. E eles estão há mais de 10 anos juntos, mas não 10 anos ininterruptos. Quando ela foi para faculdade, ele ficou fazendo cursinho. E ele se afastou dela e acabou se relacionando com outra pessoa.

- Enquanto eles ainda estavam juntos?

- Não, ele pediu um tempo, mas, quando a Celina ainda estava tentando se recuperar desse baque, ele apareceu com outra. Ele diz que a conheceu depois, mas eu tenho minhas dúvidas. E o pior: a mãe do Du ainda compara essa menina a tudo o que a Celina faz.

- Nossa - ele expressou - Mas eles voltaram, certo?

- Sim, ainda bem. Foi uma fase terrível, eu tinha que ficar consolando ela, tendo que ouvir o tempo todo reclamações sobre ele e a outra enquanto ela ainda gostava dele, sem falar nas festas para as quais ela tentava me arrastar - eu acabei rindo - Mas uns seis meses depois eles voltaram a ter contato. Ela já havia superado o término, mas foi só ele voltar para ela ceder. Ele falou que estava com dúvidas, que ela estava muito longe na época, que ele não tinha tido um tempo de solteiro na vida adulta e não valeu a pena, enfim. Demorou, mas ela acabou perdoando e agora eles estão mais fortes e mais melosos do que nunca.

Eu rolei meus olhos, fazendo ele rir.

- Enfim, ele foi um babaca, mas não tem jeito, a Celina é apaixonada por ele e sempre foi, agora acho que eles estão melhor, sem muito draminha adolescente, ele também tomou jeito, começou a trabalhar firme e tudo mais. Eu não sei se eu, no lugar dela, conseguiria perdoá-lo. Eu vejo tanta decepção e frustração e eu só quero me guardar, sabe? Não quero abrir meu coração para acabar com ele despedaçado, ainda mais duas vezes assim.

Eu nem sabia por que estava falando disso para ele, mas simplesmente saiu de minha boca.

- Eu entendo. Eu também quis me proteger quando eu percebi que havia levado um chifre. Mas não tem jeito, se você não se arriscar, você não vive. Você fica preso em uma bolha, sem sofrimento, mas sem felicidade também.

- Desculpa se eu ainda não consigo me abrir por completo para você. Por ser um pouco paranóica achando que está tudo perfeito demais pra ser verdade, estou sempre esperando algo dar errado. Pode levar um tempo.

- Não se preocupe com isso. Só de você estar aqui comigo já vale tudo nesse mundo para mim, ok?

Sua mão alcançou a minha e nossos dedos se cruzaram, repousando depois sobre o capô, entre nós dois. Eu pensei se eu contava ou não. Olhei para cima e em um momento sem pensar muito, acabei dizendo as palavras que poderiam talvez mudar alguma coisa entre a gente.

- Quando eu falo que eu tenho dificuldade de me abrir, eu quero dizer em todos os sentidos. Eu nunca consegui chegar ao ponto de me entregar para alguém, tanto emocionalmente quanto fisicamente.

Ele voltou seus olhos firmes aos meus.

- Isso tem suas vantagens, eu acho. Eu realmente queria não ter me entregado para a pessoa certa.

Depois disso, houve um silêncio e olhares voltados para baixo.

- Você não precisa ficar com medo de me contar essas coisas, Olívia. Isso só me faz gostar mais de quem você é. Eu tenho milhares de defeitos e posso ser insuportável quando eu quero, mas eu nunca te usaria assim. Eu gosto de quem você é e ponto final.

Eu devo ter parado por alguns segundos, olhando o céu, sentindo minha mão na sua.

- Céus, como é que eu fui te encontrar? Sério. Eu não te merecia. Sabia que eu estava decidida a deletar a minha conta no aplicativo antes de te achar?

Ele riu, olhando para baixo e depois para o meu rosto.

- Bom... Tecnicamente, fui eu que te encontrei.

Eu sorri e, antes de nos deitarmos no capô para observamos melhor as estrelas, nos rendemos a um beijo divertido, cheio de estalos e risos espontâneos.


- Ok, mas você realmente não precisa fazer isso - eu disse, entrando pelo portão

Estávamos discutindo sobre essa mania dele de querer abrir a porta do carro para mim e também, no caso, o portão do meu prédio.

- Eu posso fazer de vez em quando então?

- Sim, quando eu estiver com as mãos ocupadas ou com o pé engessado - eu ri

- Boa noite - uma terceira voz, a do porteiro, entrou na conversa

Respondemos boa noite e eu o puxei para longe da portaria, para longe dos olhares curiosos do porteiro.

- O que foi? - Levi perguntou

- Não sei, não gosto do jeito que ele me olha, parece que olha tentando achar reações minhas para depois fazer fofoca. Esse aí, junto do zelador, deve saber da vida toda desse prédio.

- Bom, acho que o olhar de hoje foi mais para mim do que para você - ele sorriu, levando duas mãos à minha cintura

- Eu adorei o dia de hoje, ok? - eu sorri - Mas da próxima vez sem trilha!

Ele riu e me beijou antes mesmo do riso acabar. Foi um beijo quente, com o vento batendo na minha pele queimada de sol e meus pés sustentando meu corpo nas pontas dos dedos.

- Espera, se ele sabe da vida de todo mundo, deve saber se tem algum apartamento para alugar aqui, né? - Levi falou assim que terminamos o beijo

- Você não estava me beijando pensando no porteiro né?

Ele revirou os olhos.

- Boa noite, ok? Passa hidratante nessa pele, está tudo vermelho - disse se afastando, voltando para a portaria

- Você não me disse para levar protetor solar! - eu gritei e ele fez uma careta

- Eu disse, você que esqueceu! - ele gritou de volta

Antes de sair, parou na guarita, provavelmente para perguntar de algum apartamento. Minha pele estava quente e tudo o que eu queria era tomar um banho de chuveiro, então tratei de achar minhas chaves e ir em direção ao elevador.

- Olívia! - Levi gritou e eu levei um susto

- O que foi? - perguntei, vendo-o vir correndo atrás de mim

- Você se incomodaria se eu usasse seu banheiro? Acho que não aguento até chegar em casa.

Eu acabei rindo e, é claro, dizendo que não me importava.


Peguei um copo d'água para mim e outro para ele, antes dele se despedir. Quando voltei à sala, estava estava olhando o mural de fotos que eu e Celina havíamos pendurado na parede.

- Tem umas fotos muito ruins aí, não repara - eu falei, dando-lhe o copo

- Essa é a Celina e esse deve ser esse Eduardo, certo? - ele perguntou, apontando para a foto

- Sim. Ela provavelmente deve estar com ele, mas um dia vocês se esbarram. Só não repara, ela provavelmente vai me envergonhar te chamando de meu namorado ou coisas assim.

- Por que eu me envergonharia disso? - ele disse sem pestanejar

Eu, na mesma hora, dei um grande gole na minha água, desviando do assunto.

- Você pode me passar o contato desse Eduardo? - não entendi de primeira sua pergunta

- Hum... Por quê? Me diz que você não está planejando um encontro duplo, porque isso seria horrível, sério. Não dá pra ficar muito perto deles como casal não.

Levi riu da minha reação.

- Na verdade, eu gostei da tatuagem dele. Queria perguntar quem foi o tatuador.

Eu espremi meus olhos para ver a tatuagem na foto.

- Você quer fazer uma tatuagem?

- Não. Não agora - ele riu - Mas eu gosto de seguir alguns tatuadores para ir tendo ideias. E eu achei a dele bem feita.

- Hum... Ok. Eu passo o número dele para você. Mas promete que não é para um encontro duplo?

- Juro - ele fez um gesto com os lábios, como um juramento e eu tentei não achar extremamente fofo, mas falhei - É melhor eu ir, preciso trabalhar cedo amanhã, diferente de algumas pessoas nessa sala.

Eu bati em seu ombro de leve com a brincadeira, mas ele me puxou para si.

- Seria demais pedir mais um beijo?

- Você assinou a conta premium para ter beijos ilimitados?

- Ah, é assim então? Quanto eu preciso pagar por essa conta premium?

- Para sua sorte, você ainda está nos 30 dias gratuitos de teste.

Levi sorriu, apenas me olhando como se não precisasse olhar para mais nada na vida. Eu acabei roubando um beijo, que demorou mais do que o planejado. A porta do elevador se fechou e eu me senti sozinha pela primeira vez naquele dia. Eu só queria que Celina chegasse para que eu pudesse contar o meu dia a ela e acabar gravando tudo na minha cabeça, sem esquecer de nenhum detalhe.


- Huuum, quer dizer que Olivinha está namorando? Quando eu vou conhecer o Popeye?

- Primeiro, eu não estou namorando. Segundo, faz mais de 20 anos que eu estou cansada dessas piadas com Olívia Palito e Popeye.

Eu finalmente havia encontrado com Celina em um momento no qual ela tinha tempo de conversar comigo, mas logo me arrependi de ter contado tudo a ela.

- Ok, sem Olívia Palito. Mas o nome de casal pode né? Como seria? Levia... Olevi.... Não.... Já sei! Lívia! Casal Lívia!

- Se ninguém chama você e o Du de Dudelina, mesmo você tentando e tentando fazer o nome pegar, então ninguém vai me chamar de Lívia não.

- Droga de marca de roupa que roubou meu nome.

Eu revirei meus olhos, mas ri.

- Espera, agora a gente pode marcar um encontro duplo! Assim você não vai precisar ficar de vela!

- Pelo amor, Celina! Nem pense nisso. Ah, e o Levi pediu o número do Eduardo e deu a desculpa de ser por causa da tatuagem dele. Se for algum encontro, é melhor você me contar para eu acabar com isso logo!

- Hum... Um encontro duplo surpresa! Adorei o conceito! Vou agora mesmo perguntar pro Du. Beijos para você porque eu falei que estava saindo de casa uma meia hora atrás!

- Celina! O copo! E nada de encontro ou você vai se ver comigo!

- Ok, ok, eu lavo o copo, mas não prometo nada quanto ao encontro.

Celina tinha mania de beber água e deixar o copo na pia, para lavar, mas nunca lavá-lo. A pia então se acumulava de copos de água porque toda vez ela pegava outro sem lavar o antigo.

- Nada de encontro duplo! - eu reforcei enquanto me retirava da cozinha, a fazendo rir


O resto da semana passou lento, sem muito o que fazer principalmente na parte da tarde. Levi só podia falar comigo à noite e, mesmo assim, ainda não adiantava: a vontade de vê-lo pessoalmente não passava.

- Sexta, ok? Juro que sexta eu passo aí para gente fazer absolutamente nada juntos.

Ele disse isso na quarta e eu mal conseguia segurar minha ansiedade.

Durante seu trabalho e suas horas extras, ele sempre tentava arrumar um jeito de me fazer querê-lo ainda mais.

- Que filme você estava assistindo? - ele perguntou

- Nem sei o nome, acabei dormindo - ele riu do outro lado da câmera - Espera, você está digirindo? Levi! - devo ter falado alto demais

Ele fez uma expressão engraçada, como se tivesse acabado de ser pego no flagra.

- Eu vou desligar essa ligação agora mesmo! - ameacei

- Mas eu consigo me concentrar, o celular está apoiado no para-brisas.

- Quer dizer que ao invés de olhar o trânsito pelo vidro você está me vendo no celular?! Levi!

- Ok, você tem razão. Você e essas dobrinhas no seu nariz são bem desconcertantes, é melhor desligar.

Nem preciso dizer que, após isso, devo ter corado e provocado as dobrinhas no nariz sem querer, mas ele já havia desativado o vídeo.

Na quinta, eu estava fazendo qualquer coisa para tirar a ansiedade da minha mente. Até mesmo fiz um bolo, organizei minhas gavetas e limpei o banheiro.

"Ok. Eu tô quase pedindo demissão", disse a mensagem que eu recebi de Levi.

"E se você pedisse demissão hoje, viesse aqui me ver e depois amanhã você falar que não passava de uma pegadinha?", respondi.

"Pode funcionar. Ia ser engraçado. Mas se não funcionar, eu não vou ter como pagar o aluguel e acabar morando debaixo da ponte. O que não seria tão ruim, é como se fosse um upgrade comparado ao meu apartamento atual."

"Meu Deus, é tão ruim assim?"

"Por que você acha que eu nunca te levei lá?"

"Achei que fosse por causa do seu amigo que mora lá também."

"Essa é uma grande parte do motivo."

"Quer que eu o denuncie para algum desses programas de organização e limpeza que passam na TV?"

Levi estava demorando para responder, provavelmente por causa do trabalho. Como eu estava entediada, tudo o que me restava fazer era esperar pelas suas mensagens.

"Eu podia ir na sua casa hoje se não der tempo de você vir aqui", enviei sem pensar muito.

"Eu não te faria vir de ônibus ou pagar um fortuna de táxi. Esqueceu que eu não sou que nem aquele outro babaca com o qual você saiu?".

Ele respondeu depois de alguns minutos, me fazendo concordar.

"Amanhã de tarde, prometo. Preciso resolver algumas coisas de manhã, incluindo o conserto da pia da cozinha que está vazando. É sério, apartamento de homem é muito diferente de apartamento de mulher".

"Ok, agora mesmo que eu não quero nem passar perto da sua casa."

"Não vou aguentar muito tempo morando lá, já estou vendo outro lugar. Mas agora eu preciso mesmo voltar pro trabalho porque se eu for demitido, nem dinheiro pro aluguel daqui eu vou ter, imagina então para um lugar melhor?".

"Ok, não quero te atrapalhar. Mas se tiver um tempo, é só ligar. Ou aparecer. Eu fiz bolo hoje.... Bom, mas até amanhã", digitei um pouco desanimada.

"Até amanhã", ele enviou, mas continuou digitando. "Ah, guarda um pedaço do bolo pra mim?".

Eu acabei rindo.

"Você vai ter que vir o quanto antes então, o bolo está muito bom e vai acabar beeem rápido", brinquei. Contudo, ele não me respondeu mais durante a tarde.


A campainha tocou e eu desliguei o secador rapidamente. Quase não a ouvi por causa do barulho e, apesar do meu cabelo não estar totalmente seco, dei uma leve arrumada na raiz antes de abrir a porta da sala. Porém, a pessoa pela qual eu estava esperando não era a pessoa parada do outro lado da porta.

- Oi, Du! - eu disse um pouco surpresa - A Celina não está agora, achei que ela ia direto do trabalho para sua casa.

- Na verdade, eu vim falar com você.

- Comigo?

- Nós viemos, na verdade.

Uma segunda voz já familiar entrou na conversa. Levi estava do outro lado e veio à frente da porta assim que se pronunciou.

- Vocês se esbarraram no elevador? - eu ri - Levi, Eduardo. Eduardo, Levi.

Eu os apresentei, mas eles se olharam como já soubessem seus nomes.

- Ah, não! Não me diga que isso é um encontro duplo. Que Celina está lá em baixo esperando no carro! Eu vou matar vocês!

Brinquei, mas eles continuaram sérios.

- A gente realmente precisa conversar - Eduardo disse - Posso entrar?

- Ok. Você está sempre aqui, não precisa pedir permissão para entrar - estranhei - Sobre o que vocês querem conversar?

- É melhor você se sentar - Levi disse

- O que aconteceu? É a Celina? Ela está virando workaholic de novo? Eu falei que ela tem que parar de tratar esse emprego como se fosse a vida inteira dela!

- Sim, é sobre a Celina, mas não é isso.

- O que foi? Aconteceu alguma coisa?

- É melhor você se sentar.

Eles estavam me assustando. Sentei no sofá um pouco relutante e eles se sentaram no outro, algo que estranhei. Por que Levi não sentou ao meu lado? O que eles tinham para me falar em conjunto? Eles nem se conhecem!

Os dois estavam com cara de preocupado. Eduardo ainda estava com a roupa do trabalho, com a camiseta da empresa na qual trabalhava. Não pude deixar de reparar nas suas olheiras, quando é que ele envelheceu tanto assim?

- Você se lembra o que aconteceu no dia 14 de Julho? - Eduardo me perguntou

- Hum... Desse ano? - ele confirmou - Não sei, por que essa pergunta?

- Era uma sexta. Você não se lembra? - balancei minha cabeça negativamente

- Bom, sextas geralmente eu saio mais cedo do trabalho, então eu provavelmente fiquei em casa descansando. A Celina só chega mais tarde por causa do curso de culinária. O que que aconteceu de tão importante?

- Você realmente não se lembra?

- Vocês estão me deixando curiosa. O que aconteceu?

- Você recebeu uma ligação, eu pedi para te ligarem do celular da Celina. E não foi uma ligação boa.

Tentei me forçar a lembrar, mas eu não consegui.

- Eu fiquei de buscar a Celina no curso de culinária aquela noite, como eu geralmente fazia. Nós fomos comer pizza e, no caminho, aconteceu um acidente... Você jura que não lembra?

Forcei minha mente a lembrar de novo, mas estava tudo um pouco confuso.

- Olívia, eu e a Celina nos machucamos seriamente nesse acidente. Um carro furou o sinal vermelho e atingiu minha moto em cheio no cruzamento da prefeitura. Nós dois voamos longe, eu acabei sendo arrastado pelo asfalto com a moto caída na minha perna. Algumas pessoas vieram ajudar e chamar a ambulância. Eu pedi para pegarem o celular de Celina e tentarem ligar para você, porque você avisaria o resto da família, assim alguém poderia nos ajudar.

Devo ter ficado parada, olhando para o chão, enquanto ouvia essas palavras. Algumas memórias daquele dia vieram à minha mente: a ligação com o nome de Celina no meu celular que, quando atendi, não era bem uma ligação dela; o susto e todo meu apavoramento para entender o que estava acontecendo e tentar ligar para todo mundo da família avisando; eu pegando um táxi para o hospital no qual eles foram transferidos. Estava tudo uma bagunça em minha cabeça, uma mistura de realidade com sonho. Lembrei de como atendi a ligação: reclamando. Naquele dia, acabei passando no shopping para comprar um sorvete. Enquanto eu subia a escada rolante, eu o vi lá embaixo, de mãos dadas com outra pessoa. Acabei pegando a escada para descer logo em seguida só para ter meu coração mais quebrantado. Ele, o que achava que eu morava longe demais para me visitar, o que nunca mais respondeu minhas mensagens por estar muito ocupado, estava cheio de amores por outra garota, na mesma cidade antes longe demais, no shopping a uma quadra da minha casa. Deixei o sorvete para lá, fui para casa com raiva, segurando as lágrimas, pronta a desabafar tudo à Celina, mas ela não estava lá, já havia saído. Fiz então o que eu não deveria ter feito: procurei pelo perfil dele na internet e achei um status de relacionamento sério, uma foto dos dois juntos e uma mudança na localização. Ele havia se mudado para cá. Percebi então que o problema não era a distância, não era o fato de eu querer algo sério: o problema era eu.

- Olívia - ouvir meu nome me despertou das memórias - A Celina não resistiu. Não sei se você está querendo viver em uma outra realidade, mas ela não está mais aqui, ela não mora mais aqui.

Olhei para Levi, ele provavelmente foi quem percebeu que algo estava estranho, foi ele quem pediu para Eduardo vir conversar comigo.

- Desculpa ser tão direto assim, mas é a verdade - Eduardo continuou

- Não... Não. Eu não estou louca. Eu tenho a visto, eu tenho falado com ela - eu disse mais a mim do que a ele

- Acredite, eu penso todos os dias nela, eu... Eu bem que queria que você estivesse certa, que ela ainda está aqui, que mora aqui, que conversa com você, eu... Eu sinto a falta dela todos os dias. E eu me culpo todos os dias - a voz dele se quebrou

Tentei forçar minha mente para lembrar o que aconteceu, mas era tudo um borrão. Tudo desde que eu recebi a notícia e corri para o hospital.

- Não é possível. Como eu não ia lembrar disso? Como eu iria simplesmente esquecer disso?

- A gente lida com isso de formas diferentes, Olívia. Eu... Eu ainda não sei como lidar, mas às vezes eu queria também bloquear esse acontecimento da minha mente. Eu devia ter olhado para o outro lado do cruzamento, eu deveria ter segurado ela, eu deveria ter conferido se ela tinha apertado a fivela do capacete direito, eu deveria ter dito tantas coisas para ela...

Eduardo falava olhando pro chão, como se estivesse falando consigo mesmo. Sua voz estava fraca, falha, como eu nunca a havia ouvido antes. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas. Levi apenas acompanhava tudo em silêncio, sem saber o que falar.

- Sabe, a gente estava mais unido. Depois daquele tempo sem ela por pura burrice minha, nós ficamos melhores, mais fortes, mais maduros. Acho que tínhamos finalmente entendido nossa relação e estávamos felizes, sem briguinhas. Mas ainda tinha tanta coisa para ser dita, para ser feita... Eu estava pensando em pedi-la em casamento e.... Isso aconteceu, eu... - ele levou suas mãos aos seus olhos, tentando disfarçar

Meus olhos também começaram a se encher de lágrimas, mas eu ainda não conseguia lembrar do momento exato no qual soube que teria que viver sem Celina. Era como se ela nunca tivesse me deixado.

- Não, isso não é possível - eu repeti para mim mesma - Eu não estou louca. Ela ainda está aqui.

- Há três meses eu tento lidar com isso. Eu sei que é difícil, mas você não pode simplesmente fingir que nada aconteceu.

Eu me levantei, andei de um lado para o outro tentando lembrar como tudo isso acontecera. Eu não podia estar tão maluca assim. Ouvi os dois conversando entre si baixo.

- Eu juro que estou tentando lembrar, mas não consigo! - eu me pronunciei, já em lágrimas - Para mim, o acidente tinha sido só um susto. Tinha ficado tudo bem e...

Parei de falar quando Eduardo se curvou, levantando a barra de sua calça. Ao invés de sua perna, havia ali uma prótese.

- Não foi só um susto, Olívia. Eu perdi minha perna, eu tive que aprender a andar de novo, eu ainda sinto dores em lugares que nem existem mais em mim, mas o pior de tudo foi aprender a viver sem ela.

Devo ter ficado sem palavras, olhando diretamente para sua nova perna. Como eu poderia ter bloqueado algo tão grande da minha mente?

- Vem cá, você precisa ver com seus próprios olhos.

Eduardo, um tanto quanto impaciente, se levantou e me puxou pela mão até à porta.

- A chave da Celina nunca mais apareceu aqui no porta-chaves, certo? Você não achou isso estranho?

- Sim, mas ela sempre perdia as coisas e eu... - fui puxada até a cozinha antes de terminar a frase

- Se a Celina ainda estivesse aqui, aposto que ia ter um monte de copo de água na pia sujo de batom. Você vê algum!?

Ele me puxou até o corredor antes de eu ter alguma reação. Levi estava de pé, observando a cena preocupado. Eduardo abriu a porta do quarto de Celina e, ao invés de eu ver sua cama, sua cômoda e as suas fotos na parede, tudo o que eu vi foi um vazio e uma caixa de papelão no canto da parede.

- Me diz como é que ela ainda mora aqui? Ela se foi, Olívia. Você tem que aprender a viver sem ela também, como todos nós!

A caixa no canto da parede, sobre o chão empoeirado, me trouxe memórias do dia em que juntamos suas coisas para doação. Lembro que briguei para não doarem a almofada que ela tanto gostava e, no fim do dia, acabei molhando-a inteira de lágrimas. De repente, tudo começou a fazer muito sentido. Os copos que nunca mais se acumularam na pia, a pasta de dente sempre no lugar certo e tampada, o fato de Celina nunca estar em casa e, sempre que estava, era sempre corrido, ela sempre estava saindo ou se despedindo. Fazia sentido ela não falar de trabalho como sempre falava, fazia sentido ela não contar nada que eu já não sabia sobre sua vida. Todos os olhares estranhos do porteiro, o fato da minha mãe sempre me perguntar sobre uma nova pessoa para morar comigo... Tudo começou a fazer sentido e, com isso, comecei a lembrar dela no hospital, lembrar de toda a apreensão esperando um parecer dos médicos, lembrar do choro de todos na recepção quando a notícia foi dada. Lembrei do meu choro descontrolado quando a vi no caixão, lembrei de Eduardo na cadeira de rodas durante o enterro. Foi tudo rápido, como se tudo estivesse escondido na minha mente e tivesse vindo à tona em um milésimo de segundo.

Eu ia falar algo, mas não consegui pronunciar nada. Meu corpo ficou mole ao ver o quarto de Celina vazio, sem vida, e logo minha visão escureceu também.


Parecia que eu tinha levantado muito rápido: estava tudo muito estranho, eu tentava enxergar algo, mas só via borrões. Ao fundo, ouvi um bipe ficando cada vez mais alto, mais rápido. Forcei meus olhos e tentar enxergar algo e aos poucos fui definindo algumas formas. Havia um quadro na parede, uma porta branca de um lado, eu parecia estar deitada.

"Ei, ei, calma, está tudo bem". Demorei para reconhecer a voz, mas meus olhos definiram um pouco mais minha visão e pude notar que era Levi ao meu lado. Inclinei meu pescoço, tentando levantar, mas senti uma pontada na cabeça.

- É melhor você não se mexer, pode ficar calma - ele falou, ajeitando minha cabeça no travesseiro

Não demorei muito para notar que eu estava em um quarto de hospital.

- O que aconteceu? - minha voz saiu meio estranha enquanto minha cabeça ainda doía

- Você desmaiou e não fomos rápidos o bastante para te segurar. Acabou batendo a cabeça na entrada do banheiro, cortou um pouco, mas os médicos já garantiram que não é nada grave, é só você descansar.

Eu respirei fundo, tentando não me concentrar na dor em minha cabeça.

- Desculpa ter te colocado nessa situação, você nem precisa ficar aqui. Você deve pensar que eu sou maluca por ter simplesmente esquecido da morte da minha prima - eu falei meio embolado, sem pensar

- Fui eu quem te coloquei nessa situação, Olívia. E sim, eu preciso e quero estar aqui.

- Como... Como você percebeu?

- Primeiro porque eu nunca encontrava com ela, mas você mesma falou que ela estava distante, então eu deixei para lá. Mas acho que o que eu achei mais estranho no começo foi ter errado a porta pro banheiro e ter encontrado um quarto vazio, apenas com uma caixa. Eu notei que só tinham mais dois cômodos: o seu e o banheiro, então aquele deveria ser o quarto de Celina.

- Eu ainda não entendo como eu consegui viver com aquele quarto vazio sem notar. Mas eu nunca fui muito de entrar no quarto dela. Celina sempre reclamava que eu tirei algo do lugar - suspirei, tentando não pensar muito na falta da Celina, até mesmo na falta de suas reclamações

- Aquilo ficou na minha cabeça, mas você tinha me falado que ela ia se mudar com o namorado, então achei que ela já tinha se mudado sem te avisar. Mas foi o porteiro quem me contou.

- O porteiro?

- Fui perguntar se Celina tinha se mudado, ele estranhou e me contou que ela tinha falecido. Você achava que ele te encarava, mas ele só não sabia muito lidar com a situação. Daí inventei aquela desculpa ridícula para tentar falar com o Eduardo, e ele sim me explicou tudo direito.

- Acho que agora tudo faz sentido de novo. E eu vou ter que recomeçar sem ela - tentei não deixar uma lágrima escapar, mas falhei

Levi estava um pouco inquieto. Percebi que sua mão estava na minha, algo que eu não havia notado até o momento.

- Eu sei que você precisa recomeçar. E eu sei que vai ser duro, mas vai ser pra melhor. E... - ele desviou seu olhar para nossas mãos - Acho que a gente devia recomeçar também. Do jeito certo.

- Ahn? - eu não sabia se tinha ouvido certo - A gente recomeçar? Por que isso?

- Porque... Tem algo que eu não te contei.

Devo ter cerrado meus olhos, confusa. Não consegui pensar em nada, nem ao menos pular para o pior cenário possível. O que ele poderia ter escondido de mim?

- Eu devia ter contado antes, mas eu tive tanto medo de te perder por algo tão pequeno e... - ele respirou fundo - Sabe quando você disse que teve sorte de me encontrar e eu disse que fora eu quem tinha te encontrado? - confirmei com a cabeça - Eu te encontrei bem antes de entrar em contato com você.

Fiquei calada, esperando mais explicações.

- Eu sabia que você estava pensando em deletar seu perfil... Eu... Nem sei por que eu não contei isso para você, talvez eu estivesse com medo de te perder e você me contando que não consegue confiar em ninguém e...

- Levi - seu olhar finalmente encontrou o meu - Explica direito. Não sei se me deram alguns remédios ou se é essa dor de cabeça, mas eu não estou entendendo aonde você quer chegar.

- Eu trabalho pro aplicativo onde eu te encontrei, Olívia. Eu fui o funcionário que respondeu seu e-mail aquela noite depois de você ter demandado uma resposta mais pessoal. Eu fiquei com o seu perfil aberto, esperando você confirmar que queria deletá-lo de vez.

Meus olhos continuaram cerrados, desconfiados, mas eu não me pronunciei.

- Eu fiquei com o seu perfil na minha frente e... Eu comecei a lê-lo e eu comecei a ver suas fotos e eu fiquei imaginando o que uma garota tão interessante como você estava fazendo naquele aplicativo. Talvez era porque eu lido com o pior tipo de gente ali, os que são censurados, os que infringem as regras do site... Eu vi que você não era como os outros. Até seu e-mail pedindo o cancelamento era cheio de personalidade. Então eu, contra todos os meus princípios, afinal eu sempre falei que eu nunca entraria naquilo, criei um perfil e tentei responder às perguntas parecidas com as suas para que você aparecesse rapidamente nos meus perfis compatíveis... Mas eu não precisei mentir nas minhas respostas, porque a gente era sim compatível. Eu fiz com que você tivesse me curtido para poder conversar com você por lá e... Nossa, desculpa. Eu não deveria, eu sei que eu não deveria.

Ele estava um pouco desconsertado, cheio de culpa, mal olhava em meus olhos. Minha cabeça doeu fortemente quando tentei levantar meu pescoço e olhá-lo melhor.

- O que mais do meu perfil você viu? Só as respostas das minhas perguntas? Ou você leu as mensagens?

Levi mordeu seus lábios.

- Eu li a única conversa que você tinha. E eu acabei ficando com raiva dele... Como é que ele simplesmente não te respondia quando eu faria qualquer coisa por uma mensagem daquelas sua?

- Você já sabia de tudo? Eu te contei de tudo e você já sabia?! Você invadiu a minha privacidade sem nem ao menos me conhecer?! - minha voz ficou mais grave à medida que minha cabeça doía mais

- Eu entendo se você não quiser mais olhar na minha cara depois disso, por isso achei que seria um bom momento para recomeçarmos... Ou não.

- Um bom momento? Quando eu estou numa cama de hospital porque acabei de lembrar que a minha prima morreu meses atrás?! Você teve todas as oportunidades de me contar isso e me conta agora?!

Eu não percebia, mas estava gritando. Minha cabeça doía, eu sentia pontadas agudas perto da minha nuca. Uma enfermeira entrou no quarto ao ouvir a confusão, mas eu continuei falando coisas sem pensar para Levi. Ele apenas se preocupou em me estabilizar para que eu não movimentasse minha cabeça, mas eu arranquei suas mãos de mim. A enfermeira me segurou, dizendo que eu tinha que descansar. Não lembro mais o que eu disse, mas Levi saiu do quarto enquanto eu ficava cada vez mais sonolenta e as dores ficavam mais amenas. Eu apaguei novamente, mas com uma raiva guardada no peito.


Parecia um déjà-vu. Acordei com o mesmo bipe, as imagens sem forma em minha visão. Só que, dessa vez, a dor perto da minha nuca estava mais leve e quem estava ao meu lado era Eduardo.

- Ainda está doendo? - ele perguntou, mas eu demorei para entender - A cabeça... Ainda está doendo?

- Ah... Um pouco. Está melhor. Mas eu me sinto um pouco mole.

- Relaxa, a enfermeira disse que você vai ficar meio dopada por um tempo ainda. Ah, eu consegui falar com a sua mãe, ela falou que está vindo.

- Você ligou para minha mãe? - forcei meus olhos, mas as vozes ainda estavam meio confusas

- Sim, ela ficou preocupada, mas eu disse que não foi nada grave.

Lembrei de como minha mãe ficou ainda mais preocupada quando aconteceu o acidente com Celina. Ela deveria estar correndo até o hospital no momento.

- E eu sei que não deveria me meter, mas o garoto ainda não foi embora, mesmo depois dos gritos que você deu.

Eu bufei, lembrando do que havia acontecido.

- Ele me contou e, sinceramente, não é nada demais perto do que ele fez por você.

- Explique-se.

- Eu sei que você ficou chateada comigo depois do que aconteceu entre a Celina e eu, e sei que você acha que ela não deveria ter voltado comigo, mas, eu juro que se a Celina estivesse aqui, ela estaria falando para você parar de ser tonta e perdoá-lo porque o que ele fez nem se compara ao que eu fiz. Afinal, ele não saiu do seu lado até eu convencê-lo que não seria bom você acordar e gritar com ele de novo.

Respirei forte. Por mais que eu tente negar, seria exatamente o que ela iria dizer.

O quarto ficou silencioso por um momento, somente o bipe das máquinas ao meu lado continuavam soando. Nós dois provavelmente estávamos pensando em Celina.

- Desculpa ter que envolver você nisso. Eu não deveria ter esquecido, eu nem sei como isso aconteceu. Ter esquecido disso é basicamente uma ofensa à Celina.

- Eu tentei negar e fiquei com raiva nos primeiros meses. Eu tive que aprender a andar de novo, eu tive que aprender a viver com essa dor e esse arrependimento. E seria bem fácil se eu conseguisse esquecer também. Não se culpe por isso, ok? Está tudo bem.

- Mais ou menos bem - eu respondi, olhando pro lado

- Sabe que quando o garoto me disse que achava que você tinha bloqueado isso da sua mente, que você vivia como se ela ainda estivesse ali, eu fiquei com raiva? - ele riu meio nervoso - Fiquei com raiva porque eu também queria pelo menos um dia também ver a Celina, conversar com ela, nem que fosse na minha mente.

- Ela ainda estava apaixonada por você na minha imaginação, se você quer saber.

Ele sorriu, um pouco feliz, olhando pra mim.

- Sabe o que ela provavelmente diria agora também? - eu balancei minha cabeça negativamente - Para você conversar com o garoto aí fora. Ela sempre quis te ver feliz e você parecia muito feliz quando abriu a porta para mim achando que era ele. E ele está completamente apaixonado por você.

- Levi te disse isso? - olhei desconfiada

- Não, claro que não. Mas é óbvio. O que ele fez por você, ter vindo falar comigo para entender e me convencer a te mostrar a verdade... Não é qualquer um que faria. Talvez outro cara iria achar que você estava louca e se afastaria. Ele estava super preocupado se era a coisa certa a fazer e se você reagiria mal a isso ou não. Ele se preocupa tanto que ainda está aqui depois dos seus gritos - Du brincou - Isso porque ele me disse que deveria ter ido pro trabalho duas horas atrás.

Suspirei. Ele estava certo. Não era justo para Levi se eu simplesmente o tirasse da minha vida depois de tudo o que ele fez por mim. Porém, confesso que a minha confiança nele se abalou um pouco.

Enquanto eu pensava sobre o caso, a porta do quarto se abriu e o ambiente ficou barulhento: minha mãe acabara de chegar fazendo mil perguntas sobre o que tinha acontecido, me sufocando. No meio da agitação, com a porta ainda aberta, vi Levi acenar e dar um meio sorriso, indo embora. Uma parte de mim quis pedir para ele ficar, outra quis um um pouco de espaço para pensar no que fazer.


- Sim, mãe. Já está tudo certo. Não, não preciso de ajuda, são só coisas pequenas, os móveis já foram. Sim, eu vou amanhã entregar as chaves. Ok. Ok. Tudo bem. Ok, eu vou ligar pro papai para dizer que eu estou bem também. Qualquer coisa eu te ligo.

Desliguei a ligação, já com a orelha vermelha de tanto contato com o celular. Minha mãe estava dez vezes mais preocupada comigo desde que soube que eu estava vivendo negando tudo - e ainda desmaiei feio ao descobrir a verdade.

Olhei ao meu redor e tudo o que eu vi foi meu quarto vazio, sem vida, as marcas na parede não iam ter sentido para o novo morador e isso me fez ficar triste. Ninguém ia saber que aquela marca ali foi quando eu quis mudar a cama de posição, apesar de Celina me falar que não cabia de outro jeito, e acabei tirando um pedaço da tinta com a cabeceira. Aquela outra foi uma marca de esmalte que eu tentei tirar com acetona e acabei tirando a tinta junto. E a outra, no chão, foi resultado de alguns tropeções no pequeno degrau logo na entrada. Porém, eu estava decidida: eu precisava me mudar, eu precisava resolver minha vida e jogar o passado para trás.

Falando em resolver... Eu sabia que precisava resolver minha situação com Levi. Ora eu sentia sua falta, ora eu sentia raiva por ele ter escondido de mim a verdade. Se ele tivesse sido direto desde o começo, eu não veria problema, veria? Ou eu acharia estranho e nunca o responderia por ele ser um funcionário do aplicativo? Eu não sabia mais a resposta certa. Meus dedos foram ao ícone do aplicativo na tela do celular. Fazia um bom tempo que eu não o abria. Sem pensar muito, cliquei, vendo que eu tinha algumas notificações esquecidas.

Apaguei algumas conversas de pessoas que em nada tinham a ver comigo, bloqueei alguns e logo vi que terminei ficando com apenas duas conversas: a de Levi e a que ele leu antes mesmo de eu contar a história toda. Fechei os olhos, tentando achar alguma resposta para o que eu deveria fazer... Acabei a encontrando.

Deletei a conversa antiga. Cliquei na conversa mais nova e digitei sem pensar nas consequências.

"Precisamos conversar. Você pode vir aqui?". Depois que enviei a mensagem, não tive mais volta.

"Claro. Estarei aí em 20 minutos. Pode ser?", ele não demorou nem um minuto para responder.

"Ok."

Talvez eu me arrependesse depois, mas eu tinha que tirar essa história toda a limpo.


- E a sua cabeça? - ele disse - Melhorou? Quer dizer, parou de doer?

Levi tentou quebrar o silêncio entre nós no elevador. Eu estava tentando evitar olhá-lo, doía fisicamente em mim por alguma razão. Eu fingi não reparar que ele havia aparado o cabelo, ele fingiu não reparar que eu havia apertado o botão para o último andar.

- Está melhor. Ainda preciso ter cuidado na hora de lavar o cabelo, mas eu não sinto mais nada.

- Que bom - ele disse, com sinceridade

A porta do elevador se abriu depois de mais algum silêncio e ele me seguiu. Eu logo me encostei na grade da sacada, olhando mais para a cidade do que para ele. Levi também se encostou na sacada, mantendo alguma distância entre nossos corpos.

- Eu sei que foi você quem me chamou para a conversa, mas eu posso começar se você quiser.

Ele não olhou para mim. Eu concordei com sua sugestão, mas me assustei quando ele começou a falar.

- Foi um erro. Em todos os sentidos.

- Um erro... Nós dois?

Seus olhos finalmente encontraram os meus por mais de um segundo e meu peito se apertou.

- Não, um erro não ter esclarecido tudo para você logo no começo. Um erro ter te contactado já tendo acessado seu perfil como um funcionário. Um erro ter passado tanto tempo omitindo isso com medo de te afastar. E um erro me intrometer na sua vida e te causar esse choque, levando você até a parar no hospital. Eu sei que desculpas não vão resolver nada, mas eu sei que eu errei e você tem toda a razão em ficar magoada.

Eu acabei balançando a cabeça de leve com toda a sua culpa indevida.

- E nossas conversas? Nossos encontros? Nossos beijos? Também foram um erro?

Suas pálpebras fizeram seus olhos se apertar, como se estivesse querendo achar qual era a pegadinha da minha pergunta.

- Porque eu não acho que foram um erro. Eu acho que foram as coisas mais verdadeiras que eu vivi durante esse tempo, apesar de todo resto ser uma fantasia. Ou eu estava delirando também e não foi nada do que eu tenho como memória?

- Se foi uma fantasia, você descobriu como compartilhá-la em tempo real porque eu também estava delirando.

Nós rimos de leve, desviando nosso olhar para a cidade.

- Por mais que eu ainda ache que errei com você em não ter te contato toda a verdade, eu não me arrependo desses erros. Mesmo que a nossa história acabe aqui, hoje, eu não me arrependeria.

- Eu quero recomeçar, Levi... É que, uma parte de mim ficou cheia de dúvidas. Lembra do para-quedas? Eu não sei mais se eu vou conseguir pousar em um lugar seguro se puxar a cordinha e isso me apavora.

- E se alguém te empurrasse do avião por engano, mas, apesar do seu pulo ter sido um erro, os momentos que você passou em queda livre se tornassem ótimos momentos da sua vida? Você ainda ia ficar com muita raiva da pessoa que te empurrou?

Eu fiquei pensando sobre aquilo calada. Ele respeitou meu silêncio. Como eu confiaria que ele não ia me empurrar de novo? Mas sem pára-quedas dessa vez?

- Sabe... Meus amigos sempre tiraram sarro de mim por trabalhar em um aplicativo de relacionamento. Ficavam me enchendo o saco para sair com alguém, eles me pediam para mandar perfis interessantes para o perfil deles para eles mandarem mensagens e eu nunca desrespeitei o código de conduta do aplicativo, nunca usei ao meu favor ou fiz favores para conhecidos... Mas, com você, eu sabia que não deveria, mas também sabia que me arrependeria por não tentar te conhecer de algum jeito. Eu não sei, eu não me arrependo, eu posso até ser demitido se descobrirem, mas eu não me arrependo.

Tirei meu olhar do céu e coloquei-o sobre Levi. Era como se eu estivesse conhecendo outra parte da vida dele.

- E eu vou usar uma metáfora horrível aqui, mas sempre foi como um quebra cabeça, como se eu fosse uma peça perdida de um quebra cabeças complicado de dez mil peças e eu sempre achei que nunca iria encontrar alguma outra peça que me completasse. E eu tentei me encaixar em outras, tentei me cortar, me mudar, me espremer em peças nas quais não era para ser encaixado. E, quando eu já havia desistido, te encontrei e eu não precisei fazer nenhum esforço, não precisei cortar alguma parte de mim, não ficou espaço vazio... Eu... - ele suspirou forte - Eu sei que a decisão é sua, mas, em relação a mim, eu vou sempre estar aberto para você a qualquer hora, é só você chamar.

- Você não me acha louca? Que eu preciso de um psicólogo ou algo do tipo?

- Quem não precisa? - ele riu - Se for por medo de eu te achar louca, saiba que eu também não sou muito normal.

Eu ri e dei um passo discreto para o lado, fazendo nossos braços apoiados na sacada quase se encostarem.

- Eu estava preparado para ouvir mais alguns gritos hoje - Levi comentou - Achei que você ainda estava com raiva.

- O que você esperava que eu fizesse? Gritasse e te jogasse aqui da cobertura? - ele riu com minha suposição

- Ufa. Ainda bem que você não vai me jogar daqui, eu ainda tenho umas contas para pagar amanhã, imagina morrer endividado?

- Achei que você não tinha medo de altura, Senhor Radical.

Ele revirou os olhos, sorrindo.

- Eu estava nervosa, eu estava em um momento de revolta por ter lembrado da Celina e você foi e me contou aquilo... Enfim, não foi a melhor hora.

- E agora? Seria uma boa hora para te pedir perdão de novo?

Não respondi. Acabei ficando ainda mais próxima de seu corpo e Levi logo reparou na proximidade, talvez por isso tirou um fio de cabelo do meu rosto que havia se bagunçado com o vento. E eu fiz questão de não desviar meus olhos dos dele enquanto ele o fazia.

- Então, eu preciso saber. Nós vamos recomeçar ou não? Você está me dando uma esperança que eu realmente espero que não seja falsa.

- Hum... Não sei. Que tal perguntar para minha amiga secreta? Ela deve saber melhor.

Ele virou levemente seu pescoço para trás, rindo com minha resposta, logo entendendo o que eu quis dizer.

- Pergunta para ela se ela não quer sair de novo com o meu amigo secreto? Ele não para de me perguntar, já está enchendo o saco.

Sua mão estava no meu rosto e eu mal sei quando nossos corpos ficaram de frente um para o outro ao invés de encostados na grade da sacada. Céus, eu queria beijá-lo, mas não sabia como fazê-lo sem me mostrar vulnerável. Eu sei que estava cedendo e o meu orgulho estava me dizendo que era errado.

Por sorte, foi ele quem inclinou seu pescoço, aproveitando a abertura que eu dei ao olhar fixamente para os seus lábios. Eu não sei porquê, mas seu beijo tinha um gosto diferente agora, talvez até melhor.

Nosso contato foi rápido, foi como se eu precisasse de mais algumas horas me acostumando à loucura dentro na minha cabeça enquanto nossas bocas estavam juntas.

- Você ainda não me respondeu. Como eu vou saber se esse foi o nosso último beijo?

Talvez fosse difícil para mim admitir que eu o queria de novo depois dele ter escondido algo tão importante, talvez eu sempre boicotasse minha chance de ser feliz por medo de me machucar de novo. Acabei respondendo sem nenhuma palavra: o beijei novamente para que ele entendesse que aquele não foi e nunca fora nosso último beijo.

Senti seu corpo ficar mais relaxado, seu beijo ficar leve, suas mãos acariciarem meu rosto com menos rigidez. O vento batendo no meu rosto fez com que eu tivesse a impressão de estar em queda livre, mas meu corpo se apoiando ao seu me fez sentir segura, como se eu fosse cair em terra firme, são e salva. No meio da bagunça entre nós dois e entre minha mente, ouvi o barulho do elevador. Demorei para parar o beijo e olhar para o lado, vendo um casal se aproximar da porta do apartamento, nos encarando surpresos e um pouco desconfiados. Levi se afastou um pouco enquanto eles abriam a porta e, depois que adentraram o apartamento, nós rimos baixo por causa da situação.

- Eu venho aqui há anos e logo no último dia, quando estou acompanhada, esses moradores resolvem aparecer? - comentei, ainda sem acreditar

- Último dia? Você vai se mudar?

Confirmei com a cabeça.

- O apartamento está vago caso você queira - comentei rindo

- Droga, eu já aluguei outro - Levi riu

- Sério? Vai se mudar da espelunca? Não que eu tenha conhecido a espelunca para chamá-la assim mas...

Ele me olhou balançando a cabeça.

- Para a sua informação, meu quarto era até bem ajeitado, ok? Mas eu decidi morar sozinho, ter mais tempo para o que eu gosto sem ter que me preocupar se a pia está inundando a cozinha ou não. E sem ouvir barulhos indesejáveis.

- Nem me conte mais, eu não preciso saber quais barulhos são esses! - brinquei - Para mim vai ser bom mudar, mas vou sentir falta dessa vista.

Apoiei meus braços de novo na sacada, sentindo o vento.

- Vai mudar para longe daqui?

- Não, vou ficar a uns 5 blocos do shopping ao invés de ser vizinha dele.

- Hum... Eu vou ficar a sete blocos do shopping. Talvez a gente possa combinar de caminhar para tomar sorvete um dia desses?

Eu sorri, vendo seu sorriso abrir também, e tive uma ideia.

- Que tal aproveitarmos para tomar esse sorvete agora mesmo? - dei uns passos para trás, puxando-o pela mão

- Interessante. Vai ter cobertura? - ele me seguiu, ainda de mãos dadas

- Podemos pegar uma tigela só de cobertura, que tal?

- Deus, eu realmente tirei a sorte grande quando arrastei seu perfil para a direita!

Gargalhei com seu comentário enquanto apertava o botão do elevador.

- Pelo menos um de nós arrastou o perfil para a direita né? O meu foi surpresa.

Ele me olhou com cara de culpado enquanto entrávamos no elevador, mas eu aproveitei para puxá-lo para perto. As portas se fecharam e confesso: a descida ao terreiro não foi nem um pouco silenciosa quanto a subida à cobertura.



F    I    M

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