Depois do desentendimento com Steve, Julieta achou que seria melhor pedir as contas. Foi uma surpresa para todos que ficaram muito estupefatos com a decisão dela. A Technology Star perdia sua melhor gerente.
- Mau caráter! Aquele cretino! - Marina usou todos os adjetivos negativos que conhecia para se referir a Schimdt, enquanto gesticulava e andava de um lado para o outro na copa. Então parou e se voltou para a amiga: - Você vai mesmo deixá-lo, certo?
- Sim - suspirou Julieta, contornando a borda do copo descartável com o dedo, os olhos baixos.
- E com razão! Espero que o pai dele o deserde e esse crápula fique na rua da amargura!
Julieta deu de ombros. Não queria pensar em Steve, pois aquilo lhe fazia muito mal, então resolveu contar seus planos para a amiga a fim de mudar o assunto.
- Pretendo ficar na chácara dos meus pais. Acho que mereço um tempo para mim depois de tantos anos de trabalho e estresse.
- Como eles reagiram com tudo isso?
- Bem, mamãe evitou jogar na minha cara que me avisou que essa história de se casar escondido não poderia ter um final feliz. Mas eles deixaram que eu ficasse com eles. Foram muito generosos.
- Que bom, amiga. - Marina sorriu, mas uma lágrima solitária correu por sua bochecha e Julieta deu um passo à frente para secá-la. - O que eu vou fazer sem você? - soluçou.
- Você precisa desse emprego, Mari. E não vai ver a cara do Steve por aqui com frequência, por isso não se atormente. Além do mais, irei ligar para você toda semana.
As duas amigas se abraçaram e choraram juntas. Mariana sentiria uma falta terrível de Julieta, mas ela estava certa. As coisas estavam difíceis e, até arrumar outro trabalho, ela ficaria ali.
- Boa sorte, minha amiga - desejou Marina, segurando a mão dela. - Que Deus esteja com você.
- Amém, minha querida.
*
O ar fresco e o cheiro das flores tomaram conta dos seus sentidos ao sair da pequena igreja. Julieta sentia-se revigorada. Tinha muito que agradecer. Seus pais a haviam acolhido e estado ao seu lado e seu filho se desenvolvia forte e saudável. A barriga estava enorme, além dos seios que estavam maiores, mas ela descobriu que não era apenas mito quando as pessoas diziam que a pele das grávidas ficava mais vistosa, pois podia ver isso em si mesma.
E não era essa a única bênção que o Senhor havia lhe concedido depois de todo o sofrimento. Além de tudo, Julieta conseguira convencer os pais a montarem um pequeno negócio junto com ela. Com o dinheiro que eles e ela mesma haviam economizado não seria assim tão difícil. Abriram uma pequena agência de passeios local. Quando Julieta percebeu que a única agência que tinha na cidade usava de preços exorbitantes e condições não tão promissoras assim para os visitantes, a ideia não demorou a surgir e uma empolgação tomou-a. É claro que tinham levado algum tempo para conseguir o aval da prefeitura e toda aquela burocracia, mas, com tudo certo, o negócio parecia começar a engatinhar.
Steve não havia tentado falar com ela durante esse tempo e eles apenas se encontraram na inevitável audiência de reconciliação. Assinaram o divórcio e, depois disso, ele não ligou nem a procurou e, embora no início tivesse sido muito doloroso, Julieta não se rendeu à tristeza. Seguiu firme, encaixando cada bloquinho em cima do outro, tornando a construir, aos poucos, a confiança e alegria que Steve havia demolido com sua dureza. Agora, ele já não habitava mais seus pensamentos com a mesma frequência, embora às vezes ela ainda se pegasse pensando nele.
- Sua mamãe é uma guerreira, Thomas - ela falou, olhando e acariciando a barriga. - Estou certa ou não? - Em resposta, o garotinho dentro de si se mexeu e ela riu. - Muito bom! Já está aprendendo a concordar com sua sábia mãe.
*
Exausta era a palavra que definia Julieta naquele momento. Thomas a acordara durante a madrugada para que ela o amamentasse e agora ela mal conseguia manter os olhos abertos. Ainda assim, com todas as noites em que era obrigada a abdicar de seu sono, apesar de todas as fraldas sujas que precisava trocar, Julieta amava ser mãe e, quando olhava para os cabelos claros do filho, os olhinhos azuis e a pele clara, o rostinho angelical, ela se sentia orgulhosa pela escolha que tinha feito. Qualquer dificuldade não era suficiente para que, por um segundo, ela pensasse que aquilo não valia a pena.
Julieta ainda estava de camisola quando se levantou da cadeira e pousou um Thomas adormecido em seu berço. Ela bocejou, esticou o braço e seu estômago reclamou. Arrastando-se até a cozinha, Julieta dirigiu-se até a mesa, onde havia uma travessa com pão caseiro e frios e uma jarra de suco de laranja, já que raramente alguém ali tinha o costume de tomar café pela manhã. Sentou-se e serviu-se preguiçosamente.
- Está tudo certo com a pia, dona...
A voz do homem morreu assim que Julieta soltou um grito, levantando-se de um pulo e quase fazendo com que a cadeira caísse para trás. Ela levou a mão ao peito com o susto - seu coração batia tão rápido, que ela pensou que o vomitaria ali. Para sua total surpresa, havia um estranho parado na cozinha de seus pais. Então, para seu completo constrangimento, ela se deu conta de que não estava apresentável e corou, embora os olhos do homem estivessem focados em seu rosto e, nem por um instante, tivessem descido para inspecionar seu corpo.
- Desculpa ter te assustado - a voz viril dele vibrou em seus ouvidos, embora ele tivesse usado um tom que denotava o quanto parecia se sentir culpado. - Eu imaginei que fosse a dona Luiza que houvesse entrado na cozinha.
O homem, de estatura alta e ombros largos, depositou a chave de rosca no cinto e ela não precisou se perguntar o que ele fazia ali, porque as ferramentas na mão dele já diziam por si mesmas, ainda assim ele achou que deveria explicar:
- Eu vim consertar o cano.
- Ah - foi tudo que conseguiu emitir.
Um silêncio desconfortável seguiu-se entre eles, enquanto ambos permaneciam de pé, sem saber muito bem como se comportarem diante um do outro. Então, Julieta tornou a se sentar e tentou voltar a comer como se nada tivesse acontecido.
- Eu me chamo Teodoro - disse ele, enquanto agachava-se e erguia uma maleta de ferramentas, pousando-a no mármore da pia. - Você deve ser a filha da dona Luiza - constatou.
Teodoro, como ela sabia agora, exibiu um sorriso singelo.
- Julieta - apresentou-se ao encontrar a voz. - Sim, eu sou filha dela.
Ele assentiu e uma mecha escura de cabelo caiu sobre sua testa. Teodoro continuou organizando os utensílios em sua caixa e só voltou a olhar para Julieta no momento de se despedir.
- Diga à sua mãe que ela não precisa se preocupar em me pagar, pois esse é um favor de amigo. - Teodoro foi até a saída, mas parou à soleira da porta antes de continuar. Levou uma das mãos à nuca, parecendo um tanto sem jeito. - E desculpe mais uma vez ter te assustado. Tenha um bom dia.
Julieta o observou desaparecer e voltou a respirar, dando-se conta de que havia prendido o ar até aquele instante. Céus, ela devia estar mesmo cansada para não ter notado que havia alguém ali além dela. E o quão ruim devia estar sua aparência? Cobriu o rosto com as mãos e gemeu. Era melhor nem pensar sobre o assunto.
*
Demorou algum tempo até Julieta perceber o que sua mãe vinha fazendo.
Depois que contou a ela sobre o episódio vergonhoso da cozinha, de uma forma bastante incomum e misteriosa, vários probleminhas que exigiam os serviços de Teodoro começaram a surgir. Um dia eram as dobradiças da porta, que Julieta sabia muito bem que seu pai era capaz de arrumar (ou até mesmo ela), no outro era algum vazamento que ninguém além de dona Luiza enxergava e dessa forma não faltavam desculpas para que Teodoro fizesse suas "visitas" à chácara.
Em algum momento, ambos pararam de fingir que havia algo a se fazer ali, quando era evidente que tudo não passava de armações de uma mãe casamenteira, e passaram a serem amigos, sem se importarem em encenar apenas na presença de dona Luiza.
Julieta vinha segurando as mãozinhas pequenas de Thomas que já dava seus primeiros passos, em direção ao balanço que ficava na varanda, onde Teodoro encontrava-se sentado. Quando os dois se aproximaram, ele abriu os braços e incentivou o pequeno Thomas a ir até ele. O garotinho riu e, cambaleando e tendo o apoio da mãe, andou com passinhos rápidos até ele.
- Ah, garoto esperto! - Ele envolveu o pequeno com os braços e bagunçou seus cabelos.
Impulsionando Thomas para cima, ele fez com que o garoto sentasse em seu joelho e começou a brincar com ele. Foi inevitável que os lábios de Julieta se curvassem para cima com aquela cena, formando um sorriso em seu rosto. Teodoro sabia lidar com crianças, era um homem trabalhador, gentil, tinha o próprio negócio de faz tudo, como ela viera a descobrir depois, e tinha uma beleza rústica, diferente de Steve que parecia um príncipe. Mas ela achava que gostava muito mais do conjunto das feições de Teodoro, os lábios grossos, os olhos castanhos, o nariz irregular e o queixo quadrado, além da barba por fazer. E quando ele a tocava com suas mãos fortes em alguma parte do seu corpo, ainda que sem intenção, despertava nela algo que fazia com que Julieta se sentisse viva e ao mesmo tempo horrorizada. Estava cedo demais para se envolver. Ela só o conhecia há alguns meses e ainda havia em seu coração o receio de mais uma vez ser levada à decepção.
- O que foi? - inquiriu Teodoro, trazendo-a de volta de seus devaneios.
Ela balançou a cabeça.
- Nada. - Julieta sorriu e sentou-se ao lado dele.
Embora soubesse que alguma coisa a perturbava, ele não insistiu em querer descobrir o que era. Julieta apreciava o fato de ele não pressioná-la em assuntos que ela preferia guardar para si.
- Olha só, Thomas está babando em você. - Julieta balançou a cabeça de forma negativa e fez menção de tirá-lo do colo de Teodoro, mas ele a impediu com um gesto de mão.
- Deixa que eu levo ele.
Pegando o menino em seus braços, Teodoro caminhou com Thomas até seu quarto e Julieta o seguiu. Ele deitou o pequeno sobre o berço e, assim que Julieta o cobriu, os dois retornaram à varanda e voltaram a sentar.
A paisagem da chácara era incrivelmente inspiradora. Um abacateiro fazia sombra sobre a casa e suas folhas balançavam com a brisa. Um vento suave atravessou seus corpos e Julieta se encolheu de frio e esfregou as mãos para aquecê-las. Então sentiu um súbito calor quando as mãos de Teodoro apertaram as dela e ele fez uma concha para protegê-las. Julieta ergueu os olhos para ele, incerta sobre a profusão de sentimentos que a envolviam. Tudo era ainda muito novo.
- Não é uma boa ideia - decidiu.
Julieta retirou as mãos daquele aconchego e levantou-se, sentindo a confusão dentro de si. Ela caminhou até a cerca e debruçou-se ali.
Alguns instantes depois, Teodoro estava ao seu lado, mas ela continuou olhando para o horizonte. Ele não a forçou a fitá-lo naquele momento e não tentou mais uma aproximação. Apenas ficou ali, ao lado dela e, mesmo em silêncio, ela podia sentir que ele não a julgava.
- Me desculpa, Teo - pediu, a voz embargada. - Eu não sou tão forte quanto pareço.
- O quê? - Ele virou de lado, apoiando o cotovelo na cerca e encarando o perfil dela. - Julieta, você é incrível!
Ela sorriu amargamente ao ouvir aquilo e virou o pescoço para que pudesse olhá-lo.
- Não, não sou.
- Sim, você é - disse com uma firmeza que deixou-a arrepiada. - É a mulher mais inteligente e mais forte que eu já conheci. - Ele entrelaçou o mindinho dela no seu indicador; um gesto simples, mas que transmitia toda a energia da sinceridade que ele imprimia em cada palavra. - Você foi uma mulher que sempre batalhou pelo que quis e que não se importou em perder tudo por amor à pessoa mais importante da sua vida. Você abriu mão de tudo pelo Thomas e conseguiu superar o fato de ter que cuidar dele sozinha.
- Teo...
Teodoro silenciou-a, pousando os dedos em seus lábios, fitando-a com profundidade.
- Nunca mais na sua vida repita de novo que você não é forte. Ok? Eu a proíbo.
Julieta riu e assentiu. Uma lágrima de alegria desceu por sua bochecha. Sob que constelação Teodoro havia nascido que sempre sabia como fazê-la se sentir bem?
- Obrigada, Teo - agradeceu e se deu ao gostinho de poder abraçá-lo e sentir o calor dos braços dele irradiar por seu corpo.
Com carinho, Teodoro tocou o queixo dela, fazendo com que ela inclinasse a cabeça para poder olhar em seus olhos.
- Saiba que, pode levar o tempo que for, Julieta, eu irei esperar até que cada caquinho seu esteja colado e você possa amar novamente. Até lá, eu estarei aqui, amada.
Aquilo era tudo que ela poderia desejar. Aquele era o verdadeiro significado de sweetheart. Julieta tinha certeza de que, quando voltasse a amar, essa pessoa seria Teodoro. Como ele lhe dissera, ela era forte e ela estava certa de que o tempo colocaria tudo no lugar.
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