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° 2.0 °

AN-TI-PA-TI-A

Substantivo feminino:

•Repugnância instintiva diante de alguém ou de alguma coisa; aversão, repulsa.

   Uma das únicas tradição vivas nas universidades eram as festas nos fins de semana, e em Yale a coisa não era diferente.

   Os corredores encontravam-se vazios, porém mesmo com o silêncio ensurdecedor, Jared não conseguiara ao menos tirar um cochilo que fosse.
Cansado de remexer-se na cama, que parecia conter formigas, se levantou, pôs uma roupa descente e saiu do seu dormitório.

    Chegando a enorme biblioteca, seguiu em direção a cessão de clássicos. Abaixou um pouco, seus dedos percorreram as divergentes capas até encontrar algo interessante.

   Folheou rapidamente e vendo que havia muitas páginas, o sono logo chegaria. Voltou a fechar a capa e observou o título.

— Madame Bovary.. — leu em voz alta.

   O título em questão não lhe chamava em nada atenção.

— É um bom livro. — sussurrou Lawrence.

   Ao ouvir a doce voz dela, o homem a procurou com os olhos, avistando-a sentada a uma das grandes mesas de carvalho. Onde ela estava havia pouquíssima luz, mas ele soube distinguir que a última coisa que a jovem fazia era ler um livro.

— Sem sono, professor? — questionou, enquanto servia mais uma dose de Bourbon.

— Pois é... O fuso horário me deixa perdido.

  Fuso horário, isso que dizer que ele não é daqui, pensou ela

   Ele marchou até a mulher e sem ao menos lhe pedir permissão, sentiu na cadeira diante dela.
Observou cautelosamente ela, agora suas roupas estavam diferentes, a maquiagem borrada  — talvez por lágrimas enxutas de qualquer maneira — os cabelos presos em um apertado hijab¹ preto para combinar com a cor do seu vestido.

— Eu atrapalhei alguma coisa? — perguntou ele.

— Não. — Lawrence respondeu e virou de uma só vez o conteúdo do copo.

   Ela também examinou ele: pele um pouco bronzeada, roupas grossas e baratas, a barba por fazer, e os cabelos cuidadosamente penteados sujeriu que o Professor Jared não passava de um mera formiga operária.
Assim como seu pai.

— Bourbon? — ofereceu por fim, ele apenas negou com a mão — Então, mais pra mim!

   E novamente voltou a encher seu cálice. Jared abriu seu livro e iniciou sua leitura com dificuldade pela escuridão.

   Percebendo a dificuldade do homem, a garota esticou seu braço e ascendeu a luminária que ficava sobre a mesa. Porém, em nada lhe ajudou, pois seu foco estava na garota que mal conseguia parar de encarar, mesmo que de soslaio.

— Quer perguntar algo, senhor Halsey? — murmurou ela — Mais cuidado, sou vou responder o que eu quiser.

   Ele realmente achara que estava sendo discreto.

— Você só usa o hijab a noite?

   Lawrence deixou seu bebida de lado, indireitou- se na cadeira e juntou as mãos.

— Sabe, o meu pai era um professor assim como o senhor... — Jared não entendeu onde ela queria chegar — Era da Índia e veio para a América, minha mãe é libanesa e também veio para cá.. e o senhor de vem?

— Havaí. — respondeu sem demora.

— Bonito lugar. Tem namorada, senhor Halsey?

   Aquela pergunta pareceu um pouco invasiva para ele.

— Não.

— O senhor é gay?

   Certo, agora com certeza ela foi longe demais.

— Não sou gay. — repreendeu com irritação, e tudo só piorou quando ela arqueou as sobrancelhas — Por que acha isso?

   Ela não respondeu seu questionamento, de forma debochada apoiou o queixo sobre uma mão e sorriu para ele.

— Acha que sou homossexual porque estou lendo um romance? — continua ele.

— Jamais! — talvez fosse o efeito do álcool, talvez ela só quisesse saber até onde iria sua paciência — Mais eu nunca vi um homem ler Madame Bovary..

   Jared permanecia com a cara fechada em uma carranca, o queixo cerrado e um dos punhos fechado.

   Aquilo realmente era raiva, e Lawrence se deliciou ao ver qual fraca pode ser a masculidade de homem.

— Deixaria de ser Árabe se lê-se a Torá²?

   Árabe, como uma palavra tão pequena podia doer tanto no seu âmago?

— Acha que sou árabe por isso? — apontou para o hijad em sua cabeça.

   Jared não soube o que fazer, e muito menos onde havia errado.

   A morena arrancou o assessório dos cabelos e jogou no chão.

— E agora pareço Árabe para o senhor?

   Não satisfeita e sentindo-se ainda mais ofendida, levantou e desceu a túnica³ a tirando do seu corpo que agora era aparado apenas por sua discreta lingerie.

— Ainda pareço uma árabe? — Jared ficou imóvel, impressionado com a atitude dela — Responda, senhor Halsey! Pareço uma mulher árabe?

— Eu não quis ofender! — tentou se explicar.

— O senhor é um caucasiano hipócrita e ... — enquanto falava apontava o dedo para ele — Não devia julgar o livro pela capa!

   Irritada pegou sua túnica e saiu. As lágrimas impediam ela de caminhar, porém não desistiu e continuou percorrendo os corredores.

   Enquanto isso, o homem mal sabia o que havia acontecido, mais de uma coisa tinha certeza, aquela expressão magoou ela.

...

   Ao chegar ao seu quarto deitou na cama, agarrou o travesseiro e chorou compulsivamente.

   Algumas garotas, como Amy, costumavam a chamar de "paquistanesa". Não havia nada de errado em ser do Paquistão, mas era povos diferentes, não era o seu povo!

  Lawrence odiava rótulos.


|¹| Hijabe ou hijab é o conjunto de vestimentas preconizado pela doutrina islâmica. No Islã, o hijab é o vestuário que permite a privacidade, a modéstia e a moralidade, ou ainda "o véu que separa o homem de Deus".

|²| A Torá constitui a base e o fundamento do judaísmo e corresponde aos cinco primeiros livros do Tanakh.

|³|A túnica é um traje muito comum em várias culturas, etnias e em diversas partes do mundo, como no Oriente Médio, sendo ali a principal peça do vestuário árabe.

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