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Adormeci logo após combinarmos que era tarde demais... Eu já havia bocejado varias vezes e eu podia notar seus olhos pesados. Dormi um sono profundo, com sonhos malucos misturando o real e o impossível. Fazia tempo que eu não acordava tão bem. Coloquei uma música no celular e fui preparar meu café da manhã. Enquanto passava meu café, levei um susto: Celina estava parada na porta da cozinha, estranhando minha animação.
- Celina! Quer me matar é? Porque você está em casa numa hora dessas?
- É pra revidar o susto que você me deu ontem. O que aconteceu com você? Por que você está tão feliz?
- Eu ein? Não posso nem mais ter um minuto de paz, não?
- Você está cantarolando e dançando na cozinha às 8:30 da manhã. Isso é muito estranho. Cadê o silêncio, o mau-humor, a Olívia rabugenta de todas as manhãs?
- Eu estou de férias, eu posso cantarolar se eu quiser, sendo uma pessoa matutina ou não.
- Ok, e eu acredito. Eu só vim pegar minha marmita que esqueci na geladeira, já to saindo e te deixo ter seu momento de paz de camisola esquentando pão! - ela riu
Eu quis contar o motivo pelo qualquer estava feliz, mas eu sabia que sua reação ia ser um balde de água fria em cima de mim, por isso me segurei.
Ela disse que ia direto para casa do Du, que não era para me esperar e saiu tão rápido quanto entrou. Respirei fundo, eu teria que contar logo, com Celina me julgando ou não, afinal, guardar esse assunto para mim ia acabar me sufocando.
"Eu não vou nem perguntar como está sendo o seu dia porque a resposta é óbvia".
Recebi esta mensagem enquanto eu assistia a um filme bobo só para preencher meu tempo. Fiz questão de pausar o computador na hora.
O que ele quis dizer com isso? Eu não deixava demonstrar nada. Lógico, ele sabia que eu estava interessada, eu estava conversando o dia todo com ele, mas como ele pôde assumir que eu estava tendo um dia feliz por causa dele? Respondi um pouco desconfiada, achando que ele estava sendo arrogante.
"Por que você acha que eu estou tendo um dia bom?"
A resposta dele demorou a chegar e, enquanto eu esperava, torcia mentalmente para ele não me broxar completamente com algo do tipo "porque agora você está falando comigo".
"Você está de férias. Não tem como não ter um dia ótimo quando não se tem nada para fazer!".
Ouviram isso? Foi meu suspiro de alívio. Eu estava preparada para me frustrar, para ver que ele era mais um entre tantos outros, iguaizinhos a todos os caras com os quais falo no aplicativo e desisto depois da segunda frase... Mas não havia sido esta a hora de me decepcionar.
Continuamos conversando. Eu desisti do filme. Ele provavelmente estava atrasando seu trabalho. Continuamos contanto um pouco um da vida do outro. Eu resolvi fazer um misto quente. Ele me contou que detestava almoçar na empresa e ter que ficar conversando com colegas tagarelas e tentando mastigar ao mesmo tempo. Continuamos sabendo um pouco mais do outro, fosse algo fútil ou essencial. Eu resolvi limpar meus tênis. Ele começou a demorar um pouco mais para responder porque seu chefe já estava desconfiado. O dia passou rápido demais para tanta conversa.
- Eu não acredito que você ainda não viu O Sexto Sentido! Aproveita que você não está fazendo nada e assiste! - ele disse do outro lado da tela
Sua risada era divertida, sem inibições.
- Não estou fazendo nada? Conversar com você exige muito do meu tempo, ok? Como eu ia prestar atenção no filme tendo que te responder?
- Ok, a solução vai ser você fazer os dois ao mesmo tempo.
- Como assim?
- Eu vou contando para você a história do filme, assim você fica sabendo o que acontece enquanto fala comigo!
Eu acabei rindo e rolando os olhos ao mesmo tempo.
- Eu sei que é cedo, mas...
- Lá vem você com essa história de novo!
- Vai me deixar terminar?
- Anda, termina.
Foi ele quem virou os olhos dessa vez.
- Sei que ainda é cedo, mas amanhã é minha última noite sem trabalhar essa semana. O que acha da gente se encontrar sem ter que ficar segurando o celular?
- Ah, não! Você é daqueles caras que não gostam quando a menina fica no celular o tempo todo durante o encontro? - eu disse com ironia
- Olívia, é sério. Depois eu só vou poder na segunda-feira.
- Hum, eu tenho uma ideia melhor. Um sorvete na sexta feira de tarde, antes de você ir trabalhar. Está muito calor pra pensar em jantar.
- Combinado. Onde?
- Eu moro perto do shopping e tem uma sorveteria self-service que inaugurou mês passado! O que você acha?
- Você me ganhou com "sorveteria self-service"! - Levi falou animado, mas a ansiedade dentro do meu peito cresceu
E lá estava eu, nervosa, olhando o relógio, esperando por ele no local onde combinamos. Ajeitei meu vestido, tentei conferir meu reflexo na vitrine da loja ao lado, meu coração estava saltando do peito enquanto minha mente estava cheia de "e se?'s".
Eu não tinha contado a Celina sobre ele. Eu não tinha contado a ninguém. Eu quase não estava contando para mim mesma para meu consciente não perceber que eu estava repetindo a mesma história que demorei meses para esquecer. Alguma pontinha, lá no fundo, me dizia que ia ser tudo igual, que eu ia sofrer de novo, mas outra parte de mim dizia para eu tentar de novo.
Olhei o relógio novamente e, quando voltei a olhar para frente, alguém parecido com ele veio pelo corredor. Eu ainda estava em dúvida se era ele mesmo, mas a dúvida foi embora quando ele acenou, andando em minha direção. Aperto de mão, beijo no rosto ou abraço? Aperto, beijo, abraço? Se decida, Olívia! E acabou sendo uma mistura desajeitada dos três. Eu estendi a mão, ele me abraçou e eu encostei o rosto no seu rosto, fazendo um barulho patético de beijo. Ele era mais alto do que eu imaginava, mas não tão alto a ponto de me deixar ainda mais baixinha. Tive que ficar nas pontas dos pés no abraço, mas não precisava olhar tanto para cima quando falava com ele. Nossas primeiras palavras foram sem-graça, envergonhadas, como na ligação e na chamada de vídeo.
"Como está calor hoje, não? E olha que o verão ainda está longe de começar!"
"Nossa! Não tinha visto que essa loja tinha fechado. Tinha umas promoções boas aqui!"
"Olha, tem sorvete de churros! Será que é bom?"
A conversa só ficou mais natural quando nos sentamos, com os sorvetes em mãos. Eu não sabia se conversava ou pegava uma colherada do sorvete.
- É sério, eu estou aliviado! - ele disse
- Por quê? Porque eu sou a mesma pessoa da foto, só um pouco menos produzida e sem iluminação certa? - eu tive que rir
- Bom, isso também, mas eu estou aliviado porque a estranheza foi finalmente embora e a gente pode conversar como conversamos esses tempos. É porque às vezes a conversa é boa no virtual, mas não flui no real. Faz sentido ou eu estou falando coisas aleatórias para disfarçar que eu estou extremamente nervoso?
Eu sorri pegando uma colherada do meu sorvete.
- Eu também estou aliviada e, se quer saber, também estou tentando disfarçar, mas eu tô nervosa.
- Ok, então não tem problema se nos dois estamos nervosos. Se só um estivesse, eu me preocuparia. Mudando de assunto - ele estava falando rápido demais, e eu achando aquilo adorável - qual sorvete você pegou?
- Churros, floresta negra, pistache, kinder ovo e iogurte grego.
- Uau. Peguei de torta de limão e paçoca. Ainda bem que não fomos jantar, não daria para você pegar um pouco de cada prato do menu! - ele riu - Desculpa, eu to fazendo umas piadas tão ruins que até eu tô com vontade de me mandar calar a boca.
- Bom, enquanto você faz piadas, eu como sorvete parecendo uma criança de dois anos. Então, no final, eu que vou sair envergonhada daqui.
- Bom saber que estamos no mesmo nível quando o assunto é etiqueta social.
- E você ainda queria me levar para jantar! Tem dias que eu como gelatina no jantar às 2 da manhã.
Ele riu de um jeito fofo e eu dei mais uma colherada no sorvete, escondendo que eu havia gostado daquilo.
- Então - continuei - Você já se encontrou com alguém que conheceu no aplicativo antes?
Era uma pergunta que estava na ponta da minha língua há um bom tempo.
- Não. Bom, uma vez eu marquei um encontro, mas ela não apareceu.
- Ai. Não apareceu? Por quê?
- Gostaria de saber. Nunca mais falei com ela. Mas acho que foi bom, eu tinha acabado de terminar o namoro e estava fazendo aquilo por pura carência. Talvez ela fosse um fake, talvez tenha falado que ia só por educação... Sabia que eu não estava 100% certo de que você viria hoje?
- Eu não costumo marcar encontros, então eu faço questão de aparecer - eu sorri - Então esse é seu primeiro encontro depois do término?
- Bom, não. É o primeiro pelo aplicativo. A gente pode falar sobre outros encontros e ex-namorados no primeiro encontro?
- Se tiver essa regra, a gente já a quebrou mesmo. Agora tanto faz - falei e Levi riu, acabando seu sorvete - Já que tanto faz, nenhum outro encontro funcionou?
- Elas apareceram pelo menos.
- Elas? Encontro duplo? - eu brinquei, ele virou os olhos, rindo sem mostrar os dentes
- Eu tive dois encontros arranjados pelos meus amigos. Digamos que os meus amigos realmente não sabem o meu gosto.
- Seu gosto?
- Você sabe, mulheres que não falem só de coisas fúteis como celebridades ou outras mulheres ou dietas ou... Ex-namorados. Eu tive um pouco de culpa por falar da minha ex também, mas foi bem no começo da minha volta à vida de solteiro.
- Com tantos caras fúteis por aí, elas escolhem um que não é?
- Defina um cara fútil.
- Um cara fútil tem dois assuntos: fica falando da sua boa aparência ou fica falando da boa aparência dele. Não tem nada que me deixa mais entediada do que levar uma cantada barata de um cara que faz academia se olhando no espelho.
- Você teve algum encontro com um cara assim pelo aplicativo?
- Na verdade, não.
- Ok, você agora vai ter que falar dos seus ex's ou dos seus encontros, não sou só eu que vou me humilhar aqui não!
Eu não sabia se contava ou não.
- Eu só fui em dois encontros por esse aplicativo. O primeiro foi esse desastre que eu te falei. Cantadas baratas seguidas de silêncios insuportáveis.
- E o segundo?
- O segundo é uma longa história. E aí? Gostou do sorvete?
Foi uma tentativa ridícula de mudar de assunto, mas ele respeitou o fato de eu não querer comentar mais nada. Era um assunto que ainda me machucava e eu não queria que ele se comparasse a ninguém.
- Gostei sim, mas confesso que gostei mais das coberturas.
Dei uma olhada rápida em seu pote.
- Depois você fala da minha indecisão! Você praticamente pegou todas as coberturas disponíveis! - eu falei, rindo
- Desculpa se eu não sei escolher entre tantas opções de granulado, confetes e castanhas, ok? Sem falar nas caldas. E no marshmallow. E os canudinhos wafer. E as balas de gelatina...
Ele me fez rir e, para eu não parecer tão caída por ele, peguei mais um pedaço do meu sorvete.
A praça de alimentação não parecia tão intimidadora quando havia mais alguém sentado na mesa comigo. Eu não estava checando as horas, mas percebi que as mesas em volta de nós se enchiam e se esvaziavam enquanto nós continuávamos no mesmo lugar, conversando com a mesma intimidade das ligações virtuais.
- Não, você nunca vai me convencer. Justin Timberlake não é o novo rei o pop! - ele falou, indignado enquanto nós saíamos do shopping
Já era noite e ele precisava trabalhar. Eu disse que não precisava me acompanhar até em casa, que eu morava literalmente ao atravessar uma rua dali, mas ele insistiu, dizendo que seu carro estava estacionado do lado de fora do shopping.
- Vamos ver em alguns anos - eu rebati a discussão
Ele deu um suspiro, ainda indignado com minha comparação entre Justin Timberlake e Michael Jackson. Foram poucos passos até eu chegar à portaria do meu prédio.
- Aqui estamos. Eu disse que não precisava que você me acompanhasse.
- Você não estava brincando quando disse que morava perto! - Levi falou, olhando para cima - Sem ser indelicado, mas não é um pouco caro morar nessa região?
- Eu disse que eu não sou bilionária - brinquei - Eu divido o aluguel com a minha prima e a gente deu a sorte de conhecer a dona do apartamento, quem nos locou, e ela fez um desconto especial que continua até agora. Claro, todo ano tem reajuste, mas ainda tá dando para pagar. A comodidade do lugar vale cada centavo.
- Bom, se um dia essa pessoa comprar outro apartamento por aqui e quiser me dar um desconto, estou aceitando!
Nós dois nos olhamos sem saber como dizer adeus.
- Bom... - ele começou - Deu pra perceber que eu gostei muito do encontro, e do sorvete é claro.
- Mas talvez tenha gostado mais da cobertura - brinquei
- Tenho certeza que a companhia foi melhor que qualquer calda de caramelo - ele me deixou vermelha - Falando em caramelo, tem um pouco no seu cabelo.
- Ah, não! - eu logo procurei e achei uma mecha do meu cabelo dura e grudenta - Eu disse que eu não sei comer sorvete de forma civilizada!
- É melhor prender o cabelo da próxima vez.
- Próxima vez?
- Se você quiser uma próxima vez, é claro - foi ele quem ficou vermelho
- A gente combina. Você tem meu número, não? - eu sorri
O sorriso e o silêncio voltaram.
- Boa noite, então.
Abraço, beijo, aperto de mão? A dúvida voltou. O escolhido foi um abraço, nossas bochechas se encontrando. Ele se afastou, sorriu e acenou, dando meia volta. Eu abri o portão sem desviar meus olhos de sua figura e percebendo que ele estava voltando para o estacionamento do shopping, que essa história de me acompanhar até em casa porque seu carro estava estacionado na rua não foi nada mais que uma desculpa. E, no fundo, eu gostei disso.
- Você estava no shopping? Fazendo compras? - foi a primeira coisa que Celina falou quando me viu entrar em casa
- Só comendo um sorvete mesmo, saindo um pouco.
- Saindo um pouco? O que aconteceu? Enjoou da caverna do seu quarto? - ela riu
Eu queria contar.
- Só saí um pouco mesmo para respirar novos ares - eu falei, indo para o corredor - Conhecer gente nova...
Celina levantou do sofá na mesma hora e veio atrás de mim no corredor.
- Que história é essa de gente nova? Você estava em um encontro? Eu quero saber cada detalhe! Era por isso que você estava tão feliz essa semana! Eu sabia! Como foi? Quem ele é? Me mostra uma foto!
- Calma, calma, calma. Eu só vou te mostrar mesmo quando eu tiver certeza de que vai ter futuro. Senão você fica animada por nada.
- Ah, isso não é justo! Me fala! Onde vocês se conheceram?
Demorei um pouco para responder e ela percebeu. Sua reação mudou.
- Não me diga que é outro cara desse aplicativo! Olívia!
- Sim, e ele é diferente!
- O último também foi! Foi tão diferente que sobrou para mim tentar colar seu coração de volta no lugar! Eu não quero você chorando de novo pelos cantos não, ein? E se eu ouvir o CD da Adele mais uma vez...
- Calma, eu vou ver se dá certo primeiro. Depois eu te conto tudo.
- Me fala pelo menos o nome. É bonito? É simpático? Quantos anos?
- Você só vai saber na hora certa! - eu insisti - Falando nisso, você não tem sua aula de culinária agora mesmo?
- Nossa! É mesmo! Tinha esquecido. Descobri que sou um desastre mesmo, acho que ninguém nem sentiria minha falta. Mas é melhor eu ir, senão fico ainda mais perdida na próxima aula. Lembra quando eu perdi aquela aula mês passado!? Até hoje não sei como cortar as coisas em Juliette! - ela falou, colocando sua sapatilha com pressa
- Julienne.
- Exato! Beijos, Liv! Eu quero saber tudo, viu? Me conta tudo depois!
Celina saiu apressada e eu me senti aliviada por ter contado a alguém. Fechei os olhos, lembrando se cada traço do seu rosto e tentando ouvir novamente sua voz... Uma coisa é certa: ele me fez esquecer a voz da qual eu estava tentando me livrar há meses. E se acabasse aqui, só isso já teria valido a pena.
"Desculpa não ter falado mais nada desde ontem. O trabalho foi uma loucura, vários problemas técnicos e e-mails, até o chefe resolveu aparecer lá de madrugada." Eu li essa mensagem assim que acordei no sábado. Não vou dizer que fiquei esperando uma mensagem dele, mas... Ok. Fiquei. A insegurança dele nunca mais falar comigo depois do primeiro encontro era algo que ainda existia dentro de mim, não importava quão bom fora.
"Não deu para enganar com o aplicativo dessa vez?", eu enviei.
"Eu mal consegui colocar a mão no celular durante a noite toda", ele respondeu logo em seguida. Eu achei que ele estaria dormindo. Eram dez da manhã.
"Ops, te acordei?"
"Não. Só não consigo dormir muito pensando em algumas coisas."
"Foi muito estresse ontem?"
"Sim, mas não me importei. Eu só tinha uma coisa na minha mente e ela era boa."
Não soube o que responder. Que eu quase não dormi pensando em cada momento que tivemos também? Que eu analisei cada frase para ver se eu não estava tendo a ideia errada?
"Aposto que estava pensando nas coberturas do sorvete!", eu digitei, tentando desviar o assunto.
"Mas você não concorda que aquela calda de caramelo era perfeita? Doce na medida certa e sem ficar muito dura em contato com o sorvete?"
Nós dois rimos da piada, mas sabíamos a resposta certa. Não demorou muito para ele me ligar e passarmos o fim de semana como passamos a semana toda: conversando e brincando e flertando sem nenhum embaraço. Celina às vezes passava pelo meu quarto quando estava em casa, ouvindo minha conversa pelas paredes, me perguntando por uma foto. Eu ainda não queria nada me desencorajasse, por isso, contei pouco.
- O nosso segundo encontro ainda está valendo?
- Não sei, preciso ver minha agenda. Estou muito ocupada fazendo absolutamente nada nas minhas férias.
- Confere então se você tem algum espacinho vago na terça à noite. Eu ainda não desisti de te levar para um lugar onde não tenham crianças espalhando granulado no balcão todo.
- Devo começar minhas aulas de etiqueta hoje ou amanhã?
- Também não é assim. É um restaurante bom, mas não precisa de nome na lista para entrar. É uma cantina italiana.
- Você me viu comendo sorvete? Você tem noção que eu sou dez vezes pior quando o assunto é molho bolonhesa?
- É melhor não ir de roupa branca, então - ele riu, mas eu estava nervosa
Eu não sabia como agir em lugares assim. Eu era a pessoa que geralmente comia hambúrguer de fast food em praças de alimentação, que fazia uma bagunça tentando abrir o sachê de ketchup com os dentes. Foi então que eu percebi que precisava de ajuda, e quanto mais cedo melhor.
Quando terminamos a ligação porque Levi precisava ir ao trabalho, eu logo bati na porta de Celina esperando que ela estivesse em casa, mas não estava. Abri meu guarda roupa. De repente todas as roupas que eu tinha se tornaram inúteis. O que eu vestiria que estivesse entre calça jeans e tênis e o meu antigo vestido de formatura? Eu não sabia e eu nem sabia porquê eu estava tão desesperada com isso.
- Por que você não usa aquele vestido preto com as costas abertas? Ele é básico, mas combinando ele com um salto, fica um arraso.
Eu abracei Celina por ter me lembrado do vestido.
- Obrigada, obrigada, obrigada! Eu já disse que te amo?
- Se me ama tanto, me deixa respirar, eu to quase engasgando! - ela falou
Eu havia acordado cedo só para encontrá-la saindo para o trabalho. Havia valido a pena.
- Eu quero é conhecer esse moço, ein? Antes que ele caia duro no chão ao te ver com aquele vestido.
- Por quê? Você acha que é muito sexy? Ele falou que o lugar não é chique. E se ele achar que é vulgar?
- O encontro não é só amanhã? Por que você está tão desesperada?
- Porque eu quero que ele goste de mim, é claro.
- Ele te chamou para um segundo encontro, Olívia. É óbvio que ele gosta de você.
- Você sabe bem que não é óbvio.
- Se você ficar comparando esse cara novo com o idiota do passado, vai levar um tapa na cara e olha que eu coloquei bastante anel hoje!
- Ok, ok. Não vou comparar. Mas vou usar as regras que você me ensinou quando eu saí com o idiota, ok?
- Tudo bem. O cara era um idiota e você foi uma cega - eu virei os olhos ao ouvir isso - Mas minhas regras são maravilhosas. Agora deixa eu ir porque você está me atrasando!
Ela mandou um beijo no ar para mim e saiu, apressada. Eu fui logo provar o vestido para ver se essa seria mesmo a minha escolha.
Terça-feira, oito e quatro da noite para ser mais exata. Eu estava esperando na portaria do prédio, tentando ignorar os olhares curiosos do porteiro. Desci um pouco meu vestido e, assim que decidi pegar o celular para me distrair da apreensão, um carro parou bem à frente da portaria. Levi saiu do carro e, enquanto o contornava, eu abri o portão.
- Olívia! Desculpa, demorei muito? Eu ia mandar uma mensagem agora que tinha chegado! - ele parecia ter levado um susto
- Não, não tem problema. Não esperei muito. Eu que desci adiantada.
- Mesmo assim, me desculpe. Podemos ir?
Confirmei balançando a cabeça e não precisei dessa vez me decidir entre aperto de mão, abraço ou beijo: ele veio até mim e encostou seu rosto no meu, encostando seus lábios de leve na minha bochecha ao afastar-se. Meu coração ainda estava parado quando ele abriu a porta do carro e me convidou a entrar.
Sentada, puxei a barra do vestido um pouco mais para baixo e coloquei minha bolsa no colo enquanto ele dava a volta do carro e entrava pela porta do motorista. Achei que talvez eu estivesse formal demais, mas reparei que ele vestia um blazer e um sapato social, apesar de estar de calça jeans escura.
- Como foi seu dia? - Levi me perguntou, dando partida
- Foi bom, tranquilo. O seu?
- Eu esqueci que todos os seus dias vão ser bons. Você está de férias! O meu foi um pouco estressante, mas nada de falar de trabalho!
- Nada de falar de trabalho? Eu vou reclamar do quê agora? - ele acabou rindo
Depois de algumas ruas e só uma música baixa tocando no rádio, perguntei para onde afinal estávamos indo.
- É uma cantina italiana, muito boa, mas meio que secreta.
- Secreta?
- Sim. É só uma plaquinha, você quase não nota. Me indicaram há um tempo atrás e eu quase não achei, mas a comida é sensacional. Ah, falando na plaquinha, chegamos.
Olhei para o lado, ele não brincou quando disse que era secreto. Eu mal conseguia ver o que estava escrito. Eu ia fazer uma piada perguntando se ele estava me levando para um restaurante ou para um cativeiro, mas quando percebi ele já estava dando a volta no carro para abrir a porta para mim. Foi um ato legal? Foi. Eu poderia ter aberto a porta e saído sozinha? Também.
Um garçom nos atendeu e nos levou à uma mesa reservada. Eu estava impressionada em como o restaurante era simples por fora, mas magnífico por dentro. Havia partes ao ar livre, uma cerca viva coberta de folhas, velas e luzes por todos os lados.
- É sério, como você descobriu isso? É coisa de agente secreto?
- Se fosse, eu teria que te matar por ter descoberto - ele piscou, abrindo o menu - Eu não sei do que você gosta, mas o melhor prato daqui não é o spaghetti.
- Não? - eu indaguei
- Não. O melhor é o capeletti recheado com salmão e nozes ao molho rosé acompanhado de uma porção de polenta frita.
- Uau, você traz muitas garotas assim aqui para ter decorado o menu? - ele ficou vermelho
- Na verdade... Não, é melhor não contar.
- O quê?
- Se eu contar, você me conta a longa história do seu segundo encontro pelo aplicativo?
Pensei por um segundo. O que eu tinha a perder? Muito ou pouco?
- Ok. Temos um acordo.
- Fechado. Você me deixa inseguro com o seu passado e eu te deixo entediada com o meu.
Eu revirei os olhos de leve, rindo.
- Já escolheram? - o garçom nos interrompeu
- Sim - eu falei olhando para Levi - O seu capeletti de salmão e nozes com a porção de polenta me convenceu.
- Ótima escolha! Algo para beber?
- Vinho? - Levi me olhou
- Na verdade, eu não sou a maior fã de vinho - falei com receio
- Hum... Pode ser limonada? Juro que a deles é maravilhosa.
- Ok, vou confiar de novo em você.
O garçom estava em segundo plano, então apenas anotou os pedidos e recolheu o menu.
- Eu começo ou você começa? - Levi não desgrudou seus olhos dos meus desde que fizemos o pedido e mal olhou para o garçom
Não sei o que ele havia visto de tão interessante, mas acho que iria durar por pouco tempo já que eu teria que falar do passado.
- É sério? Eu realmente não me importo - foi minha opinião final
- Não se importa? Eu te trouxe para o restaurante que a minha ex me apresentou, o restaurante no qual eu vinha todo o mês com ela.
- E eu entendi a razão. É um ótimo restaurante, o cheiro da comida das mesas ao lado está maravilhoso e o ambiente é muito agradável. Eu não acho que você esteja tentando voltar ao passado ou tentando a substituir me trazendo aqui.
Ele se afastou um pouco na cadeira, me estranhando.
- É sério?
- Sim. Eu não estou falando isso só para não te deixar mal.
- Bom, já que é assim, eu confesso que nada nessa noite até agora me fez pensar em um segundo nela.
- Não? Por quê?
- Primeiro, porque ela não comia salmão, então eu não conseguia comer esse prato já que é para duas pessoas, pelo menos quando eu não estava com muita fome. Segundo porque ela insistia em pedir uma garrafa de vinho, mesmo quando eu preferia não beber porque eu tinha que dirigir depois.
- Eu sei que ela é sua ex e tal, mas como você aguentava se privar assim e aceitava o que ela queria sem negociação?
- Esqueceu que ela me traiu? Você pode falar mal dela o quanto quiser! - ele riu - Às vezes a gente não percebe que está em um relacionamento abusivo até sair dele. Mas... eu já falei muito dela. Eu quero saber da longa história do seu segundo encontro.
Eu torci os lábios.
- Você disse que é longa, mas nós temos a noite inteira.
- Já que eu não tenho escolha...
Pensei um pouco antes de começar a contar. Levi esperou pacientemente.
- Ele... Ele foi marcante no começo. O primeiro dia no qual nos falamos por áudio, ficamos a noite inteira no telefone. Literalmente do pôr do sol ao nascer do sol. Ele me fazia sentir única, querida, como ninguém me fazia sentir. E eu realmente achei que tinha encontrado a pessoa certa.
Eu suspirei, ele deu um gole na limonada, me ouvindo sem dizer uma palavra.
- Ele morava em outra cidade, mais ou menos a meia hora daqui. Então nosso primeiro encontro demorou para acontecer. Ele finalmente me encontrou aqui um dia e nossa conversa fluiu bem, com aquelas travadas e uma vergonha natural, nada preocupante. E eu fiquei cega por ele, apaixonada, logo assim de primeira. Fiquei sonhando com o segundo encontro, que também demorou para acontecer, apesar de nos falarmos todos os dias.
- Hum... Meia hora não é muito tempo para quando se quer realmente encontrar alguém.
- Sim, eu deveria ter percebido isso antes. Então, pro segundo encontro, eu fui até à cidade dele. De ônibus.
- Eu já tô pegando raiva desse cara e tenho certeza de que a parte pior nem chegou.
Levi tinha toda a razão. A parte pior ainda bem estava perto de acontecer.
- Mas na minha cabeça estava tudo ótimo. Ele era o cara da minha vida, ele me fazia sentir bem, ele gostava de mim, nossa conversa era boa e tudo mais. Eu não percebia certos detalhes que eu vejo agora.
- Como o quê?
- Como ele sempre andava na minha frente e não me esperava. Como ele se irritava quando eu subia sua mão do meu quadril para as minhas costas. Como ele fazia elogios e logo esperava que eu o beijasse. Nessa vez que eu fui para a casa dele de ônibus, acabei dormindo por lá porque o próximo ônibus só ia sair de manhã e não, ele não teve a coragem de me oferecer uma carona até aqui. Nessa vez ele tentou deslizar a alça da minha blusa pelos ombros e eu a subi rapidamente. Depois disso, a noite foi de mal a pior. Mas, claro, eu estava cega, então ainda rolou um terceiro encontro.
Ele chacoalhou a cabeça e eu concordei com o gesto.
- Fomos ao cinema. Eu me incomodei por ele querer me agarrar o tempo todo. Falei que queria ver o filme e ele disse que o filme não importava. Ele sabia que eu estava louca para assistir ao filme e mesmo assim me atrapalhou a sessão inteira, me deixou morrendo de vergonha em uma sessão lotada. Mas a burra aqui ainda achava que era normal, que eu que estava sendo santinha demais.
- Meu Deus...
- Sim. E assim ele parou de atender às minhas ligações. Deu desculpas de que estava ocupado demais. Que a internet estava ruim. Até parar de falar comigo completamente e me deixar no escuro, achando ainda que a culpa era minha por tudo ter acabado. Eu lia e relia as mensagens vendo onde eu tinha errado.
- Resumindo... Ele só estava atrás de uma coisa.
- Sim. Sexo.
O garçom trouxe os pratos, cortando o assunto em uma parte nada agradável. O cheiro estava tão gostoso que até me fez esquecer da raiva que havia voltado ao meu peito ao contar essa história.
- Isso parece estar maravilhoso! - eu comentei
- Espere até provar!
Levi tinha razão: o restaurante era secreto porque a comida era tão boa que merecia ser apreciada por quem realmente desse valor a ela. As nozes davam uma crocância deliciosa e a polenta frita era cremosa por dentro e bem sequinha por fora.
- Ainda bem que a comida te distraiu do assunto. Desculpa ter te forçado a falar sobre isso - Levi comentou - Eu não sabia que tinha sido tão ruim.
- Qual o termo que você usou antes? Relacionamento abusivo? - ele confirmou com a cabeça - Foi exatamente isso, só que sem um relacionamento concreto. E eu não percebia. Todas as vezes que ele falava que eu estava mostrando muito o decote, mesmo por vídeo, mas tentava subir a minha saia; todas as vezes que ele zombou da minha cara por ter pedido Coca-Cola ao invés de cerveja e eu levava na brincadeira; todas as vezes que ele me iludiu com conversas sentimentais virtuais quando me desrespeitava como pessoa o tempo todo... E uma parte de mim, lá no fundo, era tão insegura e tão tonta que achava que isso era bom, que isso significava que ele me queria, que se importava.
- Sabe o que é pior? Caras assim raramente mudam porque tem sempre uma outra menina ingênua para usarem. Mas eu sei bem que isso serve para gente ficar mais forte e aprender a se defender.
- Eu tenho até vergonha de te contar isso. De te contar que até uns meses atrás eu tentava alguma resposta dele, algum pedido de desculpas.
- Você não me viu durante os seis anos de namoro. Eu era um escravo.
- Seis anos?
- Seis anos... Achando que ela era a pessoa perfeita. Que eu tinha tirado a sorte grande.
- Acho que encontramos mais um ponte em comum? - eu ri, um pouco sem graça - Nós dois nos apaixonamos por pessoas que só quiseram nos usar.
- Duas coisas em comum então: nós dois aprendemos a não deixar ninguém nos usar de novo.
E aquela frase mereceu um brinde... De limonada.
- Será que eles vendem uma tigela inteira daquela sobremesa? - eu perguntei, já no caminho de volta
- Eu posso perguntar em uma próxima vez, quando você deixar eu pagar pelo jantar.
- Se eu não te deixei pagar pelo sorvete de sexta, era meio óbvio que eu ia dividir a conta hoje, não?
- É que eu não estou muito acostumado.
- Espera, isso quer dizer que todas as vezes que você vinha aqui com a sua ex ela te fazia pagar a conta toda? Depois de 6 anos juntos? Ela pagava por alguma coisa nessa relação?
Ele olhou para o outro lado da janela, confirmando minha pergunta.
- Você provavelmente deve me achar um idiota, né? Meus amigos me disseram que era só uma questão de tempo para eu levar uns chifres, já que eu deixava ela pisar em cima de mim o tempo todo.
- Eu não te acho um idiota, eu já passei por isso. Mas, só para te preparar para a próxima garota com a qual você sair, se ela aceitar que você pague por um jantar desses sozinho sem nem ao menos insistir em dividir... É melhor você cair fora.
- Para falar a verdade, eu não quero me preparar para sair com uma outra garota, mas anotado.
Eu devo ter corado, por isso olhei para a janela. Logo, avistei meu prédio. Por que essa noite havia passado tão rápido? Ele parou o carro e eu fui ligeira: coloquei a mão na frente do seu corpo, o impedindo de abrir a porta e sair.
- Só preparando você de novo para sair com alguém que não seja sua ex: você não precisa dar a volta no carro e abrir a porta todas as vezes que der carona.
Ele riu, jogando seu pescoço para trás e apoiando sua cabeça no encosto do banco.
- Para o que mais eu preciso me preparar?
- Se a próxima for como eu, prepare-se para os vários micos e frases confusas e esquisitices, ah, e é claro, falta de coordenação. Eu não posso ver um degrau no chão que tropeço.
Ele riu mais uma vez.
- Não é normal... Eu falando o que eu penso assim, sem me preocupar com o que vão achar. E eu me sinto assim com você. Sinto que eu posso falar tudo o que passa pela minha cabeça sem ser julgada, assim como estou fazendo nesse exato minuto.
Seus olhos voltaram a mim, interessados, e eu tentei desviar meu olhar, mas este parou na curva que seu cabelo fazia com sua orelha.
- Engraçado. Eu também me sinto assim, mas tem algo na minha cabeça desde que eu te vi hoje e eu achei que não deveria dizer a uma garota como você.
- Uma garota como eu? Explica isso melhor.
- Uma garota que desvia de elogios porque não está interessada nesse tipo de atenção, não está interessada no superficial e sim nas ideias, nas histórias, nos sentimentos.
- Hum... e o que exatamente você queria dizer? - encostei minha cabeça no encosto, olhando-o
Achei que ele ia fazer algum charme antes de contar, talvez me deixar curiosa, mas ele disse as seguintes palavras sem pestanejar, sem nem ao menos piscar duas vezes.
- Eu diria que você é a mulher mais linda que já cruzou o meu caminho e que hoje você está mil vezes mais bonita do que qualquer foto que tenha colocado no perfil do aplicativo.
Ele me deixou sem palavras para dizer, mas eu não conseguia parar de olhá-lo.
- Eu ficava te olhando durante o jantar e não entendia o que você estava fazendo ali, me ouvindo, quando poderia ter qualquer um aos seus pés.
Eu acabei rindo de leve do seu exagero.
- O ponto chave para você entender isso tudo é: eu não quero qualquer um, eu nunca quis qualquer um.
Vagarosamente, apertei a trava e soltei meu cinto de segurança. Inclinei meu corpo entre os bancos e só parei quando nossos narizes estavam lado a lado. Fui eu quem puxou seus lábios primeiro, para também ser a primeira a soltá-los. Foi um puxão de bocas, foi mais um teste do que nosso primeiro beijo.
- Obrigada por hoje - falei ainda perto de seus lábios antes de voltar ao banco e abrir a porta, saindo e andando em direção à portaria
Não mostrei para ele, mas, assim que entrei pela portaria, soltei um suspiro de nervosismo. Nem eu acreditava no que eu havia feito. Enquanto esperava o elevador, conferi mentalmente se eu havia feito tudo certo, lembrando do que Celina havia me ensinado.
- Como assim não deixar nenhum beijo acontecer no primeiro encontro? - eu indaguei
- Confia em mim. Se o cara tentar te beijar, desvie, mas é melhor que ele não tenha essa abertura. Se mesmo não tendo a abertura ele tentar te beijar então cai fora.
- Nem beijo no rosto?
- Olívia, acorda, eu to falando de beijo de verdade, não de cumprimentos.
- Ok, mas seja específica então. E aí? E no segundo?
- O segundo encontro já vai ser mais descontraído, então vão rolar mais alguns olhares, alguns elogios, mas você tem que surpreender ele. Lógico, você também tem que querer. Então, se você sentir que é o momento certo, lá pro final da noite mesmo, você vai ter que iniciar o beijo.
- Como eu vou saber que é o momento certo?
- Acredite, se você realmente estiver atraída por ele, você vai sentir. Mas deixa isso pro final, é melhor que seja a última coisa que você faça antes de se despedirem. Ah, mas tem uma regra muito importante: esse beijo tem que ser simples e rápido. Nada de língua.
- E se eu não conseguir... Parar?
- Tudo o que você precisa fazer é puxar os lábios dele com os seus e se afastar, se despedindo. Ele vai ficar até um tempo sem entender, mas vai pensar sobre isso o tempo todo depois. Daí com certeza vai rolar um terceiro encontro.
- E nesse terceiro encontro eu vou poder finalmente beijá-lo?
- Sim, Olívia, vai. Mas não deixe se estender muito. Corte no meio, não deixe rolar nenhuma mão boba. O segredo é você estar sob controle, você ditar o que pode e o que não pode.
- Tá, anotado. E o quarto?
- Se passar de três, com você dando esse gelo e sob controle e você ainda se sentir atraída por ele e ele quiser sair com você reconhecendo que é você quem controla, então pode beijar o quanto for, as chances de ter um quinto, sexto, décimo encontro são praticamente certas. Você tem que se deixar se levar aos poucos, até mesmo para fugir desses que só querem te usar por uma noite. Eles logo se cansam quando não conseguem o que querem.
Eu mal percebi que já havia chegado ao andar quando me desliguei de minhas memórias. Quando adentrei meu apartamento, Celina estava na frente da TV, mas logo a desligou.
- Eu tô morrendo de sono, mas eu me forcei a ficar aqui só para você me contar absolutamente tudo! Não omita nada! - foi a primeira coisa que ela disse e bem, ela ficou mais um bom tempo acordada ouvindo cada detalhe
"Desculpa te mandar uma mensagem tão cedo, mas meu chefe já me ligou e eu nem saí de casa ainda, o que significa que o dia hoje vai ser uma loucura. Espero que tenha gostado do restaurante ontem! Podemos voltar sempre que você quiser."
Levi havia me mandando essa mensagem às 6:30 da manhã, mas eu só fui ver ao meio-dia. Isso porque eu dormi tão bem e tão profundamente que nem ouvi a notificação.
"Não tem problema nenhum, eu só acordei agora mesmo! E eu com certeza vou querer voltar lá. Adorei a comida e também a companhia." Demorei um pouco para digitar essa mensagem, especialmente a última frase, mas apertei enviar sem pensar muito.
Foi uma semana longa, mas feliz. Eu só conseguia falar com ele pela parte da noite, então meus dias eram um pouco entediantes até umas oito horas. O que me deixou feliz foi que termos nos conhecido pessoalmente não nos fez parar com as ligações e as mensagens. E eu confesso que, uma das coisas das quais eu mais gostava nele era que ele me dava espaço para respirar. Não insistia nas mensagens quando eu demorava para responder, não me elogiava a cada minuto e não falava sobre coisas que podiam me deixar envergonhada como, por exemplo, o beijo que eu tomei dele. Isso tornava tudo tão natural que eu quase me esquecia que só havia encontrado com ele duas vezes. Bom, a terceira vez não demorou muito para acontecer.
- Então, qual é esse lugar secreto aonde vamos? - Levi me perguntou enquanto eu abria o portão e o deixava entrar
O porteiro estranhou a visita, mas eu fiz questão de não olhar para ele.
- Você já vai descobrir, eu só preciso pegar minha câmera.
- Câmera?
- Sim, já já você entende. Se você pode me levar para um restaurante secreto, eu também tenho o direito de te levar para um lugar secreto, não?
- Bom, ok, é justo.
Levi olhava para os lados enquanto caminhávamos ao elevador.
- É sério, não tem nenhum apartamento para alugar aqui não? Preferencialmente com o mesmo desconto que você tem? - ele brincou - Olha esse lugar! É demais!
- Para falar a verdade, daqui a pouco vou precisar de alguém para dividir o apartamento - falei enquanto apertava o botão para subir
- Como assim? Achei que você morasse com sua prima.
- E moro. Mas ela passa mais tempo com o namorado do que aqui, quase não a encontro. E toda vez que minha mãe me liga, pergunta se já arrumei outra pessoa para dividir o aluguel, acho que até ela sabe que Celina logo logo vai mudar para um apartamento com ele, só não quer me contar diretamente.
Nós entramos no elevador e eu apertei o botão do meu andar.
- Espera, isso foi um convite para eu morar com você? Logo no terceiro encontro? - Levi falou assim que as portas se fecharam
- O quê? Não, não foi isso que eu quis dizer, é que você trouxe o assunto à tona e eu comentei e - eu devia estar vermelha, mas ele me interrompeu
- Olívia, eu estava brincando. Relaxa.
Estava sendo difícil relaxar quando tudo o que eu queria era beijá-lo de novo, mas respirei fundo. Chegamos ao meu andar e eu falei para ele entrar, mas ele disse que esperava na porta já que ia ser coisa rápida.
Quando fui em direção ao meu quarto, levei um susto com Celina escovando os dentes no banheiro.
- Celina! Eu achei que você estava com o Du!
- Não, decidimos sair mais tarde. Tô indo agora, só vou passar um batom depois disso. Por que está tão assustada?
- Ele está aqui, na porta.
- O mocinho do aplicativo? - ela falou embolado com a escova na boca
- Sim, mas nada de me envergonhar! Eu só vim pegar minha câmera. E vê se tampa a pasta de dente, você tem essa mania!
- Ok, ok, prometo! Já tô saindo, vou ver se dou um tchauzinho para ele.
Eu balancei a cabeça e entrei no meu quarto, buscando a câmera e conferindo se estava com bateria e com cartão de memória. Respirei fundo antes de voltar à sala e à porta de entrada. Levi estava encostado no batente.
- Eu disse que poderia ter entrado e esperado sentado no sofá.
- Não foi nem um minuto, Olívia.
- Celina passou por aqui?
- Sua prima? - concordei com a cabeça - Não, ninguém passou por mim pelo menos.
- Ok, ela deve estar no quarto dela. Vamos antes que ela saia.
Eu o empurrei de volta ao elevador.
- Vergonha de mim, é?
- Vergonha dela na verdade.
Meu comentário o fez rir e ele mal percebeu de primeira que eu não apertei o botão para voltarmos ao andar térreo.
- A gente vai descer aqui? Achei que o elevador estava subindo para buscar mais gente.
- Sim, bem vindo ao meu lugar secreto bem no fim do elevador!
Ele deu um passo para fora do elevador desconfiado. Eu o puxei para ver a vista.
- Uau. Dá pra ver praticamente toda a cidade daqui!
- Não exagera, só uma boa parte dela.
- Mas, a gente pode vir aqui? Ninguém mora nesse andar? - ele olhou para os lados
Era a cobertura do meu prédio, o décimo oitavo andar. Havia apenas um apartamento nesse andar e não quatro como nos outros, por isso, havia uma varanda aberta logo na saída do elevador e de lá a vista era impressionante.
- Não sei se moram, nunca vi ninguém entrar ou sair desse apartamento. Mas o elevador me traz até aqui e eu não preciso de chave nenhuma, então não acho que seja proibido vir até aqui em cima.
- E você passa muito tempo aqui?
- Eu gosto de vir aqui para pensar, para ver o movimento dos carros e pessoas em miniatura lá embaixo. Me traz um pouco de paz e eu consigo pensar mais claramente.
- É uma vista muito bonita realmente.
- Espere então até ver o pôr do sol que deve acontecer em alguns minutos - eu sorri
Eu nunca havia levado ninguém até ali, ao meu lugar de paz. Quando tudo está me estressando ou quando eu sinto vontade de um pouco de silêncio e inspiração, eu subo o elevador até aquele andar e observo as luzes e o céu até que meu coração se aquiete. Contudo, meu coração estava batendo mais forte que o normal com ele ali ao meu lado.
Falamos de assuntos bem casuais enquanto esperávamos o céu mudar. Trabalho, casa, nossa semana. Até que ele me pediu para ver minha câmera.
- É mais um hobby mesmo - eu disse, enquanto ele olhava as fotos do cartão de memória - Provavelmente só tem fotos do pôr do sol daqui.
- Também têm flores, e prédios... E a Lua.
- Sim, eu não sei cuidar de planta, mas eu gosto de como elas saem nas fotos.
Ele apontou a câmera para mim e eu coloquei minha mão na frente da lente quando percebi o que ele tentava fazer.
- Faltam alguns retratos nesse cartão de memória - ele falou, rindo
- Não sou boa fotografando pessoas. E sou ainda pior na frente das lentes.
- Eu discordo - ele afirmou, me devolvendo a câmera
Um silêncio se instalou sobre nós e voltamos a observar o céu ouvindo apenas o barulho dos carros lá em baixo.
- Hum... Você gosta de natureza? Quer dizer, de atividades ao ar livre? - essa pergunta apareceu do nada
- Não sei, depende - respondi - Por quê?
- É só uma ideia, mas não vai funcionar se você não gostar.
- Bom, eu não sou a maior fã de insetos, então eu gosto de ar livre e natureza desde que eu saiba que eu posso fugir dali para a cidade sem muita dificuldade.
Ele riu, sorrindo, com a minha resposta.
- Então está fechado.
- O quê?
- Nosso próximo encontro.
Eu olhei para baixo, desviando meu olhar do seu.
- Vamos esperar esse aqui acabar primeiro - eu falei - O céu já está começando a ficar rosa.
Fingi não perceber quando ele aproximou um pouco seu corpo do meu. Nós observamos o céu derreter em tons rosas, laranjas e azuis até que o sol virou um círculo brilhante vermelho.
- É interessante como eu nunca reparei que o sol se põe pra esse lado da cidade - ele comentou
- Quase não dá pra ver ele se pondo assim, no finalzinho, em andares mais baixos. Eu mesma não consigo ver da minha janela.
Levi olhou para baixo.
- É realmente bem alto aqui - ele comentou, se afastando um pouco da beirada
- Medo de altura?
- Não. Medo de não querer mais descer.
O céu começou a escurecer e nós, cansados de ficarmos em pé, sentamos no chão da varanda, olhando apenas o céu. A cidade ficou escondida pela grade da sacada. Ele puxou alguns assuntos mais pessoais enquanto nossos joelhos se encostavam.
- Eu não sei. Eu era sim muito apaixonado por ela no começo, mas no fim eu já acho que era orgulho misturado com um pouco de comodidade.
- Isso acontece, né? A gente se costuma e às vezes tem tanto medo de mudar que não percebe que a outra pessoa já mudou faz tempo.
- E é incrível como a gente tenta se enganar. Quando eu descobri que ela estava me traindo, eu neguei, eu pensei que a culpa fosse minha, pensei até que era apenas um erro, como todo mundo comete. Mas depois veio a raiva e me fez enxergar tudo com clareza.
- Desculpa a pergunta, mas como você descobriu?
- Não peguei eles na cama, se é o que você está querendo saber - ele riu - Acho que, se tivesse, eu pularia a fase da negação e iria direto para a raiva. Eu descobri por uma colega que me mandou uma foto dela abraçada e beijando o outro cara.
- Sério? Alguém te mandou uma foto?
- Sim, foi ainda mais confrangedor porque tinha outra pessoa envolvida nisso tudo. Eu fiquei bem chateado com essa colega, mas agora eu vi que se não fossem por essas fotos, eu ainda estaria fazendo papel de trouxa.
- Sabe aquilo que você falou no jantar? Que nos tornamos mais fortes depois desses sofrimentos? Eu acho que eu fiquei sim mais forte, mas isso também significa que agora eu confio ainda menos nas pessoas.
- Sim, eu entendo perfeitamente - ele suspirou - Quando você conhece alguém novo é como se você fosse pular de pára-quedas, você tenta curtir a vista mas nunca fica tranquilo até puxar a cordinha, abrir o pára-quedas e pisar em chão firme.
- Sim. Esse é o exemplo perfeito. Apesar de que eu travaria logo na hora de pular.
- Dá um pouco de medo, mas não é tão ruim.
- Você já pulou de pára-quedas? - perguntei um pouco animada demais
- Sabe aquele tipo de cara que, quando termina um relacionamento longo, vai a um monte de festas para pegar mulher e aproveitar a volta à vida de solteiro? Então, eu não fui a nenhuma festa, mas eu pulei de pára-quedas. E fiz bungee jump. E pulei de algumas cachoeiras. E andei em várias montanhas russas.
Ele falou rindo e eu não evitei rir também.
- Você estava querendo esquecê-la ou tentando se matar? - eu brinquei
- Tentando esquecer tudo e matar o meu passado, na verdade.
- Eu nunca imaginaria que você era radical assim! E eu perguntando se você estava com medo de altura, mal sabia eu! - ele balançou a cabeça com minha brincadeira
- Bom, eu estava tentando coisas novas fora da minha vida de nerd - ele sorriu - Mas... Se for para comparar, toda a apreensão que eu senti antes de pular do avião não se compara à que eu senti quando eu te vi pela primeira vez.
Essa frase me fez desviar os olhos dele e eu me pronunciei sem olhá-lo.
- Que exagero, Levi.
- É que quando eu pulei, eu sabia que a cordinha ia ser puxada em algum momento e eu fiquei esperando os segundos ansiosamente para colocar meus pés no chão. Com você, parece que eu estou sempre em queda livre e... - ele suspirou, sem completar a frase
- E não sabe quando vai colocar os pés no chão de novo porque pode ser que tudo isso se acabe antes de você puxar a cordinha? - eu perguntei, já sabendo a resposta.
Ele confirmou com a cabeça.
- Bom, pelo menos nós fizemos o mais importante: nós pulamos.
O céu já havia escurecido quase completamente e eu via pouco de seu rosto. Por isso, sem pensar muito, eu coloquei minha mão em sua bochecha, tentando contornar sua linha do maxilar. Levi me surpreendeu ao colocar sua mão em cima da minha e virar o rosto, beijando minha palma. Dentro do meu peito, meu coração disparou. No meu estômago, as borboletas se multiplicaram. Foi inevitável me aproximar um pouco mais de seu rosto, assim como também foi inevitável fechar os olhos e esperar pelo seu toque.
Ele repetiu meu beijo no carro, mas um pouco mais lento, demorando mais para soltar minha boca, e eu não posso negar: foi muito melhor que o meu. Este gesto se repetiu algumas vezes, um pouco mais rápido, um pouco mais profundo, às vezes partindo de mim. Até seus lábios não me largarem mais e, assim, abrirem os meus. Sua mão, que havia permanecido em cima da minha, foi direto à minha nuca, mudando completamente o tipo de beijo. O que antes era doce e gentil e intercalado de sorrisos virou algo ardente em meu peito, virou uma boa confusão em minha mente, virou meus dedos em seus cabelos. Foi difícil, mas eu segui o conselho de Celina e terminei o beijo antes do previsto, me soltando com um pouco de pressa dele.
Demorei um pouco para recuperar meu fôlego e vi somente a silhueta de seu rosto com os olhos fechados, olhando para cima, sua boca respirando forte.
- Tá meio calor aqui, né? - eu disse, ajeitando meus cabelos e ele riu - Mas eu tenho um sorvete de flocos de dois litros no freezer. Te interessa?
- Muito - ele disse entre um suspiro forte
Nós nos levantamos e a brisa que vinha da sacada me ajudou a recuperar a compostura. O caminho entre a cobertura e meu andar, dentro do elevador, foi silencioso, mas foi como se estivéssemos pensando a mesma coisa, mas não querendo dizê-la.
- A vista não é tão boa, mas pelo menos temos um banquinho - eu disse, entregando-lhe um pote com sorvete
- Ainda dá para ver um pouco do céu, mas a visão pro shopping é privilegiada - Levi comentou
- Sim, se você reparar, dá para ver a fila do cinema por aquela janela ali, então dá pra saber se vai estar lotado ou não antes de ir.
Eu o vi estreitando os olhos e tentando ver a fila.
- Nossa, é verdade! - ele se impressionou - Dá para ver que agora não é uma boa hora de ir lá.
- Nós podemos ir algum dia. Eu aviso se está cheio ou não - eu brinquei - Mas geralmente no meio da tarde não tem ninguém.
- Você escolhe o filme e eu prometo assistir ele com você sem te constranger, ok?
Eu até havia me esquecido que contara isso a ele.
- Um pouquinho de constrangimento em uma sala de cinema vazia até que não faz mal.
Ele riu, ficando um pouco corado. Terminamos o sorvete e parecia que não havia mais assunto, mas, na verdade, eu estava me segurando para não chegar mais perto e repetir o que acontecera alguns andares acima.
- Você se importa se eu usar o seu banheiro?
Seu pedido tão educado me despertou do que estava passando pela minha cabeça enquanto estávamos em silêncio.
- Claro, é no fim do corredor. Eu vou aproveitar e levar esses potes para a pia.
Ele se dirigiu ao corredor, eu à cozinha e, assim, eu pude finalmente respirar. Parecia que algo estava queimando em meu peito enquanto ele estava tão próximo.
- Fim do corredor à direita ou à esquerda? - ele gritou
- Esquerda! - eu respondi e o ouvi abrir e fechar a porta
Eu não sabia o que dizer, o que fazer, para evitar mais beijos e nem sabia se queria. Mas, apesar de ter uma grande diferença, eu não quis repetir os erros do passado. Felizmente, ou infelizmente, ele disse que estava ficando tarde e que logo teria que ir ao trabalho.
- Onde eu arranjo um trabalho que nem o seu? Não ter que acordar cedo na segunda ou na sexta deve ser maravilhoso.
- Te garanto que dormir somente às cinco da manhã não é nada agradável - ele sorriu - A gente se vê essa semana? Você vai voltar a trabalhar?
- Não, eu tirei uns bons dias de férias, ainda não acabaram.
- Ótimo. Então é melhor você já ir separando o tênis e o protetor solar pro nosso próximo encontro.
- Tênis e protetor solar? Você vai me levar para correr uma maratona?
- Não... Talvez. Bom, você vai ver. É o meu lugar secreto dessa vez.
- Combinado, mas é melhor deixar o número da SAMU já gravado facilmente no celular, talvez eu não aguente não.
- Calma, vai valer a pena.
Ele já estava perto da porta e, antes que eu pudesse pensar em me despedir formalmente, ele tocou meu rosto de forma leve, me fazendo olhar diretamente pra ele, algo que eu estava tentando evitar.
- Eu realmente gostei do dia de hoje - Levi falou com naturalidade
Eu dei abertura para um beijo me aproximando mais dele, mas ele apenas encostou seus lábios no meus de leve e soltou. Depois da porta do elevador se fechar, com ele acenando tchau, eu fechei a porta do meu apartamento e deixei meu corpo cair arrastado pela porta, soltando todo o ar preso no meu pulmão. Eu queria um beijo a mais, eu queria mais do que apenas aquele toque leve, mas, pelo visto, suas regras eram parecidas ou até melhores do que as de Celina. Afinal, era para ele ficar desesperadamente querendo mais disso tudo; não eu.
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